História Blackbirds - Conhecendo o novato

Numa grande e silenciosa biblioteca, Ji Hansol observava calmamente a chuva torrencial que caía sobre o Instituto Neo. A única coisa que se ouvia era o barulho da tempestade. Raios, trovões, vento. Era como se o som se propagasse por toda a antiga construção de pedra.

“Grande dia para receber o aluno novo” pensou sarcasticamente. Desde que fora informado pelo Comandante sobre sua nova ‘responsabilidade’ no Instituto, seu humor piorara drasticamente. Não conseguia acreditar que realmente tinham o colocado como babá de novato. E para contribuir com a piora de seu estado de espirito o Comandante havia se recusado a dar-lhe qualquer informação que não fosse o nome do menino.

– Não tenho muito a dizer sobre isso – dissera o Comandante quando questionado por Hansol a respeito do tal Nakamoto – Você sabe o quanto os recrutadores conseguem ser sigilosos com esses assuntos. Não é o tipo de coisa que seja prudente enviar num relatório, ainda mais um vindo do outro lado do mundo – sua expressão se tornou ainda mais fechada – A única coisa que posso dizer é que os Anciões estão entusiasmados com a nova aquisição do Instituto.

Aquisição.

Esse era ao o termo usado pelos cabeças do Instituto Neo. Hansol sentia-se realmente revoltado com aquela palavra. Para ele era como se estivessem dizendo: “Olhem que maravilha de quadro que consegui em um leilão. Não tenho a menor ideia do que fazer como ele. Comprei apenas porque eu posso.”

Isso era revoltante.

Faltava pouco para que o, já odiado, novato chegasse a Neo, e era perceptível a aura de ansiedade que emanava daqueles que sabiam de sua chegada. Para Ji Hansol isso beirava ao ridículo. Era apenas mais um alium idiota, com algum “poder” idiota que viria para “complementar” a vasta coleção de bizarrices que ficava aos “cuidados” do Comandante Yunho.

Resumindo, apenas mais um largado pela sociedade.

Os minutos se passavam lentamente, arrastando-se como zumbis em um daqueles filmes antigos de terror. Era frustrante. Os sinos do grande relógio da torre norte a muito já havia badalado sinalizando às 17 horas. Sentia que logo o Natal chegaria antes de o novato dar as caras. Sua paciência, já precária, estava dando sinais de que alcançara o seu limite quando finalmente a sua presença fora requisitada no escritório do Comandante.

Fez todo o caminho lentamente. Já que o fizeram esperar por tanto tempo, não seria nenhum problema faze-los esperar mais alguns minutos. Não era como se fizesse questão de estar naquele lugar.

Ao deparar-se com a grande porta, bateu seus dedos firmemente contra a madeira reluzente entrando sem ao menos esperar a resposta.

– Estávamos a sua espera – disse um homem de cabelos loiros que era impossível de não ser reconhecido. Jaejoong. O Coletor de Talentos. Fora ele que o levara para o Instituto há muitos anos atrás e que fora seu professor por algum tempo.

– Jaejoong – disse um tanto surpreso, fazendo uma breve reverencia ao antigo tutor.

– Sente-se Hansol – o tom imponente de Yunho ressoou pela sala – temos coisas importantes apara tratar aqui – sua voz era como uma lamina afiada voando, certeira, em direção ao alvo. Era por esse e outros motivos que os alunos mais novos tinham o completo pavor de ficar mais do que o estritamente necessário em sua presença.

O loiro dirigiu-se a única cadeira vaga em frente à mesa e sentou-se encarando displicentemente o Comandante.

– Como estávamos dizendo anteriormente, aqui no Instituto Neo os novos alunos, além de terem um acompanhamento mais rigoroso com um de nossos professores, tem também um tutor. Um dos nossos alunos veteranos é designado pelo conselho geral após uma avaliação meticulosa sobre os dons de ambos os alunos para garantir os melhores resultados possíveis.

– Por este motivo solicitei ao conselho que o tutor fosse você, Hansol – disse Jaejoong olhando pela janela.

Hansol não estava gostando nada daquilo. No momento, a única coisa que pensava era “Não acredito eu virei babá de novato”.

– Estranho, acho que me alistei ao exército e não percebi – disse de forma baixa e arrastada um jovem que Hansol não havia notado que estava na sala. O tom frio e debochado da voz do novato fez com que o loiro o encarasse por alguns instantes.

O Nakamoto estava sentado com o corpo inclinado pra frente e com os cotovelos apoiados nas coxas. Ele olhava para algum ponto no chão fazendo os cabelos castanhos caírem sobre seu rosto escondendo sua expressão. Apesar da cabeça baixa e aparência calma, o jovem ostentava descaso. Algo nele gritava rebeldia.

Jaejoong apenas revirou os olhos diante do comentário do menino, já havia se acostumado com a língua afiada de Yuta. Para ele, um comentário desse tipo vindo do mais novo não era nada além do esperado.

– Como o Nakamoto é um umbracinético, nada melhor que um luminocinético para auxilia-lo no treinamento – disse encarando ambos os adolescentes – Hansol, você é um dos melhores alunos do Instituto e acredito que não haja ninguém mais qualificado para o posto de tutor. Se não tiverem nenhuma dúvida estão dispensados. – disse tornando a virar-se para a janela – Yuta, logo iremos lhe passar seu horário de treinamento. Hansol irá te explicar como as coisas funcionam por aqui, e irá lhe apresentar o Instituto Neo.

– Onde eu vou ficar? – perguntou com a voz arrastada.

– Seu quarto fica ao lado do de Hansol – disse o Comandante Yunho – Ele irá te mostrar tudo. Agora podem se retirar. Em breve lhe informaremos quem será o seu professor.

Os dois jovens se levantaram e deram um pequeno aceno com a cabeça se retirando em seguida.

– Será bastante interessante observar o desenvolvimento dos poderes desses dois – disse Jaejoong sentando-se na cadeira que Hansol desocupara.

– O Hansol nós sabemos que tem um potencial imensurável. Mas esse Yuta não me parece ser grande coisa – disse Yunho com desdém – Por mais que umbracinese seja um dom raro, não acredito que ele chegará muito longe.

– Você diz isso porque não viu o que esse garoto é capaz – respondeu pensativo – O pouco que eu pude observar no tempo que passei com ele, vi o quão poderoso ele é e o quanto ele ainda pode crescer. E isso porque ele nem chegou a usar o seu real poder enquanto eu estive por perto. Ele é cauteloso e esperto. Acredito que Nakamoto Yuta seja o jovem alium mais poderoso que eu já conheci.

– Não exagere Jaejoong – disse o Comandante revirando os olhos – Talvez, e eu disse talvez, ele tenha um grande potencial, mas daí a ser o “jovem alium mais poderoso” – deu uma pequena risada debochada – O que te faze acreditar nisso? No final ele acabará se mostrando fraco e incompetente como quase todos os outros.

– Sabe por que eu acredito que esse garoto vai ser grande? – perguntou dando um meio sorriso – Porque ele quer ser grande. Ele é o tipo de pessoa que quando tem um objetivo ele faz absolutamente tudo para conseguir alcançá-lo.

******

Os dois jovens caminhavam pelo grande prédio de pedra. Ninguém dizia absolutamente nada, cada um perdido em seus próprios pensamentos. O único barulho era o som de seus passos que ecoavam pelos corredores vazios.

Hansol levou o novato até a biblioteca vazia, onde se sentaram nas confortáveis poltronas em frente à lareira.

– Então quer dizer que você será a minha “babá”? – Yuta perguntou sarcasticamente fazendo com que Hansol desse um pequeno e inesperado sorriso – Nossa você sabe sorrir. Achei que você passasse 24 horas por dia com cara de nada – implicou.

– Claro que não – disse sério – São apenas 23 horas, 59 minutos e 50 segundos.

O moreno riu, deixando seu corpo relaxar na poltrona, aproveitando o calor do fogo. Por algum motivo que não compreendia Hansol estava se sentindo confortável ao lado do novato.

– Caso não tenha ficado claro lá em cima, meu nome é Ji Hansol – disse jogando seus pés em cima do pequeno banco acolchoado em frente a sua poltrona.

– Nakamoto Yuta, apenas apontando o óbvio – disse sorrindo levemente e jogando seus cabelos para trás e finalmente Hansol pode observar claramente o seu rosto. Ele tinha a pele clara e seus olhos eram grandes expressivos. – Então, você é um luminocinético... Isso é tipo, manipulação de luz? – perguntou olhando para o fogo.

– Algo do tipo – respondeu e viu o moreno dar um pequeno sorriso debochado e balançar a cabeça. – O que foi?

– Você é a “luz” e eu sou a “escuridão” – disse debochado – poderia pensar em algo mais clichê?! – riu levemente e Yuta o acompanhou.

– Então quer dizer que você é um manipulador de sombras?

– Não exatamente – respondeu desviando os olhos do fogo – Eu manipulo a escuridão. Pura e simples. As sombras são apenas atalho para isso. Se houver uma única sombra perto de mim, eu posso transformá-la em escuridão.

– Hm – disse encarando as chamas dançando na lareira. “Talvez isso tudo até seja interessante” pensou.

Eles voltaram a ficar em silencio, perdidos em pensamentos. Era um silencio calmo e tranquilo. Não era como se precisassem dizer algo apenas apara preencher o vazio. Ambos perceberam que a convivência seria bem mais fácil do que imaginavam.

– Como eles te chamam? – Yuta perguntou num rompante tirando Hansol de seus pensamentos.

– O que? – perguntou confuso.

– Como eles te chamam? – perguntou novamente – Durante o tempo em que eu estive com Jaejoong e alguns outros aliums, percebi que todos eles têm “apelidos”, tipo codinomes – disse fazendo um gesto mão direita – Jaejoong disse algo como “Proteger nossas identidades é algo crucial” e blablabla.

– Quando estou em campo eles me chamam de Lumière – respondeu e Yuta levantou uma sobrancelha – Eu fui recrutado, por assim dizer, na França e quando cheguei aqui e eles viram meu dom em ação passaram a me chamar assim. – disse com a expressão séria. Ele estava estranho demais. Ji Hansol não era conhecido por ser o que se chama de falante, e lá estava ele conversando calmamente com um completo estranho. Mas por algum motivo ele sentia que era certo.

– História interessante – Yuta dando um meio sorriso.

– E você? Como eles te chamam?

– Eu já fui chamado de muitas coisas, mas Kurayami é o meu favorito – disse sombriamente.

– Kurayami?! Porque? – perguntou o loiro com uma curiosidade nada típica dele.

Yuta voltou a olhar para as chamas da lareira e deu um meio sorriso.

– Quem sabe um dia eu te conte.

Por algum tempo só o que se ouvia era a chuva forte batendo contra as paredes de pedra e o leve som das chamas dançando na lareira. Até que o silencio foi quebrado por vozes altas e passos rápidos vindo do lado de fora da biblioteca. A porta foi aberta sem cerimonias e dois meninos entraram rapidamente.

Eles caminharam e se sentaram junto a Hansol e Yuta, sem se incomodar com a expressão de desagrado do loiro.

– Hey, eu te procurei pelo o Instituto todo – disse um menino baixo com traços delicados. Seus cabelos eram negros e suas orelhas estavam cheias de piercings.

Hansol o olhou por um segundo antes de encarar o segundo menino.

– Ele acabou de acordar, não foi?

– Yep, me encontrou nas escadas e me arrastou direto para cá.

– Cala boca, Taeil – disse o menino contrariado.

– Você é previsível de mais Ten – disse Hansol em um tom debochado.

Yuta olhava a cena com uma expressão meio divertida, meio entediada. Era estranho ter contato com pessoas assim. Não era sempre que cruzava com aliums da sua idade. Seu olhar cruzou com o de Ten que o encarava com curiosidade.

– Como Hansol não tem educação e não vai nos apresentar, eu sou o Ten – disse animado sorrindo – Bem-vindo ao Instituto Neo! Sinto muito por você ser obrigado a lidar com o Hansol. Ele é chato, tem um humor péssimo e é grosso. Mas com o tempo você se acostuma com a cara de nada dele e acaba gostando dele.

– Você realmente gosta de brincar com o perigo – disse Hansol jogando uma almofada na direção de Ten que a pegou com facilidade enquanto sorria.

– Eles são sempre assim, é só ignorar. Eu sou o Taeil – disse o menino de cabelos castanhos.

– Nakamoto Yuta – disse sorrindo e dando um pequeno aceno com a cabeça.

– Taeil, você tem alguma ideia de quem vai ser ajudar no treinamento dele? – perguntou Hansol com cenho franzido – Você é a pessoa mais bem informada daqui.

– Pelo que eu escutei eles estavam cogitando Taeyong e Johnny – respondeu.

– Johnny? Ele ainda está em campo – disse Ten.

– Parece que seu namorado vai voltar em uma ou duas semanas – disse Taeil – Jaejoong disse que a missão no norte foi finalizada. Aparentemente a Summa está feliz com os resultados.

– Yah! Ele não é meu namorado – disse Ten rapidamente

– Claro, princesa – Hansol disse debochadamente – De qualquer forma, quando ele voltar nós tentamos arrancar alguma informação a mais.

– O que é a Summa? – perguntou Yuta sem realmente entender o que estava acontecendo.

– Summa é como são chamados os algumas líderes – disse Taeil de forma séria – Eles são os responsáveis por nos manter seguros e treinados. Somente os mais poderosos e influentes chegam a ocupar uma cadeira no conselho da Summa.

– Yunho e Jaejoong são membros da Summa – Ten disse sério – São os únicos conselheiros com quem já tivemos contato. Pelo que parece há outros membros a frente de lugares como o Instituto Neo.

– Há outros lugares como esse? – Yuta perguntou sério

– Pelas minhas pesquisas existem mais sete Institutos de treinamento para Aliums espalhados pelo mundo, mas as localizações são secretas – disse Taeil.

– Você tem algum cargo alto aqui? Você parece ser muito bem informado – Yuta olhou seriamente para Taeil.

– Não exatamente. Mas eu sou bem informado. – disse sorrindo – Já escutou a expressão ‘As paredes tem ouvidos’?

– Claro.

– No caso do Instituto os ouvidos sou eu.

– É bom ter isso em mente quando estiver sozinho no quarto e pensar em se divertir sozinho – Ten disse maliciosamente

– Cara, isso é nojento – Taeil fez careta – É por isso que eu tento ao máximo bloquear o seu andar.

– Taeil é sonocinético – Hansol explicou – Mas aparentemente a síndrome da velha fofoqueira é uma vertente bem rara da habilidade. Aqui no instituto tem alguns outros sonocinéticos, mas nenhum deles tem essa habilidade

– Vou me lembrar do ‘síndrome da velha fofoqueira’ da próxima vez que vier me pedir informações sigilosas.

– A habilidade do hyung é muito útil – Ten disse sorrindo

– Principalmente quando você quer saber o que o seu ‘não namorado’ está fazendo – Hansol debochou

O sorriso de Ten mudou levemente e uma rajada forte de vento fez a poltrona de Hansol virar.

– Você definitivamente gosta de brincar com o perigo – Hansol falou sério se levantando. Yuta deixou um leve riso escapar e Hansol olhou em sua direção – Não é engraçado – sussurrou sério enquanto arrumava o cabelo

– É definitivamente engraçado – Yuta disse sorrindo.

Taeil e Tem observavam os dois atentamente. A situação estava estranha. Em qualquer outro dia Hansol teria revidado. Nunca aceitou bem esse tipo de situação. Se usassem alguma habilidade contra ele, ele devolveria com uma intensidade ainda maior.

Por algum motivo Hansol parecia estar leve. Seus olhos não pareciam tão frios como de costume. A expressão de seu rosto ainda era indiferente, mas seus olhos... pareciam quase ternos.

“As coisas por aqui vão começar a ficar interessantes” Taeil pensou observando Hansol arrumar a poltrona e voltar a se sentar enquanto Yuta ria levemente. Hansol fixou o olhar nas chamas da lareira e deu um meio sorriso que não passou despercebido por Taeil. “Definitivamente interessantes”.