História Black and White - Book 1: Blood red - Prólogo - Os mortos não choram

Prólogo

“Existem oito fases para um genocídio acontecer: classificação, simbolização, desumanização, organização, polarização, preparação, execução e negação”

A história que você vai ler não é viva em cores.

Coisas ruins aconteceram com pessoas inocentes no passado, acontece no presente e não estamos livres de que aconteça no futuro também.

O que faríamos com algo tão cruel acontecendo a nossa volta?

É uma pergunta que não sabemos a resposta, pois não conhecemos a nós mesmos.

Você está prestes a ler uma história de guerra, vingança e luta por liberdade. Esteja preparado para ler cenas fortes.

Aproveite o prólogo, pois ele é a única parte desta história que podemos imaginar todas as cores invadindo os lugares.

- Mensagem do narrador (a)

2145, em um pequeno vilarejo do Sul.

A música podia ser escutada a quilômetros de distância. O vilarejo tinha poucas pessoas e muito espaço. Uma reserva natural do governo sempre teria mais árvores e animais do que pessoas, estas que viviam ali apenas para cuidar da natureza e nada mais. Em um tipo de sociedade diferente do resto do país, onde as pessoas viviam sem trabalho, mantendo tudo o que tinham através do cultivo das suas necessidades básicas e da fraternidade. Todos se ajudando sempre que preciso.

Com o solo alcatifado de uma grama verde e macia, flores brancas nasciam ao redor das árvores com copas tão grandes quanto o telhado das casas. Árvores que formavam o bosque que formavam um círculo, cujo centro dele era o vilarejo.  As casas eram poucas e podiam ser vistas enquanto os dentes de leão voavam através da brisa do entardecer.

No centro do círculo da vila, uma pequena praça com chão de pedras irregulares era palco da dança tradicional sulina. Todos dançavam e cantavam juntos ao som de flautas de bambu, gayageum e harpa. Soltando gritos com gírias próprias da vila, as pessoas se divertiam na esperança que os recém-casados fossem felizes em sua decisão.

Quem não estava no centro dançando, provavelmente estava produzindo alguma coisa. Algumas mulheres faziam comidas para que os homens entregassem aos convidados, crianças cuidavam de animar os casais enquanto jovens tocavam a música e outros cuidavam da organização.

No entanto, Kyungsoo estava ali parado porque simplesmente não sabia dançar. Ele estava louco para meter o pé naquela pista e começar a dançar com a menina que estava gostando, mas a coragem não o deixava fazer isso. Morria de medo de passar vergonha, exatamente por ser um desastre nisso.

A dança tradicional da vila era o truque mais usado para xavecar uma moça e quem não sabia dançar geralmente passava por vexames nos ciclos sociais.

— Bu! – Sehun chegou ofegando e pulando ao lado do rapaz enquanto enrolava o braço em seu pescoço – Então, ainda só olhando? – O garoto estava dançando naquele ritmo há mais de uma hora e o suor já descia por sua testa. – Eu acho melhor você começar a tentar, ou vão achar que você é aleijado, coisas assim.

— Não! Tá doido? — O garoto de olhos grandes disse colocando as mãos nas bochechas. — Eu... Ah, eu não consigo, tentei dançar hoje de manhã e ganhei uma ferida no joelho. — Cruzou os braços e Sehun riu.

— Eu já estou cansado, acho que vou comer alguma coisa, estou morrendo de fome. — Disse olhando para qualquer lugar que tivesse comida — Será que a tia fez algum bolinho de arroz?

— Não sei... Vai lá. Onde estão Chanyeol e Baekhyun?

— Eu não sei. Da última vez que eu vi ele, Baekhyun tinha acabado de colocar um rato dentro da banheira do Chanyeol, não preciso dizer que o orelhas saiu correndo atrás dele como um louco pelado.

— QUÊ?

— “Como” um louco pelado, não significa que ele estava pelado — Sehun gargalhou — Ele correu atrás dele de toalha, mas ainda assim estava cheio de sabão, você sabe que para o Baek a zoeira não tem limites, não é?

Kyungsoo sorriu negando com a cabeça. Era a mais pura verdade, para aquele garoto, tudo o que estava fora do mundo dos seus livros poderia se transformar em diversão.

Baekhyun tentava parar de rir, mas não conseguia.

Chanyeol estava agarrado a um galho da árvore enquanto rezava para todos os deuses que conseguia lembrar no momento. O grandalhão tinha subido nela para tentar pegar Baekhyun, mas acabou ficando preso depois de olhar para baixo e entrar em pânico com a altura. O pequeno ria do modo como ele murmurava palavras sem nexo, os olhos fechados com força.

— Eu sabia que isso ia acontecer. Agora me explica quem diabos têm o seu tamanho e tem medo de altura? — Baekhyun começou a descer alguns galhos para alcançar Chanyeol e ajudá-lo.

Assim que ele se aproximou o suficiente, Chanyeol abriu os olhos e agarrou a mão do mais velho com as mãos trêmulas de medo. Quando eles ficaram perto o suficiente, o maior se agarrou na cintura do outro. Baekhyun arregalou os olhos com o aperto repentino, mas logo sorriu.

Tudo estava indo perfeitamente a bem até Chanyeol tentar bater nele para se vingar antes deles conseguirem descer da árvore e os dois acabaram se desequilibrando e caindo de bunda no chão.

— Ai merda! — Baekhyun gritou se virando e massageando o próprio traseiro — Aish! Precisava mesmo tentar se vingar antes da hora seu orelhudo? — Perguntou enquanto Chanyeol ajeitava a toalha em sua cintura.

— Você é insuportável — Levantou a mão para dar um tapa no ombro do outro, mas desistiu. Ficando apenas com a expressão indignada no rosto.

— Pare de mentir, eu sei que você me ama! — Baek deu leves tapinhas nas bochechas do amigo e sorriu largamente — Se não me amasse já teria me matado... — Ele suspirou olhando para o horizonte e depois percebeu que o amigo não estava respirando direito — Chan, você está bem? — Segurou o braço do amigo para que ele não caísse.

— É que... Eu corri rápido atrás de você... Eu estou sem Zentai¹... E nem coloquei o creme no rosto antes de sair atrás de você...

— Droga, é verdade — Baekhyun enrolou o braço do amigo no pescoço e o ajudou a caminhar até dentro de sua casa.

— Esse calor é insuportável... Como viveríamos se não tivéssemos nossas proteções? — Perguntou enquanto os dois entravam na casa branca.

— A culpa desse calor infernal é nossa. — Baek acendeu as luzes e foi atrás das roupas e cremes de Chanyeol enquanto ele se sentava no sofá exausto — Nós provocamos.

— Eu sei que você é muito inteligente. — Chanyeol colocou uma máscara respiratória no rosto e ligou o aparelho, que de tão comum, estava ali pregado na parede para que quem tivesse dificuldade de respirar, pudesse usá-lo — mas eu estou careca de saber, não precisa repetir... O mestre nos ensinou sobre as pessoas lá fora e sobre como nós temos que cuidar da natureza ao contrário delas. Está tudo bem.

Baekhyun suspirou assentindo e deixou a roupa do outro ao lado dele no sofá.

— Bom... Agora nós vamos ouvir sobre mulheres — Ele sorriu um pouco — Isso mesmo, Baek! Agora que o mestre nos ensinou tudo o que precisamos saber, nós podemos nos casar e a festa de hoje é uma grande oportunidade para nós dois — Empurrou o pequeno levemente e este revirou os olhos enquanto ajudava o mais novo a colocar o protetor no rosto.

— Eu não estou preocupado com isso, tem muitas coisas pra fazer.

— Tem que parar de se preocupar um pouco Baek, eu não te entendo, você é superdivertido em alguns momentos e em outros... Espera... Você ficou desanimado quando falamos em casamento! Você não quer casar? É isso?

— Eu quero que você pare de falar disso. Não percebe que em todos os lugares do nosso país estão forçando as mulheres a terem vários filhos? Isso tudo porque a guerra_

— Baek... — Chanyeol interrompeu —... Será que você pode esquecer isso por um dia? Se divertir como você estava fazendo há alguns minutos? O nosso dever nessa reserva não é nos preocupar com os assuntos militares da nossa Confederação e você sabe. Posso até tirar a roupa pra você começar a me zoar de novo se quiser!

Baekhyun corou e riu.

— Deixa de ser idiota. Eu lá quero ver você pelado, você me vem com cada coisa. — Baekhyun se levantou e caminhou até a porta da casa de Chanyeol. Quando seus finos dedos tocaram e apertaram a maçaneta, a porta foi impedida de abrir pelos punhos de Chanyeol que a empurraram.

O pequeno olhou para o mais alto com o rosto inexpressivo.

Chanyeol abriu a boca para falar várias vezes, mas não conseguiu pronunciar nenhuma palavra antes que seus olhos já estivessem cheios de lágrimas. Ele abaixou a cabeça, sentiu as bochechas esquentarem de vergonha e a garganta apertar por prender uma angústia que estava ali há muito tempo.

Baekhyun sorriu e abraçou a cintura do maior sem se sentir estranho. Era comum para os dois se abraçarem. Chanyeol ainda queria muito falar para Baekhyun o que lhe afligia, mas não conseguiu.

Ele não teve tempo. 

Os dois ouviram um estrondo.

O primeiro a abrir os olhos foi Baekhyun, o pequeno olhou para a porta da casa sentindo o coração pular dentro do peito como se estivesse querendo sair correndo antes dele. Chanyeol reagiu um pouco depois.

— Será que são foguetes? — Ele perguntou e Baekhyun negou com a cabeça.

— Foguetes não têm o barulho tão alto... — O pequeno apertou a maçaneta da porta e a abriu vagarosamente. Os dois viram juntos que a festa continuava no centro da vila, na colina mais alta, todos rindo e dançando como antes —... O que aconteceu? Porque ninguém parece assustado.

— Vai ver que foi mesmo um foguete — Chanyeol deu de ombros e os dois resolveram voltar juntos para a festa.

— Na verdade, é como se apenas nós dois tivéssemos escutado — O pequeno confessou cruzando os braços.

Caminhando sobre a grama verde da vila Chanyeol percebeu que mesmo com tantas dúvidas na mente, via a oportunidade de viver feliz ao lado dos amigos e quem sabe de uma pessoa que amava... Não podia negar que tinha uma sensação estranha crescendo dentro de si. A idade do casamento estava chegando e mesmo que ele não quisesse teria cumprir as tradições.

Chanyeol olhou para Baekhyun que começava a botar um belo sorriso no rosto novamente e conseguiu colocar um pouco de brilho nos próprios olhos.

A música foi ficando mais alta e as risadas das pessoas se espalhando pelo local. O vento quente da tarde estava fazendo os cabelos negros do pequeno balançar como se ele fosse um debutante se apresentando para a comunidade pela primeira vez. O pequeno começou a bater palmas no ritmo da música e Chanyeol apenas o seguiu.

O casamento já havia terminado, os noivos estavam apenas dançando e comemorando sua união.

Kyungsoo que estava no canto da festa como sempre fazia em todas elas e logo caminhou até eles para tentar puxar conversa.

— Nem tenta — Chanyeol riu.

— Só vamos conversar com você se você for dançar — Baekhyun cruzou os braços e fez bico. Kyungsoo ficou nervoso e começou a tremer os dedos — Para com isso cara, você é livre, tem dois pais, duas irmãs maravilhosas, é inteligente e forte... Por que acha que uma simples dança vai te derrubar?

— Também concordo — Sehun enrolou o braço no pescoço do amigo e sorriu com a boca cheia de bolo — Vai lá, se errar, peça desculpas e comece de novo, foi assim que eu aprendi.

Kyungsoo não teve mais argumentos ou desculpas para não tentar. Ele mordeu os lábios e assentiu.

— Eu vou — Ele sorriu e todos ficaram animados, exceto Baekhyun, que manteve os olhos fixos na direção da parte mais baixa da vila.

— Nossa Baekhyun, desse jeito você vai fazer o Kyungsoo desistir de dançar, parece até que ele vai provocar um tufão se for dançar_ — O menor colocou as mãos trêmulas no ombro do amigo e apontou para o final da colina.

— Desde quando existem semáforos na nossa vila?

— Não existem semáforos aqui na­­­_ — Chanyeol olhou para onde os olhos de Baekhyun estavam vidrados —... Mas... O que é_

Chanyeol arregalou os olhos quando percebeu que uma bola de fogo estava cruzando o céu na direção deles. Em um golpe de impulso ele agarrou Baekhyun e caiu no chão junto com ele na hora exata que a bomba caiu no chão.

Não era uma bomba feita para matar, era uma bomba para assustar e para soltar muita fumaça. Baekhyun e Chanyeol foram atingidos pela nuvem de poeira que se espalhou por todos os lados. Sehun e Kyungsoo gritaram por seus amigos, Chanyeol não se atrevia a soltar a mão de Baekhyun.

— Chanyeol? Não posso ver!

Mesmo tossindo, Chanyeol fez um esforço para ver tudo através da poeira, não era tão difícil apesar de tudo. Luzes vermelhas começaram a aparecer de todos os lados, duas luzes vermelhas em cada pequeno espaço... Como se fossem, olhos?

— N-não... Não são semáforos, Baekhyun — O pequeno levantou a cabeça e tentou ver alguma coisa — São... São monstros... Monstros de olhos vermelhos... — O orelhudo apertou forte a mão do pequeno e o puxou para que ambos corressem.

— Corram! – Kyungsoo gritou e todos começaram a gritar em desespero.

— O que diabo é isso?! — Sehun gritou correndo e olhando para trás ao mesmo tempo. Arregalou os olhos ao ver os monstros de metal começarem a atirar.

O banquete preparado para todos da vila foi totalmente destruído pelas balas dos robôs que se aproximavam lentamente do centro. Várias crianças se perderam de seus pais e Kyungsoo colocou uma delas que chorava e gritava no colo. Ele a protegeu com os braços e correu o mais rápido que pôde.

— Estamos mortos — Baekhyun murmurou começando a sentir as pernas pesarem como chumbo — São os soldados do governo... Eu tinha escutado falar neles... Mas não imaginei que eles chegariam até aqui... — Uma mulher esbarrou no pequeno e o fez cair no chão. Ele gritou ao sentir a mão doer como o inferno – Droga... — Sua fala foi cortada quando Chanyeol lhe puxou pela cintura e o fez correr rapidamente na sua frente —... Quebrei o pulso_

— Eu percebi... Depois pensamos nisso... Apenas corre!

Baekhyun olhou para trás e viu as pessoas que não aguentavam mais correr desmoronarem no chão, exaustas, alguns nunca precisaram fazer esforço físico. Nenhum deles aguentaria fugir por muito tempo.

Poucos segundos depois, a grama verde da vila se tornava vermelha. Os soldados atiravam apenas uma vez em cada alvo para acertar. O sangue escorria como a água escorria nas fontes da vila. Aos poucos, pessoas foram ficando para trás, e aqueles que queriam fugir, não tinham mais forças nem para salvar a si mesmo, tampouco para salvar seus amigos e parentes que estavam ficando para trás. Os noivos viam suas noivas ficando para trás sem conseguirem segurar suas mãos.

Chanyeol sentiu que tudo ficava mais lento, seu corpo começava a amolecer e a vontade de correr se foi.

A esperança que guardava no peito se dissipou. Para onde eles estavam fugindo? Os limites da vila logo chegariam, e simplesmente todos seriam executados sem ter para onde ir, exaustos de fugir.

O rapaz paralisou e Baekhyun se assustou.

— Channie...?! — Perguntou parando de correr, sem fôlego até para falar. Magro e pequeno como era, não teria chances de escapar. Não podia acreditar que Chanyeol, mais forte e mais alto que si, estava ali paralisado esperando os soldados o executarem — Idiota! — Correu até o amigo e tentou puxá-lo com a mão que lhe restava — Vamos! — Ele se desesperou ao ver os olhos do robô olhando para ele, provavelmente o alvejando — Idiota! — Gritou e empurrou Chanyeol.

Os dois caíram no chão e o tiro que devia ter acertado Chanyeol fez a grama ao lado de Baekhyun explodir junto com dois de seus dedos da mão que lhe restava. Baekhyun começou a chorar de dor enquanto tentava falhamente, levantar se apoiando nas mãos machucadas.

Chanyeol finalmente saiu do transe e percebeu o que acontecia. Com a visão turva viu um grande robô metálico de olhos assustadoramente vermelhos se aproximando do seu melhor amigo que tentava se levantar enquanto chorava desesperado.

— Chanyeol a culpa é sua! — Ele praguejou sem pensar.

O maior sentiu uma dor forte na orelha ao mesmo tempo em que escutou o barulho seco do disparo. Sangue começou a escorrer pelo seu pescoço e sujou sua roupa branca rotineira, ele se sentiu tonto, a visão começou a ficar turva e logo ele caiu no chão tonto demais para conseguir se levantar.

— Você nos matou seu idiota! E eu mais idiota ainda... — Baekhyun caiu no chão sem ter mais forças para tentar levantar.

Chanyeol ficou frente a frente com os olhos desesperados de Baekhyun. As lágrimas nos olhos pequenos do menor caiam sem parar, e suas mãos sangravam tanto quanto o ouvido atingido do outro.

Os dois se entreolharam por alguns segundos silenciosos.

Os olhos de cada um, cheios de lágrimas e falando uma frase que não podia ser pronunciada em voz alta.

—... Eu mais idiota ainda... Ainda... Vim até você...

Chanyeol viu um dos soldados apontar o braço na direção de Baekhyun. O braço se iluminou de uma cor vermelha que começou fraca e foi ganhando intensidade. O maior percebeu o que aconteceria e gritou em desespero.

— Não! — Lágrimas caíram de seus olhos — Fecha os olhos, Baek... Por favor.

O pequeno sorriu sem humor.

— Você é tão idiota...

Chanyeol desmaiou antes de ver a cabeça do melhor amigo explodir.

¹Zentai: A palavra vem do Japonês – O corpo todo. Macacão feito de um tecido especial que cobre o corpo quase todo, deixando de fora apenas as mãos e a cabeça – geralmente o elástico do pescoço permite cobrir o nariz quando necessário. Em sua maioria da cor cinza, o macacão é feito de um tecido extremamente fino, mas que é muito forte e resistente, protege todos da radiação ultra violeta e da poluição pesada que está no ar e que geralmente prejudica a pele do corpo e pode causar doenças graves aos humanos. Para proteger as mãos os humanos usam luvas, e para o rosto não ficar o tempo inteiro coberto, usam um creme especial.