Será mesmo ali? Todas as igrejas se parecem.
Os mesmo papéis colados na porta, à entrada; as mesmas velhas ajoelhadas, rezando, sem mexerem a cabeça; as gotas de cinza daquelas vozes; as janelas de cor: tristes e fechadas; e o cheiro estranho que ele fareja.
-É o incenso! - diz ela. E aperta-lhe o braço, empurra-o para diante.
Seguem pela nave central os olhares dos santos parece que sem movem e os acompanham. Caras de cera, com borrões de sangue. Luzes, tantas luzes amortecidas. Como as vozes.. e o incenso.
Avançam ambos lentamente, com estranheza.
O altar-mor cresce e brilha cada vez mais, quase afllige; os seus raios de ouro mordem o silêncio grosso. O perfume adormece. A Nossa Senhora morena sumiu-se, lá para trás na sombra de uma concha, toda cheia de flores brancas. Para trás, na sombra dos murmúrios..
No altar, agora, os louros; a coroa de luz vai desprender-se da testa do Cristo martirizado. As estrelas vivas sempre a queimarem-se, sempre. Nos mármores que forram a capela alguém encostou as chagas cor-de-rosa. Tudo está sujo de sangue. Alguma coisa irá passar-se ali, naquele teatro ardente e retirado.
Nos olhos dele, súbito parados e turvos como a água de um charco, há um líquido torpor, onde, furtivos, deslizam os vermes das impressões, quando ele volve o pescoço encardido e o rosto para as capelas e para as imagens sem fala. Espanto? Paz? Lembrança de lágrimas? Vontade de ali se demorar à espera de que algum daqueles dedos de marfim se levante para ele num sinal?
- Vamos - diz ela. E puxa-o para a frente. Reconheceu definitivamente a igreja. Aquela portinha baixa, apenas encostada à direita, é a da sacristia. Uma nova luz tirita através dessa porta. Fria? Inóspita? Uma luz débil de aparições.
Agora é ela que hesita. Já passaram cinco anos. Lembrar-se-à ele sequer, essa sobra que reza e abençoa, o poderoso senhor que está lá dentro, no lençol de segredo daquela luz?...
*
O padre vê a porta abrir-se de manso, empurrada como a medo. Deixa-os aproximarem-se, bichos canhestros, turbados, mensageiros da tarde real, carregados de músculos, de vísceras, que vêm fender-lhe o sonho; e sorri, a animá-los, com os seus olhos de anil, que emergem da prisão da pureza e onde já todo o orgulho se lhe dissolve, enquanto o busto, a face, interrogativa, se lhe inclinam e os braços se lhe abrem, num gesto discreto de acolhida.
«O que desejam?» Como hão-de eles explicar o que desejam, assim, sem mais nem menos?..
- Queríamos casar- diz ela. No tecto dourado, há mais estrelas, fixas, cobertas de areia, e, ao meio, uma pinha azul, pendente. O rosto do padre, encobre-o num véu, suave de mais, tão amável e distante que assusta, como a cruz negra ao fundo da sacristia. Negra e lisa. Os ramos da morte. Por detrás daquele sorriso, a sentença aguarda.
O crânio dele tornou-se doloroso. O rapaz contêm a respiração. Espera. Existe uma imensidão deserta entre eles e o padre.
- Os vossos papéis!
Entregam-nos, assim enxovalhados, quase rotos, folhas velhas ao desprezo.
- Sara dos Anjos..Tomás..Mas, vocês são irmãos? - pergunta o padre, ainda na dúvida.
- Queríamos casar- repete o rapaz, obstinadamente.
- Mas se são irmãos..
- Senhor prior - reclama ela ( e nos seus olhos escuros o pânico longínquo, a suplicia, em círculos concêntricos vêm assomando)- vamos ter um filho. Ajude-nos, ao menos, o senhor, que nos deu o baptismo!
- Eu?
- Não, se lembra? Sou a filha da padeira - ajuda ela.
*
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.