História Bloodsport - Pressentimentos

Mal escuto o sino tocar e todos já estão se levantando e saindo da sala para o recreio. Não demora muito e eu e Sam já estamos segurando nossas bandejas na fila do refeitório. Coloco purê de batata, umas ervilhas, um peito de frango e um pouco de molho, além de um copo de suco de laranja, e Sam pega exatamente as mesmas coisas. O clima já está um pouco melhor, mas os alunos não estão conversando tanto quanto costumam. Realmente, perder dois colegas tão subitamente e de forma tão brutal acaba mexendo com todos. Caminhamos calmamente até a nossa mesa, onde estão Nathaniel, Kentin e os gêmeos. Me sento de frente para Kentin e do lado de Nathaniel, e Sam se senta ao meu lado. 

— E então, sobre o quê vocês estão conversando? — Pergunto e tomo um gole do meu suco que está um pouco doce demais.

— Oi, Ruby — Nathaniel cumprimente, abrindo um sorriso brilhante ao me ver.

Nathaniel é o filho do prefeiro de Tenebris Bay, e com certeza sua família é a mais rica de toda a cidade. Ele tem uma irmã mais nova, uma garota mimada chamada Ambre, mas ela não tem muito a ver com ele a não ser pela sua aparência. Não somos tão próximos, mas somos próximos o suficiente e temos uma relação muito boa, a não ser pelo fato de que Nathaniel odeia o meu irmão. Quero dizer, todos odeiam o meu irmão de alguma forma — principalmente as garotas —, mas Nathaniel o odeia por andar com Castiel Moore, que é o que poderíamos chamar de seu “arque-inimigo”.

— Estamos falando sobre o que não fizemos nesse tempo que não estivemos juntos. — Ele continua, mastigando sua salada.

— E sobre como Kentin ficou sarado do nada — Alexy completa, sorrindo ao dar um gole em seu suco. — Como você disse que tinha sido mesmo? 

— Acampamento militar — Kentin parece desconfortável com todos na mesa o encarando diretamente, curiosos, a não ser Armin. Ah, então o acampamento de verão era militar também. Isso explica as coisas um pouco melhor. — Sério, eu fiquei tão surpreso quanto vocês. 

— E como era lá? — Armin finalmente desvia seus olhos de seu PSP para Kentin mas só por um instante. 

— Bom, era um acampamento — Kentin diz, dando de ombros e se encostando na cadeira. Sam e Alexy já desistiram da história e começaram a conversar sobre um assunto aleatório, mas eu ainda estou prestando atenção, com o queixo apoiado na mão direita. Os olhos de Kentin encontram os meus e eu mantenho o contato visual. — Quer dizer, era bem comum. Tinham histórias ao redor da fogueira, fazer trilhas e tudo mais, só que tínhamos que acordar antes do sol nascer, fazer flexões, dar cinquenta voltas no campo na chuva, esse tipo de coisa. Me ensinaram a atirar também, o que foi bem legal.

— E tinham garotas nisso? — Armin pergunta, encarando Kentin agora e abrindo um sorriso presunçoso. 

— Tinham sim — Kentin desvia o olhar para o amigo, me deixando um pouco decepcionada. — Por incrível que pareça.

— Garotas bonitas? — Armin ergue uma sobrancelha.

— Na verdade, bem bonitas. — Ele riu um pouco.

 Tudo bem, eu não esperava esse tipo de resposta. Engulo um pouco do meu purê, meio que sem gosto de repente. Kentin sempre foi tão tímido. Pelo visto, não foi só a sua aparência que mudou.

— Bem, acho que vou me inscrever nesse acampamento então — Comento depois de limpar meus lábios com um guardanapo. — Estou precisando entrar em forma.

— Ah, pode ir parando, Ruby — Armin me surpreende, não esperava que ele fosse se pronunciar. — Eu acho que você está linda assim.

Sorrio timidamente com o elogio.

— Falando em calças, preciso de uma nova para a festa na casa do Troy na sexta-feira. Quem mais vai? — Alexy pergunta, e em seguida olha para o irmão. — Você e o Nath não precisam nem responder.

— Tenho um jogo novo para zerar — Armin dá de ombros.

— E se não tivesse iria zerar outro pela oitava vez — Provoco, sorrindo e Armin ri, concordando.

— E eu, preciso estudar e organizar uma papelada no grêmio estudantil — Nathaniel conta. Se fosse qualquer outra pessoa, aposto que ela estaria muito frustrada com essa constatação, mas Nathaniel parece até bastante empolgado. — Além disso, eu dispenso os adolescentes bêbados vomitando, obrigado.

— Bom, eu com certeza vou — Sam e me dá uma cotovelada. — E você também, mocinha.

Eu vou em festas de vez em quando, mas não é algo que gosto muito. De qualquer modo, ouvi dizer que as festas de volta as aulas do Troy Green são meio que tradição, e as aulas começaram há pouco tempo.— Já que você vai, eu vou — Sorrio para a minha amiga. 

— E quanto a você, Kentin? — Alexy indaga.

Dou uma pequena risada. Kentin simplesmente não vai em festas — ele nunca foi. No ano passado eu bem que tentei, ficava insistindo o tempo todo, mas ele nunca concordava em ir. Eu até entendia, não é a dele. Abro a boca para responder pelo meu amigo, mas sou interrompida.

— Vou estar lá — Ele sorri, simpático.

Tenho que me segurar para que não abra a boca. Olho em volta e só eu pareço surpresa com a resposta de Kentin. 

Se antes eu já tinha uma dúvida de que sua personalidade tinha mudado, agora estou completamente certa disso. De qualquer maneira, isso é normal. Não é? Pessoas mudam com o passar do tempo, e acredito que ele não tenha mudado de uma hora para outra, já que estamos meio distantes um do outro desde o ano passado.

— Enfim — Sam chama a atenção de todos para ela. — Vocês viram o que aconteceu com os Cooperman?

— Claro, quem não viu? É um absurdo — Alexy comenta, com um olhar triste.

— Imaginem a situação dos parentes — Nathaniel observa. — Perder os dois assim, do nada.

— O que aconteceu com eles? — Kentin franze o cenho.

— Você não soube? — Eu questiono, confusa. — Parece que todo mundo sabe. Eles foram encontrados mortos na floresta. Atacados por lobos.

Ao ouvir minhas palavras, algo passa pelo olhos de Kentin. Não sei como explicar, é como se ele estivesse surpreso e ao mesmo tempo com medo do que eu acabei de dizer. Mas depois ele desvia o olhar.

— Nossa — É a sua reação, por fim. Ele olha em volta rapidamente. — Imagino que seja por isso que estão todo assim.

— Na verdade — Armin finalmente deixa o console escorregar para a mesa. — Ninguém sabe mesmo se foram lobos.

— Como assim? — Nathaniel encara Armin. — O que mais pode ter sido?

— Eu li que não tinha nenhum sinal de que os lobos estavam se alimentando deles, quer dizer, não tinha nenhuma parte faltando. E mesmo que estivessem, por que os bichos iam matar dois deles? Os dois eram bem grandes. — Armin gesticula enquanto fala.

— Eles invadiram o território da matilha — Kentin interrompe. Olhamos confusos em sua direção. — Quer dizer, eu acho. Geralmente mortes assim são por isso, não é?

— Geralmente sim — Armin dá um gole em sua Coca-Cola. — Mas quer saber? Aqueles ferimentos estão bem longe de terem sido causados por lobos. Eles atacam no pescoço para matar, ou então nas pernas para derrubar. Eles não fazem picadinho.

— E como você sabe? — Alexy debocha.

— A internet é maravilhosa, meu irmão. — Armin sorri. — Eu pesquiso as coisas.

— E como...

— Eu vou repetir a pergunta do Nath — Eu interrompo, sentindo frio de repente. — O que mais pode ter sido?

Todos ficam em silêncio e me encaram.

— Eu não sei — Armin diz, por fim. Ele pega seu console e o liga de novo, mas antes de começar a jogar, continua a falar. — Mas seja o que for, tenho o pressentimento de que eles não querem que a gente saiba.