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História Blue Moon (Em Hiatus) - 5:14 (Last Page)


Escrita por: kyyyaxoxo

Notas do Autor


Oi, explicações nas notas finais.
esperamos que gostem.
Desculpem eventuais erros.

Boa leitura!

Capítulo 31 - 5:14 (Last Page)


I

 

O sol brilhava e o clima estava até agradável naquela tarde de verão. A grande casa era localizada num terreno cercado por árvores, as quais o vento gostoso balançava as folhas verdes. Era um ponto consideravelmente afastado da loucura do centro cidade, de forma que os sons de gargalhadas altas e vozes infantis fossem bastante significativos ali, remetendo a uma diversão inocente e jovial.

Apesar de todos aqueles aspectos animadores, o pequeno ômega de cabelos negros sentado ao pé de uma árvore não sentia vontade de interagir com as demais crianças espalhadas pelo grande terreno arborizado, brincando entre si. Ele, embora não tivesse mais do que seis anos, não podia chamar aquilo de lar. Lá tinha mais velhos, crianças, alguns adolescentes, mas não se dava o luxo de denominá-la sua casa. Se realmente fosse, a ampla construção teria outro nome ao invés de ser chamada de orfanato.

Ele era muito jovem, mas entendia muito bem a situação de todos os moradores dali. De irmãos a filhos únicos, cada um deles foram parar lá pelos mais variados tipos de ocorrido, como acidentes, abandono, decisão da justiça, alguns tão novos que cresceram ali desde os primeiros meses. No seu caso, uma casa impregnava continuamente suas memórias mais remotas, mas nada mais do que isso. Não lembrava de pessoas, sequer tinha certeza se Hoseok era de fato seu nome, tanto que passou a cogitar que a casa, a qual tanto desenhava, não passasse de um mero sonho utópico. E talvez realmente fosse, visto que nada do que aparentava se lembrar era concreto. Então, se deixava ficar ali, observando, sozinho.

O orfanato de todo não era ruim, era um lugar até aconchegante, os demais e ele eram bem tratados pelos adultos dali. Os recursos não eram tão abastados, mas não era comum que passassem maus bocados. Tinham alguns professores, enfermeiros, até mesmo uma diretora. Duro mesmo era quando alguém era adotado, os que ficavam sentiam-se desolados diante da “perda” de um deles. Por essa razão, Hoseok preferia ficar na sua e não se apegar a alguém que, inevitavelmente, uma hora ou outra, iria embora.

Seus devaneios foram interrompidos de forma brusca de um segundo para outro quando sentiu uma pancada na lateral da cabeça. Um resmungo irritado escapou de seus lábios ao passo que levava uma das mãos ao local atingido, procurando com um olhar assassino o que teria causado aquilo. Não muito longe de si, avistou a bola a qual os maiores costumavam brincar.

— Hoseok, joga a bola aí! — Hoseok olhou quando foi chamado, vendo um dos garotos no meio de grupinho acenando para que jogasse logo.

Ah, aquele garoto estava muito enganado em acreditar que justo alguém de gênio forte e pavio curto como Hoseok iria simplesmente ignorar o ocorrido e fazer isso.

Sorrindo como quem está preste a aprontar, ele caminhou em direção a bola, a pegou e parou por um instante a fim de analisar o solo ao redor de seus pés. Encontrou um graveto por ali, e seu sorriso aumentou antes dele apanhá-lo do chão e enfiá-lo no objeto. A pressão feita pelo galho pontiagudo sob material foi o suficiente para que furasse, fazendo todo o ar contido vazar para o meio externo. Como se nada houvesse acontecido, devolveu somente o plástico murcho a eles.

Vendo alguns chocados e sendo fuzilado com o olhar por outros, Hoseok aproveitou a deixa e saiu correndo antes que resolvessem vir atrás dele. Ele poderia até parecer quieto, o que, em parte, não era mentira, contudo, era uma típica criança levada, aprontando sempre que algo o aborrecia. Atitudes como essa eram mais comuns do que aparentava, mas não significava dizer que ele era um rapaz maldoso... ok, talvez só um pouquinho.

Sua risada travessa ecoava pelos corredores do grande orfanato. Olhou para trás e não notou perseguição alguma, então desacelerou os passos até ficar estático. A expressão entediada voltou ao seu semblante, e soltou um suspiro, chateado por sua animação e diversão ter sido somente momentânea.

Estava para ir ao quarto e deitar em sua cama ou procurar outra coisa para fazer quando percebeu uma estranha movimentação vinda de um dos cômodos perto de si. Aquela era a sala em que os menores ficavam brincando, era naturalmente barulhenta, entretanto hoje estava mais do que o de costume. E como toda criança curiosa, Hoseok se aproximou para ver o que estava acontecendo.

Com cuidado para não chamar atenção dos outros, levou as mãozinhas à maçaneta e a girou devagar, abrindo a porta numa fresta. Ajeitou-se para espreitar na abertura de tamanho razoável, apoiando uma palma no batente e mantendo a outra na maçaneta. Até onde sua visão pode alcançar, avistou os mais novos agitados ao redor da diretora. A criança nos braços dela era a causa de toda aquela euforia. Hoseok analisou atentamente o recém chegado, ele possuía os olhos muito pequenos de tão puxados que eram, uma tez amorenada, cabelo negro encaracolado e bochechas grandes.

— Este é Jooheon. Digam oi pra ele. — a mulher que cuidava daquele lugar disse aos pequenos. Hoseok revirou os olhos por notar que o garoto no colo dela apertou ainda mais o enlaço ao redor do pescoço dela quando foi saudado. Pelo visto, seria mais um menino irritante como todos os outros que viviam ali. — Ele ficará conosco a partir de hoje. — ela sorriu e o colocou no chão, entre as outras crianças.

O aglomerado rapidamente se dispersou e as crianças voltaram a brincar como se nada tivesse acontecido. Algumas tentaram se aproximar do mais novo habitante daquele lugar e o garoto sorria para qualquer um, mostrando suas covinhas que arrancavam suspiros das mulheres que supervisionavam todos no cômodo. Mas não de Hoseok. Ele torceu o nariz para o que via, nem de longe aquele garoto lhe parecia fofo.

— Te peguei! — Hoseok sobressaltou-se ao sentir mãos o segurando e ter seu corpo levantado do chão.

— Socorro! Socorro! — gritou, já sabendo quem era. Logo, seu barulho chamou atenção das mais velhas dentro da sala e de várias crianças, inclusive da que acabara de chegar.

— O que está acontecendo? — a diretora pareceu, abrindo a porta de rompante. — Ah, de novo. — suspirou, e Hoseok cruzou os braços, emburrado, ainda suspenso no ar, mas não demorou muito para que voltasse a sentir o chão sob os pés.

— Ele furou a bola dos maiores de novo. — o homem que o carregou anteriormente relatou, enfatizando as últimas duas palavras. — Já foi a quinta bola só esse mês. — continuou, e a criança birrenta continuava lá parada, com um bico gigantesco nos lábios e cara fechada.

— O que eu faço com você, Hoseok? — a beta suspirou novamente e se agachou para igualar suas alturas e também segurar o rosto dele entre as mãos. — Por que fez isso? Acha que temos dinheiro para comprar tantas bolas? — o questionamento com um leve tom de bronca fez Hoseok se sentir culpado, pois reconhecia que a sua atitude tinha sido errada. Vendo a cara arrependida dele, levantou-se.

— O que eu faço? — o homem, o zelador dali, perguntou.

— Mande entrarem, já é quase hora do jantar de qualquer forma. E faça todos irem tomar banho. — ditou a ele, que saiu dali para cumprir com as ordens. — Se comporte, Hoseok. Até parece que não quer ser adotado.

A diretora se retirou do local, assim todos se dispersaram. Continuando emburrado, Hoseok saiu correndo em direção aos dormitórios. Demoraria um pouco para o horário do jantar ser anunciado, então dormiria até lá. Subiu na cama e arrastou-se para o centro do colchão onde deitou de bruços. Fechou os olhos, enfim pronto para tirar uma soneca.

O que era para ser, pelo menos, uma hora de sono durou somente alguns minutos ou segundos, não dava para dizer ao certo por sua noção de tempo estar um pouco perdida no momento. O toque contínuo em uma de suas mãos e bochechas o obrigou a acordar, mesmo contra sua vontade. Quem quer que fosse, parecia não ter medo de irritá-lo. Afinal, quem em sã consciência pensaria em perturbar seu sono?

Abrindo os olhos devagar, deparou-se com alguém praticamente debruçado sobre si. O susto foi tão grande que, por pouco, Hoseok não caiu ao se afastar para a outra ponta do colchão.

— Você tá doido, garoto? — resmungou, as sobrancelhas unidas numa expressão raivosa.

— Desculpa. — Jooheon encolheu os ombros. Hoseok estranhou a atitude, já que, agora que estavam próximos, dava para sentir o perfume natural amadeirado característico de um alfa. — Eu não queria te assustar. Qual seu nome? Meu nome é Jooheon, eu tenho quatro anos. — emendou, logo esquecendo do que havia acabado de fazer.

— Eu não vou te dizer meu nome. — aumentou a carranca.

— Por que não? — perguntou, confuso.

— Porque eu não quero. — estalou a língua, já ficando aborrecido.

— E por que não quer? — além de atrapalhar sua soneca, também era insistente. O quão irritante esse garoto poderia ser?

— Porque eu… — ele respirou fundo. Se continuasse a respondê-lo assim, aquela conversa nunca terminaria. — Esquece. Sai daqui, eu quero dormir.

— Mas eu não quero ficar sozinho. — Hoseok lhe deu as costas, o ignorando totalmente.

— Problema seu. — voltou a fechar os olhos e não demorou para ouvir os passinhos dele tal como o cutucar em seu rosto.

— Deixa eu ficar aqui com você, Wonho. Eu vou ficar quietinho. — Jooheon balançou o corpo do maior.

— Wonho? — voltou a abrir os olhos, confuso. De onde ele havia tirado isso?

— Você tem cara de Wonho. — Jooheon abriu um sorriso e seus olhos foram esmagados no ato.

— Tenho nada, meu nome é Hoseok! — reclamou. No segundo seguinte, bufou, havia acabado de revelar seu nome.

— Mas tem cara de Wonho. Então, eu posso ficar aqui com você, Wonho? — tornou a pedir.

— Não, e para de me chamar assim. — Hoseok se levantou, pronto para sair dali. Não queria passar nem mais um segundo perto dele.

— Por que não? — Jooheon andou calmamente atrás do mais velho dando passos largos, como se quisesse fugir.

— Porque eu não gosto de você! — estourou num grito, fazendo o outro parar onde estava.

— Mas eu gosto de você. Por que não gosta de mim?

Hoseok rangeu os dentes, enfurecido com tamanha teimosia. Decidido a mostrar que não ficaria lá com ele, correu até porta, saiu e trancou o quarto pelo lado de fora. Jooheon começou a se desesperar e gritar, logo começou a chorar, pedindo para que o tirasse dali. Ele o ignorou e saiu dali o mais rápido possível, não ligando se isso iria acabar lhe rendendo outra bronca e até mesmo um castigo. Pelo menos, manteria aquele garoto longe de si por um tempo.

 

(…)

 

Como era de costume, todas as tardes ao fim das aulas, Hoseok sentou ao pé da árvore que denominava sua. Hoje, o dia estava quente e nem mesmo o vento aliviava o calor, aliás só parecia piorá-lo. Contudo, nem ele nem as demais crianças pareciam querer sacrificar suas horas de brincadeira ao ar livre simplesmente por causa do tempo.

Ele ergueu o braço, limpando o suor da testa com as costas da mão. A sombra das folhas amenizava um pouco o estado abafado, dava para perceber que suava menos que os demais debaixo do sol. Seus olhos estavam atentos a tudo ao redor, vendo se Jooheon estava por ali e suspirou aliviado por não encontrá-lo em lugar algum.

Este mês estava sendo cheio por causa daquele garoto, seus tempos de calmaria a tarde foram todos pedidos graças a ele. Jooheon parecia não entender o significado da frase “Eu não gosto de você”, porque, mesmo após ter trancando-o no dormitório, ele continuava no seu pé. E também por conta do que fez a ele, passou três dias de castigo, o que proporcionou mais antipatia em relação ao menor.

Jooheon, por outro lado, não aparentava incômodo algum quando falava atravessado com ele, o enxotava ou fugia dele. E isso era o mais o irritava. Por que ele simplesmente não podia deixá-lo em paz? Já tinha deixado explícito de todas as maneiras possíveis o quanto o desejava o mais longe possível de si! Mas não, era como se Jooheon entendesse seus “Não” como “Sim” e seus “Vai embora”, “Sai daqui” e “Cai fora” como “Fica” ou “Vamos brincar”.

— Ei, Hoseok. — Hoseok olhou em direção a voz, deparando-se com um grupo de garotos de aproximando.

— O que é? — falou, entediado. — O que é que vocês querem? Digam logo e vão embora. Não preciso de mais gente para me encher o saco, aquele novato idiota basta mais do que vocês.

— Não se faz de sonso, não. — o “líder” deles falou. — Você tá tirando uma com a nossa cara?

— Eu? — fingiu-se de inocente.

— Você não engana a gente Hoseok. E a gente sabe que foi que você que rasgou umas roupas nossas. — indicou o grupo. — A gente sabe que você fez isso porque a gente falou pro zelador que foi você que furou a nossa bola.

E também por me acordarem quando eu tava quieto no quarto, seus idiotas.

— Tá, e daí? — Hoseok fez pouco caso dos demais.

— Daí que você vai pagar por isso agora.

 

Jooheon saía da grande casa rumo ao quintal. Ele procurava por Hoseok, desejava brincar com ele. Não entendia por que ele fugia tanto quando estava por perto, parecia que queria sempre praticar sua habilidade no esconde-esconde quando aparecia perto dele. O único problema era que ele não o procurava quando era encontrado, o que forçava-o a procurá-lo o tempo inteiro.

Ele andou pelo terreno e não percebeu sinal algum do outro por ali. Um bico emburrado se formou em seus lábios, mas logo sumiu ao ouvir uma movimentação em uma das laterais daquele casarão. Como toda criança, ficou curioso e caminhou até o local, mesmo com medo de ver algum monstro ou algo do tipo, sua cabeça já criava diferentes possibilidades.

Arregalou os olhos com a cena que se desenvolvia ali: Hoseok havia caído no chão ou havia sido empurrado por um dos maiores e aqueles malvados não deixavam ele ficar em pé quando tentava.

— Não faz isso com ele! — Hoseok ergueu a cabeça, identificando a quem pertencia aquela vozinha irritada no instante seguinte. Céus, era sério que esse garoto não o deixaria nem por um segundo?

Jooheon correu todo destemido para o centro da confusão e parou a sua frente de braços abertos para fazer um escudo humano. Hoseok chegou a rir da situação: aquele anãozinho acreditava mesmo que conseguiria lidar com garotos maiores que ele? Isso era cômico. Ele poderia ser alfa, mas estavam em maior número, não precisava muito esforço para notar a óbvia desvantagem. Apesar daquele “ato heroico” ser uma verdadeira burrice, a cara fechada e a postura protetora de Jooheon indicavam que ele não iria simplesmente sair dali.

— O que foi, pirralho? Sai da frente, você tá atrapalhando. — um dos “carrascos” torceu o nariz ao falar.

— Não mexe com o Wonho! — Jooheon exigiu, balançando levemente os bracinhos ao fazê-lo.

— Eu já falei que o meu nome é Hoseok. — grunhiu, irritado. Até mesmo diante dessa situação, ele insistia com esse apelido.

— Olha, o anãozinho quer bancar o herói. — o líder do grupo o qual Hoseok havia encrencado se aproximou dele, o que consequentemente fez os outros também se aproximarem e o cercarem.

— Vai apanhar no lugar dele? — o outro perguntou, sorrindo debochado.

— Você não vai bater nele, seu malvado! — a frase arrancou risadas dos mais velhos, até uma risadinha debochada e descrente de Hoseok, mas Jooheon continuou de queixo erguido, querendo proteger o ômega.

— Você que pediu. — o “líder” deles diminuiu a distância entre eles e empurrou pequeno, que caiu por cima de Hoseok.

— Você não devia estar aqui. — Hoseok rolou pra cima dele, levando o murro que era direcionado a Jooheon.

Hoseok sentiu o corpo ser carregado e se viu em pé, sendo segurado por dois dos maiores. Ele não se moveu, apenas observou Jooheon começar a chorar alto enquanto levava um chute e tentava se arrastar pelo chão, o que causava arranhões que provavelmente arderiam depois. O “algoz” se abaixou, fazendo pouco caso da cara dele e, para a surpresa de todos, teve seu braço segurado, além de ser mordido fortemente pelo mais novo.

— Me solta! — gritou e soltou o braço num movimento brusco. — Seu cachorro! — ele passou a mão sobre o local abocanhado, sentindo as marcas do dente do pequeno alfa em sua pele.

— Esse garoto é muito escandaloso. — o que causou aquele alvoroço resmungou.

— Vamos, antes que alguém ouça ele chorando e dedure a gente pra diretora. — dito isso, o grupinho saiu correndo.

Hoseok revirou os olhos diante da atitude medrosa deles. Um pouquinho mais distante de si, Jooheon chorava alto pelos pequenos ralados espalhados pelos braços e pernas, provavelmente assustado por algumas poucas gotinhas de sangue, embora nenhum dos ferimentos tenha sido profundo ou grave. Ele tinha uma boa garganta pelo visto, pois a pouca paciência de Hoseok estava para esgotar por conta do barulho irritante.

— Cala a boca! — finalmente estourou, gritando com ele. Jooheon diminuiu o tom do choro e o encarou, mas continuou soluçando e fungando, as lágrimas ainda fluindo. Em seguida, suspirou e chegou perto dele. — É só um arranhão, não tá vendo? — segurou um dos braços dele e o aproximou do rosto dele, indicando o machucado simplório. Sequer entendia por que estava fazendo aquilo, mas se não fizesse, ele continuaria com aquele berreiro chato. — Para de fazer esse escândalo, seu bebê chorão. Não foi nada demais.

— M-mas t-tá a-ardendo. — Jooheon abaixou um pouco as mãozinhas cerradas em punho, mas as deixou próximas dos olhos, soluçando cada palavra.

— Para com isso, já vai passar. — garantiu, embora falasse de forma rude. — Não fica assustado, você já vai ficar melhor.

— E-eu v-vou? — fungou, as lágrimas finalmente parando.

— Vai. — Hoseok arregalou os olhos quando foi subitamente abraçado. — O que tá fazendo? Me solta. — tentou empurrá-lo.

— Eu só queria proteger o hyung. — afundou o rosto no peito dele e segurou com força a camisa que ele usava. Era sério, primeiro Wonho, agora hyung?

— Tá bom, tá bom. — suspirou. Se tentasse afastá-lo, era bem capaz que ele voltasse a chorar. — Não era pra você se meter. Eu que sou o mais velho, eu que tenho que cuidar de você. — afagou a cabeleira cacheado de forma hesitante.

— V-você vai cuidar de mim, Wonho hyung? — Jooheon levantou o queixo para olhá-lo e torceu o rosto numa careta por Hoseok enxugar suas lágrimas.

— Vou. — concordou a contragosto. Ah, agora teria que pagar pela própria boca. — Eu vou ser o hyung, e você vai ser o dongsaeng, entendeu? Então, para de chorar.

— Mas, hyung, eu sou um cachorro? — perguntou inocentemente.

— Claro que não. — revirou os olhos. — Não acredite em nada que eles disserem.

E pela primeira vez, Jooheon viu Hoseok lhe oferecer um pequeno sorriso enquanto cuidava de si.

 

(…)

 

— A lenda das almas gêmeas foi uma das poucas que restaram depois da guerra. — Hoseok explicava a Jooheon, que estava atento a tudo. Estavam apenas os dois acordados no momento, os demais continuavam dormindo. Ele odiava aquela mania chata do mais novo acordar antes de todos, pois isso significava que seria acordado já que Jooheon odiava ficar sozinho. — Pelo menos, é o que diz no livro que eu li.

— Mas o que essa lenda diz, neném? — Jooheon perguntou. Naquele ponto, Hoseok já havia entendido que ele tinha mania de dar apelidos, então nem se dava mais o trabalho de corrigi-lo.

— Pra uma criança, você é bem esperto. — sorriu de canto, provocando-o.

— Você também é criança. — sua resposta o fez bufar.

— Tá. Cala a boca, senão eu não conto mais nada. — ditou de modo autoritário, e Jooheon ficou em silêncio. — Isso mesmo. — afagou dele. Estava ficando cada vez mais fácil “adestrá-lo”. — Deixa eu ver… Faz tempo que li isso, mas vou tentar te explicar. A lenda diz que no mundo há algumas pessoas que se completam. — segurou o riso pelo “Oh” surpreso que escapou dos lábios do seu irmão. — Elas se amam e, juntas, se tornam apenas um. Elas morrem e, quando renascem, tem a sorte de se reencontrarem em várias e várias vidas.

— Mas, neném, a gente tem só uma vida. — Jooheon interrompeu.

— Não, Honey. — comprimiu os lábios, procurando, em vão, uma forma de explicar. — Eu não sei como te explicar isso, até porque, pelo o que eu li, depende de cada pessoa, se você acredita ou não e essas coisas. Quando a gente for maior, a gente conversa sobre isso de novo, e eu vou poder te explicar melhor. — Hoseok poderia até ter pouca idade, mas agia como alguém bem mais velho.

— Neném, você acha que eu e você somos almas gêmeas? — sua indagação arrancou uma risada do outro.

— Não, Honey. — afagou o cabelo encaracolado. Céus, como ele era inocente. — Até porque, se a gente fosse, eu teria gostado de você no primeiro momento.

— Mas você nem sabe se acredita nessa coisa. — Jooheon cruzou os braços, emburrado.

— Almas gêmeas são pessoas que se amam muito. Não é tão simples, Honey. — Hoseok tentava explicar.

— Mas eu te amo. — o mais velho ficou subitamente estático ao lhe declarar isso. — Você não me ama, neném? — o encarou com os olhos cheios d’água.

Hoseok não soube o que fazer. Jamais tinha ouvido aquilo de ninguém, apenas tinha visto nos muitos livros que vivia lendo e eles sempre falavam coisas diferente, ou seja, não era algo fácil de se explicar. O real problema não era esse, e sim o soluçar de Jooheon que o tirou daquele estado de devaneio.

— Ei, shh. Calma, tá tudo bem. — pediu, mas estava chocado. Não sabia dizer como se sentia, era coisa demais para duas crianças.

— Mas o hyung não gosta de mim. — Jooheon pareceu aumentar o volume do choro ao reafirmar aquilo, e Hoseok se preocupou se alguém estava ouvindo já que poderia pensar que estava o machucando, afinal, sua fama naquele lugar não era das melhores.

— Olha pra mim, Jooheon. — ele segurou o rosto do pequeno, que continuava a fungar. — Nunca diga isso a ninguém. — Jooheon engoliu o choro e trocou a expressão chorosa por uma confusa. — Essas palavras, Honey. — especificou, sem entender o porquê sentia vontade de chorar agora. — Nunca diga “Eu te amo” pra alguém que não ama de verdade. Apenas três tipos de pessoas podem ouvir isso sinceramente.

— Quem, neném? — Jooheon fez uma careta confusa e levantou a mãozinha para limpar uma lágrima que escorreu dos olhos de Hoseok.

— Appas e ommas, mas só se eles forem bons de verdade. — Jooheon pareceu ficar ainda mais confuso. Ele não entendia que Hoseok sentia mágoa, mesmo que nunca tenha conhecido os pais, tinha raiva deles. — Um amigo verdadeiro e a pessoa com quem você for passar o resto da vida.

— A minha alma gêmea? — a pergunta arrancou o sorriso alheio.

— Sim, Honey. Para sua alma gêmea. — e dessa vez, seu irmão não retrucou quando o puxou para seus braços para voltarem a dormir.

 

(…)

 

Hoseok caminhava devagar pelos corredores do orfanato, os olhos e os ouvidos sempre atentos nos arredores. Jooheon e ele estavam brincando de esconde-esconde e era a sua vez de procurar o menor. Apesar de não ser lá tão chegado a esse tipo de brincadeira como a maioria das crianças eram, ele não negava algo assim se significasse ver seu querido dongsaeng sorrindo para si aquele sorriso enorme que fazia os olhos dele se transformarem em dois risquinhos, além de fazer surgir as covinhas.

O casarão estava até quieto, algo de se estranhar devido ao horário, mas Hoseok sabia muito bem o motivo: dia de visita. Os menores, de um modo geral, estavam dispersos em vários pontos do local, seguindo casais interessados na adoção, enquanto que os mais velhos sequer se davam o trabalho de parar o que faziam já que, uma hora ou outra, os visitantes poderiam se aproximar deles por vontade própria.

Hoseok não ligava muito para o dia de visita, brincar com seu irmãozinho parecia ser muito mais interessante afinal. A visitação proporcionava áreas mais livres, ou seja, havia mais opções de esconderijos. E ao que aparentava, Jooheon escolheu um muito bom.

— Onde foi que ele se meteu? — murmurou para si mesmo, varrendo a área com o olhar.

O silêncio marcante começou a se dissipar aos poucos, o que significava o término do tempo de visitação. Ele sorriu pequeno, continuando a procurar Jooheon. Algumas crianças passaram correndo por si após saírem de uma sala que ainda não havia entrado. Talvez seu irmão estivesse lá e com esse pensamento, se aproximou.

— E então? Parece que vocês tomaram uma decisão. — Hoseok interrompeu seus movimentos, deixando a porta aberta apenas em uma fresta. Aquela voz era inconfundível: a diretora do local conversava com um casal.

— Ainda não, mas sinto que estamos quase. — espreitou pela abertura após ouvir a voz masculina. As duas pessoas conversando com a diretora trajavam roupas de aparência cara. Hoseok sabia quem eram, aquele casal de classe alta já havia vindo ao orfanato por volta de três ou quatro vezes somente naquele mês, não lembrava ao certo.

— Ele é uma criança adorável, mesmo sendo tímido. — a esposa do ricaço comentou, sorrindo de orelha a orelha.

— Ele é, sim. Ele se dá bem com todos aqui, mas prefere passar a maior parte do tempo apenas com outra criança em específico. — Hoseok juntou as sobrancelhas, confuso. De quem estavam falando? Quem iria ser adotado?

— Te achei, neném! — Hoseok se sobressaltou quando duas mãozinhas seguraram seus braços.

— Aish, eu já te falei que não gosto de pegar susto! — virou-se e apertou as bochechas dele como forma de punição.

— Ai, neném, tá doendo. — Jooheon resmungou com os olhinhos fechados.

— Como é que diz? — apertou um pouquinho mais, mas não o suficiente para machucá-lo.

— Desculpa, Wonho hyung. Eu juro que não faço mais. — pediu com as palmas unidas.

— Tá, eu te desculpo. — soltou ele, e Jooheon esfregou as bochechas em círculos. — Você perdeu, eu te achei.

— Mas que te achei. — reclamou com um bico enorme nos lábios.

— Mas era a minha vez de procurar, então eu ganhei. — o bico de Jooheon ficou maior, arrancando um seu riso.

— Você tava demorando muito, eu cansei de ficar escondido. — rodeou a cintura do mais velho, enterrando o rosto no peito dele.

— É porque o Honey sabe se esconder muito bem. — afagou os cachinhos. Jooheon era manhoso consigo quase o tempo inteiro, já estava até acostumado com jeito dele após três anos de convivência.

— É a vez do- — a fala foi cortada pelo som da porta se abrindo, e Jooheon se escondeu atrás de Hoseok no mesmo instante que os três adultos saíram da sala.

— Ah, então eram vocês dois que estavam conversando aqui fora. — a diretora sorriu para os dois, afagando a cabeça de ambos. — Eu os acompanho até a saída, senhores Lee.

— Obrigada. — Hyejin agachou-se em frente as crianças. — Não vai me dar um abraço de despedida, Jooheon?

Hoseok petrificou. Não, aquilo não poderia estar acontecendo. Não, todos menos ele, não poderiam levar justo o seu irmãozinho.

— T-tchau… — Jooheon apertou mais a camisa do mais velho, escondendo-se mais ainda atrás dele.

— Ele é muito tímido, Hyejin. Não o deixe sem graça. — Junho sorriu para a criança, que sorriu de volta.

O casal e a diretora deixaram o local, restando apenas os dois ali. Hoseok continuava sem ação, ainda tentando absorver todas aquelas informações chocantes.

— Honey… — chamou, anestesiado. — O que você tava fazendo enquanto eu tava te procurando?

— A tia achou onde eu tava escondido e me chamou. Ela disse que alguém que gostava muito de mim queria me ver de novo. Eu acho que eles vão ser nossos appa e omma.

Não podendo responder aquilo, simplesmente abraçou forte Jooheon. A resposta inocente fez seu coração apertar de uma tal forma que a única coisa que Hoseok desejou no momento foi mantê-lo entre seus braços. Afinal, já não sabia mais até quando seria acordado todas as manhãs pelo mais novo.

 

(…)

 

Naquela manhã, Hoseok acordou com alguém o chamando. Isso não era incomum, fazia parte do seu dia a dia, mas o sono sempre o deixava molenga demais para levantar logo como a voz lhe dizia para fazer. Então, ao seu tempo, sentou-se na cama, ainda de olhos fechados e cabeleira apontando para todos os lados.

Do contrário do que se esperava, ele não sentiu braços o rodeando num abraço desajeitado que o faria cair deitado na cama novamente ou o típico “Neném, não dorme. Eu não quero ficar sozinho agora” que Jooheon lhe falava de manhã cedo. Seus olhos se abriram em busca do menor, mas, como, inconscientemente, já sabia, não achou. E não importava quantas vezes piscasse ou coçasse os olhos pesados de sono, Jooheon não estava mais ali para acordá-lo como sempre fazia.

Um bico triste se formou em seus lábios, e ele deu sorte de não ter ninguém por perto para ver. Era difícil se acostumar com a ideia de tê-lo ali consigo todos dias, embora já houvesse se passado um ano desde que partiu. Um ano, um longo ano ao qual Hoseok voltou a ser aquele garoto fechado e levado, sempre fugindo nos horários de visitação. As pessoas que cuidavam de todos no orfanato comentavam a respeito de sua mudança, sobre ter voltado a ter as mesmas atitudes de quatro anos atrás, quando somente tinha seis anos. Jooheon não estava mais ali, afinal, e ele era o único capaz de regular o comportamento de Hoseok por assim dizer.

A despedida dos dois irmãos veio algumas semanas após a última visita dos senhores Lee no local. Hoseok lembrava de como Jooheon foi arrumado e paparicado um pouco mais naquele dia e como teve de explicar a ele que não iria junto. Ah, Jooheon não gostou da ideia e só de pensar nisso, como era típico dele, ele se agarrou a si e chorou no seu peito, do mesmo jeito de quando sentia muito medo. Então, só fez acalmá-lo já que não havia opção. Não poderia fazer nada a respeito disso, por mais que ele falasse para ir junto e não quisesse se separar dele, sabia que não dava.

— Você tem que ir. — havia dito a ele quando Hyejin e Junho vieram para buscá-lo. — Eles são os seus appa e omma agora, eles vão te levar pra sua casa.

— Eu não quero ir sem o hyung. — Jooheon tinha se agarrado mais a sua camisa. Não sabia naquele momento, mas o pequeno já não chorava, embora sua voz estivesse dando indícios de que iria. — O hyung vai comigo.

— Eu não posso ir. — tentou de novo, esforçando-se para não chorar na frente dele. Hoseok era sempre visto como durão, mas nem mesmo ele havia aguentado toda aquela sensação angustiante do momento de despedida.

— O Wonho hyung não gosta mais de mim? — Jooheon havia o olhado de forma chorosa. Ele não queria ir, não sem Hoseok.

— É claro que eu gosto do Honey. — apertou, pela última vez, as bochechas gordinhas dele. — Mas sabe que não dá.

— Então, eu vou vir te buscar, neném. Você me espera, né? — aquelas palavras haviam arrancado um sorriso de Hoseok.

— Aham, eu espero.

E assim Hoseok esperava dia após dia, sempre espiando pela janela na expectativa de Jooheon aparecer para vir buscá-lo. Ele mantinha a esperança de que promessa fosse ser concretizada mais cedo ou mais tarde, mas que realmente acontecesse. Por isso, estava escapando de todas as visitas possíveis. Jooheon iria vir, só precisava ser paciente.

Contudo, ele confessava: não havia pensado que sentiria tanta saudade daquele anãozinho. Poderia não deixar nítido em palavras, mas era evidente como Jooheon alegrava todas as suas manhãs, o orfanato parecia ganhar novas cores quando estavam junto. E agora… tudo havia voltado a ser como era antes, a mesma mesmice acinzentada e desinteressante.

Hoseok suspirou, deixando os pensamentos de lado para começar o dia. Ele tomou banho, tomou café, estudou junto com outros da sua idade até se ver livre à tarde. Era a rotina a qual estava habituado há anos, só parecendo mais fatigante. Talvez fosse por não ter mais tanto saco ou por saudade de Jooheon.

E outra vez Jooheon.

Não importava como, o pequeno simplesmente não saía de sua cabeça. Talvez fosse um pouco masoquista por pensar nele o tempo todo, embora fosse novo demais para entender o significado dessa palavra. De certo, pegava-se pensando nele o tempo inteiro. Será que estava bem? Será que ainda acordava demasiadamente cedo? Será que continuava dengoso? Será que permanecia sendo o mesmo bebê chorão? Riu com um último pensamento. Para um alfa, Jooheon era bastante tímido e medroso.

A estranha movimentação trouxe Hoseok de volta à terra. No portão principal, as crianças corriam para dar uma boas-vindas bem acalorada aos adultos que entravam. Dia de visitação. Suspirou, mal ligando para tal fato.

Ele se levantou do pé da árvore no qual estava sentado e caminhou casarão a dentro. Lá dentro estava bem mais silencioso do que lá fora, o que era bom, já que pretendia passar o tempo da visitação dormindo. Caminhou de volta ao quarto, subiu em sua cama e deitou de bruços, um hábito seu. Bastou alguns segundos para que pegasse no sono.

Alguma coisa estava estranha. Bem, ele não sabia dizer se era a palavra certa, mas alguma coisa o fez acordar. Ele permaneceu de olhos fechados, atento a tudo ao redor. Ruídos, vozes adultas, cafuné. Alguém estava fazendo lhe cafuné. Aquele carinho era tão gostoso que estava para dormir novamente, mas como a curiosidade era maior, lutou para manter-se acordado.

— Você tem certeza disso? — uma voz masculina perguntou. Ela parecia rude, até mesmo aborrecida, mas Hoseok sabia identificar o desinteresse adornando aquelas palavras.

— Sim. Olhe, ele não parece um anjinho dormindo? — o coração de Hoseok acelerou. Essa voz, diferente da anterior, era doce, suave, lhe transmitia a sensação de extrema calmaria.

Hoseok abriu os olhos devagar, sem mais aguentar fingir estar dormindo. No seu campo de visão, apareceram duas pessoas: um homem alto, de braços cruzados, postura firme e séria, ele era lindo, talvez um dos adultos mais bonitos botou os pés ali; perto da cama, de joelhos, uma mulher de traços joviais, aparentemente mais baixa do que o homem, olhos extremamente puxados e lábios carnudos, uma aura amável. Um alfa, uma ômega, um casal. Hoseok sentou-se no colchão, olhando de um a outro sem entender o que acontecia ali.

— Eu te acordei, querido? — ela perguntou.

— Não. — balançou a cabeça de um lado para outro, hipnotizado pela mais velha diante de si.

— Como é seu nome? — a mulher ocupou o espaço ao lado. — Meu nome é Shin MinAh, ele é Shin TaeOh. — apontou para o maior parado em pé.

— Hoseok, só Hoseok. — remexeu-se no lugar. Enquanto TaeOh parecia querer sair dali o mais rápido possível, MinAh parecia disposta a ficar ali todo o tempo do mundo.

— É um prazer te conhecer. — MinAh sorriu.

— Você realmente tem certeza disso? — TaeOh insistiu. — Nós podemos continuar tentand-

— Eu já me decidi, TaeOh. — ela falou, firme. — É ele.

Naquela época, Hoseok poderia até não saber, mas aqueles eram os seus últimos dias no orfanato.

 

II

 

Olhar tudo ao redor com vislumbre é um comportamento óbvio em uma criança que vai para escola pela primeira vez. Porém, o caso de Hyungwon não era esse. Ele, pela primeira de sua vida, estava chegando no meio do ano letivo por conta de uma transferência.

— Bom dia. — a professora pegou a criança dos braços da mãe, o colocou no chão e segurou em sua mão. Apesar de já ter sete anos, o pequeno ômega adorava ser carregado por sua progenitora. — Cuidaremos bem dele, sra. Chae. — garantiu, devolvendo o sorriso à mais velha.

— A omma vem te buscar depois, ok? — ela se dirigiu ao filhote, que sacudiu a cabeça, confiante. A maioria das crianças abriria um berreiro naquele instante, mas isso não se aplicava a Hyungwon por ser alguém muito calmo e disciplinado.

A sala era grande, cheia de carteiras, um quadro de avisos digital ao lado do quadro de uso da professora, alguns vasinhos de plantas na beirada da janela fora as estantes baixas para os alunos guardarem os seus pertences. Hyungwon se sentou no lugar em que foi deixado pela professora, de lá ficou observando as outras crianças enquanto esperava a aula começar.

Durante o decorrer das horas, ele permaneceu quieto. Apesar de haver um coleguinha com a carteira junto da sua tal como acontecia nas demais fileiras, não uma troca de palavras entre eles. Nem mesmo arriscou uma conversa quando foram guiados para a área livre no intervalo, já que o pequeno não conseguia se aproximar de alguém devido sua tamanha vergonha impedi-lo de fazer tal ato.

— Hyungwon. — uma das ajudantes da professora se aproximou com sorriso no rosto, e o menor sentiu as bochechas esquentarem, mas retribuiu o gesto. — Por que está aqui sentado e sozinho? Por que não brinca com as outras crianças, querido?

Hyungwon não soube como deveria respondê-la a respeito disso, então somente sorriu de modo acanhado e ganhou aperto na bochecha por ser considerado uma criança muito fofa por ela. Logo, o intervalo chegou ao fim e, tempos depois, o turno da manhã também estava encerrado, liberando todos os alunos da instituição. Hyungwon sorriu ao ver sua mãe descendo do carro estacionado em frente ao prédio da escola, correu e foi suspendido no ar, rodado por ela, que tirou uma risada gostosa do filhote.

— Até amanhã, Hyungwon. — a professora disse, e ele se despediu acenando dela, que sorriu antes de entrar no prédio.

— Coloque ele no banco de trás. — a voz séria e autoritária pertencia ao pai de Hyungwon. Ele estava com as mãos no volante e a visão voltada para frente, não iria se dar a esposa e o filho no assento do passageiro.

— Deixe ele ir aqui na minha perna. — a aura imponente e opressora de alfa se expandiu no dentro do veículo após contestá-lo. Hyungwon, em seu colo, estremeceu por conta disso e, antes que pudesse dizer algo ao marido, passou por entre os bancos para se sentar atrás como foi mandado. Ela apenas suspirou pesadamente, e o resto do caminho até a casa foi silencioso.

Ao chegarem a mansão, Hyungwon esperou sua mãe lhe ajudar a sair.  A porta foi aberta, e foi carregado nos braços dela enquanto sentia o olhar do outro sobre si. O sr. Chae odiava o jeito do filho, ele queria um alfa, mas havia tido um ômega no final das contas. A sra. Chae, por outro lado, estava feliz, amava seu filhote acima de tudo, mas as investidas do marido lhe deixavam mal.

Assim que entraram, Hyungwon correu para seu quarto e ficou ali até sua mãe chamar para o almoço. Foi naquele momento, sentado à mesa, em que descobriu preferir não ter saído de lá sob hipótese alguma.

— Eu vou matar ele! — a voz de seu pai soava longe, provavelmente do escritório pessoal dele, mas conseguia ouvi-la e sentir a raiva no timbre dele naquele berro.

— Ele é só uma criança! — também passou a ouvir sua mãe responder, gritando tão alto quanto o outro havia feito há poucos segundos. — Ele não sabia que eram papéis importantes! — ela aparentava estar tentando explicar algo e não era ouvida, já que logo o som de passos pesados começou a se aproximar.

Hyungwon fez uma careta confusa, tentando entender as palavras dos velhos. Afinal, por que estavam brigando? Lembrava-se dos desenhos que fez em diversas folhas as quais havia encontrado em algum lugar da casa. Palavras preenchiam um dos versos do papel enquanto não possuía nada no outro, então decidiu pegá-lo para desenhar no lado em branco.

— Espera! — Hyungwon olhou para a entrada da cozinha e se deparou com o sr. Chae sendo segurado pela sra. Chae de forma desesperada. — Não faça isso, por favor! — ele realmente não entendia nada do que se passava, mas sentiu-se mal por ver a mãe chorando. — Ele é só uma criança. — ela tornou a implorar.

Diante de toda a cena ocorrendo ali, Hyungwon, sentado à mesa, começou a chorar. Estava assustado por sua mãe estar daquele jeito e por não saber o que estava acontecendo. Sem fazer muito esforço, seu pai conseguiu se soltar dela, seguiu até si e o encarou, ostentando toda sua autoridade, olhando para o filho de cima para baixo, o que o obrigou a tentar engolir o choro.

— Se você destruir mais algum documento novamente, eu juro que não sei o que faço. Você é um fardo na minha vida. — e assim, após esbravejar, saiu da casa, batendo forte a porta da frente no processo.

Hyungwon começou soluçar alto por ter sido tratado daquela maneira tão áspera. Não tardou para que sentir ser envolvido pelos braços da mãe num abraço aconchegante. Ali, sentiu-se seguro, ouvindo palavras doces sussurradas e recebendo beijos no topo da cabeça até se acalmar.

— Omma. — chamou a mais velha pela primeira vez naquele dia. — O que é fardo? — o tom inocente carregado naquelas palavras ocasionou em mais lágrimas descendo pelo rosto dela.

— Não importa, meu bem. Você é especial, sempre será. — sorriu e deixou um selar na testa dele. — A omma ama você.

Mãe e filho almoçaram somente os dois. Ao fim da refeição, Hyungwon voltou para seu quarto. Sabia que seu pai voltaria a qualquer instante e não queria estar ali para ver, pois duvidava que ele já estaria mais calmo.

Naquele dia, por uma mera questão de sorte, aquela foi a única briga que Hyungwon presenciou. Contudo, situações semelhantes a essas se tornavam cada vez mais e mais frequentes no dia a dia em sua casa. Mesmo com pouca idade, o pequeno ômega compreendia, ou melhor, já havia internalizado que o motivo para todas aquelas brigas entre os pais era nada mais, nada menos que ele próprio. Dava ver isso nitidamente nos olhos de seu pai, o quanto era odiado por ele.

 

(...)

 

No dia seguinte, Hyungwon se arrumou sozinho e esperou sua mãe para lhe deixar na escola. Normalmente, seu pai saía mais cedo, deixava a casa antes da própria esposa aliás e apenas ia buscá-lo na escola, embora fosse óbvio seu descontentamento por ter de fazer isso. O único problema foi que sua mãe não apareceu naquela manhã.

Estranhando aquilo, saiu do quarto quando sentiu fome. Nem café havia tomado ainda, afinal, estava esperando obedientemente a mais velha como sempre. Ele seguiu pelo corredor até o quarto dos pais e bateu na porta. Sem obter resposta, levou a mão até a maçaneta para abrir a porta sem fazer esforço algum por já ser bem alto para sua idade e sua classe/natureza.

— Omma. — chamou, colocando apenas a cabeça dentro do quarto. A ambientação do cômodo ainda permanecia escura devido as cortinas estarem fechadas. — Omma... — ele adentrou o local, sabia que seu pai não estava mais ali, então não teve medo. Foi até a cama e subiu nela, percebendo sua mãe de costa para si, ainda dormindo. — Omma. — chamou novamente, o coração batendo forte. Será que era aquilo de novo? Ela não moveu um músculo desde a sua chegada, então a sacudiu pelo ombro, até fazê-la despertar.

Hyungwon sorriu ao finalmente ouvir um resmungo vindo da mais velha. Ingenuamente, pensava que era por ter acordado agora, mas enganou-se: na verdade, era por dor. Quando ela virou para encará-lo, empalideceu por ver no rosto dela com um enorme roxo ao redor dos olhos.

— Omma… — sua voz fraquejou ao estender a mão e tentar tocá-la.

— Está tudo bem, querido. — ela segurou a mãozinha antes que tocasse em sua face machucada. — Vai ficar tudo bem. — puxou o menor para deitar ali, em seu peito. — A omma está aqui. Desculpe não ter levantado.

Hyungwon não imaginava que aquela série de ocorridos se sucedendo desde o seu nascimento estava destruindo sua mãe aos poucos, jamais uma coisa dessas passaria por sua cabeça. Ele se deixou aconchegar ao ser aninhado no peito dela e não percebeu quando dormiu, mas acordou, dessa vez, em sua cama, com a sra. Chae o despertando para o almoço. A refeição foi animada entre os dois, já que o sr. Chae não estava ali por estar muito ocupado um almoço com sócios. E, ao fim do dia, quando o pequeno já havia se deitado, o pai apareceu na porta de seu quarto.

— Espero que tenha, pelo menos, rezado antes de dormir. Que deus perdoe essa sua alma impura. — e assim fechou a porta, saindo dali.

Hyungwon se levantou e fez o que lhe foi mandado, mesmo a contragosto. Em sua mente, ele queria saber o que a palavra “impuro” significava.

 

(…)

 

Na manhã seguinte, Hyungwon foi acordado pela mãe por ter perdido a hora. Ficou até tarde pensando no significado das palavras que seu pai lhe dizia, elas eram tão difíceis e faziam-no perder algum tempo do seu sono por insistir em decifrá-las. Após se arrumar e tomar café da manhã às pressas, foi deixado na escola pela mãe. Naquele dia, além de muita maquiagem, ela usava óculos de sol.

Hyungwon não desejava mais ficar na escola, queria ficar em casa sua mãe. Mesmo não sabendo o que ela tinha, iria ajudá-la de alguma forma que sua mente infantil arquitetasse. Ficou com tal ansiei rondando seus pensamentos até a hora do recreio quando se sentou em baixo de uma árvore e comeu seu lanche, sozinho e silencioso.

— Ei, seu estranho. — um menino, que parecia ser mais velho, apareceu em sua frente com vários amigos atrás de si, parecia uma gangue de crianças.

— Oi. — Hyungwon respondeu da melhor forma que conseguia, cabisbaixo. Não queria se levantar dali e esperava que fossem embora logo. Na escola anterior, ele sofria por ser maior que as outras crianças, principalmente as alfas.

— Ei, olha pra gente. — outro menino chamou, e Hyungwon os encarou dessa vez.

— Vamos brincar. — um deles gritou, fazendo-o sorrir e ficar em pé animado diante do convite inesperado.

Todos começaram a correr, deixando Hyungwon para trás, sem entender nada o que passava. Do que estavam brincando, afinal? Estando confuso, resolveu seguir alguns deles. Tudo ia muito bem até eles pararem de correr e lhe olharem.

— Você é muito grande. — um deles disse. O sorriso eufórico causado pelo calor do momento murchou no rosto de Hyungwon. — É, não dá pra se esconder com você por perto.

— Achei! — alguém gritou de repente, fazendo todos correrem de volta à árvore onde estavam anteriormente.

— Viu? A culpa foi sua! — um dos garotos esbravejou, frustrado, com Hyungwon.

Ele se encolheu, assustados com as palavras grosseiras e foi empurrado com força, caindo sentado no chão. Sentiu um pouco de dor com o impacto, mas nada insuportável, levantou-se dali e correu para sala de aula, ficando ali até o fim do recreio.

Durante a aula seguinte, Hyungwon recebeu um papel e abriu vendo que era um desenho de alguém. Ele sentiu seu coração doer ao ver aquilo: era um desenho da classe onde estudava, eram homens palito. Viu como um deles era maior que o restante da turma e como possuído riscos onde deveria ser o rosto do boneco. Além disso, uma seta com seu nome apontava para o mesmo, indicando que aquele era ele. Ele amaçou a folha e jogou no chão.

— Professora. — alguém chamou a mulher, que escrevia no quadro e se virou para os alunos. — O Hyungwon jogou papel no chão. Ele é um porco. — a menina de mão levantada dedurou, fazendo a turma inteira rir.

Hyungwon afundou em seu assento quando a professora veio para perto de sua carteira, pegou o papel para jogar no lixo e lhe lançou um olhar torto antes de se afastar. Ele somente desejava ir embora, apenas isso. Seria como na escola anterior onde ninguém gostava de si.

 

(…)

 

Hyungwon permaneceu naquele colégio até o fim do ano, época em que ocorria um festival onde as crianças se apresentavam para os pais e a quem fosse ver.

— Hyungwon, você vai ajudar a fazer o cenário. — a professora deu a tarefa, e ele só concordou com a cabeça. Estava distante, queria voltar logo para casa para ver sua mãe. Fazia alguns dias desde última vez que esteve de pé. Ela estava sem de fato dormir, via como ela ficava apenas deitada olhando para o nada. Também notava a diminuição nítida do peso dela, mas independentemente da situação, ela tentava interagir consigo nem que fosse um pouco.

Naquela apresentação de fim de ano, Hyungwon sofreu. Seu pai não foi ver o festival como já esperava, porém sua mãe foi. Talvez aquele tenha sido o problema. Enquanto Hyungwon ajudava com o cenário da peça encenada pelos demais colegas de classe, viu sua mãe falando ao celular para logo sair do auditório. Ele ficou devastado, o choque foi tão grande que suas mãos frouxaram, fazendo um cabo de uma das árvores de papelão deslizar e o objeto cair sobre uma das crianças que atuavam. Houve bate-boca entre pais e professores, muitos pais queriam brigar com Hyungwon, que só sabia chorar e pedir por sua mãe.

A sra. Chae apareceu segundos depois e o pegou no colo, saindo da escola enquanto se desculpava com todos. Eles pegaram no táxi que passou e seguiram para casa, o filhote sendo niná-lo pela mais velha. Lá, Hyungwon ouviu o pai chamando a mãe de muitas coisas que não sabia o significado, mas de uma coisa tinha certeza: era novamente por sua culpa. Ele chorou até cansar e ceder ao sono pesado, porque ver sua mãe chorando lhe deixava pior do que quando outras crianças brigavam consigo.

 

(...)

 

No ano seguinte, Hyungwon foi transferido para uma nova escola. Era tudo diferente, ele era mais retraído que antes, sua mãe não sorria como antes, seu pai parecia ter se tornado ainda mais severo, contudo não se importava. Ele também havia encontrado o significado das palavras que seu pai dizia, tanto que chorou enquanto lia o que queriam dizer.

Impuro - que não é puro, que foi adulterado pela introdução de elementos, de corpos estranhos.

Fardo - 3 fig. Aquilo que é difícil e duro de suportar.

Então, Hyungwon enfim entendeu que, naquele tempo inteiro, era um peso, principalmente para sua mãe a qual tentava a todo o custo defendê-lo das barbáries. Apesar de ter somente oito anos completos, aquela criança possuía praticamente a maturidade de um adulto. Ele não entendia muitas coisas, e isso era o que restava de sua pureza de criança.

A nova escola ia até a sexta série, e Hyungwon sentiu medo do que poderiam fazer consigo ali, pois, apesar de estar na terceira série, sua altura fazia parecer que era uma criança de sexta. Ele se incomodava com sua estatura, se achava estranho, e após da primeira semana de aula, começaram as brincadeiras, os apelidos.

Ele ouvia tudo calado, não tinha por que revidar, nem tinha a quem recorrer. Lembrava da única vez em que tentou pedir ajuda a uma professora naquele colégio: a mulher lhe mandou interagir com as demais crianças porque ele parecia um et ali, o diferente, o estranho. Somente assentiu com um menear de cabeça e retornou ao seu lugar. Não disse nada, nem a sua mãe quando chegou em casa. Ela estava sentada em uma cadeira no jardim do grande casarão onde viviam, e apenas se aproximou, sentou no chão entre as pernas dela, que sorriu e levou a mão a cabeça do filho, acariciando ali com devoção.

Hyungwon ficou naquele colégio até a quinta série. Lembrava do dia que implorou a mãe para sair de lá: ele chegou em casa aos prantos e com uma bola de chiclete emaranhada nos cabelos. Uma menina havia mandado ele agir como uma criança normal, ela estava sentada ao lado de Hyungwon, que nem se deu o trabalho de olhar para ela. Porém, após disso, ela se levantou e quando voltou, segurou com força seu cabelo que era consideravelmente comprido. Não entendeu, mas quando ela soltou e a turma toda riu, ele pegou sua mochila, de onde não havia tirado nada, e saiu correndo para o banheiro onde viu o estado daquela “brincadeira”.

Naquela mesma semana, Hyungwon viveu sua quarta transferência. Ele já não queria mais ir para a escola, era um lugar horrível a seu ver, entretanto sua mãe pediu que fosse e assim ele fez, afinal, era sua querida mãe quem pedia. Não somente isso, ele viu como ela parecia definhar com o passar dos anos. Ela não saia mais de casa, nem tinha forças para defendê-lo. Quando algo acontecia, ela chorava como uma criança, e Hyungwon dava uma de forte, mas, no final, era só uma criança.

Na escola nova, ele conheceu a palavra bullying: o nome das brincadeiras que seus colegas de classe faziam consigo. Ele concluiu a quinta série ali e iniciou a sexta, mas não suportou passar por aquilo novamente. Depois do primeiro trimestre, um garoto lhe furou. Sim, furou. Hyungwon estava sentado ao lado do colega quando ele lhe disse várias coisas que não quis dar atenção e ao enfim encará-lo, o menino pegou um lápis e enfiou com força em seu braço. Ele não gritou ou esperneou, somente se levantou com os olhos marejados e foi até a professora.

— Professora… — disse, choroso, e ergueu o braço de onde saía uma quantidade quase nula de sangue, mas suficiente para assustá-lo.

— Você não que está grandinho pra ficar chorando por besteiras? — foi o que a mais velha disse, então Hyungwon voltou ao seu lugar e o menino ao seu lado riu.

Ele ficou ali sentado até o fim da aula, quieto. Quando chegou em casa, ele tentou empurrar o achou ser a ponta do lápis em seu braço. Se o appa ver isso, vai brigar comigo, pensou e estremeceu, lembrando da última vez em que viu seu pai irritado: havia ficado com as pernas cheias de marcas.

— Hyungwon. — ele ouviu a voz tão conhecida, e o choro foi inevitável ao ver a mãe entrando em seu quarto para logo se sentar no chão, ao seu lado. — O que houve, filhote? — perguntou enquanto acariciava os fios, agora curtos, de Hyungwon.

— Eu não quero ir pra escola, omma. — Hyungwon pediu e deitou com a cabeça no colo da mãe. Então, mostrou o braço magro, assim como toda sua estrutura, e a mulher deu um beijinho dizendo que iria cuidar de tudo para si.

E ela cuidou. Pela primeira vez em tempos, ela saiu de casa, toda arrumada e elegante como a anos não fazia e fez um escândalo no colégio, exigindo a expulsão do tal menino. Hyungwon não soube daquilo, só soube que sua mãe havia lhe salvado novamente. E mais uma vez, Hyungwon foi transferido.

 

(…)

 

Hyungwon passou a sexta série inteira sofrendo aqueles maus tratos, não que tivessem cessado, mas ele fazia de tudo para ser invisível e quase sempre dava certo. Conseguiu concluir mais um ano e iria para sétima naquele mesmo colégio, mas seu pai decidiu que se mudariam para a capital do país, Nova Seoul. Eles moravam em uma cidade grande, mas não com tamanha influência como a capital, e agora com os negócios do sr. Chae crescendo, a mudança era algo inevitável.

Hyungwon não sabia como lidar com aquilo, ele havia conseguido se manter bem aquele ano, os castigos que seu pai lhe dava foram poucos e sua mãe parecia com mais vida. A primeira coisa que notou naquela nova casa foi uma porta embaixo da escada. Vendo sua estranheza, a sra. Chae lhe explicou que era um tipo de depósito. Hyungwon achou a casa um tanto sombria, não havia muita passagem de luz, além do clima também não estar colaborando para aquilo.

Hyungwon, aos seus dez anos, era alto e esguio, muito bonito para alguns e completamente estranho para outros e para ele mesmo. Seu corpo estava sempre coberto por calças jeans e grandes moletons, quase todos em cores escuras. Na nova escola, não fez amigos como já esperava, mas não conseguiu ser invisível ali. Era sempre motivo de chacota, algo que já não se importava mais. Ele tinha que lidar com aquilo, com o tempo, ele aprendeu que sempre estaria sozinho e teria que lidar com aquilo.

Com onze anos e sem novas transferências, Hyungwon se meteu em uma grande confusão, alguém havia pego a matriz da prova do professor de matemática e a turma toda apontou um culpado, que não era realmente a verdade: todos acusaram Hyungwon e esse tentou explicar ao professor a todo custo que era mentira.

Silêncio! — o homem se aborreceu e usou o tom de alfa. A sala toda de calou e Hyungwon sentiu o medo que antes parecia ser restrito somente à sua casa. Foi naquele dia que enfiou na cabeça que precisava se desculpar sempre e por tudo, principalmente com alfas ou apanharia, como acontecia em sua casa. — Para diretoria, agora. — o professor disse, e Hyungwon seguiu o caminho calado.

Naquele mesmo dia, Hyungwon viu a figura de seu pai comparecer a escola. Não sabia se os outros sentiam, mas estava sufocando com a raiva que transbordava do sr. Chae. Vez ou outra, o mais velho lhe encarava com o canto dos olhos, fuzilando-o com o olhar. Ao fim da conversa, Hyungwon foi suspenso por uma semana. Mesmo com o histórico imaculado cheio de notas dez, nada era suficiente para abrandar a ira dele.

Hyungwon respirava pela boca após tudo aquilo. Estava com medo do que o pai faria ao chegarem em casa, e foi pior do que imaginou. Assim que adentraram a residência, Hyungwon colocou a mochila da escola sobre o sofá e sentiu o impacto seguido da ardência. Tentou se abaixar e proteger o rosto, tudo em vão. Seu pai estava fora de si, após fechar a porta atrás de si, ele retirou o cinto da calça e começou a desferir golpes pesados sobre o filho.

— Você pensa o que?! Quer virar bandido agora?! Eu tenho a porra do dinheiro, e você faz isso?! Além de ser essa merda de ômega, ainda é ladrão de professor! Seu vagabundo! — e o sr. Chae seguiu xingando o filho e desferindo cintadas nele. Hyungwon não precisou pensar muito para que as marcas ficariam ali por um bom tempo em sua pele.

— Não. — a sra. Chae entrou na sala e se jogou sobre o marido, segurando a mão dele. Hyungwon se levantou para ver sua mãe cair no chão, com a mão no rosto. Ela havia sido acertada pelo cinto.

Não se meta nisso. — ele empregou o tom de alfa, fazendo-a se encolheu. Hyungwon só sabia chorar. — Você…  —o segurou pelo braço, apertando forte.

Hyungwon não sabia o que aconteceria, mas ao ver o pai abrir a porta do tal depósito embaixo da escada, começou a implorar para ser solto. O sr. Chae o jogou lá dentro sem modo algum, mal ligando para as inúmeras suplicas. Era a primeira vez que Hyungwon estava ali e clamava para ser solto. Era escuro, empoeirado, sufocante.

— Você vai ficar aí até aprender a ser alguém descendente! — ele gritou do lado de fora, e Hyungwon se encolheu, pensando em sua mãe. — Que deus perdoe esse pecado terrível. — ele conseguiu ouviu o pai dizer ao que o outro se afastava da porta.

 

(…)

 

Depois daquilo, Hyungwon teve pesadelos com o quartinho. Sua mãe parecia cada vez mais debilitada, não saía mais do quarto, não comia direito, e se Hyungwon perguntasse o que tinha acontecido, ela simplesmente dizia que estava tudo bem, mesmo que as olheiras fundas e contínua perda de peso indicassem o contrário.

Quando voltou da suspensão, Hyungwon fez a segunda chamada das provas, e como esperado, se saiu perfeitamente bem, com as melhores notas. Após as férias, o segundo semestre começou com alguns alunos novos na escola, a maioria era do contra turno que por algum motivo teve que ir estudar pela manhã. Hyungwon não se deteve naquele acontecimento, caras novas significavam que haveria mais gente para “brincar” consigo.

Suspirou pesado enquanto andava pelos corredores até sua sala. A porta estava fechada, e ao abrir, sentiu muita vergonha. Novamente, outra uma brincadeira. Dessa vez, um lixeiro colocado sobre a porta, e tinha justamente de entrar naquele momento e ser atingido por aquilo.

Ele se limpou do melhor jeito que pode e correu para o banheiro. Sabia que agora seu cheiro seria terrível, não sabia de onde era o aquele lixeiro, mas fedia e muito. Então, começou a chorar, ouvindo o sinal tocando ao fundo. Era o início das aulas, dessa forma ele sabia que ninguém vê-lo-ia agora. Retirou o moletom que usava e viu seu reflexo no espelho, o corpo marcado pelos castigos que recebia. Abriu a mochila e retirou um segundo moletom de lá. Era cinza, e sempre andava com ele na mochila para caso alguém decidisse fazer algo que sujasse suas roupas. No fundo, ele esperava nunca precisar usar seu reserva.

Deixou a peça sobre a mochila e se levantou, enfiou a cabeça embaixo da torneira a fim de limpar alguma sujeira que tenha ficado ali. Ao levantar, assustou-se. Pelo reflexo do espelho, via alguém atrás de si. Voltou-se para o garoto no qual parecia analisá-lo. Hyungwon sentiu as bochechas esquentarem e foi rápido pegando a roupa extra e vestindo, escondendo seu defeituoso corpo.

— Desculpe, eu só- — parou de falar ao perceber a curta distância que o garoto estava de si.

— Por que? — Hyungwon juntou as sobrancelhas, não entendendo a pergunta. — Por que você deixa fazerem isso? — e, dessa vez, ficou incrédulo por ouvir tais palavras. Ninguém nunca havia perguntado aquilo, nem ele próprio havia se perguntado. — Por que você se desculpa se não fez nada de errado? — o garoto estava perigosamente perto, e Hyungwon fechou os olhos, encolhendo os ombros.

Quem era aquele garoto afinal? Por que estava tão perto? E por que havia gostado do cheiro dele? Hyungwon nunca parou para sentir nada de sua natureza ômega, ele achava estranho, como seu pai dizia. Era defeituoso, então ele agia como um beta, mesmo seu cheiro lhe entregando. Talvez houvesse gostado por ele estar com um cheiro que o seu atual.

— Por que fechou os olhos? — outra pergunta, e Hyungwon estremeceu sentindo o toque suave em seu rosto. — Por que está chorando? — ele realmente não soube quando começou a derramar lágrimas na frente daquele estranho, elas fluíram a contragosto.

— Por que você faz tantas perguntas? — soltou em meio ao choro. Então, foi abraçado e não sabia dizer a quanto tempo não sentia aquilo. Ele só segurou na camisa do garoto e enfiou o rosto em seu pescoço, soluçando.

— Faça menos barulho. Vão achar a gente. — pediu enquanto acariciava as costas dele que tentou controlar o volume de sua voz.

Após certo tempo, ele parou de chorar e se afastou do desconhecido.

— Desculpe por isso. — fungou. Assustou-se ao ouvir o sinal indicando o final do primeiro horário e início do segundo. Realmente havia chorado por mais de meia hora.

— Continuo me perguntando por que se desculpa. — o outro balançou a cabeça.

— Como sabe dessas coisas? — foi sua vez de perguntar. Nunca tinha visto aquele menino antes. Como ele sabia o que se passava consigo?

— Eu vinha aqui às vezes, pela manhã, e via você. Agora, minha omma decidiu que é melhor estudar pela manhã, e aqui estou. — explicou. — Como se chama? — Hyungwon encarava o menino com uma careta de confusão, mas respondeu.

— Hyungwon, Chae Hyungwon. E você? — perguntou enquanto se virava para o espelho e abria o registro da torneira, passando água no rosto inchado pelo recente choro.

— Minhyuk, Lee Minhyuk.

Os dois ficaram juntos até a hora do intervalo e Hyungwon descobriu, naquele meio tempo, que Minhyuk era mais velho e estudava na sala ao lado.

 

(…)

 

Após se conhecerem, Hyungwon se manteve distante, mas Minhyuk sempre ia atrás de si. Não queria se apegar a ninguém, apenas sua mãe lhe bastava, só que ela já não conversava consigo, ela ficava dormindo o dia todo, e, às vezes, via o pai levando médicos para vê-la. Os castigos continuavam, sempre que Hyungwon deslizava em algo que o pai considerava errado, era punido, mas apenas guardava seu sofrimento para si.

Até o ano seguinte.

Tanto ele quanto Minhyuk estariam começando uma série, só que em salas separadas por serem de idades diferentes. Hyungwon sabia que se separariam inevitavelmente, depois daquilo vinha o ensino médio, cada um seguiria o próprio caminho.

Naquele ano, após o primeiro trimestre, Hyungwon foi adiantado uma série. Devido seu alto desempenho, a coordenação pedagógica o considerava apto a estar em uma série a frente. Ele não sabia se aquilo era bom ou ruim, contudo ao entrar na turma nova, viu Minhyuk lhe sorrir enquanto a professora o apresentava a turma.

Após aquilo, ele se sentou atrás de Minhyuk e se concentrou na aula. Mesmo sendo um bom aluno, eram assuntos completamente novos. No intervalo, Minhyuk se comprometeu em ajudá-lo com as matérias, e Hyungwon sorriu com aquilo. Ambos conversavam quando um grupinho se aproximou deles.

— Você é o metido a inteligente que pulou uma série? — Hyungwon o encarou.

— O que você tem a ver com isso? — Minhyuk respondeu pelo amigo, atraindo atenção dos demais.

— E quem você acha que é? É seu namoradinho? Seu estranho. — o garoto dirigiu a primeira pergunta a Minhyuk e o resto, a Hyungwon, que abaixou a cabeça.

O susto foi devido ao movimento brusco de Minhyuk. Quando viu, o amigo estava sobre o garoto que falava aquelas besteiras e socava forte. Hyungwon tentou segurá-lo e acabou levando um soco de outro garoto. Logo, havia uma grande confusão e professores se aproximaram para separar os jovens.

— Isso aqui não é uma escola de delinquentes! — o diretor bradou, empregando a voz de comando.

Hyungwon tremia de medo, Minhyuk estremeceu, mas não chegava nem aos pés do estado do amigo. Estavam lado a lado, e Minhyuk segurou a mão dele, lhe passando força. Sorriram cúmplices e se aproximaram para que ninguém visse as mãos dadas. Todos foram levados para a direção, e Hyungwon sentiu o coração parar de bater ao ver o pai entrar pela porta. Minhyuk ficou curioso com a reação do amigo, mais do que isso: ficou preocupado.

— Peço desculpas, diretor. Vou dar o corretivo certo para que meu filho não compactue com esse tipo de coisa novamente. — foi o que Hyungwon ouviu da conversa.

— Aish. — Minhyuk avistou sua mãe se aproximando.

— Ela vai brigar com você? — Hyungwon perguntou ao ver a mulher vestida com roupas elegantes e quis choramingar quando Minhyuk soltou sua mão.

— Não, mas vai me encher o saco por um bom tempo. — sorriu, e Hyungwon se pegou imaginando como seria se sua mãe estivesse ali.

— Vamos. — ele ouviu o pai lhe chamar e passar direto sem ao menos o encarar.

— Até amanhã. — Minhyuk se despediu, e Hyungwon apenas sorriu amarelo. Não sabia se estaria em condições de ir à escola no dia seguinte.

E foi como pensou. Apanhou e foi deixado no quarto novamente. O pai saiu após extravasar toda sua fúria, e Hyungwon dormiu dentro daquele lugar. Acordou quando uma empregada o acordou, ele havia realmente passado a noite inteira ali. Ele se levantou e foi para o quarto, sentia o corpo doer, seu rosto não tinha escapado dessa vez, seus lábios estavam partidos e rachados, também havia uma roxura em seu maxilar.

Suspirou, tomou um banho e se arrumou. Ainda iria para a escola no final das contas. Foi até o quarto de sua mãe. Sabia que mesmo que o pai estivesse em casa, não estaria ali, ele não dormia com sua mulher desde que ela não quis mais acordar. Ela era alimentada por sonda e ficava ali na cama, como se estivesse em um sono eterno.

Hyungwon tentou não se prender na imagem da mãe ou desistiria de ir à escola. Pegou o que precisava e saiu dali. Pegou base e corretivo da bolsa de maquiagem da mãe e passou sobre o hematoma. Não cobriu tão bem, mas deu para disfarçar. Decidiu levar aquilo para escola caso precisasse de mais e pegou uma das máscaras cirúrgicas que usava, colocando-a sobre o rosto. Um pedacinho da roxura escapulia para fora do tecido, então passou mais maquiagem. Assim que notou que já não aparecia tanto, pegou sua mochila e foi para a escola.

Como de costume, tentou na última carteira e esperou as aulas começarem. Minhyuk chegou atrasado, mas conseguiu sentar ao seu lado, na última fileira.

— Hoje o dia não está tão ruim para usar máscara. — Minhyuk sussurrou baixinho para não chamar atenção dos outros.

Hyungwon lhe encarou e sorriu mesmo sem ele ver. Pegou a última página de seu caderno e escreveu, erguendo-o para que ele visse. Falar estava sendo difícil devido a dor que sentia no maxilar.

“Obrigado por segurar minha mão.”

Minhyuk leu aquilo e corou. Não sabia explicar o que sentia quando estava com Hyungwon. Tomou o caderno dele e escreveu embaixo.

“Não nada demais. Posso segurar sua mão sempre. :)”

Hyungwon leu aquilo e sentiu uma vontade involuntária de sorrir. Não sabia o que acontecia, pois haviam se conhecido de um modo não tão convencional, e ele próprio não sabia lidar com certas coisas. O toque em sua perna o trouxe de volta terra. Por baixo da mesa, Minhyuk levou sua mão para junto da dele. O resto da aula foi daquele jeito, Hyungwon estava com sono pela noite mal dormida, mas continuava ali acariciando a mão de Minhyuk e sentindo o carinho ser retribuído.

 

(...)

 

Minhyuk piscou, olhando descrente para Hyungwon. Piscou mais uma, duas, três vezes, ainda assim o rosto a sua frente permaneceu impassível, como era de costume.

— É sério, Hyungie? — continuava sem acreditar. Algo que tanto lhe pedia e era recusado finalmente iria acontecer?

— Sim, eu falei com meu pai. — Minhyuk notava alguma coisa estranha na voz dele quando Hyungwon mencionava o pai, mas não tinha a audácia de perguntar o que era. Apesar de toda a curiosidade, sabia quando deveria ficar quieto. — Eu posso ir.

Um sorriso brilhante iluminou o rosto de Minhyuk, que abraçou forte Hyungwon sem pensar duas vezes. Suas atitudes espontâneas e impulsivas geravam certo desconforto para o mais novo, mas nunca, nesse um ano de amizade, o viu reclamar por esmagá-lo nos braços. E sabia o quanto Hyungwon repudiava contato físico (pelo menos, essa era a impressão que ele passava), exceto quando era ele o autor da ação. Será que era a única exceção dele? Minhyuk gostava de pensar assim e até mesmo se vangloriava por ser o único possuidor de tal privilégio especial.

— Então, a gente passa na sua casa quando acabar a aula? — Minhyuk debruçou-se na mesa de Hyungwon. Ele notou como o mais novo lutou para manter sua típica expressão indiferente, mas os lábios carnudos se franziram numa linha reta. De novo aquela sensação. O que será que o misterioso Chae Hyungwon tanto guardava só para si?

— Hm, não precisa. — ele desviou o olhar, fazendo a curiosidade de Minhyuk aumentar cada vez mais. — Você, é, pode me emprestar uma roupa? — o rubor acentuado alastrou nas suas bochechas ao passo que sussurrava.

— Claro, Hyungie. Você gosta de camisas mais folgadas, né? Eu tenho várias que vão te deixar mais fofo do que já é. — sorriu por vê-lo ficar ainda mais vermelho.

— Min… — Hyungwon encolheu os ombros, tentando esconder o rosto com a franja.

— Você fica tão bonitinho vermelho. — Minhyuk adorava deixar o amigo sem graça, ele ficava de fato mais adorável quando constrangido, por isso fazia questão de deixá-lo assim. Iria provocá-lo um pouquinho mais, porém o professor entrou na sala para dar aula e acabar com a sua diversão. — Depois a gente conversa mais. — virou para frente e sentou direito em sua carteira.

Enquanto o professor explicava a matéria, Minhyuk tentava lutar inutilmente contra um sorriso involuntário. Ele estava ansioso, céus, e como estava! Mal podia esperar para aulas acabarem, teria Hyungwon só para si por mais algumas horas! Só de pensar nisso, sentia vontade de se abraçar e começar a rir como um bobo mesmo sem saber por que.

Ele tratou de se aquietar antes que chamasse atenção do professor devido as caras e bocas que provavelmente estava fazendo. Precisava se acalmar, não podia chamar atenção de modo algum senão acabaria estragando a surpresa e seria a coisa mais frustrante do mundo se ele próprio se entregasse.

Como não deveria levantar suspeitas, tentou focar ao máximo na matéria sendo ministrada. Em partes, conseguia prestar atenção e quando não, espiava por cima do ombro. Hyungwon ficava com um ar ainda mais bonito quando concentrado. Minhyuk voltou o rosto novamente para o quadro antes que fosse flagrado, sentindo um leve ardor na face. Por que seu coração estava disparado?

As aulas finalmente chegaram ao fim para a alegria de Minhyuk. Ele levou as mãos ao alto, espreguiçando-se enquanto esperava o amontoado de alunos afobados para ir embora passarem pela porta. Passou a guardar seu material e, uma vez terminado isso, virou para a carteira atrás da sua. Hyungwon o encarava, mas não tinha certeza se era visto por ele, o olhar dele estava um tanto distante. Quantas vezes o flagrou assim? Daria tudo para saber o que se passava na cabeça dele.

— Hyungie… — pôs a mão sobre a dele e foi como se tivesse o retirado de um transe.

— Desculpe, eu fiquei distraído. — Hyungwon puxou a mão, sem saber que sua ação fez Minhyuk sentir-se um pouco mal.

— Vamos, acabou a aula. Só falta a gente sair. — levantou-se e colocou a mochila pendurada somente em um dos ombros. Viu como Hyungwon olhou ao redor como se não acreditasse que todos já tinham ido embora.

— Ei, me espera. — resmungou, jogando o material dentro mochila e seguindo-o porta a fora.

Minhyuk riu e colocou um braço nos ombros dele. Eles tinham poucos centímetros de diferença, porém Hyungwon ficou um pouco encurvado. O que talvez o outro não percebesse era os costumeiros bullies se afastarem após mais uma tentativa frustrada e preferia que continuasse assim. Era fato que toda aquela marcação nunca parou, somente aliviou com sua chegada. Era Minhyuk afinal, se tentasse fazer algum mal ao seu amigo, iria atrás do responsável e o faria pagar, mesmo significando levar suspensão e ficar de castigo.

— Prefere ir de ônibus ou a pé? — perguntou a ele. Hyungwon aparentava estar preso nos próprios pensamentos. — Hyungie, você está com sono? Você está bastante distraído.

— Hm? — ele encarou Minhyuk. — Não sei, a sua casa é muito longe?

— Não tanto, mas demora um pouco, tipo uns trinta, quarenta minutos daqui. — franziu os lábios ao pensar.

— Dá para ir a pé, eu acho.

— Então, vamos. — o puxou pela mão. — Achei que fosse preferir pegar o ônibus.

— Eu não sou tão preguiçoso assim. — empurrou-o de leve. — Qual é a graça?

— Nenhuma, é que eu sempre vejo você na arquibancada do ginásio, quieto, quando a gente faz educação física.

— Eu não tenho uma saúde muito boa, então tem vezes que não dá mesmo e eu fico só olhando. — de novo, aquelas palavras pareciam esconder uma informação. Aquilo atiçou mais curiosidade de Minhyuk, mas ele tentou deixar de lado.

— Você mora por aqui? — o outro assentiu. — Ah, não acredito que nesse tempo todo a gente morava perto e não sabia! — bufou. — O que acha da gente passar a ir junto pra escola? Eu posso passar na sua casa-

— Não! — seu quase grito assustou Minhyuk. — Não precisa.

— Ah, tá bom. — sorriu fraco e encarou os próprios pés.

— A gente pode se encontrar na esquina. — murmurou, corando de leve. — Não precisa passar lá em casa para me buscar.

— Sério? — Minhyuk parou de andar e abriu seu típico sorriso radiante. — Ah! Obrigado, obrigado, Hyungie! — o levantou do chão com aquele abraço apertado devido sua tamanha animação.

— M-Min, me abaixa, por favor. — seu pedido foi ignorado com sucesso. Do contrário ao que disse, Minhyuk o balançou ainda mais no ar. — M-Min, as pessoas estão olhando! — reclamou.

De certo, as súbitas atitudes do amigo sempre o pegavam de surpresa. Minhyuk era assim, imprevisível o tempo inteiro e gostava de surpreendê-lo fazendo algo diferente. Gostava disso nele, admitia, o mais velho era uma verdadeira caixinha de surpresa, fazendo coisas inesperadas o tempo todo.

— E daí que as pessoas estão olhando? Não posso abraçar você? — fez bico.

Essa era outra coisa que Hyungwon gostava nele. Minhyuk não tinha receios de fazer o que queria, mesmo que suas ações chamassem atenção alheia. Ele também sabia ser fofo, ou melhor, era fofo em diferentes escalas dependendo do momento. Aquele ser sorridente e alegre iluminava suas horas fazendo tão pouco e de uma tal forma que pensava o que seria de si caso ele descobrisse a realidade de escondia todos sob sua máscara impassível.

— Min, você está me deixando tonto. — segurou firme nos ombros dele. Não era mentira ao todo, realmente estava começando a ficar tonto com tanto balanço.

— Ah, desculpa! — o colocou no chão. — Eu balancei muito? Consegue ficar em pé sozinho? Quantos dedos tem aqui? — sua última pergunta causou uma risada genuína de Hyungwon. Não evitou sorrir, eram raros momentos em que conseguia uma reação como essa.

— Estou bem, Min. — garantiu, ainda sorrindo. Depois de alguns segundos, notou como estavam próximos, como os braços dele permaneciam ao redor de sua cintura, suas mãos no peito dele, os olhares fixos um no outro. — Pode me soltar agora.

— Ah, sim, claro. — sorriu sem graça. — A minha casa é aquela ali.

— Oh… — o bairro em si era caracterizado por residências bonitas, mas a de Minhyuk se destacava entre elas, não sabia se pelo tom, se era pelo de estilo de construção, não importava, algo fazia ela ser a mais chamativa dentre as demais.

— Não precisa ficar embasbacado aí. — Hyungwon piscou e percebeu que Minhyuk, segurando a porta aberta, estava se divertindo com todo seu deslumbramento.

— Aqui é sempre silencioso assim? — olhou ao redor. Esperava encontrar uma governanta ou outros empregados por ali após ter visto um pequeno vislumbre da sra. Lee trajando roupas caras.

— É… meus pais estão de plantão a essa hora. Eles não param muito em casa. — coçou a nuca. — Pode deixar sua mochila aí na sala. Eu vou aqui na cozinha rapidinho.

— Ok. — Minhyuk virou-se para ir ao outro cômodo. — Min. — chamou, e o amigo olhou por cima do ombro. — Você fica aqui sozinho a maior parte do tempo?

— Fico. — sorriu fraco. — Eu aprendi a me virar sozinho cedo por isso, e meus pais têm que me aturar, nem que seja um pouquinho, quando voltam do trabalho. — voltou a seguir seu caminho, mas antes de sumir do campo de visão do outro, falou: — Pode vir me visitar, eu deixo.

Hyungwon riu e analisou cada pequeno detalhe da sala de estar. A mobília era bonita e estava disposta de maneira que o espaço parecesse amplo, a escolha de tintas também contribuía para esse aspecto, a decoração não era extravagante, porém sofisticada. Levantou e caminhou para pegar um porta-retratos que continha a foto de Minhyuk. Ele havia mudado na aparência embora conseguisse perceber todo aquele “quê” enérgico característico dele. Olhou as outras, algumas mostravam um Minhyuk bebê, outras, ele fazendo birra, mas o que mais observava nelas era o sorriso. Com certeza o sorriso dele não havia mudado nada, talvez só tenha se tornado mais brilhante do que antes.

— Hyungie, você pode me ajudar com uma coisa aqui na cozinha? — Hyungwon se sobressaltou com o chamado.

— Aham, e-eu já vou. — respondeu e suspirou por não ter derrubado nada com o susto.

Ele devolveu o porta-retratos ao seu devido lugar antes de seguir à cozinha. Seus passos cessaram, e congelou no lugar quando se chegou a entrada do cômodo. Diante de si, Minhyuk segurava um bolo com uma vela acessa, sorria abertamente enquanto cantava a música de aniversário. Não precisava chegar perto para saber que a sobremesa fora feita pelo próprio Minhyuk e tinha certeza absoluta que era do seu sabor favorito.

Uma lágrima escorreu de seus olhos seguida de outra e mais outra até seu rosto inteiro ficar banhado por elas. Mal sabia que soluçava alto, só tinha noção de que estava patético daquele jeito, então cobriu o rosto com ambas as mãos a tempo de ver Minhyuk quase derrubar o bolo por ver que estava chorando.

— Hyungie, o que foi? Você está bem? — largou o que segurava de qualquer jeito sobre a mesa e correu para abraçá-lo. — Ei, olha pra mim. Você está se sentindo mal? — segurou o rosto dele.

— O-obrigado… — soluçou o agradecimento e, para a surpresa do mais velho, o abraçou por livre e espontânea vontade. — Obrigado, Min. — apertou os braços ao redor do pescoço dele e sentiu os dele em torno de sua cintura.

— Por que está chorando? Não gostou do bolo? — sua voz soou chateada.

— Não, eu adorei. — enterrou o rosto no pescoço alheio e inconscientemente puxou o ar. Foi a primeira vez que notou como a fragrância natural dele era boa. — E eu tenho certeza que deve estar gostoso.

— Ah, isso não posso te garantir. Eu não sou muito bom cozinhando, mas eu fiz igualzinho como estava na receita. — sorriu por ouvi-lo rir baixo e contido. — Você está bem? — tirou o rosto de Hyungwon de seu pescoço e enxugou as lágrimas dele. — Você chorou.

— Não é nada. — balançou a cabeça levemente. — Eu só fiquei emocionado por ter feito isso por mim. É só mais um dia como todos os outros.

— É o seu aniversário, Hyungie. Não fale assim. — reclamou e aproveitou para fazer carinho nas bochechas alheia, sentindo a textura da pele dele.

Hyungwon fechou os olhos. Aquilo era quase tão gostoso quanto o cafuné que costumava receber de sua mãe.

— Eu não gosto do meu aniversário. — confessou.

— Por que?

E Hyungwon contou o seu motivo para não celebrar aquele dia. Falou sobre o pai rígido e tudo o que ouvia dele, também mencionou como nunca foi defendido por ele quando sofria bullying na escola, o quanto era inferiorizado por ser ômega e sobre a única pessoa que o protegia já não estar mais em condições de fazer isso. Ele não contou castigos desumanos que recebia, porém aquilo era um verdadeiro marco para ele que jamais se abriu com outra pessoa daquela maneira.

— Ele fez questão de me lembrar hoje que eu era o maior pecado dele. Ele sempre quis um alfa de qualquer forma. — fungou, limpando o rosto.

— Hyungie… — Minhyuk não sabia o que falar, então o abraçou. Ele era tão frágil, até mais do que aparentava, a única coisa que desejava fazer era protegê-lo em seus braços. — Eu estou aqui com você. Pode contar comigo pra qualquer coisa.

— Obrigado. — sentiu o abraço ficar mais apertado. Aquela sensação era boa, pena que durou pouco. — Min?

— Espere aqui. Eu tenho um presente especial pra você. — o segurou pelos ombros e sorriu antes de sair correndo. Dentro de alguns minutos, voltou e o encontrou no mesmo lugar. — Feche os olhos.

— Não precisa me dar nada.

— Vamos, fecha logo. — insistiu e dessa vez foi obedecido. — Não olha ainda. Não se mexe. — aproximou-se dele. — Agora, pode abrir.

Hyungwon se deparou com a mão de Minhyuk segurando o celular em frente ao rosto com a opção de câmera aberta. Logo, não tardou a sentir os lábios dele fazendo uma leve pressão contra sua bochecha. Estava tão surpreso que a única reação que teve foi arregalar levemente os olhos enquanto o momento era capturado. Seu coração batia rápido dentro do peito, e ele até podia não saber na época, entretanto aquela sensação ao qual julgou ser estranha viria a crescer mais e mais até fazê-lo se render a ela.

 

III

 

Ao chegar naquela casa, Hoseok soube que não era nenhuma família rica, mas podia sentir o amor que emanava daquela mulher que agora chamava de mãe.

— Hoseok. — MinAh chamou, e ele foi até a cozinha. — Vou te levar no seu quarto. — o, agora, Shin lhe seguiu enquanto subia as escadas.

— Omma. — chamou e teve um “Sim?” como resposta. — Eu vou poder ir numa escola? — perguntou, e antes de ser respondido, MinAh abriu a porta do quarto. Hoseok estava sem palavras, era maravilhoso, nunca poderia esperar aquilo na vida.

— Você vai, querido. Já fizemos sua matrícula, começa semana que vem. — revelou, e Hoseok a olhou, correndo para abraçá-la pela cintura.

— Obrigado, omma! — ele não sabia o quanto MinAh não cabia em si de tanta felicidade por conta do seu simples agradecimento.

— Não foi nada, meu bebê. — ela se abaixou e viu seu filhote cruzar os braços.

— Eu não sou bebê. — reclamou, aborrecido.

— Oh, sim. Perdão, senhor. — ela brincou.

— Ommaaaa, eu não sou velho também. — MinAh riu alto, Hoseok acompanhou a risada até ver TaeOh entrar no quarto.

— Olá, querido. — ela se levantou e foi até o mais alto, tendo sua cintura apertada de modo possessivo. — Não faça isso na frente dele. — parou as investidas dele. TaeOh não evitou rosnar, fazendo Hoseok se encolher.

Hoseok não entendeu o que o mais velho disse, apenas se virou e entrou numa porta que havia dentro do quarto, descobrindo ser o banheiro. Ele fechou a porta e ficou ali até não ter movimentação no quarto. Ao sair de lá, se deitou no chão do quarto e analisou cada canto do lugar, não era nada luxuoso, mas era aconchegante, o suficiente para uma criança.

— Filhote? — MinAh apareceu na porta do quarto. — Vamos comer. — sorriu.

E assim foram os dias. O homem a quem se recusava chamar de pai o tratava como um nada, mas Hoseok não soube dizer o que sentiu em certo dia. Já haviam passado alguns meses desde sua adoção e tinha acabado de sair do banho, estava com apenas com a parte de cima de seu pijama, não encontrava sua calça, então saiu do quarto a procura da mãe, já que ela sempre sabia onde as coisas estavam.

Hoseok desceu as escadas e foi para sala. Sua mãe teria saído? Ele se assustou ao se deparar com o responsável ali no sofá. TaeOh o olhou de cima abaixo, e o menor puxou a camisa para tentar se cobrir.

— O que faz aqui? — TaeOh perguntou.

— Estou procurando a omma. — respondeu do modo rebelde de sempre, atravessado, então saiu correndo para seu quarto.

Seu coração batia forte, não entendia porque ele ficou o olhando daquele jeito. Era estranho, Hoseok se sentiu mal com aquilo. Ele pegou uma calça qualquer para logo vesti-la. Naquela noite, dormiu profundamente.

— Hoseok. — ouviu uma voz o chamando. — Filhote. — ele sorriu ao reconhecer o tom. Se espreguiçou na cama e começou a rir quando sentiu MinAh fazer cócegas em si. — Você está atrasado, filhote. O que houve?

— Estou com sono, omma. — respondeu, manhoso, fechando os olhos novamente.

— Você sempre está com sono amor. — riu do filhote que parecia ter dormido novamente. — Por que dormiu com essa calça jeans? — perguntou ao notar a roupa dele.

— É que eu não achei meu pijama e nem você, daí eu vesti essa e dormi. — explicou num bocejo. — Posso dormir, omma?

— Pode, você não entra mais na escola mesmo. — MinAh suspirou. — Eu vou ter que sair, volto na hora do almoço. — levantou-se, e Hoseok deu um pulo.

— Eu vou ficar sozinho? — perguntou mais desperto do que nunca.

— Não, querido. Seu pai vai estar aqui. —Hoseok abaixou a cabeça, não tinha aquele homem como seu pai e estar com ele era o mesmo que estar sozinho. — Eu prometo que volto, meu amor. A omma está investindo numa coisa, e acho que vai dar certo. — ela revelou, empolgada, e Hoseok se sentiu mal por atrapalhá-la.

— O que é? — perguntou, ignorando seus medos.

— Hmmmm. — MinAh fingiu estar pensativa. — Não sei se posso contar.

— Aaaaaaah, omma. Me conta, por favor. — Hoseok pediu, agora realmente curioso.

— Tudo bem, tudo bem. — ela se sentou novamente e sorriu. — Acho que vou abrir uma loja de roupas. — seu filhote abriu a boca em um “o”.

— Você vai fazer roupas? — juntou as sobrancelhas, confuso.

— Não, meu bem. Vou apenas vender. E se der certo, quem sabe eu não crie uma marca e tudo mais. — explicou com brilho nos olhos. Ela almejava coisas grandes. — Ai, meus Deuses, eu tenho que ir. — ela se levantou de novo, e Hoseok riu do jeito dela. — Eu volto, ok?

— Omma. — Hoseok chamou, e ela parou na porta do quarto. — Eu amo você.

MinAh sorriu tão grande naquele instante e teria enchido o filho de beijos se não estivesse tão atrasada.

— A omma também te ama. — respondeu e saiu correndo.

Hoseok viu pela janela do quarto MinAh caminhando rápido pela calçada e quando não conseguia mais vê-la, se levantou e foi para o banheiro, tomou um banho até demorado e saiu precariamente enrolado com a toalha. Ele se abaixou para pegar roupas na gaveta e se assustou ao se virar e dar de cara com TaeOh. Ele o analisava daquele jeito estranho, mas saiu dali sem dizer nada.

Hoseok correu para fechar a porta. A partir de agora, deveria tomar mais cuidado e levar suas roupas para o banheiro. Aquele homem tinha lhe visto apenas enrolado na toalha, tal fato o fez sentir-se mal novamente. Ele trancou a porta com a chave que tinha e não percebeu quando dormiu, somente quando se assustou com batidas na porta.

— Hoseok, é a omma. Você está bem? Fale comigo, meu amor. — MinAh parecia assustada. Hoseok se levantou e abriu a porta do quarto enquanto coçava os olhos sonolentos. Não demorou nem dois segundos para ser carregado por ela.

— Omma. — a abraçou forte pelo pescoço. — Você voltou.

— Claro, meu amor. Por que estava com a porta trancada? — Hoseok foi posto no chão e iria dizer o motivo da porta trancada quando TaeOh apareceu ali e lhe lançou um olhar feroz. Ele se retesou e inventou algo para dizer a MinAh.

— Eu pensei que não acontecia nada com a chave aí. — mentiu. Estava com medo do que o homem faria consigo se contasse o acontecido.

— Ah, meu amor. — ela suspirou. — Vamos almoçar. — disse mais calma.

TaeOh foi o primeiro a sair dali, Hoseok saiu na frente da mãe e viu quando ela retirou a chave dali, colocando-a no bolso do casaco que usava.

 

(…)

 

Com o passar do tempo, Hoseok percebeu que Jooheon não o acharia. Mas será que ele pensava em si? Tinha onze anos agora, era um ômega lindo e aplicado, não gostava de fazer muitos amigos, pois temia que os perdesse como o que aconteceu com Jooheon.

Hoseok também viu sua linda mãe ir de mal a pior. MinAh estava esplêndida com seus negócios e havia engravidado, mas sofreu um aborto espontâneo. Ela ficou desolada, seu responsável cuidava da loja enquanto Hoseok cuidava dela como podia.

TaeOh o ignorava na maior parte do tempo, mas Hoseok percebia os olhares que recebia dele vez ou outra. Entendia, agora, que aquele olhar era de malícia. Ele odiava aquilo, tinha nojo do mais velho e medo de ficar sozinho com ele.

Hoseok também aprendeu que a saúde de sua mãe não era das melhores e tudo que ela passou acabou agravando o estado. Também foi ensinado sobre os cios e finalmente compreendia por que sua MinAh o tirava de casa às vezes, ou era dela ou era de TaeOh. Ele não queria que aquilo acontecesse consigo. Segundo o que leu, doía e era estranho. Ele definitivamente não gostava daquilo.

Com doze anos, Hoseok viu novamente sua mãe conseguir engravidar e se pegava recitando mantras para que ela aguentasse. Sim, uma menina nasceria três meses depois do seu aniversário de treze anos. Mãe e filha lutavam dia a dia, e Hoseok a acompanhava em suas consultas e ajudava em tudo que podia todos os dias.

 

(…)

 

— Hoseok! — o ômega ouviu o chamado de sua mãe e saiu correndo de seu quarto, indo até ela que estava no quarto onde dormia com o marido. — Venha aqui. — MinAh sorriu quando viu o mais novo na porta do quarto.

Hoseok também tinha um sorriso nos lábios e foi com ele até a mais velha. MinAh estava sentada na beira da cama, usando uma camisa larga, provavelmente do marido e um short confortável, deixando-a a vontade com sua barriga de sete meses.

— Quer falar com Hyerin? — Hoseok balançou a cabeça positivamente enquanto ficava entre as pernas dela e a viu levantar a camisa.

Maravilhado, Hoseok observou a barriga, agora, descoberta.

— Omma, Hyerin é grande. — fez sua mãe rir por ter ressaltado aquilo. Ela, então, pegou sua mão e a colocou sobre a protuberância. Em momento algum, Hoseok não tirou o sorriso do rosto. — Hyerin, eu sou seu oppa, sabia? — MinAh não percebeu uma lágrima de felicidade descer por seu rosto diante de palavras tão doces. — Omma, será que ela me ouve? - Hoseok perguntou sem encará-la e sem desfazer o toque com a barriga.

— Claro que ouve meu bem. — ela confirmou, fazendo-o sorriu mais abertamente, se é que era possível.

— Hyerin, a omma disse que você pode me ouvir, então, quando você estiver aqui fora, nós vamos correr muito e eu vou te mostrar o meu quarto. Foi a omma que decorou ele. — Hoseok tagarelava com a barriga. — Omma, quando você vai organizar o quarto da Hyerin? — agora o dele recaiu sobre mais velha ainda sorridente.

— Ainda não sei, meu bem. Acha que ela gostaria de rosa? — MinAh perguntou ao filhote, realmente não havia pensado naquilo ainda.

— Acho que não omma, Hyerin é diferente. — MinAh ficou confusa quando pequeno ômega disse aquilo. — Ela não vai ser como a maioria das ômegas meninas. Acho que roxo vai ser melhor. — Hoseok ficou sem entender o motivo para ela ter rido alto.

— Você tem razão, filhote. Hyerin é forte e está lutando junto comigo durante todo esse tempo. — Hoseok sabia do que ela estava falando, aquele era o motivo de sua adoção: MinAh não conseguia engravidar, mas queria um filho, então o adotou. E agora, ao finalmente conseguir, estava radiante, mesmo com todas as dificuldades de sua gravidez altamente de risco.

— Omma... — ele abaixou a cabeça naquele momento e ficou encarando a barriga protuberante. Seu tom triste não passou despercebido. — Quando a Hyerin nascer, eu vou ter que voltar pro orfanato? — a pergunta chocou MinAh, que puxou o rosto de Hoseok para lhe encarar novamente.

— Nunca mais diga isso. Você é meu filhote e ninguém vai tirar você de mim. — foi séria, firme, e Hoseok quis chorar ao lembrar do que ouviu. Percebeu o olhar marejado. — O que houve, meu amor? — acariciou o rosto do menor.

— Eu ouvi o ele dizer que não me queria. Eu sei, omma, desde que eu vim pra cá, ele não gosta de mim. Mas eu não quero voltar pro orfanato. Omma, por favor, me deixa ficar. — Hoseok começou a chorar, sua infantilidade gritando naquele instante e MinAh pôde ver toda a fragilidade daquele pequeno ser.

— Você não vai a lugar algum, meu amor. — garantiu, e seu filhote a encarou quando limpou as lágrimas do rosto dele. — Você vai crescer ao lado da sua irmã, e vamos ser muito felizes. — Hoseok sorriu.

— O que ele tá fazendo aqui? — TaeOh entrou no quarto com sua presença de alfa deixando Hoseok acuado. MinAh olhou feio para o marido e Hoseok não pensou duas vezes antes de sair correndo dali. — Eu já disse que não quero ele aqui. — ele fechou a porta violentamente.

MinAh suspirou pesado.

— Por que não aceita ele? — perguntou, e TaeOh a encarou, sério.

— Ele não tem meu sangue. — disse o que ela já estava cansada de ouvir, então ele se aproximou e se abaixou na altura da barriga dela. — Minha única filha está aqui e logo vai estar nos meus braços. — seu tom abrandou, fazendo-a mulher suspirou. Ela realmente odiava aquele jeito de agir do marido com Hoseok.

O pequeno ômega estava atrás da porta, ouvindo cada coisa dita pelo casal. Ele saiu correndo para seu quarto após ouvir as palavras pesadas demais para se dizer a uma criança, subiu em sua cama como sempre fazia e chorou, chorou até se cansar e dormir. Nos seus sonhos, encontrou com sua pequena irmãzinha que estava por vir.

 

(…)

 

Foi no início daquele novo ano que tudo deu errado. Hoseok acordou e, como de costume, foi ao quarto da mãe. MinAh não estava na cama quando entrou, então correu até a escada. Ela devia estar na cozinha, imaginava, mas, ao chegar no topo da escadaria, viu o corpo de sua mãe no chão.

O desespero foi total, ele desceu as escadas correndo. MinAh havia rolado e caiu sobre a barriga, qualquer leigo sabe o que aquilo significava. Suas mãos tremiam ao tocar o rosto pálido da mulher.

— O-omma. — Hoseok começou a chorar desesperado ao ver uma poça de sangue abaixo do corpo dela. Ele tentou levantá-la, mas acabou se sujando com o sangue.

A porta se abrindo assustou o menor e o forçou a engolir o choro.

— O que você… — TaeOh não conseguiu finalizar a falar. — Liga pra ambulância! — gritou, mas Hoseok já não sabia ter mais noção de como se anda. — Seu imprestável! — empurrou a criança e se levantou, pegando o telefone fixo. — Alô, é uma emergência! Minha mulher caiu da escada! Não, ela está grávida, eu preciso de uma ambulância! — ele gritava cada frase.

— Omma. — Hoseok se aproximou de MinAh, o choro não cessava.

— Não toque nela! — TaeOh usou a voz de comando, fazendo o mais novo se encolher. — Deixe ela assim. — exigiu.

Hoseok se afastou, ficou escolhido num canto, tremendo, até a ambulância chegar. Ele foi com a mãe enquanto seu responsável disse que levaria as coisas do bebê.

— Omma. — Hoseok disse fungando e viu o socorrista encarar o outro com pesar.

No hospital, após algum tempo de espera, Hoseok viu TaeOh gritando com os homens que ajudaram MinAh. Não entendia o motivo, os socorristas disseram que fariam de tudo por ela. Sua confusão durou apenas o tempo de TaeOh vir até si.

— Foi culpa sua. — ele disse sério, os olhos mesclando entre o vermelho e o castanho natural. — Você mexeu no corpo dela. — Hoseok dava passos para trás e parou ao sentir a costa em uma parede. — Eu disse pra você não mexer! — empregou o tom de alfa, o que acarretou em Hoseok tentando se proteger como um tatu.

— Senhor, por favor, se controle. — um segurança do hospital se aproximou.

— Não me peça controle! — o grito fez Hoseok se encolher mais, retomando seu choro.

Após aquele momento, Hoseok entendeu o que havia acontecido. Hyerin havia morrido na queda e MinAh, pela perda de sangue, além de ter machucado seriamente a coluna idem. Não houve velório, pois TaeOh não queria assim. No dia seguinte, eles simplesmente enterraram a mãe e irmã de Hoseok. Não havia ninguém além dele e o responsável, além do coveiro e quatro homens do hospital que se ofereceram para ajudar o caixão da mulher, já que o de Hyerin era tão pequeno que TaeOh pode levar nos braços.

Após o enterro, eles foram para casa e Hoseok se trancou no banheiro chorando baixo. Suas aulas iniciaram no mês seguinte, mas ele não sentia vontade de fazer nada, sentia-se vazio, como no dia em que levaram Jooheon de si.

 

(…)

 

Hoseok estava sozinho em casa e decidiu tomar um banho. Estava calor e ele podia sentir o suor escorrendo pelas costas. Pegou sua toalha, mas não levou sua roupa para o banheiro como fazia normalmente. Desde a morte de sua mãe e de sua irmã, seu responsável começou a agir diferente, não de um jeito bom. TaeOh piorou drasticamente, bebia muito e estava quase sempre alcoolizado, o ódio que sentia por si era demonstrado todos os dias, o que não ocorria antes por causa de sua mãe.

Agora, além disso, TaeOh batia em Hoseok e gritava para quem quisesse ouvir que o culpado da morte delas era o ômega. E Hoseok chorava, como toda criança de treze anos faria. Contudo, seu jeito orgulhoso, típico desde o orfanato, não o permitia isso, ou seja, quase nunca demonstrava fraqueza na frente do mais velho. Ele se segurava e só soltava as lágrimas quando estava tomando banho, completamente sozinho, como agora.

As gotas salgadas se perdiam em meio a água caindo sobre a cabeça do garoto, lavando toda a tristeza do pequeno que existia por consequência de seu sofrimento, atribuído um perfil negativo à maioria das famílias, mais especificamente, um perfil negativo para alfas. Hoseok se baseou no homem com quem convivia, ele era bruto, grosseiro, às vezes sentia que TaeOh nunca amou de fato sua mãe. Todos os alfas seriam daquele mesmo modo na visão de Hoseok.

Sempre que pensava em sua mãe e irmã, Jooheon surgia em sua mente em seguida. Como ele estaria? Era fato que pouco depois de sua chegada, Hoseok se deixou cativar pelo pequeno de olhos pequenos e bochechas rechonchudas. Ele estaria sendo bem cuidado? Esperava que o irmão não tivesse passado o que passou. Ele teria ido atrás de si no orfanato? Isso Hoseok nunca saberia, mas durante o tempo que esteve lá, ele esperou todos os dias, até ser levado pela falecida mãe.

O garoto olhou o pequeno relógio infantil, que ficava sobre seu criado mudo. Eram quase seis da tarde e o tempo parecia mudar aos poucos, mas para Hoseok estava quente. Então, ao sair do banheiro, ligou o pequeno ventilador que tinha em seu quarto e retirou a toalha do corpo, deixando o vento lhe refrescar enquanto a noite não trazia as baixas temperaturas para seu corpo. Não se preocupou com a porta, estava fechada e seria como nos últimos dias: TaeOh chegaria provavelmente durante a madrugada, e, nessa hora, já teria colocado devidamente o trinco.

Mas não foi bem assim.

Hoseok deu um pulo quando, num estrondo, TaeOh passou pela porta, visivelmente alterado. Ele se cobriu como pode, puxando o lençol da cama.

— Você tá aí, putinho… — TaeOh falava embolado e cambaleava. Hoseok leu uma vez que, para alfas ficarem embriagados, eles tinham que beber altas quantidades de bebida. Tentou chutar quanto o responsável teria bebido e logo desistiu ao vê-lo dar um passo em sua direção. — Vem aqui! — gritou com a voz de comando ali. Hoseok estancou no lugar, seu corpo tremeu em um medo que nunca imaginou que sentiria.

— Não me bate. — Hoseok se amaldiçoou por ter começado a chorar, mas permaneceu estático o tempo inteiro.

Devido a sua resposta, TaeOh se irritou e avançou e o segurou pelo braço, apertando com tanta força que deixava a marca de sua mão ali. Então, foi jogado com violência sobre a cama de solteiro onde dormia desde que chegou ali e o lençol que o cobria precariamente foi arrancada pelo homem que deveria cuidar de si.

— Você matou minha filha e minha mulher. — ele falava embolado, porém, com raiva a cada letra proferida naquela frase. — Então, vai ficar no lugar dela.

De início, Hoseok não entendeu nada, mas durou meros segundos. A boca nojenta daquele homem logo estava em seu pescoço e as mãos dele, apertando com força seu pequeno corpo. Tentou se debater, gritar, fugir e se esconder. Porém, não havia saída.

Naquele dia, com apenas treze anos de idade, Hoseok perdeu tudo que ainda lhe restava de bom. Sua pureza como criança, foi quebrada, seu orgulho, massacrado, seu corpo, usado de uma maneira suja, foi completamente corrompido por aquele ser. Ele sentiu dor, tristeza, raiva, angústia, nojo, medo e alívio. Sim, pois tinha acabado.

Ao se ver sozinho e sentindo nojo de si mesmo, Hoseok olhou pela janela e viu o tom azulado lá fora. A noite estava calma e silenciosa. Mesmo sentindo dor, aquele pequeno ser se levantou e constatou estar próximo da meia noite. Ele foi, a passos arrastados, trancar a porta de ser quarto, suas mãos tremiam quando rodou a chave até o limite. Em seguida, arrastou-se para o banheiro, abriu o registro e se deixou cair no piso gelado enquanto sentia a água lhe lavar de modo pouco eficiente. Naquele momento, Hoseok chorou de novo e só se levantou para se lavar adequadamente. Quando estava deitado no piso, viu a água vermelha descer pelo ralo e imaginou que precisaria de algum remédio.

Hoseok se enganou pensando que tudo ficaria bem. Aquilo voltou a se repetir e TaeOh o ameaçou, dizendo que se alguém soubesse daquilo, o mandaria de volta para o abrigo e Hoseok, com medo, se calou. Era apenas um menino indefeso que tinha perdido o único afeto que tivera na vida e tinha medo de voltar para aquele lugar sem seu irmão. Porque, sim, havia dito a Jooheon que eles eram irmãos e ninguém mudaria aquilo.

E, agora, Hoseok estava violado, sozinho e com medo.

Era muita coisa para uma criança aguentar solitariamente, mas Hoseok prometeu a si mesmo: entraria nas melhores escolas, seria alguém bom, que aquele mal não tinha destruído completamente o inocente e puro Hoseok, procuraria Jooheon quando pudesse e teria uma família para chamar de sua, daria a seus filhos o que apenas sua mãe adotiva lhe dera. Hoseok criou sonhos e iria conquistá-los. Mesmo sofrendo sequencialmente aquele abuso, ele permanecia lutando. Ele era melhor que aquilo, merecia muito mais que aquilo e alcançaria tudo que desejasse.

 

(…)

 

Hoseok estava a caminho do colégio como todos os dias, estava meio indisposto, mas decidiu ir à escola, era melhor que ficar em casa correndo o risco de ver aquele homem ali. Isso já havia se tornado comum depois do primeiro toque sem seu consentimento, ele tentar passar o maior tempo possível fora de casa. Foi nesse meio tempo que descobriu a nicotina e seu efeito relaxante, começando a fumar pouco antes de completar seus quatorze anos. A venda de cigarros para menores é proibida, obviamente, porém não era como se todos os lugares seguissem essas regras, o que facilitava seu acesso a eles.

O colégio novo era bem grande, era de esperar algo imponente vindo de um colégio de elite ao qual tinha conseguido uma bolsa. Ele entrou pelo portão dos fundos da escola e seguiu por trás da quadra. Mais alguns metros, e viraria a esquerda parar encontrar o costumeiro alvoroço de crianças e adolescentes, mas alguém o puxou pelo braço num solavanco violento que quase o fez ir de encontro ao chão.

— Olha só, o bolsista que se acha dono do mundo. — um garoto alto disse. Era um alfa, Hoseok sabia pelo cheiro e pela presença que fazia questão de expandir ali. Ele também era do ensino médio, Hoseok o reconheceu, um aluno do terceiro ano e estava acompanhado.

— Muito audacioso. — outro garoto disse. Eram seis no total e todos da mesma turma, e Hoseok tentava imaginar o que tanto queriam de si.

— Ok, o dono do mundo e audacioso vai embora. Adeus, fãs. — fazendo pouco-caso da provocação de ambos, tratou de sair andando. Nem dois passos foram dados, sentiu-se ser puxado novamente e prensado na parede.

— Você é um merda mesmo. Acha que pode fazer o que quiser aqui? É por causa de ratos como você que esse colégio não melhora e a sociedade é podre. — o primeiro no qual havia o abordado agora não moderava a força para segurá-lo, mas ele não iria simplesmente ficar quieto, era Shin Hoseok afinal.

— E é por causa de alfas como vocês que ninguém tenta mudar nada. — cuspiu na cara dele e se viu livre novamente. Antes mesmo que pudesse reagir e correr, foi segurado contra a parede por dois deles.

— Filho da puta. — ele xingou enquanto limpava o rosto.

— Ei, cara, até que ele é bonitinho, dá para usar. — um dos que o segurava comentou, e os outros riram e concordaram com seu ponto. Hoseok estremeceu quando o mesmo enfiou uma perna em meio as suas.

— Me solta! — rangeu os dentes e empurrou o garoto em vão.

O, aparentemente, chefe do grupo retornou com o rosto limpo e tomou o lugar do comparsa. Ficaram cara a cara, e ele, além de prensar seu corpo com mais força que o anterior, segurou seu rosto de um modo bruto e esfregou o dedão nos lábios de Hoseok, que, num ato de desespero, tentou mordê-lo, mas sem obter sucesso.

— Então, você está mais pra um cachorro selvagem, já que gosta de morder. — todos os garotos riram. — Você tem razão. Realmente dá pra usar. — um sorriso cínico despontou em seu rosto. Hoseok começou a perder a pose de durão diante daquela reafirmação, já havia entendido muito bem o significado do “Dá pra usar” e não queria aquilo.

— Me solta. — Hoseok pediu, mas foi ignorado, ou quase.

— Acho que a pose acabou. — alguém falou, Hoseok não fez questão de saber quem.

Eles se afastaram um pouco de onde estavam, mas continuaram ali, atrás da quadra esportiva. Hoseok foi prensado na parede de novo, e chefe deles enfiou o rosto em seu pescoço, fazendo um arrepio ruim correr por sua espinha. Diante de tal situação, o cheiro do medo se tornar fortemente presente em sua fragrância era inevitável.

— Cheiro bom. — o sussurro odiável bateu em um dos seus ouvidos, junto com a respiração nojenta contra sua pele. — Medo? — questionou retoricamente e riu da cara de Hoseok. Ele estava em verdadeiro choque, em sua cabeça, as lembranças de seu responsável o atingiam como bofetadas duras em seu rosto. A risada escandalosa de um deles o arrancou de seu transe, assustando-o.

— Agora ele está chorando. Quem merda, hein. — a gargalhada foi geral.

Somente naquele instante, Hoseok notou as lágrimas a banhar seu rosto. Não soube quando, embora soubesse o motivo para ter começado a chorar. O desespero passou a se apossar de seu corpo numa escada absurda quando mais dois se aproximaram e começaram a tentar tirar sua camisa enquanto o que o segurava começava a beijar seu pescoço. Ele tentou empurrá-los, contudo não conseguiu.

— Me solta, porra! — falou mais alto em meio as lágrimas.

— Cala a boca! — um deles empregou a voz de comando, e Hoseok estremeceu. Era como ele pensava, todos os alfas eram daquele jeito.

— Ei! — alguém gritou, e Hoseok não sabia mais o que pensar, somente queria sua mãe para ampará-lo. — O que estão fazendo?! Não estão vendo que ele está assustado? — Hoseok ouviu uma voz raivosa e mesmo não sendo dirigida a si, encolheu-se, não ousando olhar a quem ela pertencia.

— Hã? Isso foi culpa dele! — o alfa voltou a rosnar, o que acarretou em Hoseok se retraindo mais.

— Vocês são idiotas ou o que? Não percebem o cheiro de medo exalando dele? — para ele notar tal coisa… não restava dúvidas: era outro alfa ali.

— Não me interessa, esse ômega vai pagar pelo o que fez!

Hoseok, pela primeira vez, ergueu o rosto quando sentiu os três alfas o soltarem, deslizou pela parede até o chão e encolheu-se mais. Havia um garoto, aparentemente mais baixo que si, servindo de escudo humano. A sensação de déjà vu surgiu e sua mente projetou uma imagem, o dia que seu amado irmãozinho também se prostrou a sua frente, o protegendo da mesma maneira. Por um segundo, um arrepio o perpassou, mas sua ilusão foi quebrada quando o alfa o olhou por cima do ombro. Não, ele não era Jooheon, então por que ele possuía tanta preocupação naqueles olhos vermelhos?

Olhos vermelhos… a primeira vez que viu tal coloração foi quando seu responsável ficou enfurecido consigo. Todavia, aqueles olhos eram tão diferentes, transmitiam emoções tão distintas das que encontrava nos dos orbes daquele homem odiável. Era quase como se… ele quisesse saber se estava bem.

Não, um alfa não agia assim, tinha uma ideia bem formada de como eles eram graças ao que passava em casa. Mas por que aquele garoto estava sendo totalmente o contrário de tudo o que acreditava?

Quando grupo se aproximou, Hoseok já temia o pior. Se um alfa era suficiente para ficar naquele estado coagido, estarem agrupados naquela quantidade era um verdadeiro pesadelo. Ele ouviu um rosnado, mas de alguma forma, soube: não era direcionado para si. Aquele garoto continuava ali, tentando afastá-los, ele não percebia a desvantagem?

— Querem bater em alguém, ótimo, eu estou bem aqui. Não vou deixar vocês encostarem num fio de cabelo dele. — Hoseok estava para impedi-lo de fazer algo estúpido, contudo o olhar dele se mantinha no seu. A boca dele se moveu, formando a frase “Fique calmo” sem som algum.

— O que está acontecendo? — um professor apareceu ali.

O grupo rapidamente se dispersou com a chegada do professor, restando apenas os dois ali.

— Você está bem? Se machucou? — Hoseok se arrastou para longe quando agachou-se em frente a ele. — Ei, ei, calma. — o segurou pelos ombros, tentando fazê-lo ficar parado. Ele estava muito agitado, repudiando todo os seus toques. — Calma, eu não vou te fazer mal. — começou a irradiar sua presença gradativamente, o contato visual continuava firme. Ele parou de se debater aos poucos até ficar estático, soluçando. — Isso, calma… — sorriu e encaixou o rosto dele entre suas mãos. — Pronto, está tudo bem agora. — limpou as lágrimas com os polegares.

— Pare de falar como se eu fosse uma criança. — fungou enquanto resmungava. — Eu sou mais velho que você.

— Sei que é, mas nada me impede de ver se você está bem mesmo. — rolou os olhos.

— Por que está fazendo isso? — o outro ficou confuso. — Por que está sendo gentil?

— E eu não deveria? — arqueou as sobrancelhas.

— Mas você é alfa.

— Tá, e daí?

Foi a vez de Hoseok ficar confuso. O que aquele alfa tinha de errado?

— Você se machucou? — pôs-se de pé e estendeu a mão. O ômega ficou receoso embora tenha a segurado após algum tempo[LP1] .

— Não. — levantou-se com ajuda dele.

— Quer que eu vá na enfermaria com você? — sugeriu.

— Eu não me machuquei, não preciso ir na enfermaria. — afastou-se quando as mãos dele tentaram ajeitar seu uniforme. — Não precisa, eu ajeito.

— Ok. — deu ombros. — Vou indo então.

— Espera. — o garoto parou e olhou por cima do ombro. — Você é familiar. A gente estuda na mesma sala?

— Sim. — ele sorriu. — A gente se vê quando o intervalo acabar.

 

(...)

 

Se havia uma palavra que pudesse definir Hoseok, intrigado seria ela. Desde o dia em que foi salvo, ele passava a observar o seu “salvador” durante as aulas, vendo como agia. No geral, o garoto cujo nome descobriu, por conta da chamada, ser Yoo Kihyun era alguém muito na dele, não era visto andando amigos, embora visse ele conversar educadamente quando vinham puxar assunto. Apesar de reversado, não aparentava ter problemas em fazer trabalhos grupo e era considerado um aluno com bom comportamento.

Tudo o que sabia dele era superficial, admitia, contudo uma coisa se destacava nele: seu feitio. Kihyun possuía uma calma invejável, não era estourado como outros alfas eram. Além disso, era tão gentil quanto a própria gentileza de seus traços delicados. Hoseok realmente não entendia o que ele era, tinha aparência de ômega, mas quanto ao seu jeito, era um perfeito beta. Talvez a natureza não estivesse preparada para alguém assim que o colocou erroneamente como alfa.

Bom, Hoseok realmente não sabia como denominá-lo, embora soubesse o que ele era. E isso atiçava muito sua curiosidade, ele o instigava. Deveria estar se policiando em relação a esse alfa, contudo Kihyun fugia dos padrões daquela classe. Assim, passou a cada vez mais observá-lo e quando menos percebeu, já havia se tornado um hábito.

Uma coisa que teve certeza durante suas duas semanas a espreitá-lo foi: Kihyun não iria simplesmente vir até si. Não era por ser tímido ou algo do tipo, ele só não se daria o trabalho, claro. Não julgou a atitude rude, no lugar dele, teria feito a mesma coisa. E daí que havia saído ileso por conta dele? Se não estava exigindo agradecimentos, então nem o daria.

O destino os juntou por causa de um trabalho, Hoseok gostava de pensar assim ao olhar para trás. Naquela época, fazia tudo sozinho por não gostar de depender de alguém, porém quando Kihyun foi anunciado para ser sua dupla, abriu uma exceção. Aquele garoto despertava seu interesse, não era nada romântico, era só aquele jeito todo diferente dele que o deixava curioso.

De uma coisa, Hoseok soube: Kihyun tinha plena consciência de que era observado. Não raro teve desviar o olhar enquanto faziam o trabalho juntos na biblioteca na escola, era constrangedor e involuntário. O silêncio entre eles era praticamente uma religião, salvo alguns momentos em que precisavam tirar dúvidas.

— Você está me encarando bastante. Quer perguntar alguma coisa? — Kihyun falou sem retirar os olhos do que fazia.

— Eu não! — respondeu evasivo por ter sido pego de surpresa. Esperou que ele fosse insistir, mas Kihyun somente deu de ombros. — Você não vai me importunar pra saber por que eu estou te encarando tanto?

— Você não diria mesmo se eu perguntasse. — soltou um muxoxo por ter errado uma coisa e tratou de arrumá-la.

— Como pode ter tanta certeza? — estreitou os olhos, atraindo a atenção dele pela primeira vez.

— Eu sei quando estão a vontade perto de mim, e você não está. — foi direto. — Além de que você não parece ser do tipo que vai me agradecer por ter te ajudado.

— Quer que eu agradeça? — falou um pouco aborrecido, mas isso logo passou ao vê-lo balançar negativamente. — Por que você é assim?

— Assim como? — levantou uma sobrancelha.

— Assim. — gesticulou, fazendo uma careta por não saber explicar. — A maioria dos alfas exigiria um agradecimento decente, mas você não.

— Eu não achei necessário e como disse: você não parece ser do tipo que vai me agradecer por ter te ajudado. Então, pra que perder tempo? — sua resposta fez Hoseok arregalar os olhos. — Eu não sou orgulhoso desse jeito, mas meu irmão me chama muito de cabeça-dura.

— Você tem um irmão?

— Sim, mais novo. É a coisa mais mordível desse mundo. — sorriu.

— Então, você sabe sorrir.

— E você não? — deu para ver que o mais velho se irritou com o que disse.

— Cala a boca e termina de fazer a sua parte. — resmungou, arrancando uma risada genuína dele.

Hoseok poderia dizer que o silêncio reinou a partir dali, porém Kihyun tornou o questionar por que era tão pavio curto e quando viu, já estavam numa conversa intensa. Ele realmente não entendia como aquilo aconteceu, só sabia que foi assim. Então, as horas passaram, juntos com os dias e suas conversas se tornaram mais e mais frequentes. Em pouco tempo, passaram a sentar em carteiras próximas e fazerem mais trabalhos juntos. Já não ficava mais sozinho durante os intervalos, pois Kihyun estava sempre por perto. Gostava de tê-lo por ali e justificava isso ele ser um alfa e, ao mesmo tempo, não ser.

Kihyun era praticamente um livro aberto para si enquanto deveria ser uma incógnita para ele. Nunca falava muito a respeito de sua vida e afins, também nunca era forçado a dizer nada. Gostava disso em Kihyun, dele nunca o exigir as informações que tanto ocultava. E poderia dizer que, graças ao mais novo, já não se sentia tão sozinho na escola.

— Kihyun, você tem sorte. — Hoseok o abordou próximo ao fim da aula.

— Por que? — Kihyun juntou as sobrancelhas, confuso.

— Porque vou dormir na sua casa hoje. Pode ficar feliz agora. — sorriu.

— E quem te convidou? Que eu saiba, você sempre diz que não pode. — fez questão de ressaltar esse fato.

— Eu me convidei e o que importa é que dá pra eu ir dessa vez. Demonstre um pouco de animação, seu moleque ingrato. — arrancou uma risada dele. — Mas, sério, eu quero ir hoje. Eu posso?

— Você primeiro se convida e depois pergunta se pode? Só você mesmo, hyung. — Hoseok deu de ombros, e revirou os olhos. — Acho que não vai ter problema. Eu só vou ter que ligar pro omma.

— Ótimo. A gente vai ter que esperar seu irmão? — começou a guardar suas coisas já que não demoraria muito para o sinal tocar.

— Não. Ele sai mais cedo hoje, o omma deve ter vindo buscar ele. — também passou a guardar seus materiais. — A gente passa antes na sua casa para pegar uma roupa sua?

— Não precisa, eu já trouxe. — deu duas batinhas na mochila.

Kihyun arqueou uma sobrancelha, fazendo Hoseok ficar tenso. Ele só precisava acreditar nisso que tudo estava certo. Afinal, assim não precisaria contar o motivo para estar evitando voltar para casa.

— Você já veio pra aula contando com isso, Seok? — Hoseok suspirou internamente por não ter levantado suspeitas.

— Mas claro, né. Eu sei que você não recusaria a ilustre presença do hyung que você tanto ama. — deu língua.

— Convencido você, hein. — balançou a cabeça. — Vamos indo.

Os dois se levantaram antes dos demais, mas a tempo do sinal tocar. Kihyun optou por irem a pé, apesar das diversas reclamações de Hoseok, sua casa não era tão longe dali afinal. Enquanto caminhavam, ligou para seus pais para avisar que estava levando um amigo para dormir em casa e começou a ouvir piadinhas sobre o “namoradinho” ainda na ligação. Hoseok se divertia com as suas respostas mesmo não sabendo o motivo para estar tão emburrado.

Hoseok precisou disfarçar o deslumbre quando pararam em frente à casa. Era evidente suas divergências econômicas, mas não esperava ver tantas residências bonitas naquele bairro, fora que, mesmo sendo a menor, a de Kihyun não perdia para as demais. Ficou olhando os arredores, curioso e acabou sendo chamado pelo amigo para entrar senão continuaria perdido, observando o local. Um pouco sem graça, adentrou a casa e, junto de Kihyun, retirou os sapatos antes de rumarem para os demais cômodos.

— Cheguei. — Kihyun avisou enquanto caminhava corredor a dentro.

— Hyung! — uma voz animada surgiu poucos segundos após Kihyun anunciar sua chegada. Barulhos de passos rápidos vieram do segundo andar, logo uma figura baixinha apareceu no topo da escada e desceu os degraus de forma afobada, segurando no corrimão para não cair. Contudo, ele acabou parando no meio do caminho. — Quem é ele?

— Ah, ele é-

— É dele que o hyung tava falando tanto? — Kihyun foi interrompido.

— Sim, o nome dele é-

— É ele que quer roubar o hyung de mim? — a voz do outro começou a embargar.

— O que? O Seok não vai roubar ninguém. — Kihyun se aproximou da escadaria.

— Seok? — o garotinho repetiu enquanto duas lágrimas escorriam por seu rosto. — Eu vou ser trocado por ele?

— Não é nada diss-

— É, sim! — Hoseok se assustou com o berro. — Você não sabe falar mais de nada, só sabe falar dele! Você me trocou por ele! Eu te odeio! — o pequeno deu as costas e voltou correndo, sumindo em questão de segundos.

— Changkyun, espera! — Kihyun foi atrás dele, subindo apressado a escadaria.

Hoseok ficou em choque com a cena que se sucedeu diante dos seus olhos. O amigo já havia mencionado certa vez sobre ter um irmão mais novo, mas nunca imaginou que algo como isso aconteceria só dele lhe ver. Ele crispou os lábios e apertou os punhos por conta da situação, talvez não tenha sido uma boa ideia pedir a Kihyun para dormir na casa dele.

— Desculpe por isso. Meu filhote nunca trouxe alguém para dormir aqui, então o irmão dele não está acostumado.

O olhar de Hoseok se deslocou do caminho feito por Kihyun em direção a voz. Parado na entrada da cozinha, deparou-se com quem falou consigo. Poderia ser um pensamento precipitado, mas jurava que ele parecia mais novo do que realmente era a julgar pela aparência jovial de quem acaba de completar seus trinta anos. Era um adulto esguio, com ombros um pouco mais largos do que a cintura estreita, embora conseguisse notar seu físico bem formado por conta de suas roupas relativamente justas. Ele não era muito alto, possuía a estatura média da população local masculina e um tom de pele semelhante ao seu, alvo praticamente pálido. Entretanto, o que mais lhe chamava atenção não era o maxilar marcado, a boca rósea pálida ou o cabelo negro lustroso de franja longa que poderia atrapalhar com facilidade a visão. Os olhos dele eram lindos, tinham uma coloração chamativa e incomum para coreanos, uma tonalidade castanha mel que hipnotizava qualquer um em seu primeiro contato.

— Não se preocupe com isso, ok? O Kyunnie sempre teve muito ciúmes do Ki. — o sorriso gengival fez os orbes dele se transformarem em meia lua.

— Seus olhos são muito bonitos. — Hoseok acabou falando da boca para fora, ainda naquele estado de contemplação. Ao notar o que disse, sentiu-se enrubescer. — Q-quero dizer-

— Obrigado. — o sorriso dele aumentou. — Não fique aí parado, em pé. Pode sentar, o Ki volta logo. — indicou o sofá.

— Ok. — encaminhou-se para a sala e sentou no móvel confortável, notando que o mais velho fez o mesmo. Seu olhar acabou parando no coldre firmado na coxa esquerda dele, e assustou-se por ver uma arma.

— Ah, não precisa ficar com medo. Não faz muito tempo que saí do trabalho e logo fui buscar o Kyunnie na escola, então não tive tempo de trocar de roupa. — Hoseok observou uma aliança prateada com uma pequena pedra no anelar direito dele quando esse ajeitou a franja de forma que não cobrisse seus olhos.

— O senhor é policial? — perguntou com verdadeira curiosidade. — Eu nunca vi um policial ômega.

— É, realmente não é muito comum ver ômegas no meu trabalho. Tenho quase certeza que fui o primeiro no meu departamento, mas as coisas vêm mudando de uns tempos pra cá. É bom perceber que os estereótipos sobre a nossa classe estão sendo quebrados mesmo que aos poucos. — desabotoou os punhos da camisa e os enrolou até os cotovelos. — Como se chama, querido?

— Hoseok, Shin Hoseok. — sorriu, tímido. O pai de seu amigo aparentava ser bastante amável e já havia conquistado sua afeição com tão pouco.

— Eu sou Yoo Eunhyuk. É um prazer conhecer o ômega que meu filhote tanto fala. — Hoseok não soube onde se enfiar diante de tais palavras. Suas bochechas provavelmente vermelhas arrancaram uma risada baixa de Eunhyuk. — O Ki não é de ter muitos amigos, então eu tenho que te dar parabéns por ter deixado meu filhote completamente encantado por você.

— E-encantado? — Hoseok poderia ser daqueles que não ficam facilmente envergonhados, mas numa situação como aquela era impossível. Ele estava mesmo dizendo, nas entrelinhas, que Kihyun estava apaixonado por si?

— Hyukie, trouxemos o jantar! — Hoseok viu Eunhyuk esticar o pescoço para olhar atrás de si e algo lhe chamou atenção. Além da marca, antes oculta pelo colarinho da camisa, haviam outras cicatrizes na pele clara que aparentavam ser de arranhões feitos por unhas.

— Você está muito feliz pra alguém que só comprou o jantar. — uma outra pessoa surgiu ali e passou para o lado oposto ao qual Eunhyuk olhava, segurando-o pelos ombros e inclinando o rosto em direção ao dele para beijá-lo. Hoseok estreitou os olhos por ver outra marca no pescoço de Eunhyuk. Será que tinha visto errado antes?

— Estou feliz porque finalmente conseguimos concluir o caso e ganhamos a nossa folga! — o recém chegado animado tinha total atenção do mais novo, que ainda não havia sido notado. — Eu posso ser alfa, mas não sou indestrutível. Mereço um descanso de vez em quando. A gente poderia beber hoje, o que acha, Hyukie? Eu mereço ficar porre só hoje.

Hoseok prendeu a respiração ao ouvir tais palavras. Um alfa estava bem diante de si, alegando descaradamente que desejava ficar bêbado. Não, aquilo não poderia estar acontecendo, não ali, não agora.

— Eu não vou cuidar da sua ressaca na manhã seguinte. — o estranho formou um bico nos lábios pelas palavras de Eunhyuk.

— Você é tão cruel, Hyukie. — Eunhyuk riu e beijou o beicinho dele. O que era aquilo? Ele estava agindo mesmo como um ômega? Ele era de fato um alfa? Ah, Hoseok estava muito confuso.

— E nem olhe pra mim. A única coisa que quero fazer é ter uma ótima noite de sono na nossa cama. — mais uma voz surgiu, junto com o dono. Dessa vez, somente julgando pela aparência, não houve dúvidas: era outro alfa ali. — Você deveria fazer a mesma coisa. Hyuk e eu estamos cansados. — o moreno se aproximou de Eunhyuk e beijou a marca que Hoseok viu há alguns segundos, fazendo o de olhos claros estremecer.

A boca do mais novo se abriu num pequeno “o”, estampando seu choque. Dois alfas, dois alfas marcaram aquele ômega. Hoseok não pode se sentir mais tenso, nervoso. Como isso era possível? E por que Eunhyuk parecia tão à vontade com eles ali?

 

“— Eh, você quer ser perito criminal?! — pasmo, perguntou a Kihyun enquanto conversavam sobre planos futuros.

— Sim. — ele riu baixo pela reação dele. — Meus pais são da perícia, eu tenho eles como um espelho. Eu quero ser como os três.

— Espera, você disse três? Não quis dizer dois? — Kihyun negou com a cabeça.

— São três mesmo: meu omma e meus dois appas. — sorriu.

— Mas eles são casados? — Hoseok realmente não conseguia entender como aquilo era possível.

— Sim, sim, com aliança e tudo mais. — Kihyun pegou o celular e abriu uma foto para mostrar ao amigo confuso. — Aqui, são eles três. Está vendo? — ele deu zoom no holograma, mostrando exatamente a aliança prateada com uma pedra delicada que os mais velhos usavam.

— E eles se dão bem? — Kihyun o encarou sem entender o que quis dizer. — Mesmo sabendo que você-

— Eu sou filho deles três. — falou, firme. — Não importa o que digam, os três são meus pais, e tenho orgulho de ser filho deles.”


Com a lembrança, Hoseok analisou as mãos dos alfas. Eles realmente também usavam a mesma aliança prateada, e com um pouco mais de observação, viu que ambos possuíam duas marcas no pescoço tal como Eunhyuk.

— Quem é ele? — Hoseok saiu de seus devaneios e percebeu que era minuciosamente analisado pelo moreno. Aquilo o deixou mais desconfortável do que já estava, e Eunhyuk parecia estar ciente disso de alguma forma.

— Hyukie, é ele que é o namorado do Ki? — o outro perguntou.

— Namorado? — Hoseok encolheu-se pelo modo que o moreno alto falou. Não era um tom raivoso, porém o assustou da mesma forma.

— Siwon. — Eunhyuk o repreendeu e, após isso, se aproximou do mais novo para segurar sua mão. — Não ligue pra ele, Hoseok.

— Se depender do ciúme dele, nossos filhotes nunca vão namorar. — o outro, que ainda não sabia o nome, comentou e sentou no braço da poltrona na qual o tal Siwon, de cara emburrada, havia sentado. — Acho que o Ki não deve ter contado sobre nós três. — havia alguma coisa no tom dele que Hoseok não sabia identificar.

— Ele contou, mas isso não é problema pra mim. — murmurou, ainda sem coragem de encará-los.

— Então, por que não nos olha direito? — o tal Siwon falou. — Eu sei que somos alfas e que estamos armados, mas somos inofensivos.

Inofensivos… Hoseok sentiu uma vontade tremenda de soltar uma risada debochada. Não importava quantas vezes tentassem convencê-lo do contrário, ele sabia muito bem como era o feitio de um alfa: agressivo, impulsivo, cruel, violento, insensível, rígido, autoritário e pervertido que usa ômegas como meros brinquedos sexuais.

— O Ki é alfa, e você não tem medo dele. — Hoseok mirou Eunhyuk, perplexo. Estava sendo tão óbvio assim?

— O Kihyun é diferente. — soltou, encarando com as próprias mãos.

— Como assim diferente? — escutou aquele que ainda não sabia o nome dizer.

— Donghae… — Siwon parecia repreendê-lo.

— Não, eu quero saber. O que você quer dizer com diferente? — Donghae insistiu, uma pequena ruga se formando entre suas sobrancelhas ao franzi-las.

— O Kihyun não age como alfa, ele parece ômega e tem jeito de beta. — justificou-se.

— “Parece ômega e tem jeito de beta”? — repetiu, abismado. — Agora, meu filhote precisa ter um manual de comportamento para ver como ele deve ou não agir? — a voz dele era dura.

— Donghae. — Siwon e Eunhyuk chamaram atenção.

— Não, eu estou cansado disso. Eu não criei meu filhote pra mais um vir taxar ele como errado só por não ser como essas merdas de estereótipos que a sociedade impõe de como um alfa deve ser! — Hoseok se encolheu todo quando ele levantou a voz.

— Donghae! — Eunhyuk se dirigiu de forma dura ao marido.

Donghae crispou os lábios numa linha reta e deixou a sala, fazendo Eunhyuk ir atrás dele. Hoseok permaneceu encolhido o tempo todo, com medo de ser agredido por ele, tentando camuflar as lágrimas teimosas escorrendo pelo rosto. Ele se assustou quando uma presença passou a circundá-lo e o que mais o surpreendeu foi que, assim como aconteceu com Kihyun, os tremores de seu corpo aliviaram até sumirem.

Confuso, ergueu o rosto e deu de cara com Siwon agachado em frente ao sofá, a pouco centímetros de si. Arrastou-se para o canto oposto do estofado, afastando-se dele numa atitude amedrontada.

— Eu não vou fazer nada, fique calmo. — Hoseok não saiu da defensiva por vê-lo esticar a mão em sua direção. Ele fechou os olhos, sentindo náuseas pelo que viria a ocorrer. E novamente se surpreendeu. O toque dele foi suave como o de Kihyun foi, Siwon limpou suas lágrimas com um extremo cuidado como se já tivesse passado por isso uma outra vez. — Hyuk também tinha medo de alfas, mas duvido que seja pelos mesmos motivos que os seus. — ele era telepata? Hoseok encarou Siwon, que sorriu para si. — Nós sempre criamos nossos filhotes para agirem como quiserem agir, e não como a sociedade prega. Ensinamos eles a terem respeito com os outros, independente da natureza ou classe social. Talvez, por isso, você ache que o Kihyun “não age como alfa”. — Siwon usou as palavras dele. — Eu não sei o que seus pais falam sobre alfas, mas alfas não são assim. Pelos menos, nós não somos, eu te garanto. — referia-se ao seu marido, seu filhote e a si próprio.

— Hoseok. — aturdido, ele virou o rosto quando foi chamado, deparando-se com Donghae de cabeça baixa e Eunhyuk ao lado dele. — Desculpe, eu não queria ter falado com você daquele jeito. Eu só… me exaltei porque você mexeu numa ferida antiga minha. — ele mal estava acreditando no que via. Era sério que um alfa estava mostrando arrependimento?

— Eu… o que? — piscou, sem palavras.

— Eu não pareço alfa, pareço? — Donghae ergueu o rosto, e Hoseok viu algo inédito: os olhos e nariz dele estavam vermelho. Ele tinha chorado? Como assim? Desde quando alfas choram?

— Hae… — Eunhyuk segurou a mão dele.

— Você pode dizer, Hoseok. Eu sei que tenho cara e corpo de ômega. — sorriu triste, falando com a voz embargada. — Eu sempre ouvi isso do meu pai e dos outros, eu cresci achando que era anormal por ser alfa e agir como ômega. Mas o Siwon me mostrou que eu não tinha nada de errado. Não importava como eu agisse, se eu fosse mais emotivo, tivesse aparência considerada mais delicada, se fosse gentil com os outros: eu sempre serei um alfa. — Siwon sorriu para o marido. — Eu não quero que o meu filhote passe pelo o que eu passei, entende? — fungou, apertando mais a mão de Eunhyuk. — Então, me desculpa, Hoseok. Eu sei que a gente começou com o pé esquerdo, mas pode nos dar outra chance? Você é alguém muito importante pro nosso filhote, eu não quero que você tenha medo de mim e do Siwonie. Nós somos como o Ki, não precisa ter medo da gente.

Hoseok sentiu-se sem fôlego diante daquilo. Outra vez, suas crenças sobre alfas estavam sendo fortemente abaladas por um Yoo. Talvez fosse de família ter esse “quê” diferente de tudo do que estava pressuposto. Seria aquilo a famigerada exceção? Será que finalmente tinha encontrado pessoas, ou melhor, alfas que divergiam de todos os conceitos que construiu ao longo dos anos?

— Você deixou ele vermelho, Hae. Pare com isso. — Siwon reclamou.

— Mas eu não falei nada demais! — Donghae fez birra.

— “Você é alguém muito importante pro nosso filhote”. — imitou a voz do outro. — Como quer que ele não fique assim com você dizendo uma coisa dessas?

— Aish. — virou o rosto, emburrado.

— Desculpe, eles são assim mesmo. — Eunhyuk coçou a nuca e suspirou.

E para a surpresa de todos, Hoseok soltou uma gargalhada alta. Os três trocaram olharem, felizes por não verem ele mais desconfortável e também por Donghae e Siwon já não sentirem mais o cheiro do medo impregnado na fragrância do mais novo.

— O jeito de vocês me lembra mesmo o Kihyun. — enxugou as lágrimas, falando entrecortado. — Mas ele é mais como o senhor a maioria das vezes. — indicou Eunhyuk.

— Calmo e paciente? — Siwon perguntou.

— Meigo e adorável? — Donghae sugeriu.

— Acanhado e quieto? — Hoseok segurou o riso por Eunhyuk ficar mais vermelho a cada adjetivo dito.

— Cuidadoso e atencioso?

— Ou-

— Ya! — Eunhyuk, encabulado, chamou atenção dos dois, que riram da sua reação.

— Você fica a coisa mais linda do mundo desse jeito, não é, Siwonie? — Donghae plantou um beijo no rosto do marido mais novo, sorrindo de orelha a orelha.

— Me dá vontade de morder suas bochechas quando você fica assim. — Siwon sorriu abertamente e lançou uma piscadela que o fez ficar com o rosto inteiramente vermelho.

— Parem com isso… — resmungou, cobrindo a maior parte da face com a franja, ato que deixou seus esposos ainda mais sorridentes.

Aquela interação era atentamente analisada por Hoseok. Ele não via coisas como rivalidade ou territorialidade entre os dois alfas em relação ao ômega que compartilhavam, ambos pareciam bastante à vontade quanto a isso. Aliás, o jeito que pensava fazia parecer que Eunhyuk era propriedade deles, o que, na realidade, não era, então tratou de balançar a cabeça para afastar tal ideia equivocada. Pelos olhares cúmplices e intensos que os três trocavam entre si, dava para ver o quanto eles se amavam.

Eles são parceiros de verdade.

— Vocês já estão deixando o Eun omma sem graça? Vocês dois não cansam, appas? — Hoseok olhou em direção a escada onde Kihyun descia com o irmão, cabisbaixo, agarrado a um de seus braços.

— Deixa de ser estraga prazeres. Eu não te criei para acabar com a minha diversão. — Donghae fez o filho revirar os olhos.

— Viu, Hyuk? Isso que dá fazer nosso filhote ser muito apegado a você. Ele se transformou numa criança petulante. — Siwon disse num falso drama.

— Parem de perturbá-lo. O Eun omma sabe que o Ki só quer defender ele dos esposos malvados. — Eunhyuk brincou, e um rubor acentuado se alastrou pelo rosto de Kihyun.

— Omma… — ele estava sem graça por ser mencionado de forma tão carinhosa e quase infantil na frente do amigo.

— O que? Está com vergonha só porque seu namorado está aqui? Vou já pegar seu álbum de fotos de bebê para mostrar pra ele. — Kihyun ficou ainda mais vermelho.

— Omma…! — resmungou como uma criança birrenta. — Nós são somos namorados.

— Não são? — o mais novo dali se pronunciou pela primeira vez. Seus olhos e nariz estavam um pouco vermelhos, o que significava que havia parado de chorar há pouco tempo.

— Já disse que não. O Seok e eu somos só amigos. — aproximou-se dos demais e parou em frente a Hoseok. — Fala com ele, Kyunnie. — o pequeno olhou rapidamente para a visita e corou, agarrando-se a camisa do irmão e escondendo o rosto no peito dele.

— Ele é tímido. Demora um pouco pra ele falar com pessoas novas. — Siwon explicou.

— Qual é o seu nome? — Hoseok não era muito chegado em crianças, mas era o irmão do garoto que poderia considerar seu meu melhor amigo ali. Além disso, a atitude dele lembrava de Jooheon, que vivia atracado assim em si.

— Changkyun. — o pequeno não se deu o trabalho de olhá-lo.

— Olhe pra ele, Kyunnie. Não precisa ficar assim, o Seok é legal. — Kihyun tentou de novo, mas Changkyun só fez enterrar ainda mais o rosto em seu peito.

— Oi, Changkyun. Eu sou o Hoseok. Eu já te vi algumas vezes voltando pra casa com o Kihyun. — sorriu mesmo sabendo que ele não iria encará-lo. — É engraçado ver que existe alguém mais baixo que você, Kihyun. Parece que milagres acontecem.

— Ya! — a reação do amigo ao seu comentário fez os demais rirem, incluindo Changkyun. O pequeno não escondeu sua risada e embora continuasse agarrado a camisa do irmão e escondendo o rosto corado, Hoseok sentiu-se feliz por não vê-lo mais tão na defensiva.

Após Kihyun se desemburrasse pela piadinha a respeito de sua altura, os mais velhos chamaram os menores para jantar. Changkyun e Kihyun ajudavam a pôr a mesa enquanto Hoseok apenas observava sentado, já que Donghae havia insistido que, por ser visita, não deveria se preocupar com isso. Então, ficou ali enquanto via os Yoo cuidarem de tudo.

Se tinha uma palavra que pudesse definir aquele jantar, agradável seria ela. Hoseok podia dizer que estava cativado pela maneira que os membros daquela família interagiam. Siwon e Donghae possuíam um comportamento quase infantil quando inventavam de deixar Eunhyuk sem graça ou até mesmo discutiam sobre coisas banais, o que gerava vários suspiros, no estilo “Eu mereço”, de Kihyun e rendia boas risadas de Changkyun e, inclusive, sua. Por outro lado, ao se tratar dos filhotes, eles olhavam e falavam de maneira extremamente cuidadosa, algo que era visivelmente recíproco, pois notava a maneira encantada dos menores ao conversarem com os pais. Era curioso ver como Kihyun, além daquela imagem forte que ele passava, podia ser extremamente adorável com um rubor fraco quase imperceptível no rosto. Os olhos dele brilhavam de uma tal maneira que foi como se estivesse reafirmando ali mesmo, na sua frente, quanto orgulho tinha de ser filhote do trio.

— Está confortável, querido? — Eunhyuk perguntou a Hoseok. Kihyun e ele já estavam no quarto, de banho tomado, roupas limpas, prontos para dormir depois de terem ajudado com a louça e ficado por um tempo na sala.

— Sim. Desculpa por ter feito vocês me emprestarem uma roupa. Eu juro que tinha colocado outra roupa na mochila. — desculpou-se pela milésima vez.

— Não tem problema, relaxe. — Eunhyuk sorriu tão abertamente que Hoseok sentiu como se fosse realmente filhote dele.

— Tudo bem você dormir aqui com o Ki? — Donghae, encostado no batente da porta, perguntou. Era engraçado ver como os membros da família Yoo quebravam bastante estereótipos: lá estava ele, um alfa, vestido apenas uma camisa grande, que dava para ver que era de Siwon, enquanto que, na sua cabeça, ele se vestiria com uma camisa folgada ou mesmo com uma calça moletom ou optasse somente pela calça igual a Eunhyuk. — Eu não sei o que ele pode fazer se ficar sozinho com o namorado dele.

— Eu já disse que somos só amigos, Hae appa. — Kihyun resmungou com as bochechas coradas, e Hoseok aproveitou para tirar uma foto daquele momento único sem que ele percebesse.

— Tudo bem, vamos fingir que acreditamos. — Donghae não ocultou o riso quando seu filhote ficou ainda mais emburrado.

— Não tem problema, senhores Yoo. — Hoseok garantiu, sorrindo.

— Então, se comportem, vocês dois. — Donghae, como forma de brincadeira, estreitou os olhos numa falsa ameaça.

— Boa noite, Hoseok. — Eunhyuk aproximou-se da cama e afagou a cabeleira castanha da visita. — Boa noite, minha joia. — sentou no colchão, inclinando-se para perto do filho.

— Omma… Na frente do Seok não… — Kihyun encolheu os ombros.

— O que? Você está com vergonha de dar um beijo de boa noite no seu pai só porque seu namorado está aqui? — Siwon apareceu ali, parado na entrada do quarto. Ele estava vestido apenas com uma calça, igual a Eunhyuk, e tinha Changkyun dormindo seus braços. O pequeno estava com a cabeça tombada no ombro alheio e era segurado com extrema firmeza.

— Ele não é meu namorado! — resmungou, fazendo birra.

— Vocês dois. — Eunhyuk encarou os maridos mortalmente. — Parem de envergonhar nosso filhote na frente da visita.

— Mas assim não tem graça, Hyukie. — Eunhyuk levantou uma sobrancelha. — Tá, a gente já parou. Não precisa bater na gente.

— Acho bom. — voltou-se para Kihyun. — Boa noite, meu amor. — dessa vez, o mais novo não reclamou quando inclinou-se para dar seu costumeiro selinho de boa noite.

— Boa noite, Eun omma. — ele falou, sorrindo, sem mesmo notar o quão fofo estava parecendo para o amigo.

— Boa noite, filhote. — Eunhyuk deu espaço para Donghae e Siwon também fazerem aquilo, mas continuou por perto, observando.

— Boa noite, appas. — Kihyun também deu um selinho neles e deixou um beijo no topo da cabeça do irmão, fazendo carinho nos fios negros do cabelo dele.

— Boa noite, Hoseok. — Hoseok só fez sorrir tímido quando Siwon e Donghae afagaram sua cabeça.

— Eles te assustaram? — Kihyun perguntou assim que ficaram sozinhos.

— Seus pais são legais, Ki. — imitou o modo como os pais do amigo chamavam ele e apertou a bochecha dele. — Sabia que você fica fofo quando fica todo emburrado?

— Até você, hyung? — ele resmungou.

— Tão bonitinho. — provocou de novo e riu pela carranca que se formou no rosto alheio. — Seus pais são assim o tempo todo?

— Aqui em casa, sim. Eles não se importam de parecerem descontraídos e infantis, mas quando é para dar bronca, eles ficam bem sérios. — comentou enquanto deitava. — Você dorme de bruços?

— Desde que me entendo por gente, sim. — ajeitou a cabeça no travesseiro até ficar totalmente confortável. — Meu irmão também achava isso curioso.

— Irmão? Você não é filho único? — Hoseok pareceu travar ao seu lado diante da pergunta. — Não precisa falar se não quiser.

— A gente não era irmãos de sangue, mas a gente era irmãos de verdade. Eu o considerava meu dongsaeng. — Kihyun arregalou os olhos, e sorriu fraco. Ele com certeza não esperava que lhe contasse um pouco do seu passado.

— E o que aconteceu com ele? — tirou uma mecha castanha da franja longa da frente do rosto do amigo.

— Ele foi adotado antes de mim. — umedeceu os lábios.

— Você… — não conseguiu disfarçar o choque diante dessa informação.

— É, eu era órfão, Kihyun. — desviou o olhar por um breve momento. — Eu não sei como ele está agora, mas seu irmão me lembra muito ele. O Honey- O Jooheon era tímido e bastante medroso, tinha vezes que ele corria e se agarrava em mim por ter se assustado com alguém ou alguma coisa. Ele também era bastante manhoso comigo e inventava apelidos pra mim que substituíam meu nome. Acho que nunca fui “Hoseok” pra ele, fui sempre “Wonho”, “hyung” e “neném”.

— “Neném”? — Kihyun riu soprado. — Mesmo ele sendo mais novo?

— O Honey era garoto descarado por ousar me chamar desse jeito e também por inventar de ficar me protegendo. — brincou. Após isso, suspirou. — Queria saber se ele ainda é o mesmo alfa fofo e medroso.

— Vocês nunca mais se viram? Nem por um segundo?

— Não. Talvez eu esteja procurando no lugar errado, talvez eu nunca mais encontre ele. Ele pode estar em qualquer lugar da Nova Coreia. — voltou a suspirar. — Mas eu sei que, se por algum milagre a gente se veja de novo, eu não vou deixar ele sair de perto de mim nunca mais. — não se importou com o ar sonhador presente em suas palavras. Apesar das baixas chances disso se concretizar, ainda permitia-se fantasiar sobre. Um bufo ao seu lado interrompeu seus devaneios. — O que? Você ficou com ciúmes, foi?

— Eu não. — Kihyun virou o rosto.

— Ficou, sim. — apertou o nariz dele e sorriu. Se tinha uma coisa que adorava fazer, era irritá-lo. — Eu nem sei por que você sente isso. A única pessoa que deveria ter ciúmes aqui sou eu.

— Por que diz isso, Seok?

Hoseok emudeceu. O que estava fazendo? Estava falando demais, começando a contar coisas que guardava só para si, por quê? Realmente não entendia. E ver para aquele olhar curioso de Kihyun o deixava sem saber como agir. Deveria mesmo se abrir com alguém que conheceu há pouco tempo? Tudo bem que ele havia o ajudado naquele dia e desde então sempre lhe fazia companhia na escola, fora que sentia-se muito à vontade com ele por perto. Ainda assim, não sabia se deveria se expor desta maneira. Será que poderia se abrir? Valeria mesmo a pena correr esse risco e ainda ter a chance de perder sua única amizade? Hoseok estava mais do que incerto.

— Hyung? — Hoseok focou o olhar perdido em seu rosto. — Não precisa falar nada se não quiser. Eu não vou te forçar a nada, ok?

— Eu sinto ciúmes de você, Kihyun. Eu realmente tenho inveja da sua vida. — falou de uma vez.

— Por que? — estreitou os olhos, confuso.

Eu já dei com a língua nos dentes, não dá pra voltar atrás agora.

— Eu nunca tive nada, e você tem tudo: um lar aconchegante, pais amorosos e atenciosos, o irmão por perto. Você não precisa preocupar tanto com suas notas porque não é um poucos bolsista numa escola de ricos; você não vai achar sua geladeira vazia e não vai te faltar nada porque seus pais recebem bem; não precisa ficar imaginando se seu irmão está bem, se está saudável, se está feliz porque você convive com ele todo dia; você não precisa se preocupar em ser repreendido de forma dura porque sabe que seus pais vão conversar com você primeiro e mesmo que tem deem um castigo, sabe que eles não vão te negar carinho. — em momento algum, ele percebeu que sua voz estava embargada, nem mesmo que as lágrimas estavam a ponto de sair. Ele somente deixou tudo o que estava entalado sair, aquilo que sempre deixava preso, escondido da vista dos outros.

— Os seus pais… são muito rígidos? — Kihyun não sabia se deveria continuar perguntando, mas alguma coisa dentro de si dizia que era melhor deixar o amigo desabafar.

— Eu me recuso chamar aquele homem de pai. — não escondeu sua repulsa por TaeOh. — Você não sabe o que é não se sentir bem vindo desde o início. Sabia que ele fazia questão de mostrar, ainda nas visitações, que não me queria nem que fosse pintado de ouro? Pois é, ele fazia isso. Desde que fui adotado, aquele homem não se esforçou nem para tentar me aceitar. Pra ele, se eu sumisse, com certeza seria uma ótima notícia. — riu, debochado. — Ele nunca quis uma criança que não tivesse o sangue dele.

— Então, por quê?

— Foi pela minha omma. — respirou fundo. Não queria chorar, não iria chorar. — Ela… Kihyun, ela era totalmente o contrário dele. Ela me amava, cuidava de mim, gostava de gastar todo o tempo que tinha disponível em casa comigo. Ela sempre foi carinhosa comigo antes e depois de me adotar, ela sempre mostrou toda a afeição que por mim mesmo nos dias de visitação, quando eu só ficava na defensiva. — uma pausa, precisava fazer aquela pausa. Os olhos ardendo e a garganta apertada exigiam isso. — Ela me adotou porque ela queria ser mãe e não conseguia, entende? Eu não sei o que aconteceu quando ela era mais nova, ela só me disse que era praticamente impossível dela engravidar. Mas então aconteceu. Ela finalmente conseguiu, Kihyun. — umedeceu os lábios, sentindo novamente o gosto salgado de suas lágrimas ao fazer isso. — Ela engravidou, ela ia ter uma menina. Eu ia ganhar uma irmãzinha que me chamaria de “Hoseok oppa”. — afundou o rosto no travesseiro, tentando abafar os soluços. — Eu amava tanto a Hyerin mesmo que ela só estivesse dentro da barriga da omma. Kihyun, eu amava elas duas, e elas foram tiradas de mim. — apertou o lençol da cama, falando sufocado. — Eu fiquei sozinho de novo. Já tinham tirado meu irmãozinho de mim, aí tiraram de mim a minha omma e a minha irmãzinha. Eu só queria poder voltar no tempo e impedir isso de alguma forma. Eu queria poder mudar isso, queria muito, mas eu não posso! — Hoseok não relutou quando Kihyun o puxou e o abraçou forte, muito menos repudiou o cafuné que recebia. — E aquele homem… ele me odeia. Se ele já me odiava antes, ele me odeia mais ainda depois que elas morreram.

A partir daí, Hoseok não conseguiu falar mais nada. Toda a sua armadura havia quebrado, tudo o que guardava para si, escondia, trancafiava emergiu de forma tão intensa que nem mesmo seu choro conseguia aliviar a dor em seu peito. Sequer percebia que seu corpo tremia a cada soluço, nem que molhava a camisa de Kihyun, a única coisa que notava era os braços dele o apertando, os lábios dele beijando o topo de sua cabeça, o carinho em seu cabelo, a aura dele o circundando. E assim como na última vez, seus músculos relaxaram, o tom de seu choro baixou e suas lágrimas foram cessando. Hoseok não sabia que magia Kihyun fazia, mas era sempre acalmado por ele.

— Desculpa. — fungou e tentou se soltar, mas Kihyun não deixou.

— Não se desculpe. — com toda a delicadeza do mundo, enxugou o rosto do amigo.

— Agora, você sabe por que eu sou atrasado um ano. — apertou mais a camisa alheia. Aquela posição, por incrível que pareça, era aconchegante, mesmo que estivesse sendo um alfa o abraçando.

— Seok. — esperou Hoseok o encarar para continuar. — Você tem todo o direito de estar assim. Eu não entendo o que sente, mas quero ajudar.

— Você não precisa fazer isso. — tentou se afastar de novo, mas o enlaço apertou.

— Eu quero ajudar, Seok, e eu vou, de alguma forma. Eu prometo. — sussurrou no ouvido dele e enxugou uma lágrima teimosa que escorreu pelo rosto de Hoseok.

Kihyun não insistiu em deixá-lo em seu peito quando Hoseok quis sair do abraço, mas continuou perto, afagando os fios castanhos. O contato visual entre eles não era quebrado em momento algum e o silêncio também, eles apenas ficaram assim até Hoseok pegar no sono enquanto sentia o cafuné. Kihyun, por outro lado, permaneceu acordado, velando o sono do amigo. Sabia que o mais velho, embora posasse de durão, era alguém frágil, mas jamais passou pela sua cabeça o motivo dele ser assim. As palavras dele rondavam tanto seus pensamentos que acabaram levando seu sono embora.

— Você pode dormir tranquilo, Seok. — murmurou sem parar com o carinho.

O barulho da maçaneta girando e a porta abrindo chamou sua atenção. Antes de olhar para o recém chegado, encarou o relógio e constatou já ser madrugada. Tendo feito isso, tornou a mirar a entrada do quarto.

— Hyung. — a voz de Changkyun estava trêmula, assustada, e ele não tardou em se aproximar da cama.

— O que foi, Kyunnie? — sentou-se no colchão.

— Eu tive um pesadelo. — choramingou. — Eu tô com medo, eu posso dormir aqui, com você? Eu não quis acordar os appas e o omma, eles tão cansados.

— Vem cá. — deu uma batidinha no espaço entre suas pernas, e seu irmão obedeceu ao pedido. — Está tudo bem agora, ok? Seu hyung está aqui com você. — o ajeitou em seu peito e passou a embalá-lo em seu colo, usando sua aura para deixá-lo confortável.

— Kihyun? — os dois olharam para Hoseok, que coçava os olhos. — O que foi?

— Meu irmão teve um pesadelo. — bagunçou os cabelos negros do mais novo.

— Por que você chorou? — Changkyun perguntou, mas, nesse tempo todo, não ousou encará-lo. Conseguia ver o rosto dele inchado devido ter deixado a porta aberta, possibilitando assim a entrada de luz no ambiente.

— É só sono. — Hoseok tentou contorná-lo.

— Eu sei quando uma pessoa tá com sono e quando ela chorou. — soltou um muxoxo. — Você tá machucado?

— Kyunnie. — Kihyun chamou atenção.

— Tudo bem, Kihyun. — Hoseok sentou-se, tendo o olhar do pequeno em si pela primeira vez. — Não, eu não estou machucado. — usou seu melhor sorriso. Estava tão acostumado a fazer isso, usar um sorriso forçado para ocultar seus problemas, contudo aquela criança… aquela criança o olhava de uma forma tão profunda que sequer sabia se isso iria convencê-la de que estava bem.

— Então, por que chorou? — insistiu, estreitando os olhos. — O Eun omma tem dodóis no corpo dele, mas ele não chora e diz que não dói mais.

— Dodóis? — olhou, confuso, para Kihyun.

— Ele está falando das cicatrizes. Você deve ter visto já que o Eun omma costuma dormir sem camisa. — segurou o irmão e puxou o lençol para cobrir as pernas deles. — Você entendeu o que o Eun omma contou pra gente, não é, Kyunnie? — Changkyun movimentou a cabeça positivamente.

— Os dodóis do omma não doem mais. — falou com convicção.

— Ele não está falando necessariamente daquelas cicatrizes, Seok. Os nossos pais… — e assim Kihyun contou sobre o passado dos seus progenitores, de Donghae sofrendo preconceito, conhecendo Siwon, tornando-se amigo dele antes de virarem namorados; também falou sobre o preconceito que ambos sofriam por serem um casal de alfas, também do caso que envolvia Eunhyuk e tudo o que sucedeu posteriormente: a internação do ômega, o pedido de namoro feito por ambos os alfas, os três passando a morar juntos, o pedido de casamento, a entrada de Eunhyuk na polícia, o novo preconceito que sofriam por serem um casal poligâmico, enfim. Kihyun não ocultou detalhes, também não escondeu o fato dele e irmão serem vítimas de preconceito por não serem uma família considerada dentro dos padrões.

— Vocês lidam com isso todo dia? — Hoseok estava boquiaberto.

— É, mas a gente não liga. A gente ama os appas e o omma, e eles amam a gente. — Changkyun virou-se pra Kihyun, esbanjando uma expressão tristonha. — Você me ama, hyung?

— Claro que amo, bebê. — riu do bico que o irmão fez.

— Eu não sou bebê. — resmungou com as bochechas tufadas.

— É, sim. É o meu bebezinho que amo muito. — Changkyun soltou uma risada gostosa por ter o esmagado num abraço de urso e enchido o rosto dele de beijos.

— Por que você tá chorando? — Kihyun olhou para Hoseok quando Changkyun falou aquilo, notando que as pequenas lágrimas escorrendo pelo rosto dele.

— Ver vocês dois assim… — umedeceu os lábios. — Eu me sinto um idiota por nunca ter expressado direito isso pro meu irmão. Agora eu não sei se vou ter uma chance pra fazer isso.

— Não chora. — Changkyun se aproximou e abraçou Hoseok, surpreendendo os mais velhos por sua atitude. — O hyung e eu brigamos um pouco, mas a gente faz as pazes depois. O seu irmão e você também vão fazer as pazes.

— Eu queria poder dizer isso. — escondeu o rosto com a franja e fungou. Tamanha inocência era demais para si, alguém como ele provavelmente não entenderia. — A gente se separou, não tem como isso acontecer.

— Tem, sim. Os irmãos sempre voltam, não é, hyung? — olhou para Kihyun, que sorriu.

— Se eles se amarem mesmo, eles vão sempre dar um jeito de voltar. — juntou-se ao abraço, beijando o topo da cabeça de ambos. — Seu medo passou, Kyunnie?

— Uhum. Os meus amigos disseram que ele era mal e que ele ia te roubar de mim, mas ele só não gosta de ficar sozinho que nem eu. — na época, Hoseok não entendeu o real significado daquelas palavras, então se limitou a ficar calado. — Eu vou pro meu quarto agora.

— Espera. — Hoseok não deixou ele se afastar. — Não precisa ir embora, pode ficar aqui com a gente.

— Posso? — ah, mal sabia ele o quanto estava conquistando o mais novo amigo do seu irmão fazendo tão pouco.

— Pode. — sorriu.

E, naquela noite, foi a primeira de muitas vezes em que os três dormiram juntos.

 

(...)

 

— Não esqueçam de trazer as questões do capítulo na próxima aula.

E como se fosse planejado, segundos após o professor dizer isso, o sinal do almoço soou do lado de fora da sala. A turma soltou o costumeiro burburinho de alívio e fome, levantando-se para sair e quebrando todo silêncio do local. Hoseok, por outro lado, bocejou como fizera inúmeras vezes durante o decorrer das aulas. Suas pálpebras estavam pesadas e sua expressão não escondia o quão sonolento estava, embora tivesse perdido a hora e só entrado no segundo horário. Bocejou novamente, fechando os olhos enquanto esticava a boca até o limite para liberar o bocejo bastante sonoro.

— Você deveria ter ficado em casa, Seok. — Kihyun empurrou a cadeira até as costas dela esbarrarem em sua mesa e levantou para sentar de frente para si.

— Deveria, mas não posso. — respondeu com voz baixa, tamanho era seu sono.

— Mas foi seu primeiro cio, você está cansado. — Hoseok continuou o encarando de modo entorpecido, piscando devagar.

— E eu sou bolsista, Ki. Não posso simplesmente me dar o luxo de faltar. — bocejou de novo.

— Era um mal necessário. — o outro crispou os lábios diante do que disse. No final, não adiantava tentar convencê-lo do contrário. — Você está caindo de sono. — esticou a mão para fazer um carinho na bochecha dele.

— Não estou. — resmungou em clara birra, mas fechou os olhos e deixou a cabeça pesar sobre a palma alheia.

— Está, e como está. É bem capaz de você dormir se apoiando na minha mão por não se aguentar acordado. — riu do bico emburrado do amigo. Ele normalmente não era assim, talvez fosse o efeito pós cio. — Quer que eu pegue alguma coisa pra você comer? Daí não precisa sair da sala e ainda aproveita pra dormir.

— Não… Eu vou pro intervalo com você… — praticamente ronronou. Não conseguia parar de sentir necessidade de carinho e atenção no momento, o deslizar suave e contínuo do polegar de Kihyun em sua pele parecia tão gostoso que abriu os olhos, confuso, quando não sentiu mais o toque. — Quem te deixou parar?

— Calma. — riu das bochechas tufadas na expressão aborrecida adorável. É, definitivamente Hoseok estava sofrendo com o efeito pós cio. — Não precisa me bater, Seok. — voltou a acariciar o rosto dele e aproveitou o raro momento para fazer cafuné nele.

Hoseok tornou a fechar os olhos e descansou a cabeça sobre a carteira ao sentir os dedos passeando pelo seu cabelo numa carícia deliciosa. Sua resposta ao mimo arrancou uma risada soprada de Kihyun, o que ocasionou num sorriso seu. Era bom ver como ele estava respondendo bem aos procedimentos para se recuperar do trauma ocasionado pela morte de Eunhyuk. Leviandade e tolice era falar que ele estava recuperado. Ninguém da família Yoo havia saído totalmente do luto, mas era notável a mudança significativa dele. Hoseok sentia um verdadeiro aperto no peito ao lembrar do Kihyun de sete meses atrás e suspirava aliviado por ele não ter se esquivado daqueles que estavam ali para ajudá-lo, embora tenha chegado a um ponto dele se fechar de tudo e de todos por conta do falecimento do pai.

— Precisamos ir logo senão você vai dormir. — Hoseok entreabriu os olhos e percebeu a parca distância entre o seu rosto e o do amigo. Não se incomodava de tê-lo tão perto, mas aquele ainda era um Kihyun mais contido devido a tudo o que passou, então surpreendeu-se.

— Ok. — ergueu-o tronco e coçou os olhos.

Enquanto as mãos estavam bloqueando sua visão, ouviu o ruído dele se levantando. Ainda assim, soube que ele estava ali, parado, esperando. Kihyun não o deixava sozinho não importava a situação, como um verdadeiro anjo intercessor em sua vida, e todo esse cuidado o fazia sentir-se amado. Sim, aquele sentimento no qual julgava somente receber do seu irmão e da mãe falecida também lhe era dado por Kihyun, Changkyun, inclusive por Siwon, Donghae e o finado Eunhyuk. Palavras eram poucas para definir o que aquela família significava para si, mas de uma coisa tinha certeza: os Yoo tinham toda sua admiração e apreço.

Enfim parou de devanear e antes que dormisse sentado, levantou-se, e mais um bocejo escapou de seus lábios. Já estava um pouco mais desperto, contudo continuava com certa sonolência em seu corpo. Tratou de seguir o amigo e ficou incomodado por ele estar a alguns passos de distância. Mesmo não admitindo, estava, sim, carente por conta do fim do seu cio. Desejava inconscientemente ser mimado mais e tê-lo perto de novo, tão próximo como em momentos atrás quando sentiu o hálito morno tocando sua pele.

— Kihyun. — com o tempo, passou a chamá-lo de “Ki” tal qual os pais dele, mas preferiu parar por tempo indeterminado por saber que era um apelido carinhoso dado por Eunhyuk. Kihyun parou no meio do caminho, quase chegando na porta da sala, e aproximou-se dele. — Me beija.

Primeiramente, não houve reação alguma diante do seu pedido inusitado. Com o passar de alguns segundos, viu o choque se estampar nos traços delicados dele. O rosto de Kihyun passou a avermelhar cada vez mais após ter processado e interpretado devidamente suas palavras.

— O q-que? — aquela era uma reação genuína e adorável que há muito tempo não via e só o incentivou a se aproximar dele.

— Me beija. — repetiu, caminhando até ele, que recuava a cada passo que dava.

— V-você não s-sabe o que está p-pedindo. — engoliu em seco ao sentir as costas contra a parede.

— Estou pedindo um beijo. — usou os braços para encurralá-lo, uma mão em cada lado do rosto dele. — Você vai deixar, não é? Eu sou seu hyung. — diminuiu a distância, e Kihyun fechou os olhos com força. Continuava sendo mais alto que ele e vê-lo assim era muito fofo. — Ki, — não se importou de usar o apelido e nem com o tom manhoso. — é o seu primeiro beijo? — seus narizes roçaram um no outro, e o mais novo encolheu os ombros antes de menear a cabeça positivamente. — Vai ser o meu também.

Kihyun mal abriu os olhos e sentiu as mãos de Hoseok segurarem seu rosto e os lábios dele sobre os seus. O choque foi tão grande que arregalou os olhos. O coração estava disparado dentro do peito, sequer acreditava estar numa situação dessas. Céus, era Hoseok, seu melhor amigo e estava o beijando! Como deveria agir?

Um movimento sutil contra sua boca o fez parar momentaneamente de surtar. O mais velho estava de olhos fechados, ainda com seu rosto entre as mãos, a franja longa castanha caía de um jeito bonito sobre os olhos dele e mesmo assim não escondia o leve rubor nas bochechas dele. Ele estava esperando alguma atitude sua para poder continuar, então, por incrível que pareça, resolveu experimentar aquilo.

Kihyun entreabriu os lábios e fez seu primeiro movimento, encaixando a boca na dele. Um arrepio correu por sua coluna quando sentiu a língua de Hoseok adentrar e roçar na sua suavemente. Apertou os olhos e segurou as laterais da barra da camisa dele, numa atitude tímida para puxá-lo para perto. O beijo enfim ganhou ritmo, e teve de se esforçar para acompanhar a certa voracidade de Hoseok.

— Hyungs, vocês tão aqui? — o baque da porta interrompeu o beijo que mal havia começado. Os dois olharam em direção ao ruído e se depararam com Changkyun vermelho, encarando-os. — O que você tá fazendo com o meu irmão?! — ele finalmente reagiu. — Eu não te deixei fazer isso! — Kihyun e Hoseok trocaram olhares e voltaram a encarar um Changkyun vermelho e aborrecido. — Larga ele! — os dois se afastaram. — Quem te deixou ficar tão perto do meu hyung?! Por que você tá fazendo isso com ele?! O que-

Kihyun deixou o queixo cair. Enquanto Changkyun esperneava, Hoseok se aproximou dele e o abraçou pela cintura, colando seus corpos antes de beijá-lo. Ironicamente, seu irmão teve a mesma reação que sua: cedeu com apenas um movimento singelo contra a boca. Então, aturdido, observou seu melhor amigo beijar seu irmãozinho bem na sua frente.

Hoseok aproveitou até o ar faltar os seus pulmões. Changkyun ainda estava com as mãos em seu peito, de olhos fechados, ainda naquele estado entorpecido. Sorriu quando ele finalmente o encarou e soltou uma risada baixa por ver o rosto dele explodir em vermelho.

— Pronto, agora eu beijei vocês dois. — deu um selinho nele, que ainda estava em choque.

Kihyun soltou uma risada nervosa pela situação e Changkyun escondeu o rosto no peito de Hoseok. Poderia ser a carência que o levou a fazer isso, mas não ligava. Pelo menos, por um segundo, ele esqueceu das marcas em seu corpo que precisou esconder antes de ir para aula. Pelo menos, por um segundo, Hoseok esqueceu-se de que seu cio o destruiu mais do que o esperado.

— Vamos logo antes que a gente perca o intervalo. — Kihyun coçou a nuca, chamando os dois enquanto saía da sala. Estava tão distraído olhando para o irmão e o amigo que foi de encontro com alguém, o que resultou em papéis espalhados pelo chão.

— D-desculpa, e-eu… — o rapaz se abaixou para pegar as folhas. — E-eu não, desculpa, eu não-

— Ei, calma. — agachou-se também. — A culpa foi minha, não é pra você ficar se desculpando.

— M-mas… — ele parecia assustado, então Kihyun logo tratou de tranquilizá-lo já que o amigo ele vindo apressado não estava lhe olhando com uma cara tão boa.

— Já disse que a culpa foi minha. — passou a amontoar a papelada e ergueu-se junto com ele, entregando o que juntou. — Aqui.

— O-obrigado. — ele o reverenciou. Kihyun tentou ao máximo olhar nos olhos dele para respondê-lo, mas o outro fazia questão de esconder o rosto com a franja negra.

— Por nada. — imitou o gesto e sorriu sem graça para o recém chegado mal encarado, que também carregava uma pequena pilha de papel.

— Está tudo bem? — ele perguntou ao que havia topado com Kihyun. — Vamos logo entregar isso, eu não quero perder o intervalo. — o rapaz cabisbaixo assentiu com um movimento de cabeça, logo ambos estavam de volta em seu caminho.

— O que foi? — Hoseok olhou, curioso, para os que falaram com o amigo há pouco.

— Eu topei com alguém, não foi nada demais. — deu de ombros. — Vamos que a fila deve estar imensa. — tornou a chamá-los, mas olhou para trás por um breve instante.

— Eu quero mudar, mas não sei o que faço. — Kihyun conseguiu ouvir o rapaz que olhou feio para si dizer. — Talvez ficar loiro, eu enjoei do cabelo castanho. O que acha, Hyungie? Eu ficaria bonito loiro, não é?

— Não é como se você fosse pintar dependendo da minha resposta, Min. — o rapaz cabisbaixo virou o rosto para falar com o amigo, e Kihyun pode ver brevemente o rosto dele de perfil. — Você pintaria por pura birra se eu dissesse não.

— Pintaria mesmo. — os dois riram e sumiram ao mudar de corredor.

Kihyun balançou a cabeça, sorrindo sozinho e rumou para o refeitório. Changkyun veio até si e se agarrou em seu braço, como tinha costume de fazer, enquanto Hoseok somente caminhou ao seu lado durante o trajeto. Estava um clima meio estranho, mas curiosamente apenas os irmãos pareciam sentir isso. Hoseok parecia tão tranquilo com aquilo que fazia parecer que o ocorrido de minutos atrás não havia acontecido, conversava, brincava, provocava, enfim, fazia o de sempre, sem realmente se importar com o que fez. Então, o mais velho dos Yoo olhou para o mais novo e sorriu um sem graça, como se falasse “Vamos só ignorar isso igual ao Seok” através daquele sorriso.

Por sorte, quando chegaram, a fila do almoço já estava bem menor se considerasse a quantidade total de alunos da escola. Os três ficaram ali, conversando enquanto, a um passo de cada vez, seguiam em direção a comida. Eles sentaram numa mesa qualquer após terem se servido das porções que desejavam, Hoseok comia mais do que o de costume por causa do cio e de forma de desesperada, arrancando vários risos de Changkyun e Kihyun, embora esse último tenha se preocupado em lhe pedir para comer com mais calma já que a comida não iria fugir dele. No final, não foi tão diferente do usual.

— Kyunnie, sua boca ainda está suja. — Kihyun limpou o rosto do irmão como sempre fazia. — Você parece um bebê se sujando todo desse jeito.

— Eu não sou bebê, hyung. — reclamou. Não era como se não gostasse de ser chamado assim, aquilo era pura birra.

— É, sim. É o meu bebezinho. — beliscou de leve o bico emburrado.

— Não liga pra ele, Kkukkung. O Ki não sabe lidar com alguém fofo como você. — Hoseok o abraçou por trás, caminhando assim o resto do caminho para a sala do menor.

— Seok hyung? — Changkyun virou o rosto para encará-lo.

— Oi, bebê. — sorriu largo.

— Você, hmm… O hyung e você tão… — corou forte sem conseguir finalizar a frase.

— Não, bebê. Eu beijei o seu irmão, mas não estamos namorando. — o apertou entre seus braços.

— Não? — juntou as sobrancelhas, confuso. — Então, por que beijou ele?

— Porque eu quis. — deu de ombros. Uma coisa como aquela não era nada demais para si, mas sabia que não funcionava desse jeito na cabeça dele.

— E eu? — o rubor ficou mais acentuado.

— Não sei, você quer a gente namore? — a expressão de Changkyun foi impagável. — Ou prefere esperar sua alma gêmea? — lembrava de quando contou a lenda a ele. Changkyun havia ficado tão convicto de que acharia sua alma gêmea que sequer prestou atenção quando salientou o ponto de somente haver poucos desses casos. Se não destruiu as expectativas de Jooheon, por que iria fazer isso justo com a daquela criança adorável?

— Eu vou esperar a minha alma gêmea. — sua resposta tímida arrancou sorrisos dos mais velhos.

— Então, pronto. — afagou a cabeça de Changkyun.

— Hyung, você vai ir dormir lá em casa hoje? — o entusiasmo de sua pergunta era tão óbvio quanto seus olhos brilhando.

— Não dá, Kkukkung. Quem sabe uma outra vez. — deixou um beijo testa do pequeno.

— Os appas vão vir buscar a gente hoje, não esquece. Me espera no estacionamento. — Kihyun deu um selinho no irmão ao despedir-se.

— Tchau, hyungs. — Changkyun acenou antes de entrar na sala.

— Vem aqui, Seok. — Kihyun puxou o amigo pela mão.

— Só tem alguns minutos antes do professor entrar, não dá tempo nem de eu cochilar um pouco. — do jeito que o amigo era, Hoseok já imaginava o porquê de estar sendo puxado, mas Kihyun passou direto pela sala deles. — Ki, a gente passou da sala.

— Eu sei. — ele respondeu ainda de olho no caminho.

— Pra onde você está me levando? — perguntou, olhando para trás. Os alunos já estavam começando a voltar para as salas. — Ki!

— Só vem. — eles dobraram em outro corredor e andaram mais um pouco.

— Ki, a aula. — tentou fazê-lo parar, mas ele fingiu não ouvir.

— Pronto. — abriu a porta e o trouxe para dentro. — Agora, deite e durma um pouco.

— Não tem ninguém aqui na enfermaria, Ki. — reclamou. — E eu não posso perder aula.

— Eu estou aqui, e você precisa descansar. Nem tente me convencer, você está exausto, seu rosto deixa isso claro. — Hoseok fez uma careta emburrada. — Não adianta fazer bico pra mim. Vamos, deite. Eu vou ficar aqui com você.

— Tá, que saco. — retirou os sapatos e deitou numa das macas. — Satisfeito? Seu chato.

— Sim, sr. Rabugento. — riu e começou a acariciar os fios castanhos, ouvindo um ronronar baixinho do amigo. — Pode dormir. Eu vou ficar vigiando pra que ninguém venha te perturbar.

— Mas e você? — virou de bruços, aproveitando o carinho.

— Eu entro com você no próximo horário. Não se preocupe comigo, só durma um pouco. — desceu o cafuné para a nuca, e Hoseok se encolheu todo. Aquilo não havia sido cócegas, ele conhecia muito bem um gemido de dor. — Seok, o que é isso no seu pescoço? — Hoseok sentou de forma brusca e tapou a área tocada.

— Não é nada. — desviou o olhar.

— Mas eu senti uma marca de dentes. — juntou as sobrancelhas. — Você teve companhia no cio?

Hoseok gelou.

Merda, merda, merda!

— Seok? O que foi? — tentou se aproximar. O cheiro do medo começou a ficar presente na fragrância natural dele, algo que não sentia há muito tempo. — Eu não vou te machucar, sabe disso. Não precisa ter medo de mim.

— Não! — o impediu de chegar perto. Droga, ele tinha certeza que havia escondido toda a moléstia feita em seu corpo.

— Seok-

— Não, não me toca! — gritou.

— O que houve? — já estava preocupado, o amigo estava agindo estranho e parecia que iria chorar a qualquer momento. — Por que está com medo de mim?

— Eu não estou. — tentou desconversar, desviando o olhar.

— Mas eu sinto o cheiro do medo em você, por quê?

Porque eu tenho medo que você descubra que sou alguém sujo.

— Seok, me diz o que está acontecendo. — sentou na beirada da cama, mantendo certa distância entre eles.

— Sai daqui. — encolheu-se em posição fetal. Estava assustado, céus, estava muito assustado. Kihyun não poderia saber daquilo, não poderia, senão ele iria lhe abandonar. Não aguentaria passar por isso outra vez.

— Eu não vou te machucar, eu só quero entender o que foi que aconteceu. — Hoseok rangeu os dentes.

— “O que foi que aconteceu”? — repetiu, irônico. — Eu vou te dizer o que aconteceu: aquele alfa nojento aproveitou o meu cio pra abusar de mim de novo! — o que era pra ser outro grito saiu como um soluço. — Ele abusou de mim de novo! — soluçou mais alto, mais sôfrego, mais desesperado.

Kihyun ficou sem palavras. Não sabia o que fazer numa situação dessas, mas não aguentou ficar parado enquanto via o amigo chorando de forma tão copiosa. Acolheu Hoseok em seus braços, trazendo-o para seu colo e expandiu sua presença para embalá-lo. Ele soluçava tão forte que seu corpo tremia junto com o dele, então o segurava firme contra seu peito. Agradeceu aos deuses por estarem a sós na enfermaria, não queria imaginar algo assim chegando aos ouvidos de outras pessoas.

— Está tudo bem, Seok. Os appas são da polícia, eles podem ajud-

— Não, não! Eu não posso fazer isso! Você não entende, Kihyun, ele vai… ele vai…!

— Shh, está tudo bem agora. Eu estou aqui com você, eu não vou deixar ninguém te fazer mal. — aninhou melhor seus corpos.

— Ele-

— Shh… não fale nada, só descanse. Eu vou ficar do seu lado, fique tranquilo.

Hoseok mexeu a cabeça positivamente e não disse mais nada. Em momento algum, ele reclamou por estarem nessa posição, muito menos pediu para soltá-lo, e Kihyun não iria fazer isso de qualquer forma. Da mesma forma em que Hoseok permaneceu silêncio quando algo envolvendo Eunhyuk vinha à tona, Kihyun ficou calado. Não havia passado por algo parecido, mas também presenciou um ocorrido tão estressante quanto, ficar relembrando e forçá-lo a falar não era uma opção. A única coisa que deveria fazer naquele momento era fazê-lo sentir-se protegido. E iria fazer aquilo, não importando quais métodos usasse.

Foi a primeira vez em que Hoseok dormiu em seu peito. Ele estava cansado física e psicologicamente, não demorou muito para que cedesse ao sono. Em momento algum, frouxou o abraço, muito menos cessou o carinho nos fios castanhos. Kihyun estava mais do que decido: daquele momento em diante, protegeria Hoseok com todas as suas forças.

 

IV

 

— Nós não precisamos de um herdeiro. Não vamos morrer, e sou bastante apropriada para guiar a empresa. — a mulher esguia dizia irritada ao marido. Ele queria um filhote enquanto ela tinha outra mentalidade totalmente divergente sobre aquilo.

— Mas será nosso filhote. — o homem insistiu. Ele a amava, mesmo com todos os defeitos, mesmo sabendo que o casamente deles se baseava por mero interesse dela. — Ele será muito amado. Você sabe que eu sempre quis e planejei ter um filhote.

— E você sabe que eu não quero e não gosto de crianças. — rebateu, ríspida antes de sair da grande sala luxuosa da mansão onde viviam.

Ele permaneceu no sofá, observando a figura magra e elegante subir as escadas em direção ao quarto, com o som dos saltos contra o chão reverberando em sua cabeça. Suspirou alto quando não conseguiu mais vê-la no andar de cima, ficou pensando em sua vontade de ser pai e fantasiando como seria sua vida ao lado de seu filhote. Ficou devaneando até a campainha soar e ele se levantar para abrir a porta.

— Junho, o que faz por aqui? — o sr. Son abriu a porta, deparando-se seu amigo de longa data.

— Incomodo? — sorriu largo e entrou na casa do amigo. Estava cansado, e sua mente não o deixava ficar em paz. — Eu precisava espairecer. — lhe confessou, sincero.

— O que houve? — fechou a porta da casa e sentou-se ao lado do amigo no confortável sofá. — aconteceu alguma coisa?

— Hyejin e eu tentamos de novo. — disse, cabisbaixo. Logo, o amigo tocou em seu ombro dando apoio. — Ela pensou que agora tudo daria certo, mas… — a voz dele morreu naquele ponto.

— Vocês vão conseguir. — o incentivou como sempre fazia, lhe dando forças.

O mais novo sorriu com a sua cumplicidade. Na realidade, não possuía uma diferença de idade tão grande, só era apenas um mês. Por vezes, devido ao seu jeito normalmente brincalhão e infantil, parecia o contrário, que Junho era o mais velho. Eles eram amigos desde o fundamental, eram inseparáveis.

— E quanto a Hana? O que ela disse? Mudou de opinião? — Junho mudou de assunto, e Hyunjae suspirou diante do questionamento. Pelo visto, era a sua vez de lhe dar apoio.

— Eu realmente não entendo o que acontece com ela. — começou a desabafar e sabia o outro prestava atenção em tudo que era dito. — Os Deuses, às vezes, dão bênçãos às pessoas erradas, Hyejin, por exemplo. Sua esposa merecia a condição de ter seu filhote, mas não consegue enquanto Hana nega essa dádiva. — Hyunjae não era considerado um religioso fervoroso, mas tinha sua fé e acreditava fielmente que os Deuses também eram passíveis de erro. — Eu entendo que o desejo ser mãe ou pai é algo muito importante, tem que vir de dentro, não é só ter essa condição. Não é porque eu quero que posso obrigá-la, mas sei que ela não faz isso por medo. Você sabe do que estou falando. — o outro lançou um olhar compreensivo.

Aquilo era verídico. Apesar de amá-la, decerto não confiava nela em alguns aspectos. E Junho sabia que ele se referia ao que já haviam conversado antes. Hyunjae tinha certeza que a mulher não queria lhe dar um filho pelo medo de perder o dinheiro para a criança. Era algo óbvio: Hyunjae iria garantir o futuro de seu filho, e nada melhor que uma herança. Tal fato incomodava sua esposa gananciosa.

— Desculpe, meu amigo, mas nisso eu tenho que concordar. E nunca menti sobre não aceitar essa mulher como sua esposa. Você mesmo sabe o motivo dela ter se casado com você. — apertou o ombro dele.

Assim se seguiu aquela tarde, com ambos conversando sobre a vida, sobre filhos e com Junho alfinetando sobre a mulher que Hyunjae havia arrumado. Eles só não imaginavam que Hana estava ouvindo a conversa, muito menos que, por conta disso, ela daria ao marido o que tanto desejava. Ela só precisava ser deixada em paz por eles para cuidar do império que nem era dela.

No mês seguinte, ela anunciou, com toda a falsidade que apenas ela possuía, que estava grávida. Fez questão de revelar aquilo num jantar importante da empresa, onde sabia que os Lee estariam. Era óbvio que fez aquilo de propósito e, ao observar Hyejin abaixar a cabeça com um semblante triste e ser amparada por Junho, Hana se sentiu superior, sentiu-se vingada pelo que haviam dito dela em sua própria casa.

A gravidez de Hana foi como toda gravidez, cheio de altos e baixos que estavam deixando Hyunjae louco. Todavia, ele fazia tudo o que era exigido pela esposa. Além de gostar dela, ela agora carregava o motivo de seus sorrisos e das constantes reclamações dela.

Dois dias antes do que estava marcado, Hana entrou em trabalho de parto e concebeu seu filhote, um alfa forte e de boa linhagem assim como o pai. Hyunjae era o típico pai babão, idolatrava seu pequeno filhote e sorria como um idiota a ver o recém-nascido enrolado na manta que Hyejin havia lhe dado de presente.

— Como ele vai se chamar? — a enfermeira perguntou. Hana estava deitada sobre seu leito e se recuperava bem, o pequeno alfa estava nos braços do pai que o ninava calmamente, sendo observado pela enfermeira.

— Ainda não sei. O que você acha, Hana? – Hyunjae perguntou a esposa, que revirou os olhos e o ignorou. A enfermeira ficou um tanto chocada e notou o marido suspirar. – Hyun… — começou, pensando com cuidado. — Woo. Hyunwoo. — sorriu ao que seu o filhote também pareceu sorrir.

— Acho que ele gostou. — a enfermeira comentou, e o mais novo pai ali concordou.

— Son Hyunwoo. Virtuoso, capaz, protetor. Meu filhote tem muitas qualidades, não acha? — riu baixo, vendo o bebê se mexer e também parecer rir, o que fez aumentar seu sorriso.

— Hyunjae, eu quero ir pra casa. Contrate um médico e uma enfermeira para me acompanharem lá. Não quero nenhuma enfermeira de quinta dando em cima do meu alfa. — Hana se manifestou na cama, visivelmente irritada. Aquela mulher era assim, como uma criança mimada que não brinca com seus brinquedos, mas também não empresta e tem raiva de quem toca neles. E Hyunjae tinha total noção de que era um mero brinquedo, ela não o amava e muito menos ao seu filho.

Por tal comentário, a enfermeira saiu do quarto rapidamente pelo constrangimento. Hyunjae foi atrás dela após dizer à esposa que cuidaria dos papéis para a saída dela. A moça estava cabisbaixa quando se aproximou e se desculpou pelo tratamento grosseiro. Logo, foi cuidar da papelada para tirá-la de lá. Ficou feliz ao saber que o filhote já poderia sair dali com eles devido ao bom desenvolvimento e nascimento saudável. Além do mais, ele era forte, de boa linhagem, um legítimo alfa da família Son.

Hyunwoo cresceu sendo cuidado por seu pai. Sua mãe não lhe dava muita atenção, pois estava sempre ocupada com coisas da empresa. Hyunjae deixou que a esposa cuidasse dos negócios como tanto almejava. Somente havia herdou a empresa por insistência de seu pai, então cuidar de seu filhote era muito mais prazeroso do que ficar o dia todo de terno e gravata cuidando daquele patrimônio. Obviamente, ele ia vez ou outra na empresa, até porque, com o passar do tempo, aprendeu que a ganancia de sua querida esposa não tinha limites.

Hyunwoo recebia toda a atenção do pai, mas sentia falta da mãe. Sequer chegou a ser amamentado corretamente, pois Hana não gostava de fazer aquilo. Hyunjae então decidiu garantir o futuro de seu filhote. Fez o que Hana tanto temia e sem ela saber: um testamento deixando todo o patrimônio dos Son no nome de seu pequeno alfa, que poderia assumir tudo quando completasse dezenove anos de idade. A única condição era que ele deveria ser guiado pelo melhor amigo, Lee Junho.

Hyunwoo aprendeu a falar e andar muito cedo, o que tirou lágrimas de seu pai. A primeira vez que ele disse “Appa” fez Hyunjae se derreter todo por seu adorável filhote. Ele era muito inteligente e mesmo sendo tão pequeno, com três anos, tentava copiar as ações do pai. Certa vez, viu ele ajudar uma mulher num supermercado. Ela não conseguia levar suas coisas até o carro onde o marido a esperava. Hyunjae percebeu que ele era alfa como a maioria, que achava que ômegas devem ser submissos a si, servindo como, quase, escravos.

— Obrigado. — ela agradeceu meio envergonhada. Hyunwoo estendia os braços para o alto, estando no colo do pai em poucos segundos.

— Vamos. — o alfa chamou a mulher, que se curvou em agradecimento e saiu correndo para o carro.

O veículo partiu em alta velocidade do estacionamento onde estavam. Hyunjae suspirou, imaginando o que aquela ômega provavelmente passaria por ter recebido sua ajuda.

— Appa? — Hyunwoo segurou o rosto do pai, ganhando um sorriso dele.

— Tudo bem, filhote. — beijou as mãos do menor. — Você viu isso? — seu filhote sacudiu a cabeça em afirmação. — Você dever ser sempre bom com as pessoas, isso é o que restou da humanidade. Não seja como aquele alfa.

— Alfa malvado. — interrompeu, fazendo uma careta brava que fez o outro sorrir.

— Sim, um alfa malvado. — concordou. — Você deve ser um alfa bonzinho.

— Alfa bonzinho? — jogou a cabeça para o lado de um modo confuso e ao mesmo tempo fofo.

— Sim, um alfa bom.

— Como o appa? — Hyunjae riu do filhote.

— Não sei se o appa é um exemplo. — saiu de onde estavam e caminhou até o carro dele.

— O appa é alfa bonzinho. — Hyunwoo sorriu para o pai.

— O Hyunwoo também é alfa bonzinho. — sorriu de volta antes de colocá-lo na cadeirinha.

Eles seguiram para casa onde, como já esperado, não encontraram Hana. Não se precisava pensar muito para saber que deveria estar pela empresa. Era sempre assim, ela nunca estava ali, e mesmo que estivesse, não ligava para o filhote e começou a ignorar o marido também.

Hyunjae era um alfa que todos queriam como companheiro: atencioso, amoroso, preocupado, protetor, era gentil com todos, não importando o gênero, cor, classe. Ele não ligava para esses detalhes e fazia questão de ensinar valores ao pequeno Hyunwoo, que tinha tudo para ser como o pai.

O pequeno sentia o descaso de sua mãe mesmo com o pai tentando suprir aquela falta, mas era notório que às vezes falhava. Com cinco anos, durante um dos festivais que todas as escolas fazem, Hyunjae não pôde ir por estar cuidando de algo na empresa que Hana não poderia cuidar sozinha. Ele explicou ao filhote, que entendeu, mesmo ficando visivelmente triste. O pior realmente veio depois.

Hyunwoo foi até o quarto de sua mãe e não a encontrou por ali. Ouviu o barulho de água e deduziu que ela estava no banho, então subiu na cama de casal onde ela dormia com seu pai e ficou esperando até ela aparecer, balançando as pernas na beira da cama enquanto cantarolava uma das musiquinhas que aprendeu na escola. Ela demorou bastante, mas apareceu.

— Omma. — Hana se assustou ao percebê-lo.

— O que faz aqui? — disse, ríspida, enquanto segurava a toalha acima dos seios.

— Omma, o appa não vai no festival. — começou, mas antes de continuar, sua mãe se aproximou e o segurou pelo braço, tirando-o da cama.

— O que eu tenho a ver com isso? Já disse que não quero que você fique aqui dentro. Quem te deu permissão para entrar? Foi o idiota do seu pai? Aquele imprestável. — Hana xingava enquanto puxava-o pelo braço até a porta.

— Mas, omma… — ele sentiu os olhos encherem de lágrimas e a garganta arder, anunciando o choro próximo. — Você…

— Eu nada, e não volte a entrar aqui, entendeu?! — gritou e fechou a porta do quarto, deixando o filhote chocado do lado de fora.

O garotinho de cinco anos saiu correndo dali, foi para o jardim da casa e, lá, ficou chorando.

No dia seguinte, Hyunjae foi chamado na escola, seu filhote havia aprontado algo.

— Desculpe o incômodo, sr. Son, mas Hyunwoo bateu em um colega sem motivo aparente. Ele nunca fez isso antes. — a diretora explicava a situação ele, que andava sério, vestido em suas roupas casuais, porém impecáveis, a caminho da coordenação do colégio.

— Hyunwoo. — chamou o filho sentado, de braços cruzados, em uma cadeira.

— A-appa. — ele pareceu engolir em seco ao observá-lo vir em sua direção.

— Venha, vamos pra casa. — falou, sério. Hyunwoo se levantou pegando seu material. — Peço desculpas por isso. Não voltará a se repetir. — fez uma reverência em sinal de respeito, ouvindo a diretora lhe pediu para parar com aquilo, afinal, nesta sociedade, um alfa nunca baixa a cabeça para ninguém.

Há quem pense diferente, como Hyunjae. Para ele, aquele gesto significava respeito e se feito para alguém que se gosta, significa gratidão e doação, até mesmo amor e, acima de tudo, consideração para com o parceiro. Há estórias, talvez sejam mitos ou lendas, ninguém sabe ao certo, mas numa sociedade parecida com a que habitavam, com a diferença que os humanos poderiam se transformar em lobos, grandes animais ferozes que viviam em bandos, alfas se curvavam apenas para seus parceiros e para seus superiores, assim como ômegas e betas. Era um sinal de algo positivo, e não de uma submissão exploratória ou por obrigação.

— Appa. — Hyunwoo chamou o pai assim que entrou no carro com ele, estavam apenas os dois ali.

— Por que fez isso? — Hyunjae perguntou, decepcionado. — Eu nunca te ensinei isso. — o tom utilizado deixava bem explicito seu desapontamento. — Eu sempre disse que deve ser gentil com todos, não importa quem seja.

— Appa.

— Então, por quê? Por que, meu filho? — Hyunwoo baixou a cabeça quando o encarou e começou a chorar. — Shh. Vem aqui, filhote. — esticou os braços, e Hyunwoo foi sem reclamar. — Nunca te ensinei essas coisas, porque são coisas feias e ninguém deve agir assim.

— D-desculpa. — pediu, agarrando-se mais nele.

— Shh. — Hyunjae tentava acalmá-lo e assim ficaram ali por um bom tempo até o choro cessar completamente.

— Desculpa, appa. — pediu novamente.

— Deve se desculpar com seu colega, e não comigo. — suspirou. — O que ele fez pra você bater nele?

— Ele tava sentado no meu lugar. — murmurou.

— Isso não é motivo para bater em alguém.

— Mas a omma brigou comigo porque eu tava no quarto dela. — o choro parecia estar a ponto de retornar por relembrar os gritos de Hana. — Por que omma não gosta de mim? — ele se agarrou a Hyunjae novamente e começou a chorar. — Hyunwoo é alfa bonzinho, mas omma não gosta.

HyunJae sentiu raiva da mulher naquele momento. É como os psicólogos dizem há tempos: crianças são como esponjas, absorvem o que veem. Hyunwoo fez aquilo por entendido erroneamente a atitude da mãe.

— Calma, filhote. — pediu. — Sua omma é chata, por isso você tem o appa. — sorriu, limpando as lágrimas do rosto do filho.

— O appa é um alfa bonzinho.

— Sim, e o Hyunwoo também é um alfa bonzinho. — afagou o topo da cabeça dele, vendo-o agora mais calmo.

Verdade seja dita: ele teria uma longa conversa com a esposa.

Assim, a partir desse acontecimento, HyunJae decidiu dormir separado de Hana. Ele se perguntava em que momento se apaixonou por aquela pessoa terrível. E mesmo que esforçasse para tentar educar o filhote adequadamente, sua esposa somente parecia criar interesse em destruir o caráter do pequeno, o que resultava em várias brigas.

Hyunwoo se escondia para não ter que ouvir nada daquilo, nenhuma criança merece ver e ouvir tais coisas. Muitas vezes, crianças se tornam pessoas cruéis e frias, apenas por terem passado por situações indesejadas na infância. E ele realmente cresceu com aquilo.

Hana supria sua falta mimando o garoto e HyunJae tentava fazer de seu filhote alguém diferente e descente, não como a mãe, tal como quando escolheu o nome do menor. Desejava que ele fosse virtuoso, e não sem caráter.

O único momento e lugar onde Hyunwoo se sentia criança de verdade e perdia o tempo, era quando ia para casa dos Lee. Eles eram os melhores amigos de seu pai, e gostava muito dos seus tios. Hyejin o tratava carinhosamente, e ele se perguntava se aquilo era ter uma mãe de verdade.

Tudo pareceu ficar estranho para o menor quando, aos seus dez anos, foi levado pelo pai para a casa dos tios e encontrou um garoto lá.

— Tios, quem é ele? — Hyunwoo alternava o olhar entre os mais velhos.

— Este é o Jooheon. Ele é o filhote dos seus tios. — Hyunjae poupou o trabalho dos amigos de explicar e apertou mais a mão do seu pequeno.

— Eu era grande assim quando eu nasci? — ele estava, no mínimo, confuso. Lembrava de, ontem, ao vir visitá-los, Hyejin estar com o físico de sempre. Era possível ter bebês sem fazer a barriga crescer? Mesmo sendo alguém daquele tamanho?

— Não, querido. — Hyejin riu baixo. — Você foi diferente, e Jooheon já tem oito anos. – o mais novo soltou um “Ah”, embora não tivesse realmente entendido muito bem o que aquilo significava. — Fale com ele, filhote. Ele é seu hyung. — afagou os cabelos encaracolados, bagunçando-os.

— Ele não é meu hyung. Eu não vou ter outro hyung sem ser o Wonho. — a criança, que se mantinha parcialmente escondido atrás do pai, respondeu, emburrada.

— Ele é tímido e está com saudade do amiguinho que brincava com ele. — Junho explicou-se para Hyunjae, num tom baixo o suficiente para somente eles ouvirem. Por sorte, o amigo era alguém muito compreensivo.

— Não se preocupe com isso. — sorriu e agachou-se para ficar à altura do recém chegado na casa. — Então, foi você que roubou o coração dos meus amigos?

— Eu não roubei. Roubar é feio. — Jooheon desviou o olhar e agarrou-se mais a camisa do pai.

— Sim, está certo. Roubar é muito feio. — deixou a criança corada pelo carinho que fez na cabeça dele. — Ele é realmente adorável, Junho.

— Fale com ele. Ele é seu tio, filhote. — Hyejin o apresentou.

— Tio? — Jooheon olhou, confuso.

— Sim, e espero que você e Hyunwoo se deem bem. — sorriu.

— Hyunwoo? — encarou o mesmo, que percebeu estar quieto. — Mas ele tem cara de Shownu.

Hyunwoo não entendeu por que os mais velhos riram.

— Meu nome é Hyunwoo, não é Shownu. — falou com ele pela primeira vez.

— Mas você tem cara de Shownu. — insistiu.

— E você tem os olhos muito pequenos. — Hyunwoo se irritou.

— Meu hyung gosta dos meus olhos e me disse pra não ligar quando falam coisas ruins de mim. porque são pessoas más que fazem isso. — os adultos se encararam um tanto chocados. As crianças continuaram uma discussão e Hyunjae se aproximou do amigo.

— Quantos anos esse hyung tinha?

— Eu não sei, mas acho que deve ser bem mais velho. — Junho respondeu.

— Eu não sou um alfa mal! — Hyunwoo dizia em clara birra.

— Mas você falou coisa ruim de mim, isso é ser mal. Se meu hyung estivesse aqui, ia mandar ele te morder. — Jooheon saiu de perto de Junho, indo para trás de HyeJin. — O Shownu é mal, mas eu gosto dele. — confessou num sussurro não tão baixo, fazendo os mais velhos rir.

— Você é chato. — Hyunwoo cruzou os braços, uma careta brava estampada em seu rosto.

— Shownu, vamos brincar. — Jooheon disse do nada, e HyeJin sorriu. Aparentemente ele já estava à vontade.

— Não quero brincar com você. — falou atravessado. — E meu nome não é Shownu.

— Aish. Você parece o Wonho hyung. Ele não gostava de mim, mas agora o neném me ama. Omma, quando vamos ir buscar o neném? — Jooheon se virou para a mulher, que estava chocada.

Uma lágrima desceu sem autorização.

— Querida, o que houve? — Junho se aproximou dela, e Jooheon não entendia nada. Tinha feito ela chorar?

— Ele me chamou… — Hyejin falava cobrindo na boca e olhou para o marido. — Me chamou de omma. — viu ele sorrir e suspirar aliviado.

— Sim, amor. — Junho concordou, e Hyunwoo entendeu que sua tia estava feliz. — Ele é nosso filhote.

— Deuses. — Hyejin sorriu.

Jooheon continuava sem entender nada, mas queria saber a resposta dela.

— Nós vamos conversar sobre isso depois. — Junho garantiu a Jooheon. O pequeno balançou a cabeça positivamente e se aproximou, então se abaixou para ele sussurrar em seu ouvido:

— Appa, eu fiz alguma coisa? — Jooheon sabia que o amigo ouviu o que disse pela risadinha dele.

— Não, filhote. Você deixou sua omma feliz. Pessoas também choram de felicidade. — explicou, e o menor fez um “Ah” de entendimento.

— Mas, Shownu, nós vamos brincar? — ele se voltou para o mais velho, ignorando os adultos.

Eles voltaram a discutir. Hyunwoo se irritava com Jooheon, mas percebeu que ele era importante parra os tios e se deixou conquistar por ele. Logo, eles se tornaram carne e unha, como Junho e Hyunjae.

Hyunwoo sempre ia à casa dos Lee e passava horas brincando com Jooheon, também ajudava os tios a lidar com ele. Jooheon estava sempre pedindo para ir atrás de seu hyung e os mais velhos não sabiam como explicar que eles não iriam atrás dele.

Foi num desses dias que Hyunwoo foi para a casa do amigo. Ele chegou lá e encontrou HyeJin suspirando um tanto triste.

— Tia. — chamou. Hyejin o encarou e sorriu, levantando-se do sofá. — Cadê o Jooheon? — perguntou. — O que a senhora tem? — viu ela respirar fundo.

— Não é nada. — balançou a cabeça. — Ele está no quarto. Tente animá-lo um pouquinho. — pediu, e Hyunwoo acenou positivamente com a cabeça antes de correr pelas escadas rumo ao quarto do amigo.

— Jooheon? — chamou da porta do quarto. Não via o pequeno alfa em lugar algum. — Jooheon? — chamou de novo e entrou no quarto. Conseguia ouvir um choro baixo, mas não sabia de onde vinha. — A tia tá triste. Você fez alguma coisa pra ela? — perguntou. Dentro de pouco tempo, já havia percebido que Jooheon tinha medo de fazer coisas erradas e magoar os outros.

Ele caminhou até a cama e se abaixou ali, vendo o amigo encolhido ali em embaixo, chorando.

— O você tá fazendo aí? — juntou as sobrancelhas, confuso.

Jooheon não respondeu. Hyunwoo estendeu a mão para puxá-lo dali, e ele aceitou a mão dele. Segundos depois, estava sentado no meio do quarto com o mais velho a sua frente.

— Por que tava embaixo da cama? — em momento algum, viu que ele parou de fungar.

— Eu quero ver o Wonho hyung. — respondeu, choroso, e Hyunwoo entendeu, mas não sabia como ajudar. — Ele vai ficar triste e sozinho. — o alfa de olhos pequenos parecia desolado, então tratou puxá-lo para um abraço.

—Ele vai ficar bem. — Jooheon não respondeu nada, somente ficou quieto entre seus braços.

Jooheon prometeu a Hoseok que o buscaria assim que possível, mas as coisas não estavam saindo como planejado. Ele temia que seu irmão sumisse, que nunca mais pudesse encontrá-lo.

Hyejin apareceu na porta do quarto e observou os dois pequenos num abraço forte. Jooheon chorava baixinho, seu coração apertou, mas não tinha como ir buscar o outro garoto. Poderia dizer que o marido e ela eram pessoas más, só que adoção é verdadeiramente um ato de amor, não é algo tão simples de se fazer.

Ela saiu dali antes que começasse a chorar alto. Pensou em Hana, ela era uma beta e a gravidez de betas é complicada, mas aquela mulher não teve nenhum problema. Longe de Hyejin desejar o mal a uma mosca, mas aquela mulher terrível e, mesmo assim, parecia ter tudo que desejava sem grandes empecilhos.

— Amor?  — saiu de seus devaneios com o chamado de Junho. — O que aconteceu? — HyeJin suspirou e foi abraçar o marido, sentia-se aconchegada ali.

— Jooheon quer ir atrás do amigo. Eu não sei o que fazer. — Junho suspirou antes de se separar do abraço.

— Vou cuidar disso. — garantiu, e sua esposa seguiu para o quarto que dividiam, precisava descansar.

Junho seguiu para o quarto do seu filhote e ficou observando da porta. Jooheon já não chorava mais, estava quieto, de frente para Hyunwoo, que lia um livro para si como era quase sempre exigido. Ver aquilo o fez sorrir antes que entrasse no local.

— Filhote. — Jooheon o encarou quando chamou e se levantou rápido, vindo correndo para abraçá-lo.

— Appa. — sorrindo, agarrou mais a camisa dele e puxou o ar. Junho lhe passava segurança, como Hyejin lhe passava aconchego.

— Sua mãe me disse o que aconteceu. — recolocou seu filho no chão. — Se arrume. Hoje à tarde nós vamos ver seu hyung. — Jooheon, estupefato, deixou o queixo cair.

— Sério? — perguntou, descrente.

— Sim. Depois do almoço, nós vamos até lá.

— Shownu pode ir junto? — o pedido deixou Hyunwoo um tanto surpreso.

Junho o encarou e sorriu pequeno.

— Se ele quiser. — concluiu e saiu do quarto, deixando as duas crianças sozinhas.

— Você vai comigo, né? — virou-se para ele, mostrando seus olhinhos brilhantes. Hyunwoo assentiu, Jooheon tinha aquilo de conseguir a coisas com o mais velho. — O neném é muito legal, você vai gostar dele. Talvez o neném não goste de você, mas tudo bem.

Jooheon saiu do quarto porta a fora, correndo animado para a cozinha por conta da boa notícia. Hyunwoo foi atrás dele, um tanto pensativo em relação ao que o amigo disse anteriormente, mas depois de um tempo, somente deixou de lado. Almoçaram rápido e após o almoço já estavam prontos, esperando o pai de Jooheon aparecer ali para levá-los para visitar o tal hyung.

— Nossa, que pontuais. — Junho riu baixo ao ver os dois sentados, quietinhos, no sofá da sala à sua espera. — Vamos. — chamou, e os dois saíram atrás de si.

Eles seguiram de carro até o orfanato. Jooheon mordia o lábio em nervosismo, balançava os pesinhos, sentia as mãos suarem. Estava com saudades de Hoseok, queria ficar agarrado nele durante meia hora e ouvir ele resmungando que odiava aquele contato todo.

Mas tudo foi péssimo.

Quando chegaram ao local, Junho foi informado que o rapaz ao qual seu filhote tanto se referia havia sido adotado. Ele suspirou e encarou o filho, sem saber como lhe revelar aquilo.

— O que foi, appa? — Jooheon perguntou, animado.

Ah, ele estava tão alegre que as bochechas estavam coradas, os olhos, brilhando. Junho levou a mão até o rosto do filho e voltou a suspirar. O orfanato não passaria a informação de quem adotou e onde viviam, era quebra de sigilo, algo contra a lei, então não teria como descobrir o paradeiro dele.

— Filhote… — Jooheon foi murchando com o seu tom. — O seu hyung, ele… — agora, os olhos dele começaram a marejar. — Ele foi adotado faz alguns dias. — completou, observando-o se sentar ereto no banco do carro e encarar as mãos.

Aquilo cortou o coração de Junho.

— Appa. — disse em tom choroso. Hyunwoo observava tudo, estava triste pelo amigo. Queria vê-lo feliz com seu hyung. Ah, a vida parecia injusta com aqueles que mereciam ser felizes. — O neném vai ficar bem, não é? — perguntou sem olhar o pai.

— Creio que sim. — abaixou o olhar por um instante. — Ele vai ficar bem, e vocês vão se encontrar algum dia. — ouviu Jooheon fungar após isso.

Junho ligou o carro e os levou de volta para a casa. Jooheon ficou no quarto com Hyunwoo até o momento que Hyunjae apareceu para buscar o filho. Ele se despediu do amigo e voltou à sua acomodação. Ficou ali sozinho, porque sempre que seus pais iam ali, corria para baixo da cama, e os maiores entendiam que não queria ficar ver ninguém.

Jooheon ficou daquele jeito por quase um mês, mas aos poucos voltava ao normal. Ele não tocou mais no assunto “Hyung”, às vezes perguntava ao pai se Hoseok estaria bem, e Junho mais garantia que sim, mesmo não tendo a menor ideia do que se passava com o hyung de seu filhote.

 

(…)

 

— Appa, aonde o senhor vai? — Hyunwoo perguntou ao pai, que descia as escadas apressadamente.

— Tenho uma reunião agora. — Hyunjae explicou.

— Mas o senhor disse que a gente ia sair hoje. — ele resmungou, já emburrado.

— Desculpe, filhote. Prometo que, quando voltar, vamos aonde você quiser. — lhe garantiu enquanto se abaixava e deixava um beijo sobre a testa do filho.

— Mas o senhor não tinha reunião hoje. — Hyunwoo ainda tentou argumentar.

— Eu sei, filhote. Foi de última hora, sua mãe me avisou há pouco. — afagou os fios da cabeleira negra do menor. — Preciso me apressar. Ainda vou ter que abastecer o carro. Até mais tarde. — despediu-se e saiu porta a fora.

Hyunwoo sentiu algo estranho naquele momento, então, foi atrás de sua mãe, encontrando-a na cozinha.

— Omma, posso ir dormir na casa dos tios? — perguntou e esperou Hana lhe responder do mesmo modo ignorante que sempre usava, mas sua resposta o surpreendeu:

— Claro, filhote. Peça ao motorista para levar e tenha cuidado. — ela parecia contente, com um sorriso nada discreto em seu rosto.

Hyunwoo correu para seu quarto, ainda sentindo aquele aperto estranho no coração, arrumou suas coisas e foi até o jardim onde o motorista estava conversando com um dos empregados da casa.

— Tio, a omma disse pro senhor me levar na casa dos Lee. — ele assentiu e foi até a garagem retirando o carro dali.

— Estranho. — Hyunwoo ouviu o motorista murmurar.

— O que foi? — perguntou, curioso.

— Nada. — o motorista disse. — É que o chão está sujo e essa casa toda nunca fica suja.

— Isso é importante? — juntou as sobrancelhas, tentando entender a confusão no semblante do mais velho.

— Não. Vamos logo, s sra. Hana deve precisar de mim depois. — ele entrou no carro e esperou Hyunwoo fazer o mesmo.

O caminho foi silencioso, mas Hyunwoo via a expressão estranha no rosto do chofer. Não entendia o porquê daquela preocupação com a sujeira, os outros empregados iriam limpar logo-logo. Ao chegar na casa dos Lee, foi bem recebido como era de costume. Jooheon veio correndo até si ao lhe ver ali e o abraçou.

— Onde está Hyunjae? — perguntou Junho.

— O appa tem uma reunião e me deixou sozinho, daí eu pedi pra vir pra cá e deixaram. — Hyunwoo explicou.

— Shownu, você vai brincar comigo? — Jooheon puxava a camisa dele levemente.

— Depende. Do que você quer brincar? — perguntou de volta, ambos não percebendo que eram observadas por Junho e Hyejin.

— Você vai ler pra mim, como meu hyung fazia. — Hyunwoo olhou para os tios e viu HyeJin suspirar. Naquela manhã, Jooheon havia desenterrado e pedido para irem atrás do tal hyung. Ela até faria aquilo, mas não faziam a mínima ideia de onde o rapaz poderia estar.

— Tá bom. — concordou, logo sendo por Jooheon pela mão até o quarto dele.

— Você vai dormir aqui? — perguntou após fechar a porta do quarto. Só agora notou a mochila que o outro tinha nas costas.

— Vou, sim. Tudo bem? — caminhou em direção a cama, deixando suas coisas ali mesmo.

— Claro, Shownu. — sorriu grande.

— Heon? — chamou o mais novo, sendo respondido com um “Hm?”. — Quem é esse hyung que você tanto fala? — viu quando ele suspirou triste, provavelmente lembrando daquela pessoa. — Se você não quiser dizer, tudo bem. Quando o appa voltar, eu peço pra ele buscar seu hyung pra você. — Jooheon o encarou no momento em que disse isso.

— Sério? — perguntou, feliz e incrédulo ao mesmo tempo. Daria tudo para ver Hoseok novamente.

— Sim, mas você vai ter que esperar até amanhã porque ele tá numa reunião. — explicou, e o outro assentiu, sorrindo.

— Obrigado. — abraçou forte Hyunwoo, que acariciou a cabeleira dele. Jooheon era definitivamente seu único e melhor amigo.

O resto do dia foi quieto naquele cômodo, apenas a voz de Hyunwoo era ouvida por conta da leitura e alguns questionamentos de Jooheon vez ou outra. Tudo estava bem até a hora do jantar. Alguém ligou para a casa dos Lee, Junho se prontificou a atender. Ninguém compreendeu quando ele, minutos depois, voltou para a mesa encarando Hyunwoo comendo ao lado de Jooheon.

— Querido? — HyeJin chamou a atenção do marido e o seguiu ao vê-lo se levantar e subir as escadas.

As crianças se entreolharam sem entender nada.

— O que houve com o tio? — Hyunwoo voltou-se para Jooheon

— Não sei, ele nunca fez isso. Será que eu fiz alguma coisa? — ele pareceu se assustar naquele instante. Era comum ele fazer algo de errado no orfanato, e os adultos o olharem estranho.

— Acho que não. Você ficou comigo o dia todo. — desceu de seu lugar para ir atrás dos mais velhos. Não sabia o motivo, mas queria saber o que se passava. Subiu as escadas e parou próximo a porta do quarto do casal entreaberta.

— Shownu, não pode espiar. É feio. — Jooheon o incriminou.

— Shhh. — apontou para o onde Junho chorava. Jooheon estava para entrar, mas conseguiu impedi-lo a tempo.

— Não vai. — sussurrou a frase. — Vamos ouvir o que eles vão falar pra poder ajudar eles.

Jooheon acenou com a cabeça, então largou seu braço. Ambos ficaram quietos para escutar o que era dito. O lado bom de ser alfa o fato de poderem apurar audição, apesar dela já ser naturalmente aguçada. Hyunwoo ainda pensou que Junho percebê-los ali, mas ele estava desolado demais para prestar atenção ao seu redor.

— Como aconteceu? — HyeJin começava a chorar também.

— Eu não sei. — Junho tentava, em vão, se controlar. — Falaram que foi um problema no freio. Ele não conseguiu frear no sinal, um caminhão ia atravessar a pista… O corpo dele foi lançado pra fora do carro, ele teve muitas fraturas, órgãos perfurados… não resistiu. — as lágrimas desciam sem ordem.

— Pelos Deuses. — ela levou as mãos à boca brevemente e abraçou o marido. — Como devemos avisá-lo?

— Eu não sei. Ele é só uma criança. — os dois menores não estavam entendendo nada. — Hyunwoo vai sofrer, e isso é tudo que o Hyunjae menos queria.

— O que aconteceu com meu appa? — Hyunwoo entrou no quarto.

Jooheon mordeu o lábio em nervosismo ao que o casal trocou olhares. Junho se levantou e foi até Hyunwoo, tocou no rosto do herdeiro Son e respirou fundo.

— Hyunwoo. — começou. Pelo canto dos olhos, viu Jooheon ir até Hyejin e abraçá-la. — O Hyunjae… — acariciou o rosto dele. Ele era uma cópia de seu pai, desde os cabelos, o rosto, tudo. — Aconteceu algo terrível. — Hyunwoo continuava sem entender o que queria dize. — O seu pai… — estava sendo difícil, para ele, dar essa terrível notícia, ademais por tê-lo como um irmão. — Aconteceu um acidente. — revelou, vendo Hyunwoo começar a entender o que dizia. — Ele não resistiu. — e então, voltou a chorar. — Eu sinto muito. — abraçou o menor, que ficou sem reação.

— Meu appa… — disse baixo enquanto a ficha caía. — Ele… morreu…? — saiu como uma pergunta, mas ele sabia que era uma afirmação. — Meu appa… — a primeira lágrima desceu rápido, sendo seguida por várias. Hyunwoo olhou para Jooheon, que estava agarrado a mãe, o encarando.

— Shownu… — ele chamou ao ver o rosto do amigo banhado em lágrimas.

— Meu appa… — ele estava num estado de choque. — morreu. — soluçou e foi abraçado mais forte por Junho.

Hyunwoo chorou até dormir e Jooheon ficou perto do amigo durante todo o tempo. No dia seguinte, eles foram à casa dos Son. Hyunjae havia dito ao amigo que se viesse a morrer antes de si, queria ser enterrado perto dos pais e assim foi feito. No enterro, Hana fez um pequeno escândalo, chorando alto, jogada sobre o caixão do marido que teve de ficar fechado durante o funeral devido o corpo estar muito deteriorado. Junho observava tudo com raiva dele, pois estava fazendo aquele show desnecessário e completamente falso. Hyunwoo ficou quieto o tempo todo e Jooheon estava sempre ao seu lado.

Na semana seguinte, Hana ficou possessa ao descobrir sobre o testamento do marido. Ela pensava que ele viria a fazer algo assim pelas suas costas, até porque não achava que iria morrer. Foi desde o dia da leitura do testamento no qual dizia que tudo, absolutamente tudo, que pertencesse à família Son tinha um único herdeiro: Hyunwoo. Então, ela passou a dar atenção ao menor. Planejava dar tudo que o filho quisesse para que ela ficasse no poder tudo quando ele completasse a idade dita no testamento.

Contudo, estava fora de seus planos ser odiada por ele. Hyunwoo criou uma verdadeira antipatia em relação a mãe, além mudar drasticamente depois da perda de seu pai, tornando-se mimado e egocêntrico, tudo o que seu pai mais abominava. Continuou ao lado de Jooheon, que tentava, em vão, corrigi-lo. Com quatorze anos, Hyunwoo começou a beber e aos quinze, em seu primeiro cio, iniciou sua vida sexual, mas sem compromisso fixo com alguém, eram apenas fodas casuais. Nessa mesma idade, começou a fumar.

Jooheon estava sempre ao lado do amigo. Nunca deixou de pensar nele, sempre zelava por Hyunwoo ou Shownu como preferia chamá-lo, tinha medo de perdê-lo como perdeu Hoseok. Quando o viu fumando pela primeira vez, eles saíram no braço por ter dado um tapa na mão dele que fez o cigarro cair, deixando-o com raiva o suficiente para que avançasse. Passaram uma semana sem se falar, mas logo tudo voltou ao normal.

Também pensava se Hoseok estaria sendo bem cuidado, se teria aprontado muito, arrumado muitas brigas, se estava recebendo atenção. Hoseok era assim: dava uma de marrento quando, na verdade, só quer carinho. Imaginava se, nesses anos de convivência, ele conseguiu sentir o carinho que sempre lhe dava.

Junho observava Hyunwoo se destruir aos poucos. Ele cuidava do testamento e só lhe contaria quando fizesse a idade certa, mesmo temendo que Hana fizesse algo contra o filho, pois havia mandado investigar a morte do amigo e descobriu que o sistema de freios do carro foi danificado por alguém e tinha quase certeza que fora Hana a autora daquilo. Ele seria esperto, só não diria nada.

Os Lee também pararam de ir à casa dos Son, apenas Hyunwoo ia até eles e JunHo sondava o garoto a procura de alguma atitude incorreta de Hana. Jooheon também estava a par de tudo, seu fez questão de lhe contar e como amigo de Hyunwoo, prometeu cuidar dele, igual fazia com Hoseok.

O fato era que o mal estava feito, Hyunwoo se tornou o que é por culpa da mãe, mas dentro de si, ele sabia que deveria ser como seu pai. O problema era que Hana estava ali para tentar acabar com tudo. Era algo que estava no testamento: se Hyunwoo tivesse um comportamento ruim, perderia a herança, e ela assumiria tudo. Era esse o motivo de sempre estar o provocando, pois sabia que ele faria as coisas por revolta e birra.

JunHo observou Hyunwoo crescer daquele jeito e nunca interferiu, fazia parte do plano dele. Hana pagaria por tudo, mais cedo ou mais tarde.

 

(…)

 

— Isso é sério, Shownu. — Jooheon o abordou no meio do corredor da escola. Seria um início de semestre bastante pacífico ou esperava que fosse, algo bem difícil de dizer já que Hyunwoo já entrado numa confusão.

— Aquilo não foi nada. — Hyunwoo revirou os olhos, tirando do bolso o maço de cigarros.

— Nem se atreva a fumar na minha frente. — tomou a caixinha da mão dele. — Foi por causa dessa merda que você quase foi parar na diretoria.

— Não fode, Lee. Aquele garoto não vai me dedurar. Qualquer coisa, eu levo ele pra cama e tudo está resolvido. — sorriu cínico e tentou recuperar seus cigarros, algo que não conseguiu.

— Nem todo mundo vai fazer o que você quer só porque você é Son Hyunwoo. — o outro só fez revirar os olhos e, por um deslize, tirou a caixinha de suas mãos, saindo dali às pressas. — Shownu! Merda, aquele não aprende.

Jooheon tratou de segui-lo antes que o perdesse de vista. Estava sendo um pouco difícil, devido a quantidade de alunos passando a lotar os corredores. Céus, ele só queria começar a manhã normalmente, sequer havia visto em que classe estaria. Crispou os lábios, forçando passagem, tentando ao máximo alcançá-lo.

Era certo que Jooheon esperava que o amigo começasse o ano letivo de bom humor, mas se mostrou o contrário. Não tinha dúvidas que o motivo para ele estar assim era nada mais nada menos que a mãe dele. Hyunwoo ficava com o comportamento duas vezes mais insuportável quando batia boca com Hana, então não precisava de muito esforço para entender que discutiram de novo horas antes.

E o que poderia fazer? Como sempre, iria tentar livrá-lo de outra furada. Às vezes, pegava-se pensando se realmente valia fazer todo aquele esforço. Hyunwoo estava ficando vez mais inacessível para si, e sabia que era o único amigo de fato dele. Se desistisse, o que aconteceria? Decerto, ele seria encontrado bêbado no meio fio ou mesmo em hotel de esquina. Nenhuma dessas opções o agradava, era justamente por isso que o seguia nesse momento.

Devido à intensa movimentação de alunos, certos ombros se chocando eram inevitáveis. Jooheon até mesmo ganhou um olhar torto de um garoto platinado por ter esbarrado no amigo dele, mas desculpou-se antes de voltar a ir atrás de Hyunwoo. O que aconteceu consigo, também aconteceu com ele, só que Hyunwoo foi tão bruto que derrubou um rapaz loiro, fazendo os materiais dele e ele próprio caírem. E pior: ele simplesmente o olhou com descaso e seguiu em frente sem prestar ajuda.

Jooheon suspirou pelos maus modos e tratou de ajudá-lo.

— Gentileza não é o forte do Shownu. Você está bem? — estendeu a mão.

A mão do desconhecido agarrou a sua, e o puxou, erguendo-o do chão. Enquanto ele passava a mão pelo uniforme para desamassá-lo e tirar a poeira, agachou-se e juntou os pertences dele para logo entregá-lo.

— Obrigado. — ele fez uma reverência.

— Não precisa agradecer.

E Jooheon se viu observando o rapaz quando seus olhares se cruzaram. Não entendeu o porquê de estar fazendo aquilo, porém aparentemente não era o único. O desconhecido era mais alto alguns centímetros, possuía um olhar marcante, traços bonitos e o cheiro… aquele cheiro, já havia sentindo ele algum lugar. Passou a analisá-lo com mais afinco, observando toda a fisionomia curiosa a sua de uma maneira quase desesperada. Ele lhe parecia tão familiar! Céus, será que…

— Wonho hyung? — soltou, atirando no escuro.

Por favor, por favor, por favor…

— Jooheon? — os olhos dele se arregalaram. — Honey, é você? — aproximou-se mais, ainda incrédulo.

— Eu te achei, neném. Desculpa a demora, é que você sabe se esconder muito bem. — sorriu, sabendo que estava com os olhos marejados.

— É você. — Hoseok tocou seu rosto, e sorriu mais por vê-lo mexer em seu cabelo, apertar suas bochechas, sabendo que reconhecia seu sorriso em qualquer lugar. O lábio dele tremulou e os olhos se encheram de lágrimas. — Honey! — o esmagou entre seus braços.

— Sou eu, hyung. Eu te achei. — fechou os olhos, aconchegando-se nele.

E finalmente o destino unia o que uma vez separou.


Notas Finais


1 mês... desculpa, do fundo da alma.
ta. as explicações:
primeiramente, só pra ninguém ficar confuso. eu sou a rap_monstraxxxx, só mudei de user, vou referir a mim mesma pelo user novo, não se confundam.
agora sim, as explicações:
1 - eu (Kyyyaxoxo) estou oficialmente sem celular. foi um tiro bem pesado no meu core, porque eu tinha várias coisas importantes lá, como plots e etc.
2 - eu estava sem internet, a culpa desse atraso é toda minha. A ruiva não tem nada haver com isso, me desculpem.
3 - problemas pessoais, da minha parte e novamente, desculpem.
4 - Espero que realmente me perdoem por isso, porque eu disse pra ruiva, que esse atraso ja tava demais, só que ela estava de mãos atadas tanto quanto eu e ela queria me ajudar, mas não podia.
5 - problemas na edição do cap, a gente tava se confundindo com algumas coisas e por isso demoramos pra escrever.
6 - algo não tão ruim, eu passei uma semana com ela (ruiva) <3 e acabamos deixando BM de lado. Mas, pra quem não sabe, nós estamos um pouco distantes e sempre que rola a gente se gruda. espero que entendam.

acho que é isso, vamos nos policiar para evitar novos atrasos.
mil perdões e não desistam de BM.
amamos vocês. <3


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