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História Bells of Notre-Dame - O Festival dos Tolos - parte um


Escrita por: ElvishSong

Notas do Autor


Olá, gente! Tudo bem? Eis aqui a primeira parte do Festival dos Tolos, para a felicidade de quem queria ver o que se passaria!

Capítulo 4 - O Festival dos Tolos - parte um


                - Esmeralda, tem certeza de que isso é uma boa ideia? – perguntou Clopin, ao ver sua filha no vestido vermelho e dourado que pertencera à mãe dela. Incrível como ambas eram idênticas, até mesmo na cor incomum de olhos, e no atrevimento com que envergavam aquele traje. Ver Esmeralda vestida daquele modo era, para ele, o mesmo que ver sua amiga de infância tornar à vida! – Ir ao Festival, expor-se desse modo?

                - Você não faz objeção quando outras moças dançam. – respondeu a jovem, arrumando os cabelos volumosos e brilhantes e prendendo-os com uma tiara de cobre e pedras baratas, feita por ela mesma, mas não menos bonita por isso. Havia engenho nas mãos da cigana, que aprendera bem a arte de seu povo, de trabalhar o maleável metal.

                - As outras moças não são minhas filhas. – ele observou a jovem, quase uma adulta, tão linda e involuntariamente sedutora no traje vermelho, cujo corpete se ajustava às formas sinuosas, antes de a saia se abrir em várias camadas, na altura dos quadris. Preocupava-se com a possibilidade de tamanha beleza não passar por despercebida a homens mal-intencionados... E havia muitos, por aí.

                - Ah, Clopin – ela se levantou, pronta, atando aos quadris uma faixa translúcida de várias cores – sabe que o Festival é minha melhor chance de conseguir dinheiro. Se eu me apresentar, conseguirei muito mais do que nos dias comuns; e afinal, é o Festival dos Tolos! Sabe como a lei se torna muito menos rígida, nesse dia. Se não houver tumulto ou brigas, os soldados não vão intervir! – e pousou a mão no rosto do pai adotivo – confie em mim, está bem?

                Ante o olhar brilhante e penetrante da menina, ele sorriu e beijou-lhe a fronte, vencido: sabia que precisavam daquele dinheiro se, como pretendiam, quisessem consertar os carroções para pôr-se em viagem. Paris se tornava cada dia mais perigosa, desde que Claudius Frollo assumira a presidência do Tribunal Eclesiástico, e já era hora de deixarem aquele lugar. O próprio Clopin faria suas mágicas e truques para os foliões, mas nunca conseguia deixar de se preocupar com a cigana... Pois ela agora deixara de ser criança, e entrara numa idade muito perigosa – mais perigosa ainda, por ser uma moça tão bela: a idade do amor. E, por Deus e o Diabo, ele sentia as mãos arderem em vontade de estrangular qualquer um que tocasse a jovem!

                Não havia mais o que discutir. Em um grupo de quinze ciganos – todo o clã, contando com os maridos e esposas dos membros da linhagem original – dirigiram-se para a cidade, vestidos em seus melhores trajes, ostentando as peças em cobre que poderiam vender, alguns indo – como Esmeralda e Clopin – para entreter a multidão, outros apenas para observar e, de repente, tirar algum proveito de mercadores desavisados ou pessoas com dinheiro “caindo” de suas bolsas. Não era muito digno, mas era o único modo de vida que podiam ter. Não era como nos tempos antes da praga, em que viajavam em seus carroções coloridos, parando de cidade em cidade para se apresentar, vender os artefatos de cobre e negociar cavalos, cabras e cães, ler a sorte dos passantes... Seguindo sempre sem rumo, guiados pelo sol e pelo vento... Naquela época, não precisavam roubar. Naquela época, se a forca os ameaçasse, bastaria seguir adiante. Hoje, porém, tudo era diferente. E era para retomarem a vida de outrora que se engajavam naquele jogo perigoso, onde um passo em falso poderia levar ao cadafalso.

                Esmeralda, porém, ia à frente de todos, rindo e dançando, falando animadamente com o restante do clã sobre como, com o Festival, poderiam conseguir tudo o que precisavam para consertar seus vagões de viagem e partir, fazendo sonhos e planos. Ela era a pequena andorinha que anunciava a primavera, sempre com um sorriso no rosto, à procura de animar e incentivar os outros, mesmo quando ela própria não crias nas palavras que proferia. Hoje, contudo, não era assim: hoje estava realmente entusiasmada, e tinha plena certeza de que coisas muito boas estavam por vir! Ao mesmo tempo, sentia uma leve angústia, como se algo a avisasse a não ir... Ah, tolice, era certo! Clopin a ensinara a temer o centro da cidade, e por isso sentia como se ir até lá fosse uma má ideia. Pura tolice!

                Enquanto caminhavam por Paris, ainda de madrugada, ela tentava se esquecer do medo instintivo e pensar apenas em como tudo mudaria para melhor. Sim, pois jamais sairiam realmente de sua mente as vezes em que seu pai a levara para ver enforcamentos e autos-de-fé, segurando a cabeça da menina de oito, dez, doze anos, para que ela apreendesse muito bem o que acontecia com os que eram pegos pela lei ou, pior ainda, pela Igreja. Ela vira pessoas penderem e quebrarem a espinha, ou, sendo a corda curta demais, agonizarem em sufocamento até a morte. Vira pessoas arderem em chamas, ainda vivas, urrando de dor... Em algumas vezes, as cenas a haviam feito mesmo vomitar, mas seu pai a obrigava a se erguer e assistir até o fim, desesperado para que a menina entendesse os motivos pelos quais deveria sempre ser cuidadosa, e jamais se aproximar de qualquer desconhecido. Naquela cidade dominada pelo medo, tudo seria um motivo para a forca ou – que Deus a protegesse! – a fogueira. Não obstante, em seu caminho para o centro, a adolescente se obrigou a esquecer aquelas cenas sombrias e, com um sorriso no rosto, sentiu os primeiros raios de Sol em sua pele.

Enquanto se misturavam às primeiras pessoas que armavam os tablados e barracas do Festival, havia apenas alegria na alma do pequeno pássaro que ela era, esvoaçando para lá e para cá, cheia de entusiasmo, ajudando em tudo o que podia. Aquele seria um dia perfeito!

 

                *

 

                Aaron fitou o espelho, e mal reconheceu a si mesmo: com uma máscara vermelha e azul, em vez da preta que sempre usava, roupas coloridas – as quais comprara às escondidas, na cidade – e uma capa azul-escuro, ele nem de longe poderia ser tomado por A Sombra, o temido inquisidor que causava terror em todos. Era apenas um homem alto, de máscara, em meio a tantos outros homens de máscara. Aquele seria um dia perfeito!

                Estava pronto para sair, mas antes dirigiu-se até a imagem de Nossa Senhora que mantinha em seu altar, e conversou com ela como conversaria com a própria mãe:

                - Senhora minha, sei que estou a cometer algo que muitos tomariam por pecado. Mas a Senhora sabe que não estou pecando... Quero apenas um dia como alguém normal. Quero andar pelas ruas sem ser temido por meu rosto, por um só dia. Sabe que é com pureza de sentimentos que irei ao Festival, e prometo não pecar. Mas olhe por mim, e rogue a Deus que tenha piedade de minha alma, pois sou apenas um ser humano, e só desejo um pouco de alegria. – a paz que o inundava ao se dirigir a Maria era um bálsamo, totalmente diferente do que sentia quando se ajoelhava aos pés da cruz. E foi com paz, alegria e certa apreensão que ele saiu, descendo pelo lado de fora da Catedral, enquanto ainda estava escuro. Afinal, não poderia sair vestido daquele modo pela porta da frente. Não se quisesse o anonimato.

                Quando seus pés tocaram a rua, enfim experimentou aquela maravilhosa sensação de estar livre, de não ter a todo momento alguém a lembra-lo do pecado, do Inferno e da Danação eterna. Por um dia, apenas um dia, ele seria um homem, e apenas isso.

                Ficou escondido nas sombras, perto da praça da cidade, vendo os foliões que armavam tudo para o festival: tendas coloridas, tablados para apresentações, estandes onde os comerciantes aproveitariam o movimento incomum para vender seus produtos... E em meio a todos esta “ela”! A cigana de olhos verdes, usando um belo vestido vermelho que marcava acentuadamente o lindo corpo. Ela ria e jogava os cabelos para um lado e para outro, ocasionalmente olhando para o lugar onde Aaron, com mil borboletas em seu estômago, se ocultava.

                “Não seja tolo”! Ralhou consigo mesmo, em pensamento. “Ela não pode ver você!” Ainda assim, a cada vez que via ao longe o brilho verde dos olhos dela, ou ouvia seu riso de menina-mulher, era tomado por um misto de frio e calor.

                “Devo estar ficando doente...” pensou “Como posso me arrepiar de frio e sentir calor ao mesmo tempo? Amanhã, decerto, estarei com febre...” Mas mesmo assim, continuaria ali. Estava firme em seu propósito de experimentar o dia de um homem normal, e queria muito, muito mesmo, ver a jovem dançar outra vez. E se pudesse ouvi-la cantar, então certamente estaria a experimentar um pedaço do paraíso!

                Ficou ali pelo que lhe pareceram horas, até que o Sol estivesse mais alto no céu, e a rua se tornasse movimentada. Quando parecia haver pessoas e fantasias o suficiente circulando, então ele deu um passo para o lado e, habilmente, misturou-se à multidão.

Foi quase com incredulidade que ele percebeu a própria situação: ninguém o olhava por muito tempo, ninguém se afastava à sua mera presença, ninguém se importava com o fato de ele estar ali! Ele era, literalmente, apenas mais um na multidão! A alegria que o preencheu foi intensa, como jamais havia sido, e neste momento ele quase gargalhou.

                Incógnito em meio a tanta gente, ele caminhou pelas ruas sem causar pavor, foi a estandes onde vendiam comida e bebida, e provou daqueles sabores estranhos – a comida era mais temperada, o vinho, mais doce, a cerveja, mais amarga – e maravilhosos! Viu mágicos de rua, equilibristas e mercadores que vendiam peças de toda sorte. Reparou que alguns eram ciganos, mas não lhe pareceram, como ouvira por toda a vida, uma corja de servos do mal. Pareciam apenas pessoas comuns... Mas tampouco ele era tolo, e o garoto que tentou surrupiar sua pequena bolsa de moedas saiu apenas com um tapa na cabeça e uma reprimenda:

                - Volte para as saias de sua mãe, menino! – A Sombra teria levado o garoto para o centro da praça e o açoitado, ou cortado uma de suas mãos. Mas ele não era A Sombra: era apenas Aaron, um homem qualquer, no dia mais feliz de sua vida!

                De repente, uma agitação se fez notar no centro da praça, mais precisamente no tablado principal: um cigano de roupas negras e vermelhas chamava a todos, fazendo gestos com as mãos enquanto falava:

                - Venham ver a joia da Andaluzia! Vinda das terras da Espanha, a pedra preciosa que adorna a coroa de nosso festival! Venham todos para ver a bela, a inigualável Esmeralda!

                Ao ouvir aquele nome, Aaron fez uma associação imediata: pois quem poderia chamar-se Esmeralda, além daquela cujos olhos eram tais e quais a pedra preciosa? Ele não precisou fazer grande esforço para passar, graças a seu tamanho avantajado que afastava sem dificuldades aqueles que se espremiam para enxergar melhor. Conseguiu afinal chegar bem perto do palco, onde os músicos já se postavam, mas da cigana não havia nem sinal... Até que um som de guizos preencheu o ar, e ela subiu por um alçapão no centro do tablado, magnífica!

                A música começou a soar, e a cigana pareceu ganhar asas: a princípio apenas batendo levemente o pequeno pé ao ritmo do pandeiro, começou então a ondular seu corpo, a dobrar e estender os punhos, acompanhando os movimentos curvilíneos dos braços. Quadris, braços, pernas, mãos, pés... Ela inteira se movia, fazendo chacoalhar as pulseiras de guizos, imprimindo força e delicadeza em cada passo executado. Seus rodopios eram uma onda gentil, e o ondular de suas melenas acompanhava a leve brisa; nada havia de anguloso ou brusco na dança da cigana, que parecia bailar com o vento, a chama e as ondas do mar dentro de si.

                Aaron a observava com o mesmo fascínio da primeira vez, sentindo o coração acelerar e a respiração se tornar rápida, entrecortada. E quando, num dos rodopios da dançarina, os olhos desta encontraram os seus, o homem sentiu o próprio chão lhe faltar, e nem a luz do sol era tão quente quanto as chamas no olhar da garota. A conexão de olhares não durou mais que um segundo – embora ele desejasse que houvesse durado a eternidade – porém, quando ela se virou outra vez, o filho de Notre-Dame tinha uma certeza: estava apaixonado pela jovem. Não por seu belo corpo, ou pela dança maravilhosa... Nem mesmo pela voz belíssima que se fez ouvir pouco depois... Estava apaixonado, sim, pelo fogo que vira naquele verde profundo; apaixonado pelo oceano límpido e profundo da alma dela, um mar no qual queria se afogar e perder. Enquanto teve a jovem em seu campo de vista, apenas sonhou e divagou. Mas quando ela agradeceu e desceu do palco, a realidade se abateu sobre o mascarado: o que haveria de querer uma jovem tão bonita e talentosa com um homem como ele?

                Mesmo ante o fato de que ela provavelmente o repudiaria, Aaron queria vê-la de perto; falar com Esmeralda, se possível. Sabia que ela jamais o quereria, mas ao menos teria falado com ela... Falado... Falado o quê?! Ia chegar até a cigana e dizer que estava apaixonado?! Se ela não o reconhecesse, riria do que ia considerar uma piada! E se reconhecesse, demonstraria o mesmo medo daquele dia, quando se haviam visto pela primeira vez. Ah, o que fazer?

                Caminhou pelas proximidades do palco, procurando pela cigana, quando o destino lhe sorriu: ela discutia com alguém – um homem ruivo, de barba bem feita e vestido com a farda da guarda civil – que parecia bastante contrariado. Em meio às palavras ásperas, Aaron ouviu coisas como “quem você pensa que é?”, “não estou interessada” e “deixe-me em paz!”. Ela tentou sair, mas o loiro segurou o pulso esguio, impedindo-a; foi a oportunidade que o moço precisava, aproximando-se e perguntando, sério:

                - Algum problema, aqui?

                - Nenhum que lhe interesse, cavalheiro. – respondeu o loiro, ríspido. De imediato Aaron o reconheceu: era Pietre, o membro da guarda real. Certamente estava ali para evitar problemas no festival, e não para causá-los!

                - A moça claramente não aprecia a companhia, soldado – disse A Sombra, no tom perigoso que usava ao tratar com soldados e prisioneiros. O outro também o reconheceu e, sem querer problemas com o juiz eclesiástico, protetor do recém-chegado, voltou-se para Esmeralda:

                - Não vou me esquecer dos insultos, senhorita.

                - Vá para o raio que o parta, cria de uma égua! – devolveu ela, mais parecendo um garoto de rua do que a sedutora sereia que dançara no palco; a esfregar o pulso levemente dolorido, virou-se para aquele que a defendera e disse:

                - Obrigada Monsieur... – no instante seguinte, porém, seus olhos encontraram os de seu interlocutor, e ela empalideceu ao reconhece-lo – Sombra...

                - Apenas Aaron – ele tinha sua chance, e não a desperdiçaria; a multidão dificultava à cigana sair correndo, de modo que ela foi obrigada a permanecer onde estava. Fazendo-se tão gentil quanto pôde, ele segurou a mão da jovem e beijou de leve seus dedos – Não estou aqui a trabalho, Mademoiselle.

                Confusa, assustada e fascinada de um modo inexplicável pelo dourado olhar d’A Sombra, ela perguntou:

                - O que quer comigo? Por que me segue, se não quebrei regra alguma?

                - Tudo o que queria era a oportunidade de lhe falar apenas uma vez. Já a vi dançar e cantar pelas ruas, mas nunca tive a oportunidade de me aproximar.

                - Aproximar-se para fazer o quê? – perguntou ela, atrevida – levar-me ao patíbulo, como fez com tantos outros?

                - Não... Apenas para lhe dizer que sua presença torna Paris uma cidade mais agradável de se viver. – ele se sentiu um tolo dizendo aquilo, mas que outra coisa poderia dizer?! – Sua dança é magnífica, e missa alguma me traz a paz de suas canções. – Ah, mas que idiota! Sabia compor lindos versos no papel e, ao se ver diante de uma jovem, perdia completamente todas as palavras; mas a quem queria enganar?! De que adiantaria dizer qualquer outra coisa?!

                Um ar confuso, misto de lisonja e perplexidade tomou o rosto da cigana, que não sabia como reagir. Sua cabeça lhe gritava para correr, mas o olhar hipnótico daquele homem a deixava intrigada e faia querer saber mais sobre ele... Quem era o ser humano por trás do inquisidor? E por que um homem do Santo Ofício se daria ao trabalho de procurar por ela, se nenhum motivo havia para prendê-la? Estava intrigada e, também, levemente divertida com o que via na expressão de seu olhar. Não eram os olhos pétreos do homem de Frollo, mas apenas os de um homem...

                “Não seja tola, Esmeralda”. Pensou consigo mesma. “Fuja enquanto pode! Este homem é a morte, para você!”. Ainda assim, ela não resistiu a uma pequena delicadeza, mesmo que esta fosse servir apenas para deixar aquele que dissera se chamar Aaron tão confuso quanto ela estava, agora: estendendo a mão para o arco florido ao seu lado, pegou uma margarida em meio às flores e a entregou ao mascarado, que a recebeu com expressão atônita. Rindo, a garota disse:

                - Isto é por me ajudar com aquele homem. - e vendo uma saída por entre a população, dirigiu-se para lá – tenha um bom dia, Monsieur Aaron!

                Paralisado no lugar, ele sequer sabia como reagir: permaneceu com a margarida nas mãos, mal acreditando no que havia acontecido. Ah, sim! Agora, aquele seria para sempre o dia mais perfeito de sua vida!

 

*

 

                De cima do tablado, a cigana podia ver todos os que a fitavam, e só seu amor pela dança – e a necessidade do dinheiro – a faziam continuar, pois os olhares lascivos dos homens a enojavam, uma vez que sabia bem o tipo de pensamento que mantinham, a seu respeito. Para se livrar do asco, concentrava-se na música, e em traduzir com o corpo aquilo que as notas diziam. Por um instante pensou ter divisado olhos dourados na multidão, mas foi algo tão rápido que não podia afirmar com certeza. O que viu, sem nenhuma sombra de dúvida, foi o Juiz Frollo, assistindo-a de sua tribuna com um olhar nem de longe adequado a um sacerdote. Aquilo inflamou de raiva a alma da dançarina, que passou a imprimir certa fúria em seus movimentos; agora, fazia-se tão sensual como podia, numa provocação, e chegava mesmo a olhar diretamente para o juiz, como se dissesse “estou aqui, a alguns metros, e você não pode me pegar. Pode me olhar e desejar, pode me olhar e odiar, mas hoje é o Festival dos Tolos, e não pode fazer nada contra mim!”. E continuava a se mover, fazendo do bailado sua vingança particular contra o sacerdote.

                Era tolice, ela sabia: ele a veria dançar de um modo ou de outro. Mas era impossível não se revoltar contra aquele homem que causara a morte de tantos conhecidos, não sem ante aprisioná-los e torturá-los longamente. Talvez ele não visse o desafio em seus olhos; talvez não percebesse a raiva no compasso de seus movimentos... Talvez só o que visse fosse um corpo luxurioso que lhe acendia o desejo... Mas era a única forma de protesto que ela conhecia, aquele ritmo quase violento, o olhar que o desafiava a descer da tribuna e enfrenta-la sem toda a proteção da Igreja. Não fosse ele protegido por soldados e escoltas dia e noite, e ela já teria cravado uma faca em seu peito! Ele, que acusava seu povo de pagãos, infiéis e servos de Satã, parecia mais a própria encarnação do Mal! Ela preferiria entregar-se às mãos do Diabo do que do juiz! Mas esses pensamentos ficariam apenas em sua mente, e impressos em sua dança que, agora, chegava ao fim.

                Num último giro, ela bateu o pé contra a madeira rústica e parou onde estava, bem no momento em que soava a última nota; naquele momento, viu outro par de olhos sobre si, emanando bem mais do que simples admiração: um homem louro, barbeado, com a farda de capitão da guarda... Capitão Phoebus. Todos sabiam seu nome, uma vez que era homem relativamente justo, daqueles que não inventavam falsos pretextos para aprisionar ou maltratar alguém; estaria ele interessado nela?

Sem perder o ritmo ensaiado, saudou a população com uma reverência e desceu pelo mesmo alçapão pelo qual subira, a fim de sair para as ruas. Ainda pensava no capitão, e em como ele a observava com admiração, algum desejo... Mas parecia um olhar bem mais doce que o dos outros. Um olhar menos lascivo...

“Oras, Esmeralda, pare com isso! Ele é o Capitão da Guarda! Sabe o que isso significa para você? Forca, prisão ou, com muita sorte, servir a ele como amante, para logo ser esquecida!”

Foi com esses pensamentos que se distraiu e acabou por dar de encontro a um homem ruivo, de farda, que parecia ter bebido mais do que um soldado deveria. Ele a encurralou num lugar de muito movimento, onde não havia como correr, e perguntou:

- Bela Esmeralda, não estaria disposta a um passeio comigo?

Enojada, ela queria esmurrar o homem, mas não podia causar uma briga agora, especialmente ali, diante de soldados e do próprio juiz eclesiástico... Então, foi com voz gélida que respondeu:

- Não estou interessada.

- Ah, vamos, querida! – ele tentou passar o braço pelos ombros dela, que se esquivou – Não é certo tal beleza ficar desacompanhada! Você nos entreteve; agora posso ser eu a entretê-la!

- Vá entreter os porcos do chiqueiro. – respondeu ela – embora nem eles mereçam sua figura patética.

- Quem você pensa que é, cigana?! – ele se alterou, erguendo a mão ainda com um copo de cerveja nela.

- Sou a pessoa que vai deformar seu rosto com uma tábua, se não me deixar em paz! – ameaçou ela, esperando que funcionasse, uma vez que estava sem sua faca e dificilmente conseguiria se espremer rapidamente pela multidão, com o vestido longo e volumoso. Fora neste exato momento que uma nova voz soara, firme e séria, e o homem com máscara azul e vermelha, de roupas em vário tons de azul se aproximasse.

O episódio com A Sombra, ou melhor, Aaron, a intrigou. Ele lhe parecera tão... Gentil?... Tímido?... Inseguro? Nenhum destes era adjetivo que combinasse com o inquisidor que ela já vira levar presos mesmo meninos de dez, onze anos, mas fora o que tivera diante de si. O que não vira fora Claudius Frollo, de sua tribuna, a observar bem o que se passava. E podiam ser muitos os defeitos do sacerdote, mas tolice não era um deles: sabia bem quem era o homem de azul e vermelho, e sabia perfeitamente bem de quem se tratava a mulher com quem ele falava... Aquela feiticeira que, com sua dança ultrajante, acendera em si um fogo infernal, um desejo animal e violento... Aquela bruxa que com tanto descaramento o fitara fixamente, enfeitiçando-o! Sim, pois apenas um feitiço poderia ter acendido aquelas chamas ardentes que faziam o ancião sentir-se queimar na ânsia de ter para si aquela mulher! E agora seu pupilo, seu afilhado, não apenas tivera coragem de seu juntar àqueles ladrões e salteadores –a ralé da humanidade – para um dia de pecados e depravações, como perdia-se em conversa com a cigana!

Quando as mãos da donzela entregaram a Aaron a flor branca, o juiz se ergueu de seu assento e deixou o lugar. Que as outras autoridades eclesiásticas continuassem a vigiar o festival, pois ele acabara de ver seu afilhado ser enfeitiçado pela bruxa, e não ficaria sentado ante aquela cena! Sentia-se traído por aquele a quem criara como filho, e também vencido pela feiticeira que, de uma só vez, lançara sua maldição sobre dois homens de Deus! Ah, ela não perderia por esperar: Esmeralda, a bruxa dos olhos verdes, iria se arrepender! Por tudo o que era mais sagrado, ele a veria queimar!


Notas Finais


Opa... Alerta vermelho! Corre, Esmeralda, que a coisa ficou feia para o seu lado, menina!
E então, o que estão achando da história, e o que esperam para o capítulo seguinte?
Agradecimentos a todos que estão acompanhando essa fic!
beijos!


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