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História Baile de Máscaras - Um


Escrita por: _naomiq

Capítulo 2 - Um


SEUL, COREIA DO SUL 

Lee Mia

Senti mais uma vez o líquido descer por minha garganta, queimando cada centímetro de sua extensão e levando consigo o frio daquela madrugada gélida em Seul. Eu estava pegando fogo. Balançando a cabeça, uma busca inútil em fazer o ardor se esvair, bati o copo de vidro em minha mão contra a mesa de madeira, levantando rapidamente enquanto procurava minhas chaves no bolso apertado de meu jeans.

- Mia, você não vai dirigir, vai? - escutei uma voz feminina me chamando, junto a seus passos atrapalhados atrás de mim. 

Destranquei a porta do branquíssimo Porsche 911 Turbo S, sentando em seu banco coberto por um couro avermelhado e fechando-o com uma batida forte. Abri a janela na tentativa falha de tirar de meu corpo o calor que algumas doses de vodca me trouxeram, e então duas mãos esguias aproveitaram meu deslize para segurar no volante e me impedir de prosseguir.

- Mia, por favor! Quantas vezes terei que te salvar de fazer uma merda dessas? - A menina clamou, seus fios platinados esvoaçantes impedindo-me de confirmar a aflição em seu rosto.

- Jihyo, você sabe que não vai adiantar nada segurar o volante, não é?

- Mas você bebeu e...

- Jihyo, me escuta! - Segurei de leve em suas mãos, afastando-as do volante e tentando aquecê-las, mesmo que ao meu ver não estivessem frias. - Você sabe como eu dirijo. Eu sou melhor que dois terços desses riquinhos que vêm tirar onda com o carro que eles ganharam no último natal!

A menina, dando-se por vencida, se permitiu gargalhar algumas vezes e me levou consigo.

- Na verdade, você é melhor que todos eles. - Jihyo piscou um dos olhos para mim, abrindo um sorriso divertido e então dando a volta no carro e sentando-se ao meu lado.

O banco do passageiro já tinha o formato exato de suas curvas.

- Eu sei como você também está louca pra correr! - Brinquei, recebendo um olhar de reprovação da mais velha, que logo se transformou em uma risada sincera. - Faz quase duas semanas que nós não viemos pra cá. Meu corpo está praticamente clamando por isso!

- Eu bem que tento cumprir o papel de irmã mais velha, mas você sempre consegue me convencer. 

Ela não era realmente minha irmã mais velha, mas isso não impedia que nos amássemos como se de fato possuíssemos alguma conexão em nossas árvores genealógicas. Para falar a verdade, eu nunca entendi como aquilo acontecera. Em um dia, eu estava vagando por um orfanato melancólico e cinza, vestindo alguns trapos que ousei chamar de "roupas" e tentando lembrar da última vez em que meu estômago havia sentido algo realmente comestível o preencher. Até que certa noite, exausta da vida monótona e triste de uma criança que nunca conhecera os próprios pais, repousei em meu travesseiro desejando que aquela fosse a última vez. 

Mas então, quando abri novamente meus olhos, a única coisa que vi foi uma menina de olhos amendoados e uma franja engraçada. Havia também uma mulher jovem, com expressões macias, que me olhava com um sentimento que nunca fui capaz de entender. Elas me alimentaram, cuidaram de mim, e eu nem sabia o porquê. Só sabia que era incrível. E então os anos passaram e hoje eu as chamo de "família". 

- Só espero que a mamãe não nos ligue bem no meio da corrida, porque eu já não tenho mais nenhuma desculpa para dar! - Assim como Jihyo, posicionei o cinto em meio a meu peito e o afivelei, girando a chave na ignição.

O barulho lá fora era ensurdecedor, mas aconchegante. A sinfonia de roncos de motores, músicas altas e pessoas gritando me fazia sentir em casa. Fazíamos aquilo há mais de cinco anos. Primeiramente, quando eu não podia dirigir, nós apenas acompanhávamos as corridas e saíamos com alguns dos corredores. Posso dizer que velocidade sempre foi uma paixão mútua entre nós duas. Jihyo já tinha idade suficiente para tirar a habilitação, mas ela nunca gostou de sentar no banco do motorista. Seu interesse sempre foi a estratégia, e não a prática. Não era atoa que ela era uma das melhores navegadoras que já passaram pelas noites coreanas.

Então, quando completei dezoito anos, juntamos todas as nossas economias e compramos um carro simples, mas que serviu para ganharmos as primeiras corridas e acumularmos ainda mais dinheiro. Sério, corridas clandestinas devem pagar melhor que o tráfico de drogas.

Com o tempo, as vitórias só aumentavam e aumentavam, e acabamos ficando conhecidas não só na cidade, como no país inteiro. Nas madrugadas, o grunhir do Porsche 911 branco, nossa mais nova aquisição, dominava as avenidas e alamedas de Seul. Eu não gosto de me gabar, mas nós éramos realmente muito boas no que fazíamos.

- Okay, agora vamos para a parte interessante... - fechei o vidro fumê enquanto tirava o salto que me impedia de chegar no acelerador com precisão. - Com quem corremos hoje?

xxxx

Só podia dizer que passar todos aqueles dias sem correr havia valido a pena. Nós duas estávamos tão empolgadas que resolvemos competir contra sete duplas diferentes! E nem preciso mencionar que vencemos todas elas.

Depois daquela madrugada cheirando a bebida e pneus desgastados, Jihyo e eu decidimos que estava na hora de retornar à nossa vida normal. Nos despedimos de nossos amigos com leves acenos, mesmo que eles estivessem muito bêbados para retribuir, e dirigimos até a casa da senhora Lee. Ou nossa mãe, como preferimos dizer.

Assim que virei a esquina, mantive a velocidade entre dez e quinze quilômetros por hora, evitando ao máximo acordar alguém da vizinhança. Ninguém podia descobrir sobre nossa vida dupla como corredoras de racha, muito menos nossa própria mãe. Havíamos passado por um sufoco quando a mesma pediu explicações sobre o dinheiro que havia sumido de nossa conta no banco. Bom, digamos que hoje nós chamamos ele de "Porsche".

- Mia, você não vai entrar? - Minha irmã libertava-se do cinto, calçando novamente os sapatos de salto que vestira quando dissera que ia para uma balada com o namorado. - Sabe que a mamãe está muito triste porque você não tem nos visitado mais.

Passei minhas mãos por meus fios lisos tingidos de cinza, apertando meus olhos como se aquilo pudesse afastar o sentimento de culpa.

- Eu sei, mas você sabe que está difícil sair de casa de uns tempos pra cá. Depois que algum babaca resolveu denunciar os rachas aqui na região, a polícia está na nossa cola, só esperando um pequeno deslize. 

A menina, mesmo que relutante, não pôde fazer nada senão concordar comigo. 

- Fora que o dono do restaurante está uma fera comigo porque eu andei faltando alguns dias, então minha vida tem sido basicamente casa e trabalho - suspirei. - Nem sei como consegui arranjar disposição para essa noite!

Rimos fraco, acariciando nossos dedos em uma despedida silenciosa.

- Eu entendo você, mas tente pelo menos ligar para ela - maneei a cabeça suavemente, esperando que continuasse. - Ela sente muito a sua falta desde que você se mudou.

Acabei me lembrando de como tinha sido quando dei a notícia de que ia me mudar, dois anos antes. Foi uma choradeira só, tanto a mamãe quanto Jihyo haviam ficado muito surpresas. Na verdade, sempre achei que elas sabiam que aquilo ia acontecer, mas talvez pensassem que não seria tão rápido. Trabalhei durante toda a minha adolescência, então considerei que já tivessem percebido que eu desejava me mudar. Suas lágrimas acusaram que não. 

Além de exercitar minha independência, morar sozinha ainda nos garantia um lugar para deixar nosso carro sem que nossa mãe soubesse. Céus, como eu me sinto culpada por isso.

- Tudo bem. Amanhã, depois do trabalho, tomo um banho rápido e venho até aqui para jantar com vocês, o que acha?

- Perfeito! - Suas mãos se agitaram em palmas minimalistas. - Direi à mamãe para preparar carne de porco, pode ser?

- Você sabe que carne de porco é meu ponto fraco, não é? 

- Exatamente. - Jihyo me lançou uma expressão travessa, abrindo a porta do carro e deixando que a brisa congelasse meus dedos descobertos.

Acompanhei os passos da mais velha até que ela estivesse totalmente segura dentro da casa que eu costumava morar. Era nesses momentos que a saudade me tomava e eu só gostaria de poder correr até lá e deitar no chão de meu antigo quarto, ouvindo alguma música americana em meu iPod com os fones de ouvido no volume máximo. Mas eu não podia. Não deveria. A última coisa que desejava ver era a expressão de minha mãe quando descobrisse que eu estava atrás de meus pais biológicos.

xxxx

Girei a chave duas vezes, averiguando mais uma vez se a porta estava completamente trancada. Esvaziei meus bolsos na prateleira ao lado da entrada, deixando comigo apenas meu celular e minha arma. Nunca a usara fora do clube de tiro, mas gostava de mantê-la por perto, mesmo que fosse ilegal. No final das contas, seria só mais uma coisa que podia me colocar atrás das grades.

Ouvi pequenas passadas contra o assoalho do chão, e então fui contemplada com a bela imagem de Hera, minha beagle de oito meses, correndo em minha direção com suas orelhas de abano se agitando. Me abaixei à sua altura, acariciando o topo de sua cabeça enquanto recebia algumas lambidas em minhas bochechas desnudas.

- Como foi seu dia, Hera? Aposto que você encheu minhas cobertas de pelo mais uma vez, não é?

- A rainha do Olimpo...

Senti meus músculos enrijecerem quando a voz grave e masculina se propagou pela sala de estar, fazendo-me retirar a Taurus calibre 44 instintivamente do cós de minha calça jeans e apontá-la para a origem daquela frase.

- E-Ei, se acalme! - colocou seus braços para cima, em sinal de rendimento, assim que nossos olhares se cruzaram.

Ele estava parado ao lado do batente da porta que levava ao corredor, com sua franja castanha e desalinhada caindo sob os olhos e um sorriso que ia se desmanchando pouco a pouco assim que se viu na mira de um revólver.

- Quem é você? E como entrou aqui? - Disse com a voz firme, andando a passos lentos até o rapaz que estava visivelmente nervoso.

- C-Calma, eu vim porque quero conversar com você! - Vi seu pomo de Adão saliente subindo e descendo mais de uma vez. - Será que dá para abaixar essa arma?

Eu já me encontrava a apenas um metro de si, lutando para que minhas mãos não entregassem o quanto eu estava com medo.

- COMO VOCÊ ENTROU AQUI? - Sacudi a Taurus em sua frente, agora direcionando-a para o meio de suas pernas.

- Eu disse para o porteiro que era seu namorado e que seu aniversário é hoje, ele me emprestou a chave mestra e eu pedi que mantivesse segredo para não estragar a surpresa! - falou tudo de uma vez e tampou seu "amiguinho" com suas mãos imensas, exasperado.

Era comum pessoas que haviam iniciado nas corridas clandestinas me procurarem para pedir ajuda ou algum tipo de conselho, mas nenhuma que tivesse sido tão louca a ponto de entrar em meu apartamento. Passei a mão livre pelo rosto, amaldiçoando quem quer que tivesse contado àquele idiota o endereço de meu edifício, e só então deixei que meu braço relaxasse e eu repousasse novamente a arma no cós da calça.

- Se você veio pedir ajuda com as corridas ou seja lá o que for, é melhor ir calçando seus sapatos para ir embora - dei as costas para si, procurando pelo meio das almofadas o controle da televisão e largando meu corpo em cima do sofá retrátil.

- Não é isso... - ele pigarreou com uma das mãos em punho apoiada em seus lábios, que só então percebi terem um formato, digamos, formidável. - Na verdade, eu tenho uma proposta para você.

- Escuta, eu não quero ser grossa ou destruir seus sonhos, mas...

- Quero correr com você - encarei suas orbes escuras, um pouco surpresa com a seriedade que sua voz transmitia. - Quer dizer, não contra você, e sim junto com você. Quero ser seu navegador.

Não sei exatamente quanto tempo passou depois que me perdi em seu maxilar extremamente marcado e ainda mais atrativo que seus lábios rosados, e então me lembrei que tinha de lhe responder algo. Me levantei do sofá, andando até si e parando em sua frente, na linha de seu peitoral, antes de cruzar meus braços e mirá-lo com firmeza.

- Eu não sei qual é o seu nome ou quantos anos você tem, e pra ser honesta nem faço questão de saber, mas sei de apenas uma coisa - revezava meu olhar entre seus dois globos castanhos, que cintilavam a cada vez que seu peito se enchia de ar. - Para você saber onde eu moro, com certeza já me conhece das ruas e sabe que a única pessoa que me acompanha em qualquer corrida é minha irmã, então por que se dar ao trabalho de vir até aqui e se arriscar a levar um tiro de uma calibre 44?

A desilusão era mais que perceptível em seu rosto. Acho que ele realmente acreditou que seria apenas entrar em meu apartamento com aquele corpo definido e um rosto simetricamente perfeito para me convencer a deixá-lo ser meu navegador. 

- Eu sei disso, mas será que você não pode repensar?! Ou sei lá, me deixar correr com você só uma ou duas vezes?! Pode ser até em alguma corrida que não envolva dinheiro! - Sorri anasalado, desistindo de lhe falar que naquele mundo não existia corrida sem dinheiro e vice-versa. - Eu só quero ter a oportunidade de vencer alguém ao seu lado - o rapaz se aproximou ainda mais, deixando-nos a apenas alguns centímetros de distância. - Não sabe há quanto tempo venho prestando atenção em você, não só dentro como fora daquele Porsche.

Sentir seu hálito de menta fez com que alguns pelos em meus braços e pernas se eriçassem, deixando-me confusa quanto à minha real idade mental. 

Ficamos nos encarando durante muito tempo, ambos concentrados nos movimentos oculares um do outro e sem proferir nem uma palavra.

- Como é seu nome? - Foi a única coisa que consegui dizer assim que voltei à realidade.

- Baekhyun. Byun Baekhyun - seu rosto não se moveu nem um mísero centímetro, e eu estava considerando a possibilidade de resgatar a Taurus de minha cintura novamente, só para garantir.

- Byun Baekhyun - repeti suas palavras, sentindo o gosto doce que elas tinham ao meu paladar. Era realmente um nome maravilhoso, só não mais que seu proprietário. - Acho que está na hora de ir para casa.

Não era de fato o que eu queria dizer, mas não havia outro jeito. No universo das madrugadas, o único que não trai é o inimigo, e é muito melhor ser odiada do que traída.

Ele pareceu decepcionado, e por um momento eu cogitei a possibilidade de treiná-lo às escuras, mas então algo aconteceu e em uma fração de segundo eu estava contra a parede, sem chance de escapar, presa entre seus braços compridos e sentindo a fragrância de seu perfume mais perto do que nunca. O rosto angelical de antes tinha dado lugar a uma expressão misteriosa e plurissignificativa ao mesmo tempo, deixando meus membros sem reação alguma.

- Eu ainda não desisti - seu olhar percorreu cada centímetro do meu corpo, indo dos pés à cabeça mais de uma vez, até que ele girasse nos calcanhares e rumasse para fora dali, mais depressa do que quando tinha entrado.

- O que acabou de acontecer? - Pude sussurrar para mim mesma assim que a porta principal foi fechada e só o que restou foi o rastro de seu aroma amadeirado e completamente irresistível.
 


Notas Finais


beijos de luz


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