“Há milhões de anos atrás havia um vírus no qual nenhum médico ou cientista conseguia controlar. Esse vírus deixava o sangue dos seres humanos fracos e consumia com as hemácias do sangue, os glóbulos, células do sangue.”
“Quem estivesse contaminado, acabava fazendo transfusão de sangue, sempre, se não o fizesse morria anêmico.”
“Mas como a transfusão de sangue era demorada, pois não havia muitos recursos, logo somente ela não bastava. E então muitas pessoas morreram.”
“Essa doença atravessou o tempo matando muita gente e os alquimistas cansados de ver tanta morte, tentaram fazer algo. E ao invés de ajudar, pioraram tudo, deixaram o vírus mais letal e forte. Ao invés do infectado morrer em um mês, morria em uma semana.”
“Acontece que não iam para sempre. Voltavam em uma espécie de mortos-vivos. Monstros sedentos de sangue amaldiçoados por toda a eternidade a vagar na escuridão. Os primeiros de nós eram tão patéticos que nem raciocinavam, agiam somente por instintos... Eram animais ridículos. Os primeiros vampiros. A origem.”
“Séculos se passaram e depois de muitas adaptações e mudanças, surgiu um clã de vampiros liderados por Stefan, revoltados e renegados por serem as criaturas que vagavam a escuridão, matando e divertindo-se com o sofrimento alheio. Eles queriam mais do que isso, queriam voltar ao normal, pois sabiam que ali não era seu lugar. Estavam cansados de esconderem-se e então começaram a estudar tudo que podiam para achar uma cura para a doença avançada, foi então que eles descobriram uma forma de tentar restaurar a paz, e encontraram a profecia.” – Quando Casper terminou de narrar à história, me lançou um olhar triste como se pedisse desculpas por ter que envolver-me a tudo isso.
Quanto tempo será que ele vem sofrendo com o que era? Sem duvida ele não era feliz.
- Casper... – Hesitei um pouco, talvez estivesse entrando em um campo muito particular, mas precisava começar essa conversa eu queria conhecê-lo melhor. -... Você é feliz? – Perguntei.
- É o que mais desejo. Faz um bom e longo tempo que não sei o que é isso, faz tanto tempo que estou trabalhando concentrado... – Ele deu um suspiro e me encarou. – Mas nem tudo está perdido. Estou começando a ter noção desse sentimento agora que está aqui, e não falo somente pela profecia.
Eu sorri para ele timidamente.
- Devem ter sido anos deprimentes. – Falei retomando a seriedade.
- No início era até um mar de rosas, tudo maravilhoso, tudo diversão e fantástico. Mas após anos, nada me satisfazia, já não havia graça, minha vida havia caído na rotina. Podiam se passar anos, mas o comportamento dos humanos e vampiros eram sempre os mesmos, apenas o cenário que mudava. Ninguém me entendia, achavam que eu estava passando por uma fase. Os vampiros não percebiam que viviam em um ciclo vicioso, mas a realidade era tão óbvia. Como não podíamos morrer de jeito nenhum, sempre víamos as mesmas reações, os mesmos motivos de brigas, os mesmos de amar e assim por diante. Os humanos não viam isso porque morriam e nasciam, para eles era sempre tudo novo. Eu não havia percebido isso desde então, mas quando enxerguei a verdade, descobri que minha vida imortal era incessantemente chata e deprimente. Imagine ver uma pessoa crescer, viver, amar, sofrer, sorrir, chorar, passar por tudo, adquirir algo na vida, perder isso e por fim morrer. E depois ver outra pessoa nascer e assistir tudo novamente. Há uma hora em que você deseja morrer porque não agüenta mais o tédio de passar tudo de novo. Descobri que invejava os humanos por tudo, por sentir o paladar das diversas comidas, por sentir como é alimentar sentimentos por uma criança do seu mesmo sangue, por conseguirem ter uma morte de causas naturais e normal... Os vampiros não ligavam para isso, até gostavam que fosse assim para não serem pegos de surpresa por algo imprevisível, eles já sabiam o que esperar dos humanos. Tentei em vão mostrar a eles que não éramos desse mundo, mas não levavam meu assunto a sério. Então ouvi falar de Stefan e fui atrás dele. – Casper estava muito pensativo, voltava ao seu passado sombrio. Ele dirigiu seu olhar para mim. – Sinto que quer fazer uma pergunta.
- É quero. Mas não sei se a faço... Pode ser muito pessoal.
- Tente.
Eu o encarei.
- Quando você nasceu? – Perguntei sem rodeios.
- Quer saber quando nasci para as trevas ou quando nasci como você?
- Quando nasceu como eu.
- Foi há muito tempo como eu havia lhe dito. Nasci em 21 de janeiro de 1875, Birmingham na Inglaterra. Um lugar tranqüilo pelo o que me lembro campos verdes e imensos, céu azul, era uma cidade do interior. Vivíamos em uma fazenda um pouco distante do centro da cidade, eu minha mãe, meu pai, minha irmã e meu irmão. Fazia pouco tempo que meu pai havia se formado em direito e ali não tinha oportunidades para exercer sua função. – Enquanto Casper narrava sua vida com a voz profundamente aveludada e doce que já ouvi, eu me dispersava desse mundo e mergulhava em uma época muito antiga onde não havia um rastro qualquer de minha existência. Uma época em que mulheres perdiam-se em espartilhos, babados e vestidos longamente pomposos e homens usava trajes extremamente elegantes com cartola e capa. Uma época em que belas carruagens dominavam as ruas com seus alazões e garanhões as puxando. Um lugar em que lampiões ainda iluminavam as ruas e grandes casarões eram os edifícios modernos daquele período. - Eu tinha 9 anos, quando meus pais decidiram ir morar em Londres. A capital era grande e estava evoluindo bastante, havia muitas vagas de emprego para meu pai e segundo minha mãe os estudos na capital eram de mais valia, pois as melhores instituições estavam lá.
“Compramos uma casa muito bonita e grande no centro da cidade, um dos melhores bairros onde só morava a elite de Londres. Não demorou muito para papai conhecer pessoas de influencia e trabalhar para uma das melhores incorporadoras da cidade. Mamãe fez amizades com esposas de empresários riquíssimos. Ela e papai tinham festas para ir quase todo final de semana. Eu e meus irmãos adoramos a cidade era enorme e havia diversões que só uma cidade grande poderia oferecer. Vivemos ali muito bem por alguns anos.”
“Em 1893, eu já terminara o colegial e estava planejando entrar para a Academia de Letras de Londres. Fazia pouco tempo que completara meus 18 anos quando eles chegaram à cidade. Uma nova família e fora morar no mesmo bairro nosso. Surpreendia o fato de eles serem tão belos e chamarem tanta atenção. Eram podres de ricos e isso não havia dúvidas, compraram uma das propriedades mais caras que nosso bairro podia oferecer a velha mansão dos Watson. Eram todos impecavelmente educados e gentis, mas havia algo de misterioso e sombrio neles, como se guardassem um segredo terrível. A família era formada pelo casal de pais, três garotas e três rapazes.”
“Apesar de todos terem um magnetismo profundo, a que chamava mais atenção era a caçula. Katrina estava no auge de seus 17 anos. A inocência encarnada em terra, mas havia algo por trás de sua aparência angelical que fazia qualquer homem a desejar mais do que qualquer outra mulher. Era apenas uma criança, mas creio eu que nenhuma mulher nunca poderia competir de igual pra igual com Katrina. Ela era diferente, sua inocência era tanta que chegava ser diabólica. Seu rosto pequenino tinha o formato de um coração, seus olhos verde água eram claríssimos, grandes e pareciam ter brilho próprio, eram portais para uma explosão de estrelas em um universo próprio com o fundo espesso para a escuridão. Seus lábios eram pequenos, cheios, delicado e sexy, a coloração era naturalmente de um vermelho vivo que chamava a atenção de longe. As madeixas de um loiro arruivado eram compridas e cacheadas até as costas, emolduravam seu rosto. Sua pele imaculada era de um branco leite que parecia ser sensível. O que o rosto tinha de inocente, seu corpo tinha de tentador. Ela não era muito alta e seu corpo tinha curvas tentadoras e bem atenuadas, mesmo com todos aqueles panos formando seu vestido verde esmeralda. Seus movimentos e gestos eram delicados e de um modo discreto havia sensualidade.”
“Quando aqueles olhos me encontraram pela primeira vez senti uma força me sobrepujar para ela. Eu sentia a presença dela dentro de mim. Era como se pudesse tocar minha alma. E pela primeira vez ouvi o primeiro de muitos sussurros em minha mente. “Casper”. Mas não podia ter vindo dela ela nem sabia meu nome.”
“Rezei muito pela alma dela, pois pelo que pude perceber o clima no bairro não estava fácil, todas as garotas e mulheres solteiras e até mesmo algumas casadas estavam morrendo de inveja dela, pois ela sempre tinha o que e a quem quisesse sem esforço algum. Todos os homens a desejava. Muitos conflitos surgiram por causa dela, desde problemas familiares a problemas envolvendo negócios que valiam milhões de euros. Traições, brigas, assassinatos... Meus pais estavam preocupados com o caos que aquele bairro estava se tornando, nem desconfiavam de que tudo aquilo era um jogo dela e deles.”
“Minha família conhecia pouco da família de Katrina, minha mãe não era fofoqueira e nem ligava para as fofocas e meu pai tinha muito que fazer do que ficar fazendo visitas para o pai de Katrina. Mas íamos a algumas festas que eles davam.”
“Certa vez minha mãe ficou muito doente, eu precisava comprar o remédio antes que a farmácia fechasse e já era tarde. Faltava apenas uma quadra para eu chegar à farmácia. Logo a minha frente havia um bordel, eu podia ouvir a música alegre, as vozes alteradas por causa do vinho e muitas risadas. Eu estava quase passando pelo bordel quando a porta abriu-se e de dentro saiu cambaleante e entre gargalhadas Katrina. Não acreditei que alguém tão jovem, bem sucedida e ainda por cima mulher pudesse estar naquela imundice. Foi uma decepção vê-la sair daquele muquifo, eu tinha uma ilusão de que talvez todos os boatos sobre ela fossem mentiras, mas pelo visto o ingênuo na história era eu mesmo.”
“Até aquele instante ela não havia percebido minha presença, então ela virou-se para mim e quase que instantaneamente me reconheceu. Sua expressão estava séria, e percebi aos poucos um sorriso malicioso e macabro surgir em seus lábios. Reparei no liquido escuro que escorria por seu queixo, eu não conseguia ver o que era especificamente e ela limpou tão rápido que me concentrei mais no seu movimento, pois parecia que ela não havia feito nenhum.”
“Seus olhos não estavam mais verdes, agora eram rubi. Eu estava tonto, na minha mente havia lacunas vazias, minha cabeça explodia de dor. Onde estava mesmo? Ah sim, indo a farmácia comprar o remédio para minha mãe. E aquela é Katrina? Sim é ela e agora lembro que esta perdida, por pouco não entra no bordel para pedir informações. Ainda bem que estou aqui. Foi o que pensei ter passado pela minha cabeça Elli. O dom especial de Katrina é a persuasão e apenas com um olhar ela faz você esquecer-se de qualquer coisa e manipula os seus pensamentos moldando-os ao bem entender dela. A persuasão dela era extremamente forte, mais forte do que qualquer outro vampiro.”
“Começamos a conversar e andar pela rua. Eu explicava a ela o que estava indo fazer quando ela empurrou-me com muita força para um beco escuro e cheio de imundices. Derrepente estava deitado no chão, Katrina estava por cima de mim e observava meu rosto muito de perto. Eu nunca havia ficado tão perto de uma garota como estava naquele momento com ela. Katrina percebeu meu nervosismo e apertou mais seu corpo contra o meu, senti-me enrijecer em baixo dela, ela sorriu maliciosamente mostrando suas presas pontiagudas para mim. Ela fechou os olhos e quando os abriu estavam novamente vermelhos.”
“Eu estava completamente assustado, nunca havia visto nada igual. Ela encostou seus lábios nos meus e depois sussurrou em meu ouvido ‘Isso irá terminar logo,logo, eu prometo’”. – Casper parou de narrar e baixou sua cabeça para que eu não pudesse ver sua expressão.
- Logo após senti sua boca pressionar meu pescoço com delicadeza e senti suas presas perfurarem minha pele. Foi bem doloroso, comecei a me sentir fraco e sonolento, então ela me livrou de sua mordida quase letal. Ela ergueu-se de cima de mim e pulou na direção do telhado de uma casa e sumiu. Virei minha cabeça para onde começava ouvir vozes se aproximando. Minha visão estava embaralhada. E quando as pessoas me encontraram o verdadeiro inferno começou. Meu corpo doía terrivelmente, como se o fogo consumisse meus ossos. Eu me retorcia no chão e então desmaiei.
“Quando acordei a dor começou instantaneamente, eu estava em um quarto todo branco com camas de ferro, era um quarto hospitalar. Meus pulsos e tornozelos estavam mordaçados com cordas extremamente fortes. Tentei me soltar em vão. Vi o médico entrar acompanhado de enfermeiras, atrás das enfermeiras surgiu meu pai e minha mãe. Resisti ao desmaio novamente com esforços.”
“’É tudo muito estranho para a medicina, talvez seja uma nova doença. Senhor e senhora Vincent devo-lhes informar que os órgãos de seu filho estão parando de funcionar e temo que o inevitável esteja por vir. ’
‘O que doutor? Meu Casper morrerá?’
‘Lamento senhora Vincent. ’
“Não vi mais nada depois disso. Quando acordei, estava dentro de um caixão enterrado no cemitério, já fazia uma semana. Tentei voltar para minha família, mas o pai de Katrina, Skandar me impediu e levou-me para a casa deles, explicou-me tudo sobre os vampiros. Ele foi como meu pai. Mas claro, descobri que sua maldade ultrapassava este mundo e o deserdei como filho.”
Casper encerrou o assunto olhando novamente para mim.
- Mas e o que aconteceu com Katrina? – Perguntei sabendo que faltava uma parte fundamental da história.
- Quando a vi, tentei matá-la de tanto ódio que sentia. Por fim com o passar dos anos, não podia ficar eternamente bravo com ela, acabei fazendo as pazes e viramos amigos. Tentei ensinar ética a Katrina, mas a única que ela sabia era a dos vampiros, que se resumia em ser vulgar para ter o que queria. Quase todos eram assim, menos Skandar, Sophie e Nicol. – Ele calou-se mostrando o típico ar masculino quando estão escondendo algo de uma mulher.
Derrepente caiu minha ficha.
- Casper, eu sei que não é da minha conta, mas... Ela gostava de você pelo o que percebi então vocês acabaram ficando juntos, não é? – Perguntei.
- É algo de que me arrependo. – Ele disse arrependido.
- E foi por causa desse arrependimento que comecei a perceber o quão medíocre era nossa vida. Tudo não passava de um jogo excitante para Katrina, nada nunca era levado a sério. Ela era tão mimada por Skandar que chegava dar nojo, era a filha preferida dele. Ela vivia metendo-se em confusões e ele nunca a castigou. Mas não foi somente isso que fez com que eu me afastasse do clã londrino. Eu não agüentava mais matar minhas vitimas e ouvir e ver cada pensamento antes da morte, dava-me pena de matá-los. Mas se eu ficasse sem caçar, a sede aumentaria e então aí sim eu poderia fazer um belo estrago, pois eu era um recém transformado e um novato demora a ter controle. Ouvi falar de Stefan e mantive contato com ele escondido e então por fim me juntei a seu clã. – Disse Casper sentindo um pouco de mal estar em mencionar o “erro” dele com Katrina, o que me deixou enciumada.
- E o que o clã londrino achou sobre sua ida? – Perguntei.
- Katrina enlouqueceu, não queria que eu fosse, mas também não queria ir junto comigo. Skandar não aprovou, mas não fez muita coisa para me impedir, ele apenas lamentava por Katrina me amar tanto. Sophie, esposa de Skandar ficou pesarosa como uma mãe quando vê seu filho partir. Nicol, Ihago, Rougyne e Jonaf não sentiram tanto, mas ainda assim representaram bem. Então tive de fugir e uma vez aqui na América, pude controlar a sede e encontrar uma verdadeira família.
- Sua história daria um belo filme Casper. – Comentei.
- Um belo filme não, mas um de terror sim. – Ele disse sorrindo serenamente para mim. – Ei, escute, ainda está tocando música lenta... Elli me daria à honra desta dança? – Ele fez um gesto cordial com a mão.
- E porque não? Meu humilde cavalheiro. – Falei soltando um riso leve.
Casper segurou minha cintura com delicadeza e com a outra mão segurou a minha, enquanto eu enrolava meu braço ao redor de seu pescoço. Eu podia sentir seu perfume convidativo, doce e refrescante, inundava meu cérebro, um perfume tão gostoso que dava vontade de mordê-lo para saber se seu gosto seria melhor que o aroma. Lembrei de nosso beijo há minutos atrás e senti um arrepio percorrer minha nuca, como eu queria seus lábios juntos aos meus agora.
Valsamos a música toda de uma forma fantasticamente mágica, ele me conduzia e parecia-me que flutuávamos sobre o chão. Ouvi a música cessar e uma agitada tomar seu lugar. Paramos de dançar, mas não nos separamos, eu me ajeitei nos braços dele. Então a mão de Casper ergueu meu queixo delicadamente.
- Elli eu mudei de idéia, não há como reprimir o que sinto por você e já me decidi. Irei tentar e se for preciso, enfrentarei céus e inferno por você.– Os olhos dele brilhavam como dois rubis preciosos.
Só tive tempo de lhe dar o sorriso mais iluminado que já dei e então seus lábios macios, frescos e doce já estavam nos meus.
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