História Binário - Capítulo Único - 0100111101100010011100100110100101100111011

“O sistema binário ou de base 2 é um sistema de numeração posicional em que todas as quantidades se representam com base em apenas dois números, o 0 e o 1.” Frase da Wikipédia que Yoongi sabe de cor de tanto ter lido na faculdade. Os computadores trabalham com base no sistema binário, ou seja, qualquer coisa que você vê em um computador é uma grande quantidade de "zeros" e "uns" agrupados em inúmeras combinações, e transformados nas coisas que você vê. Quando aprendeu isso, ainda no colegial, ficou meio chocado pensando que "nossa, tanta tecnologia a nossa volta e é tudo um monte de 0 e 1..." Na faculdade, as coisas já não o surpreendiam tanto assim, até fazia certo sentido apenas duas respostas para tudo. Fazia sentido ter apenas dois números, como o sim e o não que a gente diz todo dia. A gente diz talvez e quem sabe também, mas esses talvez e quem sabe vão apenas adiar o que vai ser sim e não algum dia.

Computadores sempre o fascinaram. Não sabe bem o porquê. E não é porque eles lhe me dão uma sensação de controle, ou porque ele sinceramente não gosta muito de pessoas – isso não deixa de ser verdade, mas já é outra história que não vem ao caso. Ele simplesmente gosta dos computadores. Provavelmente não pelos fios, as placas, ou pelos zeros e uns também. Quem sabe é porque no fim das contas é com a ajuda de máquinas a única maneira que ele consegue se conectar com as pessoas. Pelo menos foi o que um cara inteligente falou em uma palestra que ele assistiu uma vez: não sabe se é verdade, mas gosta dessa definição.

Quando você programa um sistema para computadores, você trabalha essencialmente com rotinas. Existem aqueles passos que você sempre tem que seguir para que as coisas funcionem: você começa com uma ideia, então pensa em passos que você precisa executar para que sua ideia se transforme em algo – isso se chama algoritmo aliás – para enfim a execução da sua ideia. E na própria programação do seu sistema, qualquer linguagem tem estruturas de controle. Na ciência da computação, um fluxo ou estrutura de controle são instruções que você passa a um computador através de uma linguagem de programação para que ele entenda que precisa fazer tal coisa. Enfim, é uma rotina, em todos os sentidos. É sempre quase tudo igual, mesmo sendo tudo diferente todos os dias.

E assim era a vida de Yoongi geralmente. Os dias nunca são iguais, por mais que você se esforce para que sejam. Tinha dias que ele chegava no trabalho as 8h35min, outros dias as 8h47min, outros as 8h23min, isso dependia de que hora ele acordava e se o metrô atrasava ou não. Mas mesmo que os dias nunca fossem iguais, tinha as coisas que ele fazia todos os dias, com segundos ou minutos ou horas de diferença, mas sempre fazia. Bebia 3 copos de café, revisava um código que tinha criado no dia anterior, almoçava com o estagiário Jungkook, escrevia um novo código que ele amanhã iria revisar, revirava os olhos para as besteiras que seu vizinho de mesa Taehyung falava, dormia no metrô na volta para casa, alimentava seu cachorro, falava com a sua família, escutava música... obviamente não nessa ordem sempre. Yoongi odiava rotina, mas tinha essas pequenas coisas que ele sempre fazia e não percebia. Ele as fazia fora de ordem pois assim não sentia que era uma rotina, não sentia como se a vida dele fosse presa em um monte de algoritmos, como se ele fosse uma máquina controlada por alguém. Mas não seria essa própria organização uma rotina de qualquer maneira?  Foda-se, pensava, enquanto bebia mais café.

Trabalhava como programador (as vezes designer... bem todo desenvolvedor é um designer de certa forma?) em uma startup de jogos eletrônicos. Era um lugar legal. Não Google-legal, em que segundo muita gente você pode ficar jogando tênis no trabalho, ali era trabalho mesmo, mas era legal. Ficava fazendo jogos, jogando conversa fora e comendo besteira, e se distraindo para não pensar em besteira.

As vezes ele se achava um zero à esquerda. Não sempre né, mas as vezes. Ou a direita. Um zero para qualquer lado. Enquanto aquele cara sempre parecia um “1” para ele. O campeão. Tipo um cara de palestras motivacionais que fazia a vida parecer tão fácil quando o nível 1 do Candy Crush. Tudo é 1, que porra. Na faculdade, Yoongi aprendeu que no sistema booleano, que é usado nas linguagens de programação de computadores, o 0 significa falso e o 1 verdadeiro. É tipo um não e um sim. Ele não sentia que valia muito as vezes, enquanto Hoseok valia bastante. Novamente, foda-se.

Mas o sistema binário só funciona com os zeros e os uns juntos... bem, na maior parte do tempo, digamos assim. E lembrando disso Yoongi descobriu que ele e Hoseok poderiam ser um bom time. Hoseok não era um cara de palestras motivacionais é claro, ele era um designer, e dos bons. Ele gostava de fazer jogos coloridos e felizes, de deixar as pessoas felizes e de dizer que tudo ia melhorar, como os caras das palestras motivacionais. Quando a gente vê essas palestras e fica com raiva dessas pessoas que fazem a vida parecer tão fácil, acaba esquecendo que essas pessoas felizes só chegaram ali porque eles passaram por um monte de desgraça antes, e se sentiram zeros a esquerda, a direita, de tudo que é lado.

Yoongi só entendeu isso em um dia que fez Hoseok chorar, e ele nunca tinha se sentido tão zero para tudo quanto é lado antes como naquele dia. E olha que ultimamente ele estava se sentindo um 1, mas naquele momento ele estragou tudo. Ele queria dizer o quanto Hoseok era sempre um “1” para ele, e o quanto ele sentia por ter o magoado ser perceber. Hoseok era realmente um “1”, porque ele entendeu tudo o que ele quis dizer.

“Nós não somos números Yoongi, somos pessoas. E pessoas se sentem as vezes bem, as vezes mal, as vezes não sabem o que sentem, e tudo bem com isso. Você é sempre um ‘1’ bem grande para mim, seja no trabalho, seja na cama... Mas pensando bem, 1 é só um número que tem um valor muito pequeno comparado ao seu. ”