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História Beg me - Crescei


Escrita por: ectasy

Notas do Autor


* Plágio é crime.
* A história é da minha autoria e todos os poemas postados ao longo do enredo aqui também são meus.
* A história é ficcional e qualquer semelhança com a realidade é coincidência.

Capítulo 2 - Crescei


                                                                                                    *

 

Têm doze a treze anos e vivem como animais naquela barraca feia de latas, onde penetra a água das chuvas, como ele pode verificar. Porque chove nesse momento. O vento abana o casinhoto miserável, e ele, com remorsos e comichões, entre a velha e a menina que chora sentada no bacio, espreita, impaciente, pelo postigo sem vidro, o fim do aguaceiro.

 

Novembro? Sim: um domingo de Novembro. Sara e Tomás são os mais velhos: têm doze ou treze anos. Mudaram. Se mudaram!

 

- Tu não vendias pentes pelas ruas?

 

O rapaz acena que sim.

 

Acaba de os baptizar. Deu-lhes dinheiro. Deixa-lhes o catecismo. E sente que não basta. Não, não basta. Mas, que fazer? Pediu-lhes que o procurassem . No terreiro enlameado, as escamas da chuva lampejam, monotanamente, nos charcos. Se ele ao menos tivesse trazido o guarda-chuva.. Mas logo se arrepende da pressa. A pressa de recolher à oração, á ordem, ao odor da igreja, à serenidade do espírito .. Afaga a bochecha escrofulosa de um dos endezes. São sete. E já morreram três. «Tu, como te chamas?» «João.» «Quantos anos tens?» «Oito.» «Já vais á escola?» «Não, senhor prior - acode à mãe - , este é o mais doente; tem de ir fazer uma radiografia, mandou o médico. Como o +ai esteve no sanatório.. » «E tu?» «Eu sou a Suzete.» «E está?» «Esta é a minha Cinda, que já lava a roupa à avó.» «Ontem, senhor prior, lavei tudo o que está nesse alguidar.» - urfana-se a pequena. Uma aranha balouça-se entre as latas de conserva, sobbre o único móvel, ameaça cair dentro dos pratos mal lavados ou nalguma das caixas vazias de bolachas recolidas algures, numa estrumeira ao deus-dará..

 

Só uma enxerga se vislumbra, uma apenas, nesse quarto único, onde a família inteira certamente dorme, come, padece, ri e berra, onde se amparam e se assanham uns contra os outros. Já não é a primeira vez que ele pasma daquele horror, mas nunca poderá habituar-se, nunca, nunca ! Lá fora, chove, sempre, continuamente. Um barbeiro de ocasão acabou de tosquiar, debaixo do alpendre, um rapazelho que deita a correr na direção da barraca. Mais um filho. «Tu chamas-te?.. » «Pedro.» «E tu?» «João.» «Ah! É verdade: João. Hei-de falar em ti a um doutor meu amigo.» Sara é esta aqui, a maior, já com as ancas a arquearem, o sobrolho malicioso, um ar de gandaíce. «Não me pediste esmola, há dias, no Saldanha?» «Não senhor, eu é raro sair daqui da Charneca. Agora vou todos os dias guardar um menino, duma vizinha que anda a trabalhar no campo. Ganho quatro mil réis.»

 

                                                                                  *

 

- Vocês não sabem ( toda a gente sabe ) que os irmãos não pode casar?

 

- Mas nós dormimos sempre juntos desde crianças - protesta o rapaz. - Sempre. Nem sei quando começámos. Ela vai, deixa ver.. em dezassete anos. Somos já marido e mulher há..

 

- Eu não posso de maneira nenhuma.. - atalha o padre Jorge, incomodado, desviando a vista da expressão alterada e implorativa do jovem. - É um incesto. Ninguém vos disse nunca que é criminoso, contra Deus, contra a natureza.. - Mas acabá por se calar. Nos olhos de Tomás formaram-se coágulos de angústia.. Ou de desesperança, de revolta? Ele não entende. E ela acercou-se do padre, tenta pegar-lhe uma mão, que ele lhe retira. Vai para ajoelhar-se e ele mantém-na de pé, quase à força. Depois larga-a, recua. Soa o orgão da igreja. Mais longe, um sino. A infinita bondade de Deus. As palavras são como lanças curvas que jorram das bocas e ferem. Ajoelhar perante o Espírito Santo. Que mais sabe ele fazer? Que pode ele fazer por estes dois condenados? «Ite, missa est..» A mortificação. A região da eletricidade. A paz, sim, a paz !.. O pecado e a bondade às vezes andam juntos. Como é possível? Onde está o pecado, onde? «Ó luz de fogo, ó palavra eterna ! Obedecer apenas: ouvir as Suas ordens, uma vez ao menos ! Ave ! Cristo transparente..»

 

- Ouça senhor prior - insiste o rapaz, estendendo para ele as mãos como balanças pesadas de queixas, cascatas de desespero. «Não, não, não pode ser !» - Ouça, senhor prior, já tentámos tudo: a gente sabe, mas ela é a minha mulher verdadeira, é o que eu sinto. Já fomos ter com um parteira.. Mas não temos dinheiro, e depois..

 

- Isso ainda menos: é monstruoso.. - arremete o padre. (Mas será, será mesmo, num caso destes?.. Que solução?..)

 

- Senhor prior, case-nos, há-de haver uma forma. O senhor é que nos batizou. Disse-me que viesse ter consigo, que havia de me auxiliar.

 

- Mas nunca vieste.

 

- Venho agora. Ai, se o senhor não nos salva ! Repare bem, senhor prior, que isto não é de hoje nem de ontem. Para nós é a coisa mais natural deste mundo: foi sempre assim. Pelo amor de Deus, faça qualquer coisa por nós! Pelo amo de Deus ! Que eu queira chamar-lhe minha diante de todos. Se ele é minha! Minha! Seja irmã que não seja ! ..

 

- Mas a lei não deixa. («Nem a lei de Deus, nem a lei dos Homens.») Mas todas as leias consentiam aquela promiscuidade.

 



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