História Beyond Two Souls - O Cervo

Inoichi saiu correndo em direção a Kimimaro antes que alguém pudesse dizer alguma coisa. As duas adagas, que ele sempre carregava, brilhavam em suas mãos. Em questão de segundos ele estava frente a frente a seu inimigo.

Em um movimento rápido, ele desferiu o primeiro golpe fincando a adaga no peito de Kimimaro. Assim que o fez estava pronto para desferir o segundo golpe quando parou imediatamente. A primeira adaga havia, literalmente, atravessado o peito dele.

Kimimaro sorria sadicamente enquanto segurava a mão de Inoichi e retirava o objeto cortante do próprio peito. Onde a adaga passava o corpo dele parecia ficar translúcido.

- Eu disse... – O homem de cabelos brancos começou. – Eu sou intocável. – E com uma gargalhada ele deixou que o seu poder se manifestasse. Longos ossos saíam de seu corpo formando uma espécie de armadura fazendo com que o Yamanaka tivesse que recuar ligeiramente.

Ele retirou um osso do braço – fazendo com que seu sangue jorrasse­- e em um movimento ágil, partiu para Inoichi pronto para lhe dar um golpe mortal. Porém, uma rajada de fogo se interpelou entre os dois fazendo com que ambos recuassem. Sasuke lançou outra bola de fogo em direção a Kimimaro apenas para que ele ficasse ainda mais afastado lhes dando tempo para pensar em uma estratégia melhor.

Inoichi foi de encontro ao chão e Naruto rapidamente o levantou o afastando de Kimimaro. O portador do poder do Deus da Raposa conseguia ver não apenas as camadas de calcário ao redor do inimigo, mas também uma aura negra. O que quer que ele tivesse feito tinha profunda relação com magia negra.

Contudo, algo ainda mais estranho começava a se manifestar.

- Agora, chega de brincadeirinhas. Vamos acabar logo com isso! – Kimimaro disse retirando um osso em formato de foice de seu abdômen. Mais sangue manchava o impecável robe branco.

Sasuke lançou outra rajada de fogo em seu inimigo deixando que o poder da Fênix se manifestasse, enfim.  Contudo, por entre o fogo laranja pequenas centelhas verdes começavam a surgir. Entre os campos de batalha, então, uma espécie de fogo verde foi se manifestando até aparecer uma forma humana. Por um momento, todos consideraram ser uma alucinação conjunta. Um olhava para o outro como se para confirmar a existência do evento à frente.

As chamas pairavam no ar como poeira desaparecendo em câmera lenta ao mesmo tempo em que sumiam do corpo de sua portadora. Fogo crepitava em seu corpo.

Sakura estava com a cabeça abaixada e a espada apoiada em um dos ombros. Por fim, as chamas esverdeadas foram desaparecendo deixando apenas a sua figura impassível no local. Lentamente, ela levantou a cabeça deixando a espada livre em uma das mãos.

Não havia um ruído sequer. Até a noite havia se calado.

Ela virou a cabeça para encarar o grupo de Naruto e conseguia ver a perplexidade em seus olhares. Não os via há tanto tempo, tinham mudado tanto. O vento frio da noite batia contra seu corpo fazendo com que seus cabelos balançassem. Parecia uma figura angelical envolto de um manto esverdeado.

Sakura virou-se, então, para encarar o suposto inimigo. Kimimaro mantinha seu porte altivo, porém ela conseguia identificar a dúvida em suas expressões faciais. Além disso, ela conseguia ver claramente as linhas que se formavam ao seu redor. Aquela energia que conheceu há tantos anos estava presente em um local proibido mais uma vez.

Ao olhar Ino prostrada naquele altar com o sangue escorrendo por suas vestes e seus olhos ainda abertos em terror, ela entendeu. Especialmente ao olhar mais atentamente para Kimimaro. Sakura entendeu o chamado desesperado da antiga amiga.

- E quem é você? – Ele perguntou, subitamente, segurando a foice como se fosse uma espada. O sorriso macabro perdurava em seus lábios e os olhos, envoltos de longas olheiras, estavam ainda mais sombrios naquele momento.

- Sakura... – Tsunade falou sussurrando e abaixando a cabeça, não em resposta a Kimimaro. Aquilo tinha quase sido um reflexo. Não conseguia acreditar no que seus olhos viam. Na verdade, ninguém ali estava acreditando na pessoa que viam no momento.

Naruto estava prestes a dizer alguma coisa, mas a voz dela ecoou antes.

- Você. – A rosada disse apontando a espada para seu inimigo. – Você está utilizando de forças que não pertencem a esse mundo.

O rosto de Kimimaro ainda perpetuava o choque, porém, aos poucos, foi sendo substituída por um sorriso divertido. Aquela noite poderia ser ainda mais animada do que ele imaginava. Ele deixou que um riso sarcástico escapasse de seus lábios enquanto caminhava vagarosamente em direção a Sakura.

- Qual o seu nome? – Perguntou num tom sarcástico caminhando a passos lentos no chão de terra. Se aquela garota podia ver os seus truques secretos, com certeza era alguém a ser observada. Kimimaro a levaria como seu prêmio especial daquela batalha. Estudar aquelas chamas seria no mínimo divertido. – Acho que eu e você vamos voltar para casa juntos. E acho que você não vai se opor a isso, não é mesmo?

Ela não sabia muito bem onde ele queria chegar com toda aquela conversa. Todavia, Sakura não estava ali para se envolver em qualquer jogo que ele pudesse oferecer. Estava ficando impaciente. Kimimaro estava a centímetros dela com a foice em mãos, ao fundo ela pode ouvir os gritos de Naruto como se a mandasse sair dali.

Um sorriso perpassou nos lábios dela se divertindo com toda aquela situação e finalmente disse:

- Você vai sair daqui morto. – Sakura disse encarando firmemente o oponente e Kimimaro apenas riu em resposta, como se o que ela tivesse acabado de dizer fosse o maior ultraje de sua vida. Ao fundo ela conseguia ouvir os passos afoitos de Naruto e Sasuke em sua direção, sentia a preocupação que vinha deles.

Ele iria dizer alguma outra besteira qualquer com a gargalhada acompanhando quando ela segurou o seu braço. Kimimaro a olhou em choque e antes que pudesse balbuciar qualquer coisa ele gritou de dor com seu braço sendo consumido pelo fogo.  Sakura estava literalmente o queimando vivo. Os gritos dele não pareciam humanos, eram guturais, eram monstruosos e indicavam uma profunda dor.

As chamas que ela portava definitivamente não eram normais. Eram de outro mundo.

Com um movimento rápido e preciso, Sakura enfiou sua longa espada pelo peito de Kimimaro fazendo que o sangue escorresse por todos os lados e os gritos cessassem. Ele não conseguia pronunciar uma palavra sequer e os olhos tremiam em terror. Todos naquele momento apenas ficaram parados encarando o banho de sangue que aquele lugar havia se tornado, encarando Sakura matar um inimigo que antes parecia intocável.  

- Isso, foi pelo que você fez com a Ino. – Falou aproveitando os últimos segundos daquele momento.

Ela, lentamente, tirou a espada do peito dele deixando que seu corpo fosse ao chão. A Haruno tinha a certeza de sua morte no momento em que olhou atentamente para os olhos dele. Encarando aquele olhar macabro, Sakura apenas limpou a espada no robe dele, na parte que ainda não havia sido manchada pelo líquido escarlate, guardando-a na bainha.

A energia que estava no corpo de Kimimaro tinha desaparecido e ela nada podia fazer a respeito. No fundo de sua mente, ela se amaldiçoou por permitir que uma pista valiosa tivesse escapado de tal forma. De qualquer forma, Sakura sequer deveria estar no local.

Ninguém ameaçou dizer nada. Até respirar parecia tarefa impossível no momento. Um verdadeiro mar de confusão e sangue havia se formado. Os ventos e a natureza pareciam voltar ao normal, os ruídos da noite voavam a soar e a vida animal que restava na floresta convergia para seus antigos hábitos.

Por alguns instantes, ela apenas encarou Naruto. Deixou que seus olhares se encontrassem e que sentimentos antigos voltassem à tona. Não estava acostumada com aquelas sensações, não mais. Havia compaixão nos olhos azuis, ao mesmo tempo em que uma profunda decepção e desespero.

Talvez ele fosse dizer alguma coisa, porém Inoichi interrompeu toda aquela ação correndo em direção a Ino. Ele a desceu do altar e sentou-se no chão, encaixando-a no colo como se fosse mais uma vez uma criança. O patriarca Yamanaka mandava que ela acordasse e tentava segurar as lágrimas acumuladas.

Segundos depois, Inoichi foi sucedido por Tsunade e Sasuke.

- Sakura, como você está aqui? – Naruto perguntou com a voz trêmula, o coração acelerado e em conflito com o que acabara de ver.

- É melhor você ir ajudá-la. – A rosada disse voltando seu olhar para o círculo que havia se formado ao redor de Ino. O Uzumaki também voltou a sua atenção para a cena e por fim se juntou aos companheiros com um pesar no rosto. O loiro não deixou de passar bem perto dela como se quisesse desesperadamente conversar, mas ele sabia que as atenções tinham que ser para Ino no momento.

Tsunade possuía excelente poder de cura, aliás, tinha ensinado a Ino tudo o que ela sabia. Infelizmente, Sakura sabia que aquilo de nada adiantaria. Ino já estava morta àquela altura do campeonato. Kimimaro tinha sugado não apenas seus poderes, como toda sua energia vital.

- Ino! Você precisa acordar! – Sakura se surpreendeu ao ouvir o Uchiha gritar com a voz embargada. Realmente, as pessoas nunca eram o que aparentavam. Lembrava-se dele ser o mais carrancudo da sala, aquele incapaz de emitir sentimentos. No final das contas, a parte humana deles sempre falava mais alto.

Sakura gostaria de poder fazer mais, porém seu tempo e seu serviço ali já estavam cumpridos. De longe, observou o seu passado reunido tentando dar mais um sopro de esperança a uma menina que deveria ter a vida toda pela frente. Uma tragédia histórica tinha se abatido sobre aquele mundo, contudo lendas antigas diziam que um dia o representante do Cervo teria que se sacrificar para o bem maior. Talvez aquele fosse o dia.

Quando estava prestes a desaparecer, ouviu aquela voz indistinguível na sua cabeça. Tinha ouvido aquela mesma voz angelical uma vez na vida, mas tinha sido o suficiente para que marcasse para sempre sua existência. Era impossível esquecer. 

Sakura sentia nos ossos a súbita mudança no eixo do universo. Aquele ser não deveria estar ali. Algo tão divino não pertencia àquele mundo, mas mesmo assim sua forma se materializava ao seu lado.

Um feixe de luz se formou ao lado de Sakura, como se formasse um portal para outra dimensão a intensidade era muito parecia ao que o sol fornecia ao planeta. De lá, uma figura deslumbrante caminhava com seus longos cabelos ruivos cacheados esvoaçando contra o vento. A mulher era definitivamente a mais bela que a Haruno tinha visto em toda a vida, os olhos de um roxo tão profundo que era difícil encarar.

A gravidade mudava ao seu redor e calor emanava de seu ser. O longo vestido branco cobria seu corpo e seu rosto era emoldurado pela coroa de ouro e diamantes. O manto esverdeado com o símbolo do cervo estampado brilhava em suas costas.  

A Deusa Ilíria da Cura estava bem a sua frente.

Sakura lutou contra o impulso de se ajoelhar para o ser divino. Não poderia fazê-lo na frente de outras pessoas uma vez que apenas a rosada era capaz de ver a Deusa. Os outros ainda não estavam preparados para aquela visão, não estavam prontos para uma Deusa.

“Sakura”. A Deusa chamou em sua mente e a voz angelical pareceu ecoar. “Você precisa salvá-la. Mais uma vez”.

“Perdoe-me, Vossa Santidade”. A rosada respondeu da mesma forma com que a Deusa se comunicava. “Mesmo com meus poderes de cura e ressurreição sou proibida de interferir, não posso acessá-los aqui. Quem escolhe o destino das almas é a própria Morte e já causei problemas demais vindo para cá”.

“Então... Use os meus. Seja como uma condutora para a vida. No momento em que minha filha precisava, eu a guiei até você porque sabia que só você poderia salvá-la.”  

Sakura começava a entender a situação. Ino não tinha aparecido lá por livre e espontânea vontade e sim tinha sido guiada pela própria Deusa.Isso explicava muita coisa, especialmente seu acesso a um local proibido. 

“Traga minha filha de volta a vida com os meus poderes. Não se preocupe, conversarei com o seu chefe sobre a sua interferência. Você precisa salvá-la Sakura porque no momento eu mesma estou incapacitada.”

Sakura ouvia um pedido direto de uma Deusa e mesmo assim estava hesitante. Sua interferência naquele mundo tinha sido demasiada e ela se preocupava com as consequências de seus atos movidos pela emoção.

Ver a antiga amiga prostrada no colo de seu pai em lágrimas lhe dizia que era seu dever ajuda-la. Porém, a rosada sabia dos preços para o próprio universo se suas intervenções fossem grandes demais.

“Anos atrás, minha filha te ajudou através dos poderes que concedi a ela. Peço que retribua o favor agora.” Ela entendia que estava perdendo tempo enquanto raciocinava se deveria ou não fazer. “O que aconteceu esta noite, não foi um ato isolado. Grandes males estão a vir e o Cervo precisa manter-se em pé para que a batalha não seja perdida”.

Sakura encarou a Deusa por alguns instantes absorvendo suas palavras. Se a própria divindade havia interferido, significava que os rumores no submundo eram reais. Aquelas palavras significavam mais do que ela poderia compreender, mas era fato que a guerra aproximava-se.E a morte do Cervo seria uma jogada decisiva no que estava por vir.

“Salve-a Sakura. E desta vez, proteja minha filha. Até que ela esteja pronta”.

Deixando de ponderar, Sakura deu meia volta caminhando até Ino. Ainda estava incerta sobre os seus próximos passos e se deveria realmente estar fazendo aquilo, mas aquela era uma intervenção da própria Deusa Ilíria e não poderia ser recusada.

O mundo pareceu desaparecer para ela naquele momento. Seu caminhar era imponente, porém seus punhos estavam cerrados lutando contra o impulso de ir embora.

- É tarde demais Inoichi. – Tsunade disse abaixando a cabeça derrotada. Aquilo não deveria estar acontecendo. A Hokage se sentia mais do que impotente naquela situação. 

- Não! Não pode ser! Tente mais uma vez Tsunade. – O Yamanaka dizia envolto de sangue e lágrimas. Ele simplesmente não podia crer que sua filha estava morta em seus braços. Inoichi rezava a todos os deuses pedindo que aquilo fosse apenas um pesadelo, que houvesse uma saída para essa alternativa cruel.

Assim que Sakura se aproximou os olhares recaíram mais uma vez sobre ela. A Haruno olhou bem atentamente para a amiga que ainda tinha os olhos azuis abertos, era uma visão torturante. Ela se abaixou abrindo espaço entre o grupo e ficando de frente para Ino. 

Como último recurso, ela olhou para cima de seu ombro encarando a Deusa que já estava ao seu lado pronta para a transferência. O imponente cajado estava em suas mãos e Ilíria sorria como se encorajando a menina de cabelos rosa.

- Você tem certeza disso? – Sakura perguntou utilizando a própria voz e não se importando se a considerariam louca no momento em que iria performar algo inesperado. A Deusa da Cura estava mais certa do que nunca e apenas assentiu com a cabeça positivamente. Todos olharam para o lugar que a rosada encarava e viam o nada, porém ela via o tudo.

Sakura fechou os olhos deixando que Ilíria cumprisse a sua parte. A Deusa tocou em seu ombro e imediatamente ela sentiu o imenso poder transferindo por seu corpo. Havia algo de transcendental naquele ato, literalmente divino. Ela sentia como se o mundo todo estivesse em seu corpo, como se a vida do universo vivesse em suas veias e abastecesse cada célula que existia nela.

Quando sentiu que era suficiente, ela abriu os olhos e rapidamente segurou a mão de Ino transferindo vida a amiga. O poder era magnífico, maior do que  poderia imaginar. Deixou que aquilo transbordasse de seu corpo e penetrasse cada organismo presente na floresta. Era poder demais, até mesmo para Sakura.

Ao final soou como uma explosão, como se todo aquele poder tivesse explodido e se espalhado até onde pudesse alcançar fornecendo vida carregada pelos ventos. Sakura soltou-se de Ino sentindo o corpo voltar ao normal, enquanto a loira acordava subitamente buscando o ar que havia perdido. Ela estava fraca, porém viva.

A rosada olhou para a Deusa ao longe indo embora. Sabia que tinha feito a coisa correta, mas o que estava por vir ainda era um mistério e ela não apreciava não saber o próximo passo. 

- Pelos Deuses! – Inoichi disse sorrindo e desta vez lágrimas de felicidades vertiam de seus olhos. – Obrigado! – Ele disse segurando a mão de Sakura. – Eu não sei o que você fez, mas obrigado. – Agradeceu mais uma vez fazendo uma prece silenciosa aos Doze Deuses enquanto olhava para o céu.

Julgando pelo olhar dos presentes, Sakura percebeu que eles sabiam que aquilo não tinha sido trabalho exclusivamente seu. Havia algo maior por trás, isso tinha sido sentido na explosão de poder.

- O que aconteceu? – Ino perguntou sussurrando tentando se levantar, mas ela estava debilitada demais para fazê-lo. Fixou seu olhar em Sakura e um leve sorriso se formou em seus lábios. – Eu sabia que você viria. Eu sabia que não nos abandonaria. 

- Sakura, como... – Tsunade ia perguntar, mas ela logo a interrompeu.

As emoções da noite não tinham acabado ainda. Sakura sentiu mais uma perturbação ao longe e desta vez, maligna. Ela levantou-se e olhou para o horizonte, mas o sentimento desapareceu tão rápido quanto surgiu.Mesmo que olhasse só conseguia ver a escuridão. 

- Isso não importa agora. – Sakura disse encarando todos ali. O perigo estava próximo. – Precisamos sair daqui. – E surpreendendo a todos mais uma vez, ela estalou os dedos fazendo com que desaparecessem do local.

A noite era quente e os ventos traziam consigo um calor atípico. Mas nada seria como antes.