História Bad For Me - Nevra - She Stays

—  Acham que ele quer algo com a humana? Sabe, deve ter alguma ligação entre ele e o fato de ela chegar aqui repentinamente, não? —  Pergunto aos dois, enquanto atravessamos o portão e andamos pelo o jardim do QG, depois de horas questionando os habitantes sobre terem ou não visto algo suspeito e também procurando pistas sem nenhum sucesso na busca.

Particularmente, eu acho burrice sairmos procurando por ele ou alguma coisa deixada pelo mesmo, afinal, Ashkore é alguém esperto o suficiente para não deixar rastros de sua passagem por aí. Ainda assim, tanto eu quanto Ez e Valkyon ficamos durante um longo período procurando por qualquer coisinha sequer porque, bem, estamos aqui para obedecer às ordens dadas por Miiko.

—  E o que ele iria querer com um ser miserável desses? —  Ezarel responde, dando uma maior ênfase à ofensa, deixando mais do que evidente o desprezo em sua fala.

É óbvio que a ideia de que, no final das contas, a humana possa não voltar ao seu mundo incomoda muitos de nós — ou até mesmo, quem sabe, todo mundo —, mas é claro que Ezarel é a pessoa que mais se irrita com toda essa situação, o que, para mim, não vou mentir, é bem divertido e engraçado de certa forma. 

—  Não seja assim, Ez —  sorrio largamente, mostrando meus dentes brancos e pontudos ao me aproximar mais dele, acabando por jogar o braço em seus ombros e apertar o local de leve. Faço isso de propósito porque sei que vai deixá-lo ainda mais irritado do que já está? Com certeza. —  Não seria mais fácil aceitar de uma vez que ela pode, e provavelmente vai, ficar aqui? Ah, e você sabe, né? Caso ela fique mesmo, com certeza vai ter que entrar em uma guarda... Será que alquimia é o forte dela? —  Continuo com a provocação, acabando por receber um empurrão, que faz com que eu me afaste e deixe de encostar nele, junto um dedo do meio apontado para o meu rosto.

Posso jurar que o elfo estava começando a ficar vermelho de raiva.

—  Cala a sua boca! —  Ele esbraveja. —  Pelo Oráculo, nem pense em uma coisa dessas! Você tenta prever o futuro ou roga praga, seu animal?! Ela não vai ficar aqui, ela vai ir embora, assim como todos os outros foram. Se houver uma única possibilidade de que ela fique, eu mesmo saio procurando o necessário para abrir um portal! —  Ezarel aponta seu dedo indicador em minha direção durante toda a sua fala, até se virar para o outro lado e seguir para a entrada do QG. —  Tomara que ela seja tão estúpida ao ponto de entrar para a sua guarda... — o azulado murmura, apressando mais o passo, deixando eu e Valkyon para trás

—  Bem, eu não veria problema algum, afinal, os da Sombra são os melhores mesmo —  digo, todo convencido, e dou de ombros.

—  Uau, os melhores do mundo! Sabe quem perdeu o topo do ranking para a Obsidiana dois meses atrás? — Ezarel me lança um de seus melhores sorrisos cínicos. Abro minha boca para retrucar, mas Valkyon começa a falar algo antes.

—  Não coloquem a minha guarda no meio disso, por favor.

Apesar de realmente parecer uma discussão ou algo do tipo, não chega nem perto disso. Provocações como estas são comuns para nós, pelo menos entre mim e Ezarel, já que Valkyon se mantém mais calado e distante em grande parte do tempo.

—  Enfim, eu acho que se ela ficar, ela morre —  o líder da Obsidiana diz assim que voltamos o assunto anterior à "discussão" sobre as guardas.

—  Claro que vai, eu mesmo vou matá-la —  o azulado bufa.

Eu prefiro não dizer nada referente ao assunto, então me limito a apenas soltar uma risada baixinha.

É nítido que cada um de nós acha uma coisa sobre essa chegada inesperada e sobre o que pode acontecer daqui em diante. O elfo quer que a humana exploda, Valkyon acredita que ela não aguenta nem um dia, e eu... bom, sendo bem sincero, eu não sei. Talvez eu apenas não me importe tanto assim com tudo isso. Não me incomodo se ela ficar, mas também não ligo se ela for embora. A única coisa que eu não quero é que ela passe a ser responsabilidade minha.

Continuamos com assuntos aleatórios até adentrarmos a sala das portas, onde logo de cara Ykhar vem em nossa direção em passos apressados, parecendo ainda mais nervosa e agitada do que o normal — se é que algo assim pode ser considerado possível.

—  Miiko quer falar com vocês na sala do Cristal o mais rápido possível —  a brownie dá o aviso totalmente ofegante, voltando a correr pelos corredores em seguida.

Seguimos então para o local e assim que entramos, posso notar que tem uma quinta pessoa presente.

A humana está sentada nos pequenos degraus, bem próxima ao cristal, o que é bem estranho, considerando que poucas horas atrás a própria acabou sendo presa exatamente por estar perto demais do objeto.

—  Agradeço pelo comparecimento de todos aqui —  a kitsune começa, calma pela primeira vez no dia. —  Tenho algo para anunciar para vocês, como já devem imaginar...

Ela vai ficar. É isso. Só pode ser. A humana fica em Eldarya. Ainda não tenho nenhuma opinião formada quanto a isso, afinal, é pouco tempo para sequer processar algo que antes não passava de uma mera possibilidade sem grandes chances de se concretizar de fato. A única coisa que se passa na minha cabeça no momento é que mal posso esperar para ver como Ezarel vai reagir, tanto que preciso fazer um esforço enorme para manter a expressão neutra enquanto por dentro estou rindo.

—  Ah, não... —  escuto o surro vindo do de madeixas azuis e passo a observá-lo, esperando para ver a cara que ele vai fazer.

—  Ela —  Miiko aponta a morena, que agora parecia mais atenta à nossa conversa —  vai ficar em Eldarya.

O silêncio se instala durante alguns minutos, porque provavelmente nenhum de nó três acredita que aquilo é mesmo real, que iria mesmo acontecer.

Não é como se ela fosse ficar e nós não tivéssemos que lidar com isso, afinal, se fosse o caso, teriam apenas deixado ela na cela mais uma vez e nem teriam nos avisado sobre isso. Então, se Miiko está nos contando que ela vai ficar, é porque vai passar a ser tratada como qualquer outro habitante de Eldarya.

—  Não! —  Finalmente alguém corta o silêncio. —  Não! Não! Não! Por que ela... Por... Eu... - Ezarel tenta debater, porém, aparentemente ele não tem argumentos bons o suficiente para tal. Ou tem e o ódio é tão grande que sequer consegue organizar os próprios pensamentos. — Ela não pode ficar aqui! Ela é uma humana, Miiko! Por acaso se esqueceu do que essa raça fez para nós e para muitas outras criaturas?! Isso não é justo!

—  Você não tem que achar nada —  a kitsune rebate, já de volta ao seu estado impaciente e autoritário de sempre. — Ela já recebeu um mascote, ela já está em uma guarda, que inclusive é a sua, Ezarel, então não me venha com mais problemas! Não reclame e muito menos tente fazer com que eu volte atrás e mude algo que já está mais decidido. Ela fica e ponto final!

—  Mas... —  o elfo tenta retomar a discussão, porém, é cortado novamente antes de ter a chance de falar ao menos duas palavrinhas.

—  Preciso mesmo te lembrar quem é que dá as ordens aqui, Ezarel?

O silêncio se instala mais uma vez na sala. Ninguém demonstra nenhuma reação, a não ser a humana, que parece um pouco surpresa com o que acabou de acontecer, mas, ainda assim, nada muito aparente.

—  Enfim —  Miiko suspira —, era só isso. Estão dispensados — ela faz um movimento com a mão e logo todos estamos caminhando em direção a porta, finalmente saindo da sala.

Assim que pisamos do lado de fora, Valkyon desaparece depois de murmurar algo, provavelmente avisando para onde iria ou o que iria fazer, mas eu não sou capaz de escutar o que ele estava dizendo. Ezarel, que estava na minha frente quando saímos da sala do cristal, se vira para mim bruscamente.

—  Eu culpo você por essa merda! —  Sua voz acaba falhando e saindo levemente esganiçada por conta do nervosismo.

—  Mas eu não fiz nada! — Me defendo, sem conseguir segurar o riso. —  A culpa não é minha se ela está na Absinto, é do destino que quer tanto juntar vocês dois —  dou de ombros.

—  É sim! Afinal, foi você que disse que Miiko deveria deixar ela se explicar ao invés de fechar a maldita boca e deixar que ela fosse levada para a sela de novo! Se você não tivesse feito nada, isso não estaria acontecendo.

—  Se eu não tivesse dito nada, com certeza Kero faria isso. E você só está agindo desse jeito porque não fui nem eu e nem Valkyon que nos ferramos.

—  Eu preferiria que qualquer um de vocês dois se ferrasse, mas olha só, parece que o Oráculo conspira contra mim!

—  Ah, eu imagino que a humana também iria preferir ficar na minha guarda. Afinal, quem não gostaria de ter esse ser lindo e maravilhoso como chefe? —  Aponto para mim mesmo e Ezarel faz uma cara de nojo.

—  E eu acho que você precisa urgentemente de óculos! —  O clássico sorriso debochado surge nos lábios do azulado, que começa a se afastar, dizendo que vai indo porque tem coisas mais importantes para fazer.

Assim como Ez e Valkyon, eu tenho compromissoa e pendências também, sendo assim, decido resolvê-las o quanto antes.

Quando estou quase saindo do corredor das guardas, paro de me mover ao escutar passos atrás de mim e, logo depois disso, uma voz, que por mais que tenha escutado poucas vezes, já sei a quem pertence.

—  Nevra!