Os médicos tentaram mais duas vezes e a instrumentadora que estava apoiando a equipe de cirurgia pegou o desfibrilador.
- Já tentamos muitas vezes - o médico mais velho disse.
- Só mais uma. Vai funcionar. Carregando... um, dois, três... afastem!
O coração de Dallas voltou a bater. Depois de estabilizarem o garoto, finalizaram a cirurgia.
- Precisamos de duas bolsas de sangue. As perfurações estão muito graves. Temos que aumentar as doses de antiinflamatórios e hidratá-lo. Está com princípio de anemia e após a perda de tanto sangue pode ser que a fraqueza aumente. Teremos que fazer mais uma cirurgia e ele precisa se recuperar primeiro. Se fizermos outra agora, vamos perdê-lo.
Cameron retornou para o CTI e começou a receber o sangue logo depois.
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Ana passou o dia em seu quarto. Não se sentia animada para qualquer atividade.
- Fui lá na praia comprar a coxinha do Seu Agenor. Ainda está quentinha... - Maria deixou o prato com as coxinhas e um copo de suco ao lado da cama.
- Não estou com muita fome...
- Aconteceu mais alguma coisa? Como ele está? - a senhora se sentou.
- O Shawn pediu um tempo. Disse que quer me proteger, que não suportaria alguma coisa acontecendo comigo...
- E pode acontecer alguma coisa?
- Não sei...
- Talvez só esteja pensando no melhor para você. Aconteceu algo muito ruim a ele...
- E precisa me afastar desse jeito?
- Existe alguma coisa por trás desse acidente?
- Existe.
- Então é por proteção mesmo. Não fique triste com isso, ele só pediu um tempo, não é mesmo? Deve ser só até a poeira abaixar...
Ana comeu e acabou dormindo.
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Shawn acordou de um pesadelo. Estava sonhando com o acidente todas as noites.
- Você está dormindo muito - a irmã do garoto disse, levantando-se da cadeira e se aproximando - Como se sente?
- Acho que... estou pior - respondeu, tossindo.
- Quer que eu chame o médico?
- Sim.
- Vamos ver... como estamos hoje? - o médico entrou minutos depois.
- Estou com mal estar.
- Fraqueza?
- Já estava muito esquisito, agora ainda mais.
- Vou pedir um exame de sangue. Você pode estar com princípio de anemia ou desidratação.
- Doutor...?
- Sim?
- Por que estou com monitor cardíaco e todos esses aparelhos?
- É mais para precaução.
- E sobre as minhas pernas...
- Quer mesmo retirar a sedação?
- Sim, quero tirar essa dúvida...
- Tudo bem. Vou pedir para suspenderem e volto em algumas horas.
- Obrigado.
Shawn chorava como criança quando ficava sozinho no quarto. Estava com medo de ter perdido os movimentos nas pernas depois das lesões graves que teve.
- Filho, por que está chorando?
- Estou com medo mãe.
- Não fique assim, por favor. Preciso que seja forte e aguente o quanto puder.
- Tem notícias do Cameron? - o garoto perguntou com a voz rouca.
- Seu pai não me ligou ainda mas parece que ele vai ter que fazer outra cirurgia. Teve uma parada cardíaca no meio de um dos procedimentos de novo. A polícia vai vir fazer algumas perguntas para você.
- Como assim?
- É parte da investigação. Fizeram exames e viram que ele não havia bebido antes de dirigir. Mas algumas coisas precisam ser esclarecidas.
- Tudo bem.
- Eles virão amanhã pela manhã.
- Será que o Cameron vai sobreviver?
- O estado dele é muito delicado. Mas vamos pensar no melhor.
Shawn adormeceu minutos depois e às quatro da manhã acordou novamente. A dor estava em todo o corpo, exceto nas pernas, as quais não sentia muito. Forçou o maxilar, enquanto chamava o médico.
- É, eu não... estou sentindo... as pernas - o garoto disse, com a voz trêmula.
- Ambas estão imobilizadas. Pode ser por isso. O resultado do seu exame mostrou que você está com infecção hospitalar aguda.
- As coisas só pioram...
- Na verdade isso é bem comum. Quem sofre acidentes muito graves costuma passar por isso - o médico disse, enquanto pegava um martelo de borracha - diga quando sentir alguma coisa.
- Sim - Shawn respondeu, sorrindo após sentir os pés.
- Perder um pouco da sensibilidade com os sedativos é algo muito normal. Vamos voltar com a dosagem anterior para que seu corpo se recupere. Prosseguimos com a alimentação por sonda e os aparelhos conectados para monitorarmos. Trataremos dessa infecção também.
O garoto estava aliviado. "Bom, pelo menos as pernas estão bem", pensou.
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Cameron estava entre a vida e a morte no CTI. O quadro delicado do garoto era agravado por uma trombose nos braços. Como não tinha condições de acordar, os médicos ajudavam na fisioterapia e aplicavam anticoagulantes nas veias do garoto para que não obstruíssem.
A mãe de Dallas conseguiu chegar em Toronto para ficar com o filho, mas antes visitou Shawn e a família no outro hospital.
- Gina! - Karen disse, abraçando a mãe de Cameron.
- Como vocês estão?
- Estamos aqui... aguardando...
- Não consegui vir com tanta facilidade. Estava em uma viagem de negócios e era impossível cancelar as reuniões... como o Shawn está? Já acordou?
- Sim, ele tem acordado regularmente e... - Karen deu todos os detalhes sobre o estado do filho.
- Estou preocupada com o Cameron.
- Todos estamos. Shawn divulgou nas redes sociais sobre doação de sangue para reposição dos estoques e pediu para que fizessem orações por eles.
- Eu nem fiquei sabendo... estou evitando redes sociais ultimamente, só aparecem notícias esquisitas. Obrigada por se preocuparem com o Cam - Karen fez uma pausa - você sabe, eu o criei da melhor forma que pude, passamos por muitas coisas...
- Sei disso. Não precisa agradecer, ele vai sair dessa.
A mãe de Cameron se despediu e foi para o hospital ficar com o filho.
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No outro dia, Shawn recebeu dois policiais em seu quarto. Começaram a fazer as perguntas.
- Senhor Mendes, o que se lembra do acidente? - o homem da esquerda perguntou, abrindo um pequeno caderno.
- Lembro muito pouco - o garoto mentiu. Sabia que se dissesse a verdade e Cameron sobrevivesse, o amigo seria preso logo que se recuperasse.
- Seu amigo demonstrou algum comportamento estranho nos dias anteriores?
Mais uma vez, Shawn diria sim. Mas protegeu o amigo novamente.
- Não... ele estava bem, só um pouco triste. Ele não tem uma vida fácil.
- Então teria depressão ou tendências suicidas?
- Mas é claro que não... todos nós passamos por momentos difíceis na vida, não é? Ele só não estava nos melhores dias. Mas isso não causaria o acidente.
- Mais uma coisa: recentemente foram vazados vários conteúdos sobre a sua vida pessoal. Acredita que ele tentou matá-lo para que não pudesse denunciá-lo?
- Cameron é meu amigo. E não, isso não tem nada haver. Ele não colocaria a própria vida em risco para me matar, seria idiotice.
- Tem certeza disso? - o policial da direita perguntou.
- Certeza absoluta.
- Obrigado pelas respostas.
Shawn ficou pensando o que aconteceria com o amigo no caso de dizer a verdade. Ninguém entenderia as motivações do garoto para tais atitudes nem a vontade de causar o acidente. Tampouco acreditariam que Cameron desistiu de tudo antes do impacto. "Eles não o conhecem. Não sabem que há sim um cara legal por trás de todas essas atitudes", pensou.
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UM MÊS DEPOIS
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Shawn teve alta do hospital trinta e dois dias após o acidente. Fez todos os tratamentos para cicatrização interna dos ferimentos e se recuperou da infecção hospitalar. Gravou um vídeo e postou nas redes sociais, falando sobre a liberação e o foco que seria descansar.
Para sua surpresa, Handwritten não tinha cópias físicas disponíveis nas lojas e o número de downloads foi muito maior do que a equipe havia previsto. O álbum era tocado em muitas festas importantes e recebeu ótimas críticas. Várias rádios e programas de televisão pediam para que o garoto participasse de gravações, porém decidiu ficar um tempo parado. Handwritten se divulgaria sozinho.
Cameron continuava internado no hospital e entrou em coma depois da última cirurgia. Não havia nenhuma previsão do dia que poderia acordar.
Shawn se lembrava de Ana, mas preferiu não permitir que a garota participasse de todo aquele sofrimento. Levaria muito tempo para que compreendesse o que estava acontecendo com Cameron, então o garoto não quis desgastá-la com isso.
"Quando eu puder e se ela ainda quiser... nós podemos conversar e ver o que fazer. É melhor desse jeito", pensou, enquanto lia alguns tweets.
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Ana não tinha notícias de Shawn há muitos dias. Resolveu então ligar para o garoto.
- Oi, como você está?
- Na medida do possível, estou me segurando...
- Shawn, faz tempo que não conversamos.
- Eu sei. Te pedi um tempo...
- Isso não faz nenhum sentido. Não tem por que me proteger do Cameron. Ele quase te matou.
- Talvez um dia você compreenda porque eu não vou abandoná-lo. Para tudo há um motivo, e ele tinha alguns. Chegou em um ponto no qual queria tirar a própria vida. Você não o conhece bem...
- Conheço o suficiente para lhe dizer que você quer defender um criminoso.
- Quem está cega de ódio agora é você...
- Eu nunca protegeria quem tentasse me matar.
- Se você fosse amiga dele há algum tempo que nem eu saberia o que ele passou na vida.
- Ele é um criminoso.
- Criminoso?
- Sim. Causou o acidente.
- Um dia vou lhe explicar o que aconteceu naquela noite e o que já vi. Espero que nesse dia seu coração esteja um pouco mais aberto. Preciso descansar. Preciso de um tempo, de verdade. Não é pelo Cameron, mas a minha vida está completamente fora do lugar. Fiquei mais de um mês parado...
- Eu sei. Me desculpe por dizer essas coisas sobre o Cameron eu... não sei onde estou com a cabeça. Realmente é você quem o conhece e eu não tenho nada haver com isso. Olha, só espero que você fique bem.
- Estamos dando um tempo porque eu não vou poder me dedicar tanto a você. E não seria justo.
- Quando quiser, estarei aqui. Te amo.
- Também te amo. Obrigado por compreender.
A garota desligou a chamada, deslizando as costas na parede.
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Shawn nunca imaginou que choraria por uma garota. "Para tudo há uma primeira vez", disse, secando as lágrimas.
- Filho, vamos? - Karen perguntou e o garoto se lembrou que era o dia de visitar Cameron - Precisa de ajuda para andar?
- Sim, por favor.
(...)
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