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História Bells of Notre-Dame - Crimes em Paris - parte um


Escrita por: ElvishSong

Notas do Autor


Oiiiiii! Cá estou eu de novo, agora com o primeiro de dois capítulos bem tensos! Tomara que gostem!

Capítulo 19 - Crimes em Paris - parte um


Uma semana após os eventos no Pátio, Paris convulsionava ante a notícia da morte do capitão da guarda! Nada se sabia, mas muito se afirmava sobre a morte súbita de um homem que gozava de plena saúde: consenso geral era que não se tratava de morte natural. Os mais céticos falavam em assassinato por vingança ou inveja. Os de imaginação fértil já haviam criado teorias que envolviam bruxaria, demônios e magia negra, numa histeria coletiva em que buscavam culpados até mesmo nas sombras das paredes. Afinal, quem poderia matar o chefe dos arqueiros reais?! Medo e dúvidas se espalhavam como uma praga, e tal era o caos que o juiz eclesiástico Claudius Frollo tentava conter, enquanto as autoridades tentavam descobrir mais acerca do caso.

Tendo passado as noites em claro, analisando os fatos sobre a inesperada morte, o sacerdote esfregou as têmporas e repassou as dados em sua mente: Phoebus entrara no consultório de um cirurgião por volta das oito horas da noite, com um grande corte na virilha já gangrenando e severa paralisia da perna direita... O médico reconhecera os efeitos de envenenamento e o havia tratado com carvão ativado e lavagens, bem como uma mistura de enxofre e salitre sobre a ferida aberta... Mas o veneno, nas palavras do médico, não havia “subido” para o peito, restringindo-se aos músculos ao redor da ferida, e dificilmente teria sido o responsável pela morte. De fato, o oficial sobrevivera à noite, o período mais crítico para um envenenamento, e pela manhã parecia muito melhor! Fora deixado sozinho por um curto espaço de tempo e, quando o cirurgião retornara, encontrara seu paciente morto, os olhos abertos numa expressão petrificada de terror que a morte congelara. Não havia qualquer marca no corpo, ou sinal de que alguém houvesse entrado no prédio. E por mais que a mente racional de Frollo procurasse uma alternativa mais plausível, a possibilidade de feitiçaria insistia em martelar sua cabeça.

- Meritíssimo? – chamou o secretário de Claudius, batendo à porta do escritório – pediu-me que lhe trouxesse o cirurgião.

- Sim, de fato. Ele chegou?

- Faço-o entrar?

- Por favor.

Enquanto seu secretário ia chamar o recém-chegado, o sacerdote esfregou os olhos ardendo pela falta de sono e esforço pelas longas horas de leitura à luz fraca de velas; pelo menos uma coisa boa adviera daquilo: não pensara sequer uma vez na maldita cigana, ocupado que estava com seu trabalho durante a última semana. Dissessem o que fosse do sacerdote, ninguém jamais poderia acusa-lo de indolência ou desleixo em relação a seu trabalho; e ao contrário da maioria de seus colegas, não admitia a forjadura de falsas provas visando a encerrar investigações e levar pretensos culpados ao cadafalso. Não. Para ele, seu ofício era sagrado, e com diligência e dedicação entregava-se a ele, a única salvação para sua alma atormentada. Já possuía pecados suficientes em sua alma para somar a eles a preguiça e o falso testemunho.

Exausto pelas noites insones – já não tinha a mesma disposição de vinte anos atrás... – ele cochilou por um breve instante, apoiado na mão, e sua mente se encheu com imagens de fogo e terríveis torturas, enquanto uma voz feminina sussurrava como o sibilar de uma serpente:

- “você é meu, Claudius Frollo”

A visão o fez despertar bruscamente, saltando da cadeira, a qual foi derrubada; neste momento seu secretário retornou com o médico a acompanha-lo e, presenciando a cena, perguntou:

- Está tudo bem, Meritíssimo?

- Apenas noites demais sem dormir, Gerrot. – respondeu o sacerdote – nada que eu não possa remediar hoje, se fizer algum avanço neste caso ridículo. – e voltou-se para o médico, indicando-lhe que se sentasse, antes de tornar a falar com o secretário – agora deixe-nos.

- Meritíssimo. – Gerrot saiu, e o juiz se dirigiu ao recém-chegado:

- Soube que foi a última pessoa a ver o Capitão Phoebus vivo. – o médico estava visivelmente nervoso: a simples ideia de ser considerado o responsável pela morte do Capitão o enchia de terror... Ser enforcado em praça pública não era um bom jeito de partir.

- Eu o tratei, Meritíssimo – respondeu o homem miúdo e franzino, com voz levemente trêmula.

- Sim, estou ciente do ferimento tratado por você. Contudo, seu diário médico diz que o ferimento evoluiu de modo satisfatório, e não representava risco de vida. – o ancião cruzou as mãos sob o queixo com um olhar severo – eu me pergunto, então, como poderia um homem jovem e saudável morrer tão subitamente. E por que o médico responsável não fez questão de vir pessoalmente relatar tudo o que se passou. – aquelas palavras fizeram tremer o cirurgião, que gaguejou:

- P-por f-favor, s-senhor... Digo, M-Meritíssimo... Eu não me apresentei porque me perdi em estudos, tentando descobrir o que matou o Capitão.

- Interessante. Chegou a algum resultado?

- S-sim... O Capitão tinha os olhos saltados, com as veias estouradas...

- Poupe-me de detalhes médicos, Sr. Harlet. Vá direto ao ponto.

- Pois bem... Posso afirmar sem medo de erro que ele foi sufocado. E como não há marcas de mãos, cordas ou qualquer objeto similar, concluo que utilizaram o próprio travesseiro do catre para mata-lo. Mas, é óbvio, o Capitão lutou: entre seus dedos encontrei fios de cabelo castanho. Longos. Nenhum dos meus contratados tem cabelos longos.

- Então, o que sabe é que foi um homem de cabelos castanhos e longos.

- Foi tudo o que pude descobrir. E, claro, tem de ser um homem forte, pois mesmo ferido o Capitão Phoebus ainda possuía braços fortes, que derrubariam alguém franzino.

- Certo – o juiz anotou algo em seus papeis – algo mais a me dizer?

- O soldado que o trouxe disse que ele se meteu em uma briga com ciganos. Que foi um cigano quem o feriu.

- Ciganos? – Maldição, aquele povo pagão jamais se cansava das intrigas e perversidades que manchavam a cidade! Melhor seria se o rei ouvisse seus conselhos e ordenasse de vez o expurgo daqueles malditos estrangeiros! Ele apenas rezava com todas as suas forças para que nada o levasse na direção do demônio que temia mais do que a qualquer outro, com terror que se igualava em intensidade ao desejo.

- Sim. Tentei saber mais a respeito, mas tudo o que me disseram foi que o pobre homem foi atraído por uma cigana em direção a um beco e, algum tempo depois, apareceu ferido, mal podendo ficar em pé. Imagino que tenha sido uma tentativa de assalto que deu errado, ou a prostituta ficou irritada quando ele não a quis pagar...

- Quem era essa cigana? – a urgência na oz do juiz causou estranheza ao médico, mas este continuou impassível:

- Não faço ideia, Meritíssimo. Como disse, tudo o que soube foi por intermédio do soldado que o levou, e estava mais preocupado em cuidar do paciente do que em saber detalhes do ataque.

- É claro. – Frollo se recostou à cadeira de espaldar alto, o coração acelerado, boca seca... Não... Não podia ser ela... Não podia estar sendo tão duramente testado, tão vilmente atacado pelo demônio... – consegue identificar o soldado que levou o Capitão a sua clínica, doutor?

- Um membro da guarda, juiz Frollo: Artoir Pinchet.

- Muito bem. – O ancião suspirou e, esfregando as têmporas, dispensou seu visitante – agradeço por seu tempo, doutor. Caso se lembre de algo mais, não hesite em comunicar meu secretário.

- Certamente, Meritíssimo. – respondeu o médico, fazendo uma mesura antes de deixar o escritório.

- Gerrot! – chamou o sacerdote. Seu assistente entrou sem demora, assemelhando-se no andar a um pato, com pernas curtas e corpo gorducho.

- Senhor?

- Traga a mim um homem da guarda real: chama-se Artoir Pinchet. Creio que ele pode dar cabo a nossa busca.

- Imediatamente. – o dedicado secretário, porém, percebia a exaustão de seu amo, que sempre o tratara com dignidade e, por isso, tinha seu respeito e cuidado. – Perdoe-me a intromissão, mas deveria descansar. Não dorme há dias, nem tem comido...

- Não tenho tempo para isso! A cidade está em histeria com este assassinato... Ou lhes dou logo o culpado, ou teremos um banho de sangue nas ruas. Sem falar na onda de falsas acusações no Tribunal do Santo Ofício. Pretendo evitar isto.

- Ainda assim, levarei algumas horas para trazer o soldado. Mandarei que um serviçal lhe sirva uma refeição quente, e depois poderia dormir um pouco, meu senhor.

Exausto, Frollo anuiu: Gerrot tinha razão. Ficar acordado não faria com que o soldado se apresentasse mais cedo, mas algumas horas de sono clareariam sua mente. Assim sendo, apertou amigavelmente o ombro do secretário e se levantou:

- mande a refeição ser servida em meu quarto, por favor. E quando trouxer o homem, vá me chamar de imediato.

 

*

 

Sarah interpôs-se aos dois homens em cujas mãos brilhavam facas afiadas:

- O que estão fazendo, em nome de Deus?! – Dantrot e Clopin se mediam de alto a baixo, como dois lobos prestes a se atacar; o primeiro não era membro original do clã, mas a ele se juntara como um agregado bem-vindo, oriundo de uma família cigana desfeita pelas desventuras dos miseráveis. Haviam se tornado amigos e aliados, mas agora o ódio e o despeito se estampavam no rosto do cigano francês:

- Você permite que sua filha desfile por nosso campo com aquele Gajô deformado como amante, qual uma prostituta! Permite que ela cuspa sobre nossas tradições, recusando-se a dormir com o próprio marido e coabitando com aquela besta, a qual você ainda defende!

- Esmeralda é dona de sua vida e seu destino, Dantrot, e foi por decisão da Kris que o Gajô foi admitido como seu guardião, e todos sabem o porquê! Não tenho amor por aquele homem, mas aceitarei de bom grado qualquer um que mantenha o laço da forca e as chamas da fogueira longe de minha menina. – os dois circundavam Sarah, a única coisa que os impedia de se atacar mutuamente – falar contra a honra de minha filha é falar contra mim. Está se esquecendo de que não é parte deste clã, forasteiro, e que apenas por nossa bondade tem a proteção de um grupo! – uma faca rasgou o ar, passando a milímetros do rosto de Sarah, que desta vez não ficou passiva: sacou o próprio punhal e o usou para abrir um longo rasgo na mão de Dantrot, que largou a arma. Furiosa, a gitana sibilou:

- Está se esquecendo quem é o líder, aqui, francês. Ouse puxar a faca contra ele, novamente, e eu mesma cortarei sua garganta. – a voz de Alba, contudo, veio interromper a cena de violência:

- Mas enlouqueceram todos?! Esmeralda deixa o Pátio por dois dias e é ISSO o que ocorre? Mas será que uma menina tem mais juízo que todos vocês juntos?! – ela se adiantou e ergueu Dantrot – agora você é parte do clã, e isso significa que deve respeito aos outros membros. Gritar ofensas e questionar a honra dos demais não é um bom modo de evitar o banimento. – e para Sarah e Clopin – quanto a vocês... Oras, já não enfrentamos o suficiente em nosso dia a dia? Já não bastam os soldados que nos pisam e humilham, que roubam nossos ganhos e derramariam nosso sangue, se houvesse pretexto?! Agora ciganos derramarão sangue de seus próprios irmãos?! Francamente!

- Ele ousou falar contra Esmeralda – rosnou Clopin – atacou sua honra e seu nome!

- Pelo que um murro bem dado seria resposta suficiente. – cortou a mulher, zangada – Esmeralda já é bem grandinha, e com o protetor que arranjou, está melhor guardada que qualquer um de nós. Aliás, ela está neste momento na cidade, vendendo filtros e lendo a sorte para juntar dinheiro que nos permita tomar estrada na primavera. Responsabilidade e comprometimento que não vejo em qualquer dos três, preocupados em brigas e rusgas que destroçam o que resta de nossas tradições!

O trio que se digladiava serenou os ânimos, reconhecendo as palavras da outra como verdadeiras;  enquanto Alba levava Dantrot consigo para dar pontos em seu ferimento, Sarah e Clopin trocavam um olhar preocupado: todos sentiam a tensão no ar, a agitação que se instalara na cidade... Com a morte do capitão Phoebus, muitos olhares se haviam voltado de modo acusador contra os ciganos, estrangeiros nada bem-vindos sobre cujos ombros caíam acusações de toda sorte. Os que criam em assassinato os culpariam de matar um homem da lei para se livrar de sua vigilância... Os que criam em magia negra diriam que tempos de trevas corriam por culpa dos “satânicos estrangeiros” com seus costumes pagãos. Sempre fora assim, cada vez que algo ruim acontecia... Mas saberem que Aaron fora o culpado pela morte que lhes traria tantos problemas fazia com que muitos dos Rrom – não apenas do clã de Esmeralda – o olhassem com mais do que desconfiança. Em verdade, não seria surpresa se o homem aparecesse morto, mais hora menos hora. E menos surpresa ainda seria quando os boatos sussurrados se tornassem um clamor pedindo o sangue dos pagãos. Já acontecera antes... Estava prestes a ocorrer novamente.

 

*

 

 

Esmeralda olhou para as próprias mãos sujas com o sangue do homem que tentara salvar: há dois dias um soldado intimidara um cigano – nada inesperado – mas, ao contrário do esperado, este reagira, acabando morto. Seu irmão o vingara ainda no mesmo dia, dando início a uma vendeta que já ceifara bem umas dez vidas, entre soldados, ciganos e proscritos não-ciganos. Um banho de sangue!

Trêmula – nunca se acostumava ao olhar frio da morte – ela fechou os olhos do cadáver, o estômago se revirando à visão das entranhas que escapavam pelo extenso corte no abdômen, feito pela faca de outro proscrito, o qual culpava os ciganos pela perseguição sofrida na Ille de la Cité. Sem poder fazer nada, colocou uma pequena moeda de cobre na boca do cadáver e murmurou uma prece ligeira, antes de sentir mãos grandes rodearem seu corpo, confortadoras: Aaron parecia nunca estar a mais do que uns poucos minutos de distância, sempre mantendo vigilância.

- Venha, Esmeralda. Não podem vê-la aqui, ou irão culpa-la.

- Por que eu mataria um irmão cigano? – perguntou ela, acompanhando seu amante para longe dali.

- Não precisam de um motivo: apenas de um flagrante. Acredite: se a tiver em seu poder, Frollo a faria confessar até mesmo os incêndios na cidade.

- E quem não confessaria, sob tortura? – ela revirou os olhos, pesarosa.

- Exatamente. Então não daremos motivos ou oportunidade para que a usem em você, certo?

A cigana não protestou, não falou o que fosse: apenas acompanhou o gigante para Notre-Dame, onde lavou as mãos e braços imundos de sangue seco. Tinha os olhos marejados de lágrimas, e Aaron sabia bem o motivo:

- Não é culpa sua, Esmeralda.

- Se eu não tivesse atraído a atenção de Phoebus... Se tivesse sido mais discreta...

- Por Deus, mulher, o homem queria estupra-la! Ele ameaçou uma criança para desarmar você... E ainda me diz que a culpa é sua, de algum modo?!

- Olhe só o que está acontecendo nas ruas! – explodiu ela – de repente Frollo se tornou o menor problema dos ciganos, porque soldados, proscritos e até mesmo outros ciganos já estão ocupados o bastante derramando sangue um dos outros, sem sequer terem certeza do motivo! Uma vendeta ilógica que EU comecei!

- Correção: que EU comecei – disse o organista, segurando sua amada pelos ombros – fui eu quem matou o oficial.

- Para me proteger e impedir que ele me denunciasse. – ela se recostou a uma parede e escorregou para o chão – tudo o que eu queria era voltar no tempo e desfazer essa enorme bagunça.

O músico esfregou o rosto com as mãos, preocupado: Esmeralda tinha grande tendência a carregar o peso do mundo nas costas, e ele temia que acabasse por se entregar, numa tentativa de findar a mortandade.

- Você é muito jovem, Esmeralda... – disse, enfim – jovem demais para se lembrar.

- Para me lembrar de que? – perguntou a menina.

- De outras vezes em que isso aconteceu. Pode achar que é sua culpa, mas a verdade é que isso acontece a cada década, pelo menos; os franceses nunca aceitaram de fato os ciganos, e os privilegiados da cidade adorariam ver os marginais exterminados. Essa guerra nas ruas não precisa de um grande estopim... O menor gatilho serve como desculpa para dar vazão a um ódio irracional que está sempre presente.

- E como mudamos isso?

- Não mudamos. Não existe pessoa que possa tirar do ser humano sua capacidade inata de odiar. – ele abraçou a morena – nem mesmo Cristo conseguiu. – ouviu-a suspirar em seus braços, e decidiu mudar de assunto – e a quantas estão as lições de leitura? – ele começara a ensinar as letras para a mulher, que possuía memória assombrosa e já começava a compreender o mecanismo de junção das letras para a formação de sílabas, e destas em palavras. Tudo isto em seis dias.

- Acho que consegui escrever meu nome, hoje cedo! – contou ela, tentando se animar. Usando a poeira no chão como lousa de desenho, escreveu com traços desajeitados as letras que, juntas, compunham o nome tão amado por Aaron. Ele sorriu, orgulhoso de sua “discípula”, e a parabenizou com um beijo apaixonado:

- Creio que entendo porque restringem tanto o conhecimento, para as damas... Se metades delas possuir sua inteligência, os homens estariam arruinados e cumprindo ordens em menos de um ano – riu-se ele, o que trouxe um esboço de sorriso à pequena. – meu amor, preciso descer e tocar na missa; por favor, fique na Catedral. Prometa.

- Prometo. – trocaram mais um beijo, e o organista deixou sua amada onde estava, num dos nichos no campanário.

Algum tempo se passou, e a inquietação tomou conta de Esmeralda; prometera não deixar Notre-Dame, mas isso não significava ficar restrita ao campanário... Desceu a escada da torre sul, e começou a vagar pelos nichos, corredores e capelas que circundavam a nave central. Os fiéis, ocupados com a liturgia, sequer reparavam na moça miúda de vestido verde.

Perambulando, a cigana acabou por encontrar o caminho para os espaços dedicados ao clero – embora não tivesse como saber disso – e, enfim, adentrou um espaço circular onde havia um altar a Nossa Senhora. Mesmo não sendo cristã, a cigana cria em Maria, a qual via não apenas como a mãe de Jesus – uma figura sobre a qual pouco compreendia, sem saber se fora um homem de paz ou de ódio – mas como a mãe do mundo. Afinal, não consideravam os gitanos a maternidade como a mais sublime das experiências? E não era a perda de um filho a mais terrível das dores? Pois bem, então aquela mulher retratada em gesso compreendia bem o amor e a dor, e parecia o único ser capaz de ter misericórdia naquele mundo tão rancoroso. Com coração pesado e buscando algum conforto, a moça começou a cantar baixinho:

 

- Je ne sais, Seigneur, si ces mots (Eu não sei, Senhor, se essas palavras)
Monteront jusqu’au ciel (chegarão até o céu)
Si tu entendras, tout là-haut (se entenderá, tão no alto)
Ce très humble appel (este apelo humilde)
Moi, l’exclue, l’impure, la gitane (eu, excluída, impura, cigana)
En toi j’espère toujours (em ti espero sempre)
Car dans le coeur de Notre-Dame (pois no coração de Nossa Senhora)
Les bannis ont droit d’amour (Os banidos têm direito ao amor)
Protège, mon Dieu, les malheureux (Proteja, meu Deus, os infelizes)
Éclaire la misère des coeurs solitaires (Ilumine a miséria dos corações solitários)
Nulle âme, à part moi ne les entendra (nenhuma alma além de mim ouvirá)
Si tu restes sourd aux mendiants d’amour (se permanecer surdo aos que mendigam amor)

                A garota se ajoelhou diante da imagem, desejando que sua fé e seu amor fossem suficientes para sanar a dor do mundo; bem sabia que não eram, então lhe restava apenas orar:

- Je ne désire rien, ni gloire, ni bien (Eu não desejo nada, nem glória, nem bens)
Mais le coeur qui a faim, doit mendier son pain (Mas o coração faminto tem direito de mendigar seu pão)
Entend pour mes frères, cette humble prière (ouça por meus irmãos, esta humilde prece)
Car les miséreux sont enfants de Dieu (pois os miseráveis são crianças de Deus)
Tous les miséreux sont enfants de Dieu (todos os miseráveis são crianças de Deus)

 

Esmeralda fechou os olhos e deixou suas lágrimas escorrerem: lágrimas que choravam por seu povo, por seus amigos, e até mesmo pelos desconhecidos. O mundo parecia tão errado, tão... Tão injusto! Desde sempre tentara fazer algo por aqueles que tinham menos do que ela, mas... O que podia fazer, de fato, quando a lei era que os miseráveis permanecessem em seus lugares, esmagados sob os pés dos poderosos? De repente, porém, uma voz feminina arrancou a jovem de seus pensamentos:

- Eu gostaria que minhas noviças tivessem a quarta parte da fé e da doçura que ouvi em seu canto, criança. – a cigana se levantou depressa, assustada, e viu diante de si uma freira de hábito negro, o rosto já envelhecido acusando cinquenta e poucos anos – Não se assuste, menina: sou a Madre Isabelle. – e ante a mudez da outra – já a vi com o rapaz, Aaron... Soube que tratou de seu ferimentos, quando foi açoitado, e qualquer pessoa que tenha sido benevolente para com o rapaz tem minha proteção. – Ela estendeu a mão gentilmente – venha. Deixe-me lhe mostrar as partes restritas de Notre-Dame.

- Eu não creio que deveria... Aaron irá procurar por mim e...

- Não se preocupe: foi ele quem me pediu para vir lhe falar. Disse-me que seu jovem coração está atormentado e, se eu puder lhe fornecer algum conforto, filha, permita que o faça.

Mesmo desconfiada, a cigana não viu no olhar da outra qualquer traço de maldade ou sombra de más intenções... Assim sendo, aceitou a mãe que lhe era oferecida, e deixou-se guiar para o prédio anexo do convento.

 


Notas Finais


E aí? gostaram?


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