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História Before - Capítulo Único


Escrita por: yetnotyet

Notas do Autor


Essa história é um presente para a minha best friend, Marizinha.
Marizinha, desculpe pela demora, pelos erros e imperfeições. Perdoa meus erros e não desiste de mim, hsuahus
Estava com uma história parecida na minha cabeça, mas escrever não foi fácil até que eu parasse de ser preguiçosa e trabalhasse nisso.
Além do mais, vou deixar um link nas notas finais com uma playlist para ser ouvida durante a leitura. Perdoem a largura, tentei deixar mais curta mas, não deu certo.
Boa leitura!
- Lara.

Capítulo 1 - Capítulo Único


Hyejeong

Eu não conseguia pensar em mais nada senão o que aconteceria daqui para frente. Tudo que era antigamente conhecido, havia sido quebrado. Sistemas sociais, segurança, saúde e educação. Nada mais funcionava do jeito organizado e limpo que antes havia sido. As pessoas haviam clamado por anarquia, mas agora que o anarquismo havia entrado em vigor, tudo que antes era funcional agora tinha se transformado em caos.

Todas as pessoas estavam separadas em grupos. Uma divisão estranha por idade que não fazia sentido, mas se você olhasse de dentro para fora, entenderia. Sem mais nomes, sem identificação além daquela comprovada na sua certidão de nascimento.

Noventa e três. Esse era o meu grupo, o grupo que caçava os mais novos e fugia dos mais velhos. Assim como o resto. Mas eu tinha sorte, por não estar no topo e nem no meio da cadeia. Apenas… Na média.

Embora tudo isso, eu não concordava com essa liberdade. A ideologia de matar qualquer um abaixo do “ranking” na verdade me enojava, mas eu guardava esse pensamento enterrado dentro de mim para não trazer problemas. Mesmo assim, eu tinha a sensação de que não era a única a pensar dessa maneira. Talvez fosse melhor assim, deixar os outros descobrirem minha posição não parecia ser tão boa ideia.

“Hyejeong.”

“Hm?”

“A capitã quer te ver.”

Engoli em seco. Isso provavelmente não era boa coisa. Assenti mesmo assim, e me levantei saindo do nosso alojamento. A capitã estava do lado de fora, tocando a água com um pedaço de madeira afiado na ponta.

“Capitã. Queria me ver?” Cheguei lentamente, já apreensiva.

“Hyejeong. Pássaros me disseram que você está com medo.” Não olhou para mim, ainda cutucando a água.

“Os pássaros falam muito com você, capitã. Mas, não estamos todos com medo?”

“Ponto feito. Mas é você mesmo que vai ser.”

“Se me permite dizer, capitã, não estou compreendendo.”

“Há um grupo de noventa e cincos perto daqui. Quero que você vá lá e elimine todas.” Falou, a voz monótona, indiferente.

“Eu e quem?” Já me perguntava sobre como faríamos isso. Elas provavelmente lutariam contra nós.

“Sozinha.”

“Mas-”

“Você. Vai. Sozinha.” Me interrompeu, o olhar finalmente se voltando para mim. “Não me importa como vai fazer isso, que arma vai usar, mas você vai matar todas aquelas garotas, sozinha.” Falou com convicção. “Está me entendendo?”

“Capitã-”

“ESTÁ ME ENTENDENDO?” Seu braço se moveu e o pedaço afiado de madeira afundou na água com velocidade.

“Sim, capitã.” Assenti, sem escolha senão evitar piorar seu humor.

“Ótimo.” Seu braço levantou de volta à posição normal e minha boca abriu automaticamente ao ver um peixe, morto, na ponta de sua lança, o sangue pingando na água. “Agora vá arrumar suas coisas.”

Respirei fundo, sentindo o frio na espinha, e voltei ao alojamento, o mesmo frio aumentando quando senti seu olhar sobre mim.

--

Estava anoitecendo quando saí do alojamento, a mochila cheia pesando nos meus ombros. Não sabia o que iria fazer quando chegasse lá. Na verdade, não sabia nem quantas garotas eram, e o medo se instalara em mim a partir disso já que havia uma possibilidade delas não serem fracas como eu gostava de pensar.

Puxei o mapa marcado do bolso que a capitã havia me entregado. O acampamento das noventa e cinco ficava a quatro quilômetros ao norte do nosso, uma distância quase perto demais do que seria considerado seguro. Levaria cerca de duas horas e meia até que eu chegasse lá, pelo menos se eu fosse rápida.

Comecei a caminhar a distância mais longa da minha vida, uma das facas que eu mais gostava presa à minha cintura. Muitas árvores cercavam o perímetro do nosso acampamento e eu imaginava que seria o mesmo para o acampamento “inimigo”. Não queria ter que matar ninguém, e eu havia até pensado em fugir, mas imaginei que minha capitã já tinha considerado essa possibilidade.

Ela confiava em mim, mas eu não confiava, eu não conseguia confiar nela.

Andei cerca de um quilômetro antes de parar para descansar. O vento frio batia nas minhas costas e eu continuamente checava o meu rastreador para não me perder, além da possibilidade de encontrar alguém no caminho, enquanto bebia minha água e respirava fundo. Até os bipes que poderiam me confortar naquele silêncio maldito haviam sido desligados, ordem da capitã para economizar energia. Só havia eu; meu pontinho, com o noventa e três em cima, no meio do nada.

Voltei a andar.

--

A alguns metros do meu destino final, houvi alguma coisa. Não consegui identificar a origem do som ou o que era, mas me deixou em modo alarme pelo resto da caminhada. Já conseguia ver os alojamentos e algumas outras coisas. As tais noventa e cinco estavam bem arranjadas no meio das árvores.

Diminuí o passo, pensando no que faria agora. Eu ainda poderia fugir, dar meia volta ou sei lá o quê. Poderia voltar para o nosso acampamento e dizer que elas estavam em maior número e eu não teria a menor chance de acabar com todas. Poderia dizer que eu havia perdido meus suprimentos e não tive escolha.

Mas eu me aproximei de qualquer maneira.

Andei bem lentamente, como se estivesse em câmera lenta, parando algumas vezes atrás de árvores para observar a movimentação entre os alojamentos. Lamparinas estavam presas às paredes então eu conseguia ver relativamente bem, mas até agora, sem sinal de qualquer uma das garotas, quantas fossem elas.

Tirei a faca do cinto, tentando não fazer barulho. Meu coração estava batendo rápido e eu não conseguia raciocinar direito, mas minhas pernas ainda se moviam para frente.

O ar ao meu redor congelou por um segundo e eu me virei bruscamente, agitando a faca em minha mão. Mas uma outra mão parou meu movimento, segurando meu pulso.

Olhei para a garota. Seu pescoço estava molhado de suor e seu olhar raivoso junto com o peito que descia e subia me assustavam. Tentei me livrar de sua mão mas ela foi mais rápida, girando o corpo e comprimindo minha garganta.

Usei meu pé para dar-lhe uma rasteira, fazendo-a perder o equilíbrio e, consequentemente, o controle de mim. Caí em cima da garota, meus joelhos pousando não tão suavemente em seu estômago e ela gemeu alto em resposta, se chacoalhando para tentar se desvencilhar. Larguei a faca de propósito e forcei minhas mãos contra sua garganta, não queria uma poça de sangue como memória dentro da minha cabeça.

Ela foi enfraquecendo, seus olhos se fechavam de vez em quando mas ainda lutava o quanto podia. Fechei minhas mãos ainda mais. Quando senti seu pulso baixar, pensei que havia acabado. Mas um segundo depois, seus olhos abriram de novo e ela sorriu, a última coisa que vi antes da escuridão completa me cercar.

--

“Acorda, sua desgraçada.” Eu ainda estava tonta quando consegui abrir os olhos. Coincidentemente, a mesma garota de antes se encontrava em minha frente, a garganta roxa e marcada.

Tentei me mover, logo descobrindo que estava presa numa parede, meus pulsos e tornozelos acorrentados.

“Boa noite. Tirou uma sonequinha? Que ótimo.” Ela sorriu antes de desferir um tapa na minha cara, o lado de meu rosto ardendo com a força que ela havia colocado na ação.

“Sowon, guarda um pouco pra gente.” Duas garotas chegaram, me encarando como se eu fosse um prato de comida.

Uma delas possuía cabelo curto e ruivo, um pouco encaracolado nas pontas. A outra era meio loira e tinha covinhas nas maçãs do rosto, uma característica que seria fofa se eu não estivesse nessa condição.

“É, deixa a gente se divertir também.”

“Vocês três. Chega.” E mais duas garotas chegaram.

Uma delas descruzou os braços para arrumar a franja, e então não prestei mais atenção nela. A outra porém, era uma história completamente diferente. Com os cabelos negros descendo por seus ombros e a expressão séria de alguém que não brinca em serviço, ela tinha uma aura de liderança totalmente palpável.

“Qual é Seolhyun, você viu o que ela fez com a Sowon. Quase a matou sufocada.”

“Entendo que isso deixe qualquer um à beira do homicídio, mas vocês se incomodaram de fazer os reconhecimentos relevantes? Como descobrir de onde ela é e como nos achou?”

“Não… não pensamos nisso.” A covinhas abaixou a cabeça e o silêncio se estabeleceu.

“Se me permite, líder.” A garota de franja puxou um aparelho do bolso de sua calça, olhando para a líder.

“Vá em frente.”

Eu reconheci o aparelho, era um rastreador. Como o que eu tinha. Nem sabia onde minhas coisas estavam, provavelmente guardadas em alguma sala nesse acampamento.

A garota de franja ligou o aparelho, que começou a bipar imediatamente. Ela observou-o por um breve momento antes de sorrir e entregar o aparelho à líder.

“Noventa e três. Fez uma péssima escolha ao vir aqui.” Ela falou, a voz calma e leve, como se não se sentisse pressionada a falar qualquer palavra.

“É, eu devia ter fugido como inicialmente planejei. Desculpa por ter.. Quase te matado, garota.” Olhei para o pescoço da garota e desviei o olhar quando ela percebeu.

A garota apenas rolou os olhos, massageando seu pescoço. “Pelo menos eu te dei aquele tapa.” Ela deu um sorriso irônico, passando a mão nos cabelos e respirando fundo.

“Então o que vamos fazer com ela, líder?” A ruiva perguntou, e todas menos a líder, assentiram concordando com a pergunta.

“Amanhã decidimos isso. Já estou cansada e garanto que todas estamos. Vamos dar um tempo às nossas mentes, pensar enquanto a raiva nos domina não vai resolver nada.”

Era estranho. Toda vez que ela falava, parecia que todas paravam para escutar. Ela tinha um incrível domínio entre todas elas. Realmente, uma aura de liderança. E também era incrivelmente bonita.

“Desculpe por ter que te prender aí, não podemos confiar em você ainda.” Tocou meu ombro, um meio sorriso em seu rosto. Senti leves calafrios se espalhando, mas ignorei.

“Eu entendo. Nada de sentimentos ruins ou algo do tipo.”

“Meu nome é Seolhyun, esta aqui-” Apontou para a garota de franja, “é Jiyeon, mas pode chamá-la de Kei. Nossa ruiva representante se chama Hwasa e a loirinha do seu lado é Wheein. Sowon você já conhece.” A ruiva acenou, sarcástica, e a loirinha apenas balançou a cabeça. Já Sowon me encarou, como se quisesse me matar. Eu acho que queria.

“Prazer. Meu nome é Hyejeong, mas podem me chamar de unnie, noventa e cincos.”

Quase todas elas, exceto Seolhyun, me olharam com desprezo, e eu percebi que não deveria ter dito aquilo.

“Desculpa, saiu no automático.” Dei um meio sorriso sem graça, querendo me bater por ser tão idiota. Pena que eu estava presa.

Todas foram saindo pela porta sem me dar mais atenção. Abaixei a cabeça, respirando fundo, e quando levantei pude jurar que vi Seolhyun me encarando com curiosidade. Mas não consegui atestar nada já que ela fechou a porta e eu ouvi a tranca sendo fechada.

--

Acordei viva, mas querendo morrer. Dormir em pé certamente não era algo bom para o organismo, e naquele momento não faria diferença se eu cortasse ou não meus pés fora. Meus músculos em geral doíam tanto que eu não conseguia processar meu ambiente direito.

É, ficar presa ali foi um castigo bem pensado… para uma assassina, não uma quase assassina como eu. Tudo bem que elas ainda não me conheciam, e nem tenho certeza se querem, mas isso foi uma sacanagem extrema.

Congelei quando ouvi a tranca da porta abrindo. A porta em si foi aberta lentamente, e Seolhyun entrou, fechando-a em seguida. Achei aquilo estranho, mas preferi não comentar.

“Bom dia Hyejeong. Dormiu bem?” Ela deu um meio sorriso, chegando perto de mim.

“Bom dia. Como uma pedra. Mas acho que pedras não sentem dor, não é mesmo?” Eu ri ironicamente, sentindo meu estômago revirar.

“Eu sinto por isso. Sowon fez com que eu prometesse que você sofreria ao menos um pouco mais.” Ela puxou um conjunto de chaves do bolso e começou a destrancar um de meus pulsos.

“Muito mais, você quis dizer.”

Tentei ficar calma com a proximidade em que ela se encontrava, parando até o mínimo movimento dos meus braços.

“Sabe, você podia parar de reclamar já que eu estou te soltando.” Finalmente desenrolou as correntes do meu braço direito, parando para encarar meus olhos.

Eu sentia que ela estava me lendo. Minha frente de pessoa sem qualquer característica emotiva poderia cair a qualquer momento e eu sabia perfeitamente disso, mas deixava mesmo assim. Eu me sentia completamente… exposta sob seu olhar, fraca, quando era supostamente para eu ser mais forte.

Ela soltou um suspiro ao mesmo tempo em que as correntes do meu braço esquerdo caíram.

“Quem te mandou até aqui?” Perguntou, num sussurro contido.

Eu debati mentalmente sobre se deveria dizer a ela ou não. Meu estômago revirou de novo com a possibilidade da capitã machucar qualquer uma dessas garotas, principalmente Seolhyun, mas eu também estava com um medo profundo do que ela faria comigo se eu a traísse.

“Ninguém.” Menti. “Eu parti de lá sem ninguém saber. Não queria mais estar em um grupo que estava disposto a matar pessoas apenas por… matar.” A última parte, pelo menos, era totalmente verdade.

Seolhyun se calou por um momento, como se digerisse minhas palavras lentamente. Ela lembrava-me da capitã, mas dela eu não sentia medo. Por ela eu poderia dizer que sentia uma estranha atração que não deveria estar acontecendo, mas estava. Além disso, ela parecia ter ideia de que suas ações influenciavam mais do que a si própria, o que era exatamente o contrário da capitã.

“Mas você quase matou Sowon, e parecia determinada a fazer isso. Não é a mentalidade de quem não quer matar apenas por matar.” Ela era inteligente. Isso eu podia afirmar com certeza.

“Minha vida estava em jogo. Se ela não tivesse me atacado, acredite, não teria marca nenhuma no pescoço. E eu larguei a minha faca.” Afirmei, me defendendo.

Seolhyun apenas assentiu e se abaixou para soltar meus tornozelos.

“Bem, ainda não decidimos sobre o que fazer com você, Hyejeong. Pelo menos acredite em mim quando eu digo que nenhum desejo de te matar vai ter o meu consentimento.” Ela olhou para cima, o mesmo meio-sorriso sendo direcionado a mim.

Dessa vez não foi o meu estômago que revirou, mas eu não queria admitir que foi algo mais profundo que isso.

Terminou de me soltar, se levantando, e eu suspirei enquanto voltava a me mover normalmente, ganhando de volta a circulação de sangue.

“E o que acontece agora?” Perguntei, massageando meus pulsos marcados.

“Agora? Agora você vai ser a nossa exceção à regra.”

--

Tive de seguir Seolhyun, tomando cuidado para não fazer nenhum movimento brusco ou coisa do tipo. Já sabia que elas me atacariam se eu tentasse alguma coisa, dessa vez não tendo pena, mas francamente, eu não tinha a menor vontade de contrariar qualquer uma delas. Agora não se tratava de medo, porque este havia desaparecido, se tratava de querer sobreviver.

E meus princípios ainda valiam. Pela primeira vez, a regra de separação entre idades estava sendo quebrada ativamente, e eu gostava daquilo. Era melhor e muito mais revolucionário do que a própria separação. Me fazia pensar se outras pessoas também quebravam a mesma regra em outros lugares.

“Para que esse processo funcione, você vai ter que provar a nós que sua lealdade realmente mudou e você não vai voltar pro seu grupo depois de tê-los abandonado.” Falou calmamente.

Eu fui percebendo enquanto observava o ambiente que era mais alta que todas elas, e só Sowon chegava perto de me alcançar. Mas isso não me fazia sentir superior.

“E como eu vou fazer isso?”

Ela não respondeu minha pergunta, continuando a andar até que chegamos na frente dos alojamentos.

“Fica aí.” Disse simplesmente e eu assenti, esperando.

Só fui perceber o quanto estava exausta e com sede quando fui deixada sozinha. Meus músculos imploravam por descanso e eu poderia jurar que meus pés iriam cair fora. Mesmo assim fingi que estava tudo bem, cruzando meus braços e esperando.

“Ei, Hyejeong.” Sowon me chamou, surgindo de dentro dos alojamentos, segurando algo pequeno dentro de uma das mãos e uma garrafa de água.

Ela me entregou o que eu descobri ser uma pílula e a garrafa. Olhei para ela, levantando as sobrancelhas como se perguntasse ‘isso não é veneno não né?’.

“Relaxa, é pra sua dor. Seolhyun que pediu para que eu te entregasse. Ainda não confio em você, mas não é como se eu gostasse de matar pessoas mais do que você gosta.” Ela riu e eu ri junto, tomando o comprimido e toda a água da garrafa num piscar de olhos.

“Obrigada.” Eu sorri.

“Não me agradeça, agradeça a Seolhyun. Aliás, acho que ela gosta de você.” Ela tomou a garrafa de mim e voltou para o alojamento, os passos lentos.

Tentei não ficar animada com suas últimas palavras mas não consegui, sorrindo automaticamente enquanto pensava.

“Não se anima não, Hyejeong.” Murmurei para mim mesma, respirando fundo.

Alguns minutos depois, finalmente Seolhyun apareceu, uma espingarda em sua mão.

“Aqui,” Ela me entregou a arma e eu lutei um pouco com o seu peso antes de conseguir segurá-la normalmente. “Hwasa e Wheein viram um cervo a alguns metros daqui. Não deve estar longe, então quero que você vá com elas caçá-lo.”

“Hã, entendi. Mas eu nunca atirei com uma dessas antes.”

“Ah, claro. Vem cá.” Ela pediu que eu me aproximasse. Fiz o que ela pediu. “Ok, segura como se você fosse atirar.”

“Assim?” Segurei a arma, e ela assentiu.

“Exato. Isso aqui é a trava de segurança,” ela apontou para uma alavanca perto do gatilho, e eu assenti, entendendo. “Está ativada, mas quando você estiver lá, já poderá virar para o outro lado. Agora, quando for atirar, sua mira vai estar um pouco inexata. Apenas estabilize sua respiração e mire um pouco mais para baixo, e cuidado com o rebate da arma quando atirar, pode deslocar seu ombro se estiver posicionada errado.” Ela olhou para a parte de trás da espingarda. “Aqui. Deve estar em cima do ombro, não na frente.” Ela arrumou o problema, e eu senti seus dedos deslizarem levemente pelo meu ombro. Conti uma respiração pesada.

“Entendi.” Assenti e ela se permitiu dar um sorriso completo.

“Ótimo. Vou chamar as duas.” Ela se virou para entrar de volta no alojamento, mas eu a impedi.

“Seolhyun, espera.” Segurei sua mão, olhando profundamente nos seus olhos. “Obrigada. Por.. Tudo.” Eu sorri e ela pareceu não ter palavras por um momento, mas depois segurou minha mão entre as suas, sorrindo.

“Não há de quê.” Respondeu simplesmente, soltando minhas mãos depois de chacoalhá-las.

E eu pude jurar que ela finalmente respirou quando chegou perto da porta do alojamento, os passos meio aleatórios enquanto entrava. Ri levemente, e esperei.

--

Eu, Hwasa e Wheein andamos por alguns metros antes de pararmos numa parte mais plana.

“Hwasa, olha aqui. Ele esteve por aqui recentemente, tá vendo as folhas meio mordidas?”

Olhamos para o lugar e Hwasa assentiu.

“Com certeza, deve estar por perto.”

Eu me concentrei no chão, procurando por qualquer coisa que nos guiasse até o cervo. Estava me sentindo bem melhor e a dor era mínima então eu conseguia pensar exatamente no que estava fazendo.

“Hyejeong, tá vendo alguma coisa?” Eu observei por um momento, tentando encontrar o que eu queria. Pegadas.

Olhei perto das folhas mordidas, e bem abaixo, para a minha sorte, havia uma pegada.

“Ali.” Apontei, acalmando meu coração que batia forte dentro do meu peito.

“Boa, boa. Vamos seguir.”

Andamos por mais alguns metros antes de ouvir o barulho de arbustos se movendo. Eu segui o barulho lentamente, e para a minha surpresa, lá estava o cervo. Não queria me distrair para chamar as duas, então não o fiz, apenas me posicionando atrás de uma árvore, a uma boa distância do animal.

Preparei a arma. Lembrando das palavras de Seolhyun, coloquei a parte de trás em cima do meu ombro, atenta a qualquer movimento do cervo. Desloquei a trava para o outro lado, e tentei estabilizar a minha respiração.

Lambi os lábios, meu coração a mil. Mirei um pouco abaixo da cabeça do animal, e quando ele olhou para mim, tive que lutar contra toda a minha vontade de ir embora. Segurei meu dedo contra o gatilho e fechando os olhos, atirei.

Seolhyun estava certa, o rebate da arma era tão forte que eu fui para trás junto com a arma, mas felizmente não me machuquei.

Hwasa e Wheein vieram correndo, vendo que eu estava no chão.

“Você atirou?!” Hwasa gritou, em pânico.

“Ali…” Eu apontei para frente, respirando fundo, segurando a espingarda contra o meu peito.

“Vamos.” Wheein puxou Hwasa pela mão, e eu levantei, ainda cansada.

Quando finalmente andei até onde as duas estavam, tive vontade de vomitar. O cheiro de sangue era forte, o líquido se acumulava ao redor do animal como água num dia de chuva.

“Cara…” Murmurei, a arma de repente pesando em minha mão.

--

Voltamos ao acampamento, com várias partes do cervo dentro de mochilas. Eu ainda me sentia mal por aquilo, mas precisávamos sobreviver e eu não via outra maneira.

Já estava de tarde e escurecia quando Seolhyun veio falar comigo. Eu estava sentada na beira da fogueira, pensando no que faria se as coisas começassem a dar errado.

“Wheein e Hwasa me disseram que você matou o cervo sozinha.” Ela sentou ao meu lado, e eu comecei a ficar nervosa. Esse era o efeito que ela possuía sobre mim.

“Foi o mínimo que pude fazer.” Eu disse simplesmente, suspirando. “Vocês ainda não confiam em mim, então eu precisei.”

“Eu confio em você, Hyejeong.” Ela sussurrou e eu me virei, encontrando seu olhar. “Eu não entendo o porquê, mas eu confio.”

Ficamos ali, por um momento, apenas nos encarando. Não conseguia entender porque meu coração estava batendo tão forte, mas estava. Foi no automático, eu apenas movi minha cabeça em sua direção como se houvesse um imã agindo, nos atraindo uma para a outra. Pude sentir sua respiração nos meus lábios, meus olhos foram se fechando.

“Líder!” A voz de Kei me fez despertar e quando eu abri os olhos Seolhyun já havia se distanciado, se levantando do chão.

Respirei fundo, levantando também.

Kei foi andando pelas árvores e eu não fazia ideia do que iríamos ver, mas mesmo assim continuei seguindo as duas.

Finalmente paramos numa área relativamente livre de muitas árvores. Não entendia o porquê de estarmos ali, até reparar no que estava pendurado nas árvores.

“Mas que droga é esta?” Seolhyun gritou pela primeira vez, e eu tive que conter a vontade de fazer o mesmo, o medo se alastrando pela minha pele, meus nervos flamejantes e vivos.

Em todas as árvores que nos cercavam, sem exceção, haviam peixes presos a cordas, seus olhos afundados como se tivessem sido esfaqueados até desaparecerem. Em alguns, ainda se podia ver o sangue pingando de seus corpos.

A visão de antes voltou à minha cabeça com força e eu tive que me controlar para não gritar um palavrão ali no meio do nada. O cheiro doce dos peixes que já começavam a apodrecer me fazia querer vomitar.

Era um aviso. Com certeza era um aviso. E eu não gostava nada daquilo.

--

“Por favor Hyejeong, não me diz que você sabe o que é aquilo.” Seolhyun olhou para mim, o olhar de súplica bem exposto.

“Líder? Você chamou a gente?” Wheein e Hwasa entraram na sala correndo, seguidas de Kei que apenas fechou a porta e cruzou os braços, também olhando para mim.

“Hyejeong. Por favor.” Ela repetiu, e eu passei as mãos em meu cabelo, suspirando fundo.

“É um aviso.” Engoli em seco, minha garganta começando a me falhar. “A capitã está brava, porque eu saí da droga do acampamento.”

Sowon me encarou, e eu apenas ignorei seu olhar.

Você sabe que não é por isso, Hyejeong’. Minha mente insistiu, e eu balancei a cabeça. ‘Ela está brava porque você não cumpriu a tarefa’. Suspirei pela enésima vez.

“Um aviso? Ela está avisando o quê? Que vamos acabar como aqueles peixes?” Kei falou, um tom sarcástico na voz.

“Não é para vocês. É para mim, ok? Fui eu quem ferrou com tudo.” Falei, o medo voltando lentamente, como um arrepio que começa nas costas e vai subindo.

“Hyejeong-” Seolhyun falou meu nome e já não dava mais para controlar o estresse.

“Não. Vocês não vão fazer nada, eu vou. Não adianta tentar discutir com ela, eu-” Respirei fundo de novo. “Eu sou a única que pode explicar. Eu vou lá, sozinha. Posso voltar, ou não.” Meu olhar voltou-se para baixo, e eu percebi que minhas mãos tremiam.

Quando voltei a olhar para cima, meus joelhos quase falharam ao ver Seolhyun lacrimejando, os meus próprios começando a fazer a mesma coisa.

Saí do alojamento, decidida. Não importava o que acontecesse, eu não iria deixar ninguém machucá-las. Não estava nem aí.

Seolhyun me entregou algumas coisas dentro de uma mochila, o olhar fixado em mim. Eu estava suando e não conseguia processar as coisas direito, mas ela ainda me lia como se eu fosse um livro aberto. Mesmo que agora seus olhos apenas demonstrassem medo e mais medo. Não eram muito diferentes dos meus.

“Toma cuidado.” Ela sussurrou, a voz fraquejando. Arrumei a mochila nas costas, sentindo o frio da noite que batia nos meus ombros de novo pesados.

Olhei para o seu rosto, tentando memorizar cada pequeno traço de sua face. Andei um pouco para frente, trocando os pés de modo incerto, e finalmente me aproximei o suficiente para contar as estrelas em seu olhar.

Minhas mãos seguraram os lados de seu rosto e eu a beijei sentindo o meu coração dar voltas dentro do meu peito, toda aquela frustração de antes se despejando como um copo cheio sendo virado. Tive que conter todo o meu ser para me retrair dos seus lábios, sua respiração pesada me provocando.

“Me desculpa.” Sussurrei antes de sair andando em direção às árvores.

--

O caminho não era tão difícil de lembrar, então eu não perdi tempo com caminhadas básicas, praticamente correndo para o meu antigo acampamento. Não tinha dúvida de que aquilo era idiotice e eu provavelmente estava indo para uma missão suicida, mas de jeito nenhum eu arriscaria a vida daquelas garotas. Não mesmo. Não quando a culpada era eu, e apenas eu.

Não sentia mais nada. Não conseguia pensar numa situação que não geraria mais mortes, e aquilo quase me levava à loucura, mas eu ia persistindo.

Minha cabeça estava cheia de nãos. Não pense, não aja, não corra, não mate. Não fuja do seu destino. O problema é, eu não fazia ideia de que destino era esse.

“Hyejeong.” Uma voz me fez acordar da tempestade de pensamentos.

Capitã.

“Mas que porra-” Olhei para cima, e certíssimo, lá estava ela, sentada no galho de uma árvore, os braços cruzados. Como se estivesse me esperando.

“Recebeu minha mensagem?” Perguntou, a voz monótona e sem emoção de sempre.

Contraí meus punhos, tentando deixar a raiva contida ali dentro.

“Você não deveria ter feito aquilo, capitã. Você as assustou, quando eu estou tentando ganhar a confiança delas.”

Seus olhos se alargaram numa surpresa inesperada e eu sorri internamente.

Ah. Então, essa é a minha estratégia. Ok Hyejeong, vai com calma.

“Como disse?” Seu olhar se estreitou, curioso, e eu limpei a garganta, ignorando o vento que batia em minha nuca simulando um arrepio muito real.

“Eu disse que estou tentando ganhar a droga da confiança delas.” Falei entre dentes.

“O que quer dizer com isso? Pra quê ganhar confiança? Não te falei para matá-las?” Ela perguntou, e eu senti a raiva aumentando aos poucos.

“Decidi fazer do meu jeito.” Menti, começando a sentir que aquilo não era uma boa ideia se ela descobrisse.

“Do… seu jeito? E qual “jeito” é esse?” Ela pôs ênfase na palavra e eu balancei a cabeça.

“Eu não vou conseguir fazer isso se você não me der a liberdade da qual preciso. São cinco garotas, e você deve ser uma sonhadora do caralho se pensar que eu consigo matar todas elas tão facilmente.” Argumentei, e sua expressão se fechou.

Admita a derrota, capitã.

“Hm. Tudo bem, então. Mas você vai fazer isso de qualquer jeito, por que se não fizer… já tem ideia do que vai acontecer.” Ela ameaçou, mas seu tom de voz continuava ameno e calmo.

“Eu entendi.” Me virei para voltar pelo caminho que havia percorrido.

“Hyejeong?” Ela me chamou uma última vez.

“O que?” Respondi sem me virar, o arrepio de antes insistindo em aparecer.

“Diga adeus a ela.” Falou simplesmente, e eu podia sentir que estava sorrindo.

Contraí meus punhos e corri para longe, uma lágrima maldita querendo escorrer para fora do meu olho.

--

Sem perceber, eu já estava quase de volta, meus pulmões queimando por causa da corrida. As últimas palavras da capitã giravam em minha cabeça, me distraindo de tudo que era importante. Não era possível que ela estava falando de Seolhyun. Como poderia saber?

Quando cheguei, as cinco garotas pareciam uma comitiva a me esperar. A cara de preocupação de Seolhyun me quebrou por dentro e por fora.

“Desculpem a demora.” Eu disse ofegante, deixando a mochila cair ao chão e segurando meus joelhos enquanto tentava normalizar minha respiração.

“Que demora? Você voltou até rápido demais.” Sowon disse, um sorriso estranho abrindo em seu rosto.

“É, esperávamos que voltasse só semana que vem.” Kei disse, o sarcasmo pingando de sua fala.

“Muito obrigada, gente.” Me levantei, secando o suor da minha nuca.

“E então? O que rolou lá?” Hwasa perguntou e eu respirei fundo, ainda sentindo levemente a dor em minha traquéia.

“Ela me deixou ir.”

“Como assim “te deixou ir”? Pensei que ela estivesse completamente puta da vida, visto todos aqueles peixes.” Wheein afirmou com razão.

“Eu a convenci de que não ia causar nenhum problema, e que vocês também não.”

“Nós vimos aquilo. Não tem como você ter conseguido mudar a opinião dela desse jeito.”

“Mas eu mudei. Os peixes eram apenas uma surpresa, um meio de chamar a atenção. Ela só queria uma explicação, e eu dei isso a ela.”

Finalmente todas se calaram em um silêncio cândido, e eu não entendia como havia feito-as confiarem em minhas palavras tão rápido. Mas então, Seolhyun quebrou o silêncio.

“E qual foi a explicação?” Perguntou, me deixando sem palavras. Eu ainda não havia bolado essa parte do plano.

“Bem…” Eu respirei fundo. “Que eu não podia mais fazer parte daquilo. Que essa cadeia alimentar entre idades não me representa, e que eu faria de tudo para acabar com ela se tentasse empurrar isso na minha mente de novo.”

Seolhyun pareceu pensativa por um momento, e depois apenas acenou com a cabeça, como se aceitasse minha fala. Eu não conseguia parar de encará-la, especialmente depois daquele beijo. Não negava que queria fazê-lo de novo.

“Todas estão de acordo com o que discutimos anteriormente?” Ela falou, e minha face instantaneamente formou uma expressão de curiosidade.

O que elas haviam discutido?

Antes que eu pudesse questionar, todas assentiram.

“Então ótimo. Hyejeong, bem vinda oficialmente ao grupo 95.” Seolhyun afirmou, e eu levantei minhas sobrancelhas em curiosidade antes de ser bombardeada por um abraço coletivo.

Não consegui evitar meu rosto de sorrir quando Seolhyun fez o seu clássico meio sorriso. Aquele acolhimento tão repentino confundia minha cabeça, mas ao mesmo tempo, me dava alguma coisa boa para processar ao invés de toda aquela babaquice aguda da capitã. Algo para desviar minha mente daquilo era o que eu mais precisava.

As garotas me soltaram, me olhando com companheirismo.

“Tá bem, por que todo esse amor de repente? Principalmente você, Sowon.” Falei e ela gargalhou.

“Você salvou nossa vida matando aquele cervo. Ele estava destruindo nossa plantação.”

Fiz uma expressão de surpresa, assentindo com a cabeça. Era uma questão de vida ou morte naquele momento, de algum jeito.

“Eu não sabia disso… se soubesse, havia levado aquele cervo mais a sério.”

“Mais a sério do que foi? Você foi muito boa, Hyejeong.” Wheein sorriu, suas covinhas aparecendo de maneira fofa.

“É. Profissional!” Hwasa exclamou e eu não segurei minha risada.

“Obrigada pelos elogios, mas eu não teria conseguido se não fosse Seolhyun me ajudando. ”

As garotas fizeram um coro de  “uuuuuhs” e eu ri levemente, enquanto que Seolhyun apenas escondeu o rosto com os cabelos, uma coisa que não era característica normal dela. Achei muito fofo, mas não comentei nada.

“Então vamos fazer o churrasco?” Kei perguntou, e eu arregalei os olhos.

“Churrasco?” Perguntei, levantando as sobrancelhas.

“Sim. Não vai ser nada muito grande. Como o vento está forte, o cheiro vai se dispersar bem rápido e não vamos ter muito problema.” Kei explicou com naturalidade e eu assenti.

“Eu já separei a lenha para a fogueira.” Sowon apontou para os alojamentos. “Está lá dentro. Eu estava com medo de que chovesse e a madeira se tornasse inútil.”

“Inteligente.” Eu afirmei, e Sowon sorriu.

É, ela não era má pessoa.

“Não queria estourar a bolha de vocês, mas eu estou completamente suada e exausta. Não tomo banho a uns dois dias e acho que vou ser enterrada na minha própria sujeira.”

Todas riram, incluindo Seolhyun.

“Tem um lago aqui perto que você pode usar. Eu te levo lá.” Ela disse, e eu sorri, assentindo.

Enquanto andávamos quase todas as garotas me lançaram olhares estranhos. Eu apenas rolei os olhos, ignorando.

Kei estava certa, o vento estava aumentando a cada hora. Era refrescante, mas eu mal conseguia esperar pra entrar no lago.

As árvores por qual passávamos mudavam seus espaçamentos. De antes estreitas, a distância entre elas começava a se abrir e ao longe eu pude ver o reflexo da lua na água.

Seolhyun diminuiu o passo e finalmente chegamos ao lago. Estava calmo, com poucas ondas que se quebravam com uma suavidade assustadora. Me transmitia uma paz de espírito que eu não sentia a muito tempo.

“Bonito, né?” Ela sorriu e eu sorri de volta, amarrando o meu cabelo em um coque improvisado.

Minha vontade era de pular no lago com roupa e tudo, mas não queria ter que deixá-las secando, então tirei a blusa e desabotoei minha calça.

Nem percebi quando Seolhyun se virou, o rosto vermelho. Tive vontade de gargalhar, mas apenas terminei de tirar a calça e coloquei um pé dentro da água, que surpreendentemente, estava morna.

Meus músculos iam relaxando conforme eu entrava na água. Finalmente, só se via a minha cabeça acima da linha molhada.

“Você pode virar agora, Seolhyun.” Avisei para ela, que o fez lentamente como se pensasse que eu a estava enganando.

Sorri quando ela levantou uma sobrancelha para mim.

“Por quê anda me provocando, Hyejeong?”

“Porque você fez o mesmo comigo, Seolhyun.” Sorri quando ela balançou a cabeça, desacreditada. “Você podia entrar aqui comigo, sabe. Eu não vou fazer nada que você não queira que eu faça.”

“Só porque você entrou na turma, não quer dizer que pode brincar no playground.”

“Eu não quero brincar no playground. Você sabe o que eu quero.”

“Por que você não sai daí e faz isso, então.”

“Ah, é assim tão fácil?”

“Vou trazer uma toalha pra você.” Ignorou minha pergunta e eu sorri.

Era a verdade, eu estava louca por ela. Não sabia o porquê, mas também não ligava pra isso. Seolhyun apenas me dava calafrios, fazia o meu estômago dar voltas e essas eram coisas que eu não sentia por mais ninguém.

Esperei ela voltar enquanto relaxava dentro da água. As palavras da capitã voltavam a ecoar dentro da minha cabeça, como um poema maldito do qual eu não queria me lembrar. Não conseguia relaxar sabendo do perigo que eu estava impondo naquelas garotas, em Seolhyun.

Ela voltou, uma toalha em mãos e um sorriso no rosto. Nenhuma preocupação esboçada. Eu me perguntava como ela conseguia.

Saí da água, o frio logo me incomodando. Peguei a toalha que Seolhyun me estendeu e me sequei. Me entregou também uma muda de roupas.

“Tenho certeza de que você não vai querer vestir suas roupas sujas como estão.”

“Está certíssima, Seolhyun.” Sorri, terminando de me vestir.

“Então, vamos voltar?” Ela olhou para o caminho de volta, como se sinalizasse para que eu a seguisse.

“Espera.” Peguei seu pulso, a puxando para perto.

Eu podia sentir de novo sua respiração no meu pescoço. Sua boca não passava de uma linha tensa, e eu ouvi claramente quando ela engoliu em seco.

“Você quis dizer mesmo o que disse antes?” Perguntei, minhas mãos colocando mechas atrás de suas orelhas.

“Cada palavra.” Ela disse finalmente, espalmando suas mãos em minhas clavículas, diminuindo o espaço entre nossas coxas.

Eu sorri antes de segurar seu queixo entre meus dedos. Alisei suas sobrancelhas, descendo até suas bochechas altas. Suas pálpebras se fechavam a cada dedo que eu afundava em sua pele.

Parei em sua boca, antes apenas uma linha tensa que agora estava mostrando todo o seu poder, sorrindo de tempos em tempos. Tracei a linha que a formava, me perdendo em seus olhos enquanto o fazia.

Olhos que não deixavam os meus.

E então não conti mais a vontade de beijá-la. Assim como eu, ela parecia estar esperando aquilo por muito tempo, porque eu nem tive que lutar para virar sua cabeça e deixar minha língua entrar.

Sem que eu percebesse, suas mãos já estavam brincando com a barra de minha camiseta, e um segundo depois, estavam debaixo dela, alisando meu estômago.

Seolhyun

Eu não compreendia o que estava acontecendo, mas me deixava levar mesmo assim. Gostava de pensar que aquilo não era um sonho, que era real e estava mesmo acontecendo. E a mão de Hyejeong em meu cabelo me deixava acreditar nisso também.

Talvez não significasse para ela o que significava para mim, mas eu aproveitaria aquele momento de qualquer forma, como um prêmio limitado. Eu a agarrava assim, sem me importar como poderia parecer.

Minhas orelhas queimavam enquanto ela descia beijos por todo o meu pescoço. A grama picava minhas costas nuas mas eu não me importava, só queria me afundar em seus pequenos toques, ficar ali com suas mordidas que puxavam meu lábio levemente.

E então ela parava, levantava a cabeça, e me encarava. Eu não conseguia evitar afundar em seus olhos, piscinas escuras de castanho, que me puxavam mais e mais.

O lado de dentro de minhas coxas queimava intensamente enquanto seus lábios andavam por minha pele deixando uma trilha flamejante, e eu não tentava conter minhas arfadas de ar. Ela parecia estar gostando de me provocar porque sorriu antes de atacar meus lábios de novo, guiando o beijo lento que me fazia tremer internamente.

“Eu posso perguntar porque você me protegeu? No início?” Ela sussurrou no meu ouvido, e eu não conti uma risada.

“Eu estava curiosa sobre essa gigante que havia derrubado e quase matado Sowon, principalmente porque não é qualquer uma que faz isso com uma das minhas melhores lutadoras.”

“Qual é, eu não sou tão alta assim.” Ela riu, beijando meu pescoço, e eu senti arrepios e meu estômago dando voltinhas.

“Então não nega sua força?”

“Não sei de nada, meu bem.”

“Mas eu também estava curiosa quanto a o que você estava fazendo aqui. Porque claramente, você não estava fugindo. Parece que na verdade, estava vindo para cá como se soubesse.”

Era só um palpite mas eu sentia que ele era real. Hyejeong, apesar de ser uma pessoa em quem passei a confiar, ainda escondia muitos segredos debaixo de suas mangas.

Percebi que estava em território proibido quando ela ficou sem palavras. Não era do seu feitio fazer isso, então eu apenas a encarei, me perguntando se ela iria responder, e então a puxei para um beijo com propósito de calar a minha própria boca.

Não é necessário dizer que não houve mais nenhuma palavra que ela pronunciou a não ser o meu nome enquanto tentava não gemer alto demais.

--

O churrasco correu bem. Felizmente eu possuía a dupla mais piadista desse mundo e não havia um momento em que não estávamos rindo de algo que ou Hwasa ou Wheein haviam dito.

Creio que todas elas haviam percebido que eu estava agindo diferente com Hyejeong, que eu estava mais afetuosa. Kei até tentou me puxar algumas vezes para um canto para tentar me fazer explicar, mas eu apenas a afastei dando a desculpa de que não havia nada para explicar.

É claro que eu estava mentindo.

Na hora de nos recolhermos, todas foram para os seus respectivos quartos, mas Sowon me esperou.

“E aí líder, o que tá rolando entre você e a altinha?”

“O quê? Como assim, o que tá rolando?” Perguntei como quem não sabia de nada.

“Você disse que gostava dela. Provavelmente ela corresponde, pelo jeito que te olha.”

“Sowon-” Tentei interromper, mas ela não deixou.

“Eu sei, líder. Já tive sentimentos assim. Já tive alguém que me olhava assim o tempo todo e me fazia querer me esconder num buraco, mas ao mesmo tempo, pular em cima dela e nunca mais soltar. Eu só espero que você saiba o que esteja fazendo.”

E foi se deitar. Digeri suas palavras lentamente, e me perguntei se eu realmente sabia o que estava fazendo.

Era um quarto pequeno, com um fino colchão, mas que era bem melhor do que dormir no chão. Era estranho, porém, o quanto o nível de conforto havia melhorado em uns bons 60%, porque agora eu não precisava encostar a cabeça em nada senão o peito de Hyejeong.

“Ela perguntou sobre nós, não é?” Ela perguntou, as mãos deslizando pelo meu cabelo, impondo uma calma que eu não havia sentido em muito tempo.

“Você é vidente ou o quê, Hyejeong?”

“Não é difícil assumir isso, meu bem. Dá pra perceber que elas têm um grande carinho e respeito por você. Vão se preocupar, e com razão.”

“Não tem nada com o que se preocupar. Somos um bando de jovens contra o mundo, porque nos voltaríamos contra nós mesmos?”

“Você é inocente demais pra esse mundo.”

“Talvez eu seja. Mas essa é a única característica que eu me permito manter mesmo depois de tudo.”

Eu posso ter soado sincera quase até demais, mas os olhos que me encaravam não me deixavam mentir. Era verdade que eu acreditava cegamente em Hyejeong, mas até agora ela se provara digna dessa confiança.

Me aconcheguei ainda mais perto dela, o que parecia não ser possível, e me permiti relaxar em seu abraço, imaginando como seria o futuro.

--

Acordei com nada mais do que silêncio. Quando abri os olhos, estava estirada no colchão, sozinha. Instantaneamente entrei em pânico, levantando às pressas e correndo para o lado de fora. Meu coração se acalmou imediatamente ao ver Hyejeong ali em pé, se alongando. Mordi o lábio e andei até ela, que sorriu ao me ver.

“Bom dia, flor do dia.” Ela parou os alongamentos para me dar um selinho.

“Bom dia.”

“Vou fazer a ronda hoje, se você quiser vir comigo.”

“Quero, quero sim.” Sorri para ela, que sorriu de volta.

Avisamos para as garotas sobre a ronda e elas assentiram, entendendo. Saímos então, andando e procurando por sinais ruins, como cortes ao redor das árvores ou buracos recentemente cavados. Mas não encontramos nada disso.

“Não tem nada com que se preocupar, não te disse?” Afirmei para ela, que apenas rolou os olhos, mesmo assim sorrindo.

“Só porque não vimos sinais de perigo não significa que não há perigo.”

Hyejeong tomou minhas mãos entrelaçando nossos dedos, e nem percebi quando minhas costas tocaram o tronco de uma árvore. Seus olhos continuamente me encaravam, e eu senti minhas pernas bambearem quando ela me beijou.

“Hye-Hyejeong…” Tentei pronunciar seu nome sem gemer mas foi inválido.

“Hmm.” Foi tudo que ela conseguiu dizer enquanto beijava meu pescoço.

“Hye- ah-jeong… eu tenho um mau pressentimento…”

“Hm?”

O frio na minha barriga que não vinha das ações de Hyejeong confirmou-se logo a seguir, quando ouvimos um grito distante que parecia vir do acampamento.

“O que foi isso?” Ela parou tudo o que estava fazendo, andando para frente e para trás, uma expressão de medo disfarçado em seu rosto. Eu só conseguia ficar tensa.

“Não sei.” Falei, no fio de voz que ainda possuía.

“Fica… fica aí.” Ela pediu, começando a andar rápido em direção ao acampamento, mas eu parei seus movimentos segurando em seu pulso.

“Hyejeong…”

“Por favor.” Ela encarou bem no fundo dos meus olhos e eu senti meu coração bater mais forte bem ali. Me deu um beijo curto que para a minha infelicidade parecia muito mais uma despedida, e saiu correndo entre as árvores.

Me encostei num tronco qualquer, suspirando alto, as lágrimas querendo cair. Sentia minha consciência escapando da realidade como uma trava de segurança, me fazendo imaginar coisas que eu sabia que nunca aconteceriam.

Eu não conseguia respirar e minhas mãos suavam. Todos estavam olhando para mim, mas quando eu olhei para frente, nada importava, pois eu só via ela. Sorrindo em minha direção, os olhos brilhando de felicidade.

Andei devagar, bem lentamente para que eu estivesse preparada para cair caso minhas pernas falhassem comigo. Meus próprios olhos não conseguiam olhar para outro lugar senão ela, o vestido lindo que usava, o cabelo arrumado num penteado que mostrava seu pescoço.

Depois do que pareceram ser mil passos e meio, finalmente consegui chegar ao altar, parando para abraçá-la mesmo que a hora não fosse agora. Mesmo não querendo a soltar, eu o fiz, ganhando um selinho curto porém, seu.

Segurei sua mão, nunca soltando enquanto o padre dava início à cerimônia.

Saí do meu estado de transe apenas para levar um soco na cara, caindo no chão.

“Olá, Seolhyun.” A mulher que havia me dado o soco falou.

“Q-quem é você?” Minha voz tremeu enquanto eu tentava me levantar e limpar o sangue que escorria do meu nariz.

“Meu nome é Taeyeon. Ou deveria dizer, a última pessoa que irá ver antes de morrer?”

“Você-”

“Eu dei a ela uma tarefa simples. UMA TAREFA SIMPLES! Mas não, ela teve que se apaixonar por esse projeto de vadia chamada Seolhyun.”

“Taeyeon- Taeyeon… você é a capitã?”

“Em pessoa. Embora eu não me considere mais como capitã, já que a única pessoa que importava que me seguisse parou de fazer isso. E também, o fato de eu ter matado todos os outros.” Taeyeon deu um risinho cínico antes de me ajudar a levantar.

Meus sentimentos passavam de raiva para medo, medo para preocupação. Eu tremia tanto que não consegui reagir contra ela me amarrando numa árvore, tão forte que eu sentia a corda cortar meus pulsos.

“Agora vamos esperar o estrago. Quero que Hyejeong veja você queimar.” E puxou uma garrafa das costas, abrindo-a e despejando os conteúdos na minha cabeça.

Senti o cheiro forte de gasolina e finalmente entendi o porquê da sua frase. Minha primeira vontade foi de chorar, mas senti que Hyejeong não gostaria disso, nem um pouco, então engoli as lágrimas, respirando fundo e tentando não desmaiar com a gasolina que invadia minhas narinas e olhos.

E um suspiro apressado saiu da minha boca quando eu vi Taeyeon pegar o isqueiro.

Hyejeong

Corri tão rápido depois de deixar Seolhyun que talvez eu pudesse competir (e ganhar) em uma Olimpíada, se ainda tivéssemos algo do tipo.

Finalmente, consegui chegar. Era estranho, não encontrar ninguém por perto. O acampamento parecia deserto, e isso não era um bom sinal. Procurei por todos os lugares do lado de fora do acampamento, mas nada.

“Alguém! Gente!” Gritei, chamando as garotas.

“Hyejeong! Aqui dentro!” A voz de Sowon saiu de dentro dos alojamentos, então eu corri, quase derrubando a porta de preocupação.

A cena não estava nada boa. Hwasa estava deitada no chão, sangrando profusamente por um buraco profundo em seu peito, enquanto Kei estava debruçada sobre ela, tentando estancar o sangramento com um pedaço de tecido. Pelo visto, não estava dando certo.

“O que aconteceu aqui?!” Perguntei, suando e respirando pesado.

Wheein estava num canto no quarto, comprimindo as pernas contra o peito e chorando.

“Nós ouvimos… passos, então Hwasa disse que ia checar. Ela demorou tempo demais, então fui procurá-la… encontrei-a no chão, sangrando. Ela só conseguiu me dizer que havia sido esfaqueada antes de apagar por causa do sangramento.” Sowon tentava explicar entre pausas para respirar.

“Kei. A gente precisa de fogo, só assim vai dar pra parar o sangramento.” Chamei a atenção da garota, que tentava o seu máximo para dar um fim no sangue.

Sowon saiu correndo para acender uma tocha enquanto eu tentava ajudar Kei.

“E Seolhyun? Onde ela está?” A garota perguntou, suspirando e nunca desistindo.

Porra. Porra, porra, porra.

“Eu deixei ela na floresta.” Sussurrei antes de levantar correndo, só pensando nela, só pensando nela e em nada mais.

“Seolhyun, meu amor… por favor, por favor esteja bem… por favor…”

--

“Não.” Foi tudo o que consegui dizer, minha nuca começando a queimar de raiva, a saliva da minha boca secando lentamente como se estivesse evaporando.

Seolhyun estava ali, amarrada, a expressão de medo e desolação bem clara em seu rosto. E capitã, atrás dela, sorrindo como uma desgraçada, um isqueiro na mão, bem perto de Seolhyun, ameaçando ser aceso.

Senti o cheiro forte de gasolina de longe e deduzi tudo que poderia ou não acontecer.

“Larga isso, Taeyeon.” Pedi, num sussurro arrastado carregado de concordância falsa, a raiva quase borbulhando em meus sentidos, o rosto de Seolhyun cheio de medo, atormentando minha cabeça.

“Estava esperando você, Hyejeong.” Taeyeon deu um clique com a língua, o sorriso maníaco estampado na sua cara de merda. “Por que demorou tanto? Seolhyun não é tão importante pra você assim?”

“Não ouse falar o nome dela. Não ouse amaldiçoar outra coisa que eu amo, porra.” Mordi a língua, tentando me acalmar em vão.

Taeyeon apenas riu. “Que fofo, mentindo de novo, Hyejeong? Porque amor não se trata de confiança? Eu duvido que você confie nela.” Apontou para Seolhyun, que não falava nada. “Levando em conta o fato de que mentiu para ela, inúmeras vezes, sem falha.”

Pude perceber que Seolhyun passou a prestar mais atenção em Taeyeon a partir daí. E eu não gostava disso, nem um pouco.

Taeyeon nem se importou, continuando seu discurso, a mão que segurava o isqueiro não abaixando uma única vez. Eu não tinha chance de tirá-lo dela, não assim.

“Você mentiu sobre estar tudo bem. Mentiu sobre ter fugido, mentiu sobre qualquer coisa, só pra deixar sua história mais crível. Não percebeu que mentir só ia machucar a pobrezinha aqui? A pobre Seolhyun, enganada, pensando que estava lidando apenas com um caso de fuga, uma refugiada batendo em sua porta.”

“Cala. A. Boca.” Falei entre dentes.

“Uma refugiada mentirosa que devia ter matado todas como eu ordenei. Que deveria ter enfiado a preciosa faca no seu coração, Seolhyun. Uma mentirosa que disse que te ama, Seolhyun. Você acredita nisso?”

Taeyeon passou a se dirigir especificamente para Seolhyun, o rosto malditamente próximo dela, o olhar falsamente amigo.

As lágrimas de Seolhyun haviam secado e seu lábio inferior tremia, mas eu não conseguia deduzir o que ela estava sentindo.

“Eu acredito.” Ela sussurrou, fechando os olhos e deixando mais lágrimas caírem. “Mesmo que seja idiota, eu acredito.”

A minha vontade era de correr e abraçá-la até tudo ir embora, mas eu sabia que eu não podia fazer isso até que Taeyeon estivesse morta.

Taeyeon riu novamente, dessa vez mais alto e claro que qualquer outra risada maníaca dela. Tirou os cabelos do rosto de Seolhyun, que fez eu fechar meus punhos com força. Ela não deveria ter o direito de tocá-la, nem por um segundo. Dei um passo para a frente, quase como se eu estivesse a desafiando.

“Opa. Fique aí parada, senhorita Hyejeong. Não quer que minha mão escorregue e ponha fogo na sua namoradinha, não é mesmo?” Piscou um dos olhos, a mão que segurava o isqueiro se aproximando mais de Seolhyun.

Comprimi ainda mais meus punhos.

Pude ver movimento atrás de Taeyeon, mas tentei não demonstrar, já que pressentia o que iria acontecer. Logo consegui enxergar Sowon, extremamente perto, se aproximando lentamente para não alertá-la, e então não esbocei reação, tentando ajudar.

Sowon olhou para mim, acenando com a cabeça e eu mordi meu lábio, usando a ação como um tipo de confirmação, enquanto observava Taeyeon mudando toda a sua atenção para Seolhyun.

Dois segundos depois, Sowon atacou. Seu primeiro movimento foi agarrar Taeyeon pelo pescoço, puxando-a para trás e a derrubando. Eu agi rápido para desamarrar Seolhyun enquanto as duas lutavam no chão, Sowon apertando o pescoço de Taeyeon numa chave poderosa. Consegui soltar Seolhyun e com rapidez máxima, corri para as duas.

Taeyeon conseguiu se livrar de Sowon dando uma cotovelada em seu estômago tão forte que ela cuspiu sangue. Parti para cima dela, enraizando-a no chão com meus joelhos e socando sua cara com tanta força que minhas mãos latejavam a cada golpe. Com muito esforço ela escapou, virando o jogo e segurando meu pescoço com as mãos pequenas, porém fortes. Eu sentia o ar me faltando, mas estava exausta demais para lutar.

Tentei balançar a cabeça em negativo à medida em que Seolhyun chegava perto de nós com uma pedra. Ela lançou a pedra na cabeça de Taeyeon, a distraindo apenas momentaneamente e fazendo o topo de sua cabeça rachar. Taeyeon caiu no chão atordoada e eu consegui recuperar minhas forças, valorizando cada lufada de ar que eu dava. Segurei-a no chão de novo, apertando seu pescoço com tanta raiva que eu conseguia sentir seu fluxo de sangue diminuindo na carótida. Olhei para o lado por um momento, procurando Seolhyun, e Taeyeon nos rolou pelo chão, tentando parar minhas mãos de sufocá-la enquanto girávamos.

Observei o mundo de relance enquanto tentava combater sua força dissimulada e vi a minha faca que havia caído a tanto tempo atrás que eu nem mais lembrava dela. Taeyeon estava em cima de mim, tentando segurar meu pescoço enquanto eu me esticava o máximo possível para pegar a faca. Quando senti que finalmente havia conseguido, Taeyeon comprimiu o aperto e eu fechei os olhos com a dor. Concentrei o resto de minhas forças nessa mão, respirando lentamente para poupar oxigênio, e lancei a mão o mais rápido possível em direção ao seu peito, a lâmina penetrando a pele tão rápido que eu nem percebi quando o sangue começou a jorrar.

Taeyeon caiu para o lado, a faca ainda dentro de seu corpo, e eu me sentei no chão, massageando meu pescoço enquanto Taeyeon dava seus últimos gemidos de dor. Minha face doía, a cabeça latejando, mas Seolhyun estava viva e era isso que importava. Isso era tudo o que importava para mim.

“Você nunca mais vai atrapalhar a mim ou a ninguém com suas desumanidades, Taeyeon.” Olhei para ela, que sangrava e tossia, os lábios partidos também sangrando e a face inchada e cheia de hematomas. “Nunca mais.”

“Você poderia ter sido grande, Hyejeong… poderia ter sido como eu…” Ela usou o resto de força que possuía na voz, o tom rouco e arrastado de quem estava morrendo.

“Não. Eu nunca poderia ter sido como você. Queria que pudesse ter percebido isso antes, queria ter percebido antes eu mesma.”

“Você… foi cega…”

“Você foi cega. Sem coração, psicopata e manipuladora. Usou todos como bonecos, me usou também. Eu nunca mais vou deixar isso acontecer, comigo e com ninguém. E os outros? Matou eles também?”

“Sim. Ela me contou que sim.” A voz de Seolhyun veio de trás de mim, calma e lenta. Me ajudou a levantar, e então eu a abracei, sem vontade nenhuma de soltar tão cedo. Apenas o pensamento dos corpos no meu antigo acampamento me faziam querer chorar, e eu desesperadamente agarrava Seolhyun mesmo que ela cheirasse como gasolina.

“Me desculpa, amor. Por favor me desculpa.” Eu sussurrei, tentando lutar contra as lágrimas.

“Não precisa se desculpar, Hyejeong. Olha pra mim.” Ela pediu com carinho, segurando meu rosto e encarando meus olhos daquele jeito que só ela sabia fazer. “Não estou com raiva pelas mentiras. Eu faria o mesmo se fosse você.”

“Eu não devia ter te deixado sozinha.”

“Está tudo bem. Acabou.” Ela sorriu o seu meio-sorriso, inclinando a cabeça para me beijar, os braços envolvendo meu pescoço, as minhas próprias se afundando em seu cabelo.

“Acabou.” Sussurrei contra seus lábios antes de beijá-la ainda mais forte.

--

O sol brilhava no topo do céu, pássaros voando e cantando. O verão estava acabando, dando o resto de suas forças antes que se extinguisse por completo, dando lugar a outra estação.

Mas tudo estava bem, na medida do possível.

Depois daquela noite, eu hesitava em voltar ao meu acampamento original para ver o estrago que Taeyeon havia causado. Mesmo assim, voltei, claro, na companhia de Seolhyun. Enterramos cerca de quinze corpos, todos assassinados de formas diferentes, mas demos a cada um deles um enterro decente, como eu imaginava que gostariam. Muitas lágrimas foram derramadas, a maioria delas por mim, mas aquilo me fez sentir em paz pela primeira vez em muito tempo.

Taeyeon também foi enterrada, mas ela não ganhou um funeral como o resto, apenas terra e olhares vazios enquanto seu buraco era preenchido. Ela havia causado muito mau para ganhar qualquer coisa.

Hwasa conseguiu se recuperar da facada que havia levado, mesmo que parecesse improvável naquele dia. Ela era uma lutadora, estava claro que não iria desistir. E com a ajuda de todas nós, foi mais fácil de superar. A cicatriz era feia, mas todas nós possuíamos nossas próprias cicatrizes, de um jeito ou de outro.

Eu e Seolhyun nos casamos. Foi uma cerimônia simples, sem muita preparação, mas foi especial, mesmo sem muita mordomia. Qual era o problema, de qualquer forma, se era eu, Seolhyun, e coroas de flor? Para mim, era perfeito.

E para Seolhyun também.

Depois daquele dia, eu passei a amar mais do que achava possível. Não conseguia ficar longe dela por muito tempo, e até as meninas ficavam incomodadas algumas vezes com a nossa proximidade excessiva. Mas eu não ligava, nem um pouco. Os incomodados que se retirem.

Nada que havia acontecido antes, importava. O passado poderia até voltar aos meus pensamentos algumas vezes, mas não importava para mim. Eu preferia seguir em frente com o que eu tinha, junto com Seolhyun.

Sempre com ela, no agora.


Notas Finais


A playlist: https://open.spotify.com/user/larahai/playlist/4UfuHG8DchBxz774ohCFuY
Obrigada por tudo <3.
Até a próxima!


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