História Bad For Me - Nevra - He's Still Here

—  Você viu? —  Pergunto para Valkyon assim que chego na sala das portas, notando que ele olha de um lado para o outro, como se estivesse procurando algo, e imagino que seja a mesma coisa da qual estou atrás.

—  Ela passou por você também? —  Faço um movimento afirmativo lentamente, olhando diretamente nos olhos do platinado. —  E como foi que ela escapou?

—  Você está perguntando como ela escapou dos meus braços ou como ela escapou da cela? Porque, sabe, a sua pergunta não foi muito clara —  respondo, me fazendo de besta. Valkyon apenas tomba a cabeça para o lado, arqueando uma sobrancelha. —  Certo, certo! Digamos que eu não estava muito atento e talvez tenha me distraído um pouquinho com a aparência da garota em vez de tentar segurá-la e levá-la para a sala do cristal.

Mesmo sem olhar diretamente para ele, eu tenho certeza absoluta de que o platinado está me julgando. Assim que passo a observá-lo, minhas suspeitas são confirmadas.

—  Não me olha desse jeito! Ela passou por você logo depois e mesmo assim você não está com ela. Posso saber por quê? —  Cruzo os braços, alternando meu olhar entre Valk e os cantos da sala. Acho que tem algo estranho naquela pilastra ali...

—  Eu não tinha ideia do que realmente estava acontecendo — ele levanta os braços, claramente na defensiva. — Uma pessoa apenas passou correndo por mim e, quando eu finalmente entendi que era a humana que deveria estar presa, ela já havia desaparecido.

—  Acho que já podemos nos considerar como mortos quando Miiko ficar sabendo disso —  suspiro, jogando a cabeça para trás.

Uma merda não ser tão fácil abrir um portal para o mundo da humana e jogarmos ela lá. Todo mundo sairia bem mais feliz dessa história toda e a responsabilidade pelo que acontece com ela e para onde ela vai não seria nossa. Um problema a menos na minha vida, então eu não iria reclamar se isso acontecesse.

— Se ela ficar sabendo —  Valkyon diz calmamente, fazendo com que minha atenção volte a ser direcionada a ele. —  Afinal, podemos ir em busca da humana agora e, se a acharmos, Miiko nunca precisará saber que em algum momento nós chegamos a perdê-la de vista —  a sugestão de Valkyon não é nada mal, nada mal mesmo. E, de qualquer maneira, caso não encontrássemos a garota, como a kitsune poderia ao menos desconfiar que nós havíamos passado por ela e que não conseguimos capturá-la?

—  Certo, vamos sair em busca dela. Acha melhor nós irmos juntos ou separados? —  Arqueio a sobrancelha e ele dá de ombros em resposta à minha pergunta, dizendo logo depois que não se importa muito. Decidimos então ir juntos, afinal, a parte externa do QG é enorme e com certeza ela tentaria ir pelo lado de fora para atravessar o portão em busca de alguma saída. Não que isso seja muito inteligente, visto que se ela entrar na floresta provavelmente vai morrer, mas digamos que seja a coisa mais óbvia de se passar pela cabeça de alguém que esteja fugindo e não tenha noção nenhuma dos perigos existentes no nosso mundo.

Posso jurar que vejo a porta da despensa sendo fechada logo depois de um vulto entrar, mas provavelmente estou apenas imaginando coisas e, mesmo que alguém realmente tenha entrado lá, pode simplesmente ser Karuto ou qualquer pessoa. Decido, portanto, ignorar e continuar seguindo Valkyon pela escadaria, prestes a sair em direção ao espaço do mercado.

Dois passos. Faltavam apenas dois passos para pisarmos do lado de fora. Apenas dois passos antes sermos interrompidos, escutando nossos nomes sendo chamados por uma voz furiosa logo atrás de nós.

—  Seus dois incompetentes! —  Me viro, vendo Miiko na ponta da escada e chamas azuis por todos os lados. —  Vocês são cegos ou o que?!

—  Como? —  Eu e o platinado perguntamos em uníssono. Não estávamos sendo cínicos ou nos fazendo de desentendidos, apenas não tínhamos ideia do que ela estava falando.

Ok, pensando bem, dava para imaginar que ela estava falando sobre o fato da humana ter passado por nós e não termos feito absolutamente nada, mas ela não teria como saber disso, certo?

—  Não me olhem como se não soubessem do que eu estou falando! As notícias correm rápido por aqui! —  Ah, ótimo, então ela já sabe...

Durante os próximos minutos, a kitsune nos dá um sermão pelo fato de "não prestarmos atenção o suficiente" e por aparentemente "ignorarmos" as ordens dadas pela própria. Miiko teria continuado com a bronca se não fosse por conta de um grito agudo logo atrás de nós, mais especificamente vindo da despensa. Antes mesmo de pensarmos duas vezes, estamos saindo às presas em direção ao local, abrindo a porta e entrando no cômodo em passos rápidos.

A primeira coisa que vejo assim que consigo entrar e ficar em um lugar sem que ninguém atrapalhe a minha visão, é Ezarel segurando o pulso da humana e a mesma o empurrando para o lado oposto ao dela, tentando fazer com que ele se afaste e solte o braço dela.

—  O que você está fazendo aqui e como escapou da cela? —  A partir dessa fala de Miiko, uma discussão tem início. O assunto central, como previsto, é a chegada repentina da humana em Eldarya e o fato de ela ter surgido logo em frente ao cristal, o que de fato é algo realmente muito estranho e suspeito.

O que poderia ser uma conversa normal, onde a garota teria a chance de explicar seu lado da história, se tornou um caos. Eu estava decidido desde o começo a não me meter no meio da briga, mas não consego manter a boca fechada quando começam a acusá-la de certas coisas, principalmente de roubo, sem fundamento algum.

—  Não foi ela —  digo, calmamente, depois de escutar alguém falando sobre as comidas que sumiram da despensa. —  Eu sei quem foi e já disse que a pessoa não deveria ter feito isso, então relaxem. Por que não deixam ela respirar e explicar o que aconteceu e fez com que ela chegasse até aqui? —  Sugiro e em troca recebo olhares confusos e surpresos.

Não é como se eu estivesse defendendo a humana ou não concordasse que era estranho ela ter aparecido por aqui do nada, mas não é só porque humanos não são bem vistos em Eldarya que devemos tratá-la quase como se fosse uma criminosa, certo?

—  Eu também acho que ela deveria ter a sua chance de se explicar, Miiko. Talvez algumas informações sejam tão úteis para nós quanto para ela entender o porquê de ter chegado aqui —  Kero diz, reforçando o que eu já havia falado e, como ele é uma pessoa sensata e alguém em quem Miiko confia, ela acaba por ceder através de um suspiro demorado.

—  Certo. Diga-nos então, humana, o que te trouxe até aqui? —  A kitsune pergunta com a impaciência aparente em sua voz, mas, ainda assim, dando o seu melhor para disfarçar.

—  E-eu... —  a humana finalmente abre a boca. Ela parece mesmo perdida e assustada com o que está acontecendo. Talvez todos nós estarmos olhando fixamente para ela apenas a deixe ainda mais nervosa e envergonhada. —   E-eu estava andando pela floresta quando vi um círculo de cogumelos e... quando me coloquei no meio dele tudo ficou branco e de repente eu estava em frente aquele cristal azul...

As palavras saem em um ritmo acelerado e às vezes ela se embola para terminar o que está dizendo, então, sim, isso só comprova que ela está completamente nervosa, o que já era óbvio desde o início só de olhar para a expressão em seu rosto e ouvir as batidas aceleradas de seu coração.

—  Era um círculo de uma feiticeira... —  Ezarel conclui, parecendo estar falando mais para si mesmo do que para qualquer um presente no local.

—  Como é que você conseguiu sair da cela? —  É a vez de Valkyon perguntar algo enquanto franze o cenho, praticamente unindo as sobrancelhas brancas.

Seria praticamente impossível ela conseguir abrir aquilo sozinha, então deve ter recebido ajuda de alguém... mas de quem?

—  Foi um homem, ou pelo menos aparentava ser... Ele vestia uma roupa toda preta com detalhes em vermelho e uma máscara semelhante a um rosto de dragão —  assim que ela termina a frase, um ofego surpreso é emitido por nós cinco em uníssono. Miiko estava certa, ele estava de volta, se é que em algum momento chegou a ir embora ou cogitar a possibilidade de nos deixar em paz.

Mas ele já não havia conseguido o que tanto desejava por aqui? Já quebrou o cristal e sumiu com os pedaços, então o que mais poderia querer?

E, principalmente: por qual motivo tirou a humana da prisão? Ela é de seu interesse? Por qual motivo?

Foi tolice de nossa parte imaginar que em algum momento ele realmente não nos causaria mais nenhum problema...

Enquanto nós estávamos pasmos, a morena a nossa frente parecia ainda mais perdida e confusa do que anteriormente. Com certeza ela não tem ideia do quão complicada e frustrante é toda essa situação para nós.

A expressão de preocupação e ódio no rosto de Miiko já faz por si só com que eu tenha uma breve ideia do que ela vai dizer para nós três, os chefes da guarda, fazermos. Também dava para imaginar o que se passava pela mente dela e o quão perturbada ficava com a ideia de uma possível guerra acontecendo em Eldarya — mesmo que a esse ponto só pareça algo inevitável.

—  Ezarel, Nevra e Valkyon, façam o favor de se separarem e inspecionarem toda a área do lado de fora. Vou atrás do Leiftan e do Jamon para que possamos dar uma geral aqui no interior —  concordo com a cabeça, notando que Ez e Valkyon fazem o mesmo, logo saindo da despensa. Eu vou logo depois.

A última coisa que sou capaz de ouvir antes de sair em busca de alguma pista sobre o sujeito que só faz estragos é Miiko falando com Kero:

—  E, Kero, deixo em suas mãos a escolha do que fazer com a humana...