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História Blue Ridge - Nunca é um erro ser quem você é.


Escrita por: soberz

Notas do Autor


Já sabem: notas finais;
Boa leitura :)

Capítulo 5 - Nunca é um erro ser quem você é.


Fanfic / Fanfiction Blue Ridge - Nunca é um erro ser quem você é.


Justin Bieber POV.
10h21min AM.

Uma fragrância insólita é abrangente na pequena sala fechada, deixando-me nauseado. A tensão está presente em todo o ser a minha frente, algo que me diverte além da conta. É cômico o efeito que causo nas pessoas, seja elas conscientes do meu estado clínico, ou não.

Sento-me na cadeira metálica, dura e gélida, encarando a extensão da mesa de plástico encardida. Ficamos cara a cara durante a terapia, visto que seu assento é posto do outro lado da mesa. Uma câmera está apontada em minha direção, com sua luz forte e vermelha, o que indica que grava este exato momento. Sei que será uma conversa tediosa e inútil, mas que por incrível que pareça, causa esperança no homem trajando jaleco. Sua pose animada e a forma em que folheia esses papéis soam como uma superioridade a minha pessoa; talvez ele pense que é mais inteligente que eu. Um patético incapacitado. Eu poderia matá-lo agora mesmo.

— Doutor Braun supervisionando o paciente número 4479 para a reabilit. — o sujeito anuncia, esbanjando orgulho através das palavras. — Você está confortável? — por força do hábito, indaga. Todavia, não é como se ele ligasse se estou aconchegado, é apenas uma pergunta retórica, no fim das contas. — Se puder, por favor, dirija-se a câmera durante as nossas sessões.

— Por que eu, de repente, faria isso agora, Scooter? — questiono, observando seu rosto mostrar indícios de irritação.

— Eu gostaria de manter nossa conversa profissional. Por favor, dirija-se a mim como Doutor Braun. — durante o tempo em que abre sua boca para falar asneiras, sinto imensa vontade de cortar sua língua com um grande machado, só pelo fato de sua voz ser irritante e sua gravata estar tão burlesca com o restante do traje.  

— Então você pode dirigir-se a mim como Sr. J. — zombo.

— O prisioneiro sofre de um maníaco estado de depressão. — anuncia alto, como se eu não estivesse presente.  

— Maníaco? — reviro os olhos, diante de sua menção exagerada.

— E, provavelmente, um transtorno de personalidade antissocial também. — com cara de poucos amigos, coça a barba mal feita, ignorando-me por completo. Sei que está concentrado para me analisar.

— Você faz parecer... Tão simples. — comento; logo, coloco os cotovelos na mesa, aproximando meu rosto e inclinando o corpo.   — Não podemos usar um termo diferente da palavra “prisioneiro”? Ela tem toda essa impressão negativa. Como se alguém estivesse me forçando a ficar aqui. Eu não quero ir embora.

— Por que não? — surpreende-se, disposto a ouvir atentamente minha resposta.

— Um teto sobre minha cabeça, comida de graça, conheci uma pessoa interessante... E eu não pago um centavo por isso.

— Conheceu uma pessoa? — ainda mais interessado, tenho imensa vontade de rir por ele pensar que vou mesmo revelar sobre Selena. Não quero dividi-la com ninguém. Não vou dividi-la com ninguém.  

— Não vou falar sobre isso, querido Doutor Braun.

— Tudo bem. — dá de ombros, ajeitando-se ainda mais no encosto, como se o espaço não fosse suficiente para sua bunda gorda. — O primeiro passo para sua reabilitação é entender e descobrir os motivos de você estar aqui.

— Defina seus motivos. — olha-me sem entender. Impaciente, esclareço: — Isso é o primeiro passo para qualquer debate.

— Isso não é um debate, Justin, é uma terapia.

— Esses vídeos... São para seus estudos?  — estou estressado com a luz piscando no canto inferior das minhas escleróticas. — Para o benefício da minha... Saúde mental? Porque eu tenho que perguntar quem vai acabar assistindo.

— Você não acha que tem problemas bem sérios? — encara-me com certa advertência, menosprezando minha fala anterior.   

— Ninguém é perfeito.

— Mas eu não estou dizendo que você precisa ser perfeito. — sua risada é baixa e abafada.

— Só algo diferente do que eu sou. — afirmo, contendo os pulsos debaixo da mesa. É algo recorrente: meus pensamentos fluem quando me liberto do mundo exterior. Isso é sufocante, de qualquer modo.

— O que você é foi o que te colocou nesse lugar. — rebate.

Nunca é um erro ser quem você é.

— Então por que você está aqui? — muda o rumo da discussão; sei bem aonde quer chegar com tal pergunta.

— Eu fui pego atrás das linhas inimigas. Mas é apenas temporário. É um dever de um prisioneiro de guerra... Escapar.

— Então, esse foi o motivo pelo qual escapou ontem à noite? — interpela de maneira confusa. Chega a ser cômico a forma em que o médico a minha frente tenta achar um sentido para tudo que eu digo. Posso citar uma receita de bolo qualquer, que ele procurará algo sombrio e minucioso para ser o motivo de minha fala indevida.  — Ouça, Justin. Como psiquiatra, é meu trabalho tratá-lo. Deixe-me ser quem eu sou.

— Eu sou um cara complicado, doutor.

— E um desafio para estudo. — faz uma observação, enquanto brinca com a caneta esferográfica, apertando em disparada botão minúsculo. O barulho que causa é desagradável.

— Pessoas tem que fazer coisas insanas para ficar aqui.

— Oh, eu concordo. — boceja; eu o cansei e por isso, seu humor não é mais animado, visto que finalmente percebeu que não arrancará nada que queira de mim. — Mas, com suas palavras, diga-nos porque está aqui.

— De acordo com... A sociedade... — falo pausadamente, olhando para a goteira que cai do teto. — Eu fiz coisas “ruins”. Socialmente inaceitáveis.

— Com toda a sinceridade... Por que está aqui? — interroga novamente, como se eu não tivesse ouvido a primeira vez. Com quem ele acha que está lidando?

— Sinceramente? — na intenção de fazê-lo olhar para mim com esperança, crio um suspense com minha próxima revelação. — Eu estou aqui, por que... Eu quero estar aqui!

— Chega! Fim de sessão. — grita furioso, levantando-se e desligando a câmera.

Agora, não meço esforços para tentar não rir de sua face patética. Minha gargalhada ecoa por todo o espaçamento, deixando claro o quão intencional foi toda essa perda de tempo. Estou satisfeito, em desfecho.


Selena Gomez POV.
10h27min AM.

Desde aquele instante, não consigo parar de pensar em como foi bizarro a situação no quarto de banho, principalmente, a vergonha que passei em particular. Porém, tenho que admitir: em algum período de tempo, senti-me devidamente envolvida com Justin. Embriagada com seu cheiro, seus detalhes belos, atenta a seus olhos hipnotizantes e intenções diabólicas. Não é ludíbrio afirmar que ele enfeitiça como um mago; consigo até entender o motivo pelo qual as suas vítimas caiam em sua lábia. É algo magnético, inexplicável e indignante; deveras assustador, também. Um conselho que eu daria para qualquer um: manter distância daquele garoto.

— Olá. — adentrando o pequeno espaçamento, seguro firmemente a bandeja em minhas mãos, com comprimidos. Murmuro algo como “argh”, após notar que até os quartos dos pacientes são todos brancos e deprimentes. Não há quem melhore em tais situações.

Para minha surpresa, Vanessa está sentada no chão, abraçada com os próprios joelhos e chorando baixinho, semelhante a uma criança desamparada. Levo alguns segundos para decifrar esse instante. E, sem reação, coloco os medicamentos no chão de maneira calma, enquanto me aproximo de seu corpo vulnerável. Suas escleróticas estão avermelhadas, sua pele magra e amarelada a faz aparentar ser muito mais velha do que de fato, é. Ou talvez seja por seus cabelos que ao invés de serem viçosos e joviais, são opacos e loiros-tingidos (concluo isso ao notar sua raiz ser na verdade morena).

Sem dizer nada, apenas a abraço com cuidado, pois todo o seu ser me parece muito frágil, agora. Consigo sentir sua respiração descompassada diante do meu ato inusitado, todavia, não deixa de corresponder. É estranho e acolhedor; sinto-me bem, acima de tudo. Em hospitais psiquiátricos não há carinho e gentileza, que para a falta de conhecimento de muitos, é o que mais cura uma pessoa.

— Por que está me abraçando? — ela ri em meio ao choro presente, sem deixar de circundar seus braços nos meus. Solto uma boa gargalhada, sem uma resposta clara eminente.

— Achei que precisasse. — encaro seus olhos escuros, profundos e com olheiras. Sinto compaixão por tudo que está relacionado à Vanessa.

— É. Eu acho que sim. — dá de ombros, levantando-se do chão gelado e respirando fundo.  — Enfermeiras não costumam dar abraços.

— Posso ser outro tipo de enfermeira.  

— De que tipo? — curiosa, suas sobrancelhas são arqueadas.

— Do tipo amiga. — dou um sorriso sincero, afirmando mais para mim do que para ela. Eu realmente gostaria de ser uma amiga, entender os pacientes, não apenas intitulá-los e rotulá-los. E quando digo entender, é mais que uma simples análise de personalidade, é sentir o que eles sentem e compreender suas dores e anseios. — Por que estava chorando? Quer me contar?

— Bom... — ela morde os lábios, hesitando confiar no inesperado. — Não vê a situação degradante que eu me encontro? Isso não é motivo o suficiente para chorar?

— Na verdade, não. Eu tenho seis dedos no meu pé esquerdo, isso sim é motivo o suficiente para chorar.

De repente, ela dá uma risada alta. Gosto de como soa, fina e engraçada.

— Isso é sério? Sério mesmo? — segura sua barriga, ainda se desvencilhando da gargalhada anterior.

— Não, só falei para você rir. — sorrio, satisfeita com o sorriso que consegui arrancar da garota. Mesmo que por pouco tempo.

— Você é bem legal, Selena. Para uma enfermeira. — debocha, ainda com humor presente. Nesse instante, ela brinca com as pontas ressecadas do cabelo, suspirando como se não estivesse deprimida há poucos minutos atrás.

— Nesse caso, obrigada. Você também é bem normal, para uma paciente. — brinco. — Espere, quem te disse o meu nome?

— Justin Bieber, oras. — um embrulho no estômago me alcança assim que seu nome é proferido. Detesto o efeito que ele causa em mim, a intimidação.

— Ele... Falou algo a mais sobre mim? — nervosa, tenho medo de um “sim”, mesmo já tendo conhecimento que a resposta é claramente positiva.

— Amigos não revelam segredos de amigos. — dá uma piscadela. — Eu também não vou dizê-lo que você tem seis dedos no pé esquerdo.

Touché. — fico um pouco aliviada, pois não sei se quero saber o que ele fala sobre mim, o quão obsessivo possa ser. Justin tem uma ideia muito estranha de nossa relação, às vezes até me confunde com suas palavras sem noção.

Passamos um tempo em silêncio, o que é relaxante. Confesso que tenho outras obrigações, mas a calmaria absoluta é algo que eu precisava. E Vanessa é uma boa companhia, no final das contas.

Agora é minha vez de levantar do chão tanto quanto empoeirado, sentando na sua cama, que em termos de maciez é quase a mesma coisa que o próprio chão.

— Como consegue dormir nisso? — dou pulinhos, tentando afundar minhas mãos no colchão; em vão. É totalmente duro e desconfortável.

— Qualquer cama torna-se inútil quando não se dorme. — lamenta, abraçando seus braços finos e desnutridos.

— Vanessa, você quer sair daqui? Você pode adquirir alta, certo? Não quer ir embora?

— É tudo que eu mais quero. — senta-se ao meu lado, olhando firmemente para o vácuo.

— Não é o que parece. — então, ela me encara confusa.

— Como?

— Desculpe minha sinceridade, mas caso quisesse sair, estaria fazendo por onde melhorar e não sentindo piedade de si mesma. — chocada, ouve atentamente o que eu tenho a dizer. — Ouça, sei que é difícil lutar contra seus instintos ou seus próprios pensamentos. Mas, não é impossível. Você tem toda a ajuda que precisa, seja de mim ou de seus médicos. A realidade pode ser brutal, a vida pode não ter te tratado bem, mas no final das contas, quem escolhe querer fazer alguma coisa por si ou apenas chorar, é você. Só depende de você, qualquer coisa. Pense o que você quer, como pode fazer, pense nisso.

Ainda calada, ela parece digerir tudo. Tenho receio que agora me odeie, não queira uma amizade e possa até reclamar com a diretora sobre meu comportamento pouco profissional. Porque apesar de querer ajudar, não é minha função dar conselhos e sermões. Apenas não consegui me segurar. Eu gostaria muito que alguém tivesse dito isso para mim antes de me mudar para cá, quando passei noites chorando, achando que outras pessoas teriam controle sobre minha vida. Gastei muitas lágrimas, tempo e preocupação atoa. Mas, graças a Deus, tive o bom senso de lutar pelo o que queria, e continuo fazendo isso.

Coloco os dois comprimidos que vim entregar em cima do seu colchão, pois confio que ela vá tomar. Com isso, deixo-a sozinha.


Scooter Braun POV.
01h17min PM.

Jogo todos os itens da mesa devido à fúria que inunda meu peito. Papéis e mais papéis estão agora espalhados, e eu passo a mão na cabeça incontáveis vezes, com o estresse eminente. Rondando minha sala, não resolvo nada além de adquirir uma tontura passageira.

Justin Bieber está me fazendo de idiota e sabe disso.

Quando estamos cara a cara, é como se o próprio me estudasse, não o contrário. Sua voz, o modo que fala e suas expressões faciais, tudo parece zombar de minha postura. Arrisquei tudo para tratar desse caso, é de extrema importância para mim. Há uma grande pressão da procuradoria, da diretora do sanatório por progresso e até os olhares que parecem me cobrar por algo. Todos esperando meu fracasso e duvidando de minha capacidade é revoltante. E aquele moleque não ajuda.

Há semanas tento arrancar alguma informação útil, desvendar seu passado ou então apenas encontrar a raiz do problema para solucioná-la. Mas o fato é que, Justin é o problema. E achar a raiz dele pode ser considerado o desafio mais complexo que alguém teria como objetivo. O garoto, de modo percebível, é problemático. Um psicopata nato. Porém, isso não é o suficiente. Isso é um diagnóstico muito óbvio, qualquer um com o mínimo de inteligência afirmaria o mesmo. Alguém tão complexo merece um aprofundamento a altura.

Se eu fosse definir Justin Bieber em uma palavra, eu diria: abstrato.

Quando se chega a esse ponto, sem rumo e sem material, você se pergunta necessariamente o porquê de ter arriscado tanto. Entretanto, eu sei bem a resposta: o mistério e o respeito dos colegas, caso eu o curasse. Pode soar até arrogante, mas não é isso que as pessoas buscam, no final das contas?

Assisto várias e várias vezes as sessões continuas que tive com Justin, em particular, a última. Apesar de ter tratado pessoas que se recusavam a ter um diálogo, um homem catatônico falaria mais que Bieber. Ele pode até conversar, se expressar de modo confiante, falar muito, mas não diz nada de verdade.  Essa é a parte mais difícil de tratar alguém tão enigmático: tem que saber que há uma remota possibilidade de que no final de tudo isso, você que precise de um terapeuta. Como o seu antigo, que desistiu do caso antes mesmo da diretora enxotá-lo e me colocar como “herdeiro”. Mas eu não desistirei de Justin e darei algo tão valioso para outro médico, não mesmo.

Beberico uma xícara de café amargo, quase adormecendo após ter assistido o vídeo mais de vinte e sete vezes (eu as contei). Quando estou prestes a desligar a televisão, ouço algo interessante. Não, uma possível saída!

Ele diz: “conheci uma pessoa”.

Eu deveria estar muito agoniado no momento para não considerar uma frase tão importante, bem debaixo do meu nariz. Quase deixo uma brecha brilhante escapar por entre minhas mãos.

No momento, estou disposto a descobrir quem é a pessoa com quem Bieber andou falando.

[...]

— Olá Samantha. — murmuro assim que vejo seu corpo aproximar-se com cautela, fechando a porta atrás de si, logo em seguida. Um cheiro de cigarro invade o ambiente, sei que é o odor do tabaco que impregnou na sua carne. Nojento e caótico. — Sente-se.

Após atender meu pedido, ela batuca suas unhas coloridas na minha mesa, observando tudo em sua volta. Como uma criança em um parque de diversões.

— Uau, uma sala dessas só para você, né, doutor? — continua olhando para os meus diplomas, quadros e afins. — E eu tenho que dividir uma sala repleta de enfermeiros imbecis.

Um pouco incomodado por sua clareza e sinceridade nada profissional, ajeito minha gravata. Quero dispensar conversas paralelas e assuntos desnecessários.

— Samantha, eu te chamei aqui porque preciso de sua ajuda. Preciso de uma informação, para ser exato.

— E o que te faz pensar que eu tenho?

— Você sabe de tudo que se passa no hospital. — detesto falsa modéstia. Todos sabem que ela é a enfermeira que sabe de tudo e de todos, enquanto finge total desinteresse por esse lugar. — Enfim, estou tratando de um caso bastante incompreensível, digamos assim. Justin Bieber. Com sua mente obscura e engenhosa, meu trabalho tem sido cada vez mais difícil. Não saímos do lugar.

— Espere. Está desabafando o seu fracasso profissional e ainda por cima, pedindo minha ajuda? — ela ri, cínica e satisfeita. Nos dois minutos que converso com Samantha, sinto que já a detesto. Acho que sua atitude é uma maneira de lidar com o ódio que sente de si mesma.  — Isso está ficando cada vez melhor. Mas, o que quer saber?

Suspiro fundo, temendo contar detalhes de um tratamento do qual não pode ser o revelado para ninguém. Muito menos com outros funcionários. Muito menos com ela. Poderia até, perder meu emprego. Porém, como sempre, vou apostar nos meus instintos.

— Justin, sem querer ou não, falou que conheceu uma pessoa. Uma pessoa interessante, de acordo com o mesmo. — sua sobrancelha fina arqueia-se, como se soubesse exatamente do que estou falando.

— Selena. — fala sem delongas. Gostei; direta e rápida. — Ela acaba de conseguir emprego como enfermeira, não é daqui, tampouco gosta desse lugar. Jovem e bonita, doce e insegura. Um prato cheio para Bieber, não é?

— Então, por isso ele fugiu ontem à noite. Para se encontrar com ela. — falo para mim mesmo, com as ideias mais claras que um dia ensolarado de verão.

— Poxa Scooter, você é muito lento, hein? Não presta atenção no seu próprio paciente? — dá uma risada, levantando-se. — Ele a seguiu até em casa, pelo o que eu ouvi dizer. A garota chamou a polícia, morre de medo dele.

Não a culpo.

— Obrigada, Sam. — realmente agradecido, dou um sorriso amigável, enquanto observo seu corpo ir para a fora da sala.

— Claro que, não foi em quem te disse. — dá uma piscada, quase fechando a porta. — E bem, na hora da avaliação de enfermeiros, espero ser a pessoa que você notou mais destaque, claro.

Assinto com a cabeça. Era o mínimo.


Selena Gomez POV.
03h54min PM.

Depois de longas horas limpando quartos e fazendo a ronda de cinco em cinco minutos, tirei a conclusão que esse emprego não é tão ruim quanto parece. Claro que ainda não vi muito do que se passa por aqui, mas talvez eu me acostumasse, no final das contas.

Sozinha na sala de enfermeiros, como alguns biscoitinhos colocados em um pote de plástico azul. São salgados e grudentos, portanto, praguejo mentalmente por ter digerido; é horrível. Olho o grande relógio pregado no topo da parede e percebo que meu horário já vai acabar. Corro para o banheiro e de forma eficaz, visto meus trajes sociais.

E, quando estava prestes a ir embora, pegando minha bolsa, o mesmo médico que  adentrou o lavabo mais cedo, entra na salinha.

— Selena? Olá. — arregalo os olhos ao ouvi-lo dizer meu nome. Mil coisas passam por minha mente. Será que Justin falou sobre mim? Será que naquele momento ele nos viu tão próximos que agora quer tirar satisfações? Ou então, será que Justin inventou algo que comprometesse meu emprego? — Sou o doutor Scooter Braun. Queria dar as boas vindas.

— Obrigada. — suspiro, aliviada, mas ainda desconfiada com sua presença inusitada.

— Podemos conversar? — coloca as mãos grossas no bolso do jaleco. Eu fico cada vez mais nervosa.

— Hmmm, claro. — dou um sorriso amarelo. Na verdade, querido, se eu pudesse fazer qualquer coisa para evitar esta conversa, eu o faria.

— Bom, é provável que você não saiba, mas sou o terapeuta de Justin Bieber.  — ouço atentamente, ele para por alguns segundos, analisando meu ser. Tremo, um pouco. — Não precisa ficar nervosa, Selena. Você não tem culpa da mente doentia de Justin. Na verdade, achei muita coragem da sua parte chamar a polícia, ontem. Geralmente as pessoas se sentem tão intimidadas que fazem tudo que ele manda, pensando que assim vão poupar a própria vida.

— Obrigada. — relaxo. — Ele que te contou?

— Não, não. Você sabe... As notícias aqui correm depressa. — ri meio sem jeito. — Mas, sinto em dizer que o conhecendo, sei que não vai parar por ai. Você despertou algo nele, não se livrará dessa forma.

— Então, está alarmando que eu serei ainda mais perseguida? — espero estar interpretando mal, pois não gosto nada do rumo que está tomando essa conversa.

— Estou. — entreabro a boca e semicerro os olhos, chocada com tal afirmação. — Não quero te assustar nem nada, posso até ajudar quanto a isso.

— Como assim “ajudar”?

— Poderíamos aproveitar essa curiosidade que ele tem por você para algo bom, não acha? — nunca ficara tão desconfiada das intenções de uma pessoa como agora, esse médico não me passa um pingo de confiança. — Há um tempo estou o tratando. Fazendo sessões contínuas de psicanálise intensivas, que não estão progredindo. Quase falto interrogá-lo, mas o mesmo sempre se desvencilha da conversa, nos levando a lugar nenhum. Ele tem até fingido ser um prisioneiro de guerra, enrolando minhas tentativas de aproximação, até eu me estressar e finalizar. Pensa que eu desistirei pelo cansaço, como seu antigo psiquiatra.

— E o que sugere que eu faça? O seu trabalho? — sou grossa, mesmo sem intenção. Puro mecanismo de defesa.

— Não. Gostaria de ajuda. — seus olhos brilham, esperançosos. Agora, suas mãos gesticulam e seu tom aumenta de modo decidido. — Se você se aproximasse, fingisse entrar em seu jogo manipulador de vítima, poderia arrancar informações, que me ajudariam.

— Quer que eu espione o seu paciente, arriscando a minha segurança, me envolvendo com um psicótico que me perseguiu para que assim você consiga êxodo? — pergunto debochada, pois tudo isso soa muito ridículo. — Só pode ser brincadeira.

— Eu soube que quer sair de Blue Ridge. — olho-o atenta, e, tenho quase certeza que meu cenho está franzido. Como esse homem sabe tanto da minha vida? — Morava em Atlanta, certo? No centro da Geórgia. Veio para cá contra a própria vontade.

— Como sabe disso?

— Eu falei: aqui as notícias correm depressa. — dá a mesma desculpa anterior, tenho certeza que ele procurou saber sobre mim. — Minha mãe costumava dizer que existem dois tipos de pessoas em Blue Ridge: as burras demais para permanecer aqui, e as condenadas a ficar. E você é muito grande, Selena. Boa demais para esse lugar, você tem sonhos, anseios, uma vida inteira pela frente. E é isso que temos em comum. Um sonho. Um sonho ao qual fazemos de tudo para alcançá-lo, mesmo que isso signifique fazer coisas das quais não estamos acostumados. Sair da zona de conforto. Como eu estou agora, e você, trabalhando neste hospital. — concordo mentalmente, meus sonhos são grandes demais para um lugar tão pequeno. — Claro que, se me ajudasse, eu daria uma boa quantia, boa o suficiente para que em quatro meses você estivesse no primeiro avião, com destino a Atlanta.

— Isso é errado, isso é... — afobada, gaguejo. O que ele me oferece é difícil de ignorar.

— Só informações, é isso que eu lhe peço. Eu também estaria sempre por perto, os observando de longe. Justin não tem como fazer nada com você, ele está além de tudo, preso aqui.  — diz com convicção, chegando mais perto de mim. — Ajudaríamos um ao outro.

— Desculpe, mas eu não posso. Não quero arriscar, sendo que não há nem garantia que ele vá me dizer algo. E se for, quem assegura que seja verídico? Como você mesmo disse, sua mente é doentia, ele fala o que você quer ouvir.

— Quero te mostrar uma coisa. — de repente, tira do jaleco branco quatro fotografias, posteriormente, estende-as pra mim. As duas primeiras fotos, são garotas novas. Uma é loira dos olhos azuis e a outra, cabelos pretos, como os meus. — Está vendo essas garotas bonitas? Elas eram iguais a você. Cheias de vida, saúde, com sonhos, uma família que as amava, amigos. Essa aqui se chama Barbara Palvin, e a outra, Jasmine Villegas. Duas adolescentes que a vida fora tirada por aquele garoto aparentemente charmoso e complicado. Essas fotos aqui, são de como elas ficaram.

Sem mais nem menos, Scooter estende as outras duas fotografias. O meu coração dispara e um arrepio percorre minha espinha. As duas meninas estão completamente deformadas, mortas e... Eu só queria tirar essa imagem da minha cabeça.

— Por Deus, chega, chega! — grito, fechando meus olhos e sentindo um enjoo fora do comum. — Por que me mostrou? Você ao menos deve ter permissão para isso!

— Eu só mostrei, pois quero justiça para elas. — ainda calmo, guarda as fotos novamente. — Não há como negar que Justin tenha sérios distúrbios mentais. Pode fazer isso com qualquer um, e não apresentará resquício de remorso por nenhuma atrocidade. Quero acabar com isso, tirar mais um louco que comprometa a segurança das pessoas das ruas. Seja o curando, ou o colocando atrás das grades. — não gosto de nada que saia de sua boca, só quero que me deixe em paz. Estou, incontrolavelmente, agoniada após ver o que vi. — Então, para que isso acabe, preciso saber sobre o que aconteceu exatamente no dia desses crimes, preciso de mais do que uma ficha médica que comprova que ele é psicótico e uma fama de sociopata. Quero profundidade, cavar sua alma e achar o ponto que nos leva a ter que enterrar duas meninas de apenas vinte e três anos. Quero entender, e além de tudo, resolver o problema, seja como for.

O encaro de imediato. E, nesse momento, eu quero o mesmo.

 [...]

Assim que adentro a lanchonete, um barulho de sininho anuncia minha chegada. Sento em uma das cadeiras altas que levam ao balcão onde pessoas preparam bebidas, mesmo que haja diversas mesas espalhadas por todo o ambiente. Eu não quis ir para casa; não sei se foi para espairecer ou evitar uma conversa com minha mãe. Talvez os dois. Eu só... Não quis ir para casa.

— Olá, eu vou querer um ice-cream soda com calda de chocolate extra. — digo alto, esperando que alguém atenda meu pedido. Uma loira, aparentando minha idade ou um pouco mais, surge em minha frente. Murmura algo como “É para já”.

Vejo-a inundar o copo comprido com chocolate, logo depois, colocando uma bola de sorvete e uma cereja suculenta. A minha boca enche d’água, então lembro-me que não almocei, no máximo comi daqueles biscoitos péssimos.

— Aqui está. — estende a delícia para mim e sorri largo. Aprecio seu entusiasmo pelo trabalho, eu também estaria feliz caso tivesse que lidar com chocolate o dia inteiro ao invés de pessoas com problemas sérios e tristes. — Desculpe a pergunta, mas você é nova aqui?

— Sim, acabei de me mudar. — forço-me ao máximo para não demonstrar meu cansaço, tanto por responder essa pergunta quanto ao geral. — Chamo-me Selena. E você?

— Ashley, eu moro aqui faz um tempo. — inclina-se no balcão, desenhando círculos invisíveis no mesmo. — É... Uns anos, eu acho.

— E o que fez você vir para cá, por vontade própria? — sugo a bebida docinha pelo canudinho, desfrutando da sensação maravilhosa que esse líquido me causa. Ou é muito bom, ou eu estava com muita fome. — Ah, desculpe ser tão invasiva. Não precisa falar se não quiser.

— Não, tudo bem. — sua risada, mesmo que curta, me parece contagiante. — Uma grande amiga minha, na verdade, uma irmã para mim, esteve com uns problemas. — não especifica, mas eu respeito isso. Sou uma completa estranha, não é como se ela fosse desabafar comigo do nada. — Então nos mudamos para cá.

— Oh sim. — não sei se seria capaz de me mudar para algum lugar por uma amizade, então suponho que a dela seja extremamente forte. Porque, nem por minha mãe eu quero ficar em Blue Ridge.

— Mas e você? — noto que seus olhos são bem azuis, ela é linda.

— Bem, vou resumir: meu pai e minha mãe praticamente me forçaram a vir, pois só agora completei dezoito e não tenho um centavo para me manter sozinha. Só que na verdade... — dou uma pausa, para beber mais um pouco. — Eu estou em um trabalho agora, assim que conseguir dinheiro o suficiente, eu vou embora. Não que o trabalho agrade aos meus pais, acho que mamãe preferiria que eu fosse garçonete como você.

— Por quê? — Ashley parece achar cômico.

— Eu trabalho em um manicômio. Sanatório Blue Ridge, para ser mais específica. — com certeza não há nenhum outro hospital psiquiátrico na região, mas mesmo assim, quis deixar claro. Não me importo com o que vai pensar de mim, embora esteja desconfortável com sua expressão chocada e esquisita.

— Desculpe, desculpe. — ela parece raciocinar, como se o que eu disse agora a pouco fosse a maior revelação já feita no mundo todo. — Você... Você conhece Vanessa?

Arregalo os olhos.

— Vanessa? Sim, por... Espere! Ela é a sua amiga? Sua amiga com problemas? — quando a garota assente rápido, quase grito, arrancando olhares curiosos das pessoas que circundam o estabelecimento. — Essa cidade é realmente muito pequena.

— Não falo com ela há três meses. Quando nos mudamos para cá, combinamos que eu arrumaria um emprego e ela estaria fazendo seu tratamento, e, manteríamos contato. Mas me informaram que ela não poderia receber visitas, ligações ou cartas, pois vive deixando de tomar os remédios e não “progride”.

Tudo no Sanatório tem a ver com progresso, agora tenho essa plena consciência.

— Meu Deus. — estou triste por Ashley, só de ver sua feição abatida, concluo o quão é infeliz para  a mesma, como deve ser para Vanessa também — Eu sinto muito, creio que deve sentir muita falta.

— Sim, muita! — seus olhos se enchem de lágrimas, todavia, respira fundo, recusando-se a chorar aqui, na frente de todos. — Dá última vez, tive que brigar com o guarda; tiraram-me a força de lá, enxotando-me como se fosse um animal.

Depois de algum tempo pensando, tenho uma ideia brilhante. Eu poderia ajudar.

— Não se preocupe Ashley.  Faça o seguinte, escreva uma carta para Vanessa, passe lá na minha casa e eu entrego.

— Isso não pode te deixar encrencada? Não quero causar problemas. — um pouco aflita, hesita.

— Ninguém vai saber, não se preocupe. — asseguro. — Dê-me papel com caneta.

Feito isso, anoto o endereço de casa. Ou melhor, como chegar lá, pois não faço ideia do nome da rua ou se ao menos tem nome. Entrego para a loira, que abre a boca para provavelmente agradecer, mas somos interrompidas por uma voz feminina:

— Ashley, eu te pago para conversar com clientes? Não! Então vá atendê-los se não quiser ir para o olho da rua!

— Tudo bem, já vou. — fala para a mulher, que está parada na porta da cozinha, com as mãos na cintura e um semblante indignado. Vejo-a sibilar um “muito obrigado”, e logo após, saindo para atender a demanda de clientes. Porém, ela se vira e correndo vem ao meu encontro de novo, sussurrando: — A propósito, o xerife não para de olhar para você.

Redireciono meu corpo para trás, e, de fato, Orlando está em uma mesa afastada. Ele me encara e quando percebe que também o olhei, o mesmo se levanta e segue em minha direção. Sinto um frio no estômago, não sei bem o motivo.

— Selena. —  saúda-me com um sorriso, está fardado, o que significa que é seu horário de trabalho.     — Quer sentar?

— Tudo bem. — o sigo para a mesa que estava anteriormente, achando até um pouco estranho. Quando ele me convidou para tomar um café, não pensei que era sério, muito menos que seria no dia seguinte, (embora tenha sido uma coincidência).

— Posso te pagar um café? Alguma coisa? — seu tom é gentil, gosto de como é prestativo.

— Ah, é muita gentileza, mas eu acabei de tomar um ice-cream soda. — no fim, o xerife não parece tão surpreso em me encontrar aqui. Pelo visto, as pessoas vivem se esbarrando por ai. Mas para mim, já basta de coincidências por hoje. — Mais uma vez, quero te agradecer por ontem. Se não fosse você, não sei o que teria acontecido.

— Obrigado, mas tenho que dar crédito a minha equipe também. 

— Ah, sim, claro. — dou um dos meus melhores sorrisos. Pergunto-me se isso é um encontro ou algo casual. 

— Você voltou para lá? — seus olhos circundam minha face. É diferente de Justin, que mantém seu olhar penetrante no meu corpo. 

— Sim. Sei que deve estar pensando: “qual é o problema dessa garota?”, mas...

— Não. Não. Na verdade, eu estava pensando: “o que tem de tão errado na vida dessa garota linda, pra ela ter que continuar ali mesmo depois daquilo?”. — interrompe; eu tenho certeza que corei, pois nunca senti minhas bochechas queimarem tanto. Será que é percebível?

— A vida não é fácil. Estou aprendendo do pior jeito. — mordisco meus lábios inferiores, inibida. 

— Sei bem. Quando nos damos conta que precisamos nos virar sozinhos, é algo desesperador. Mas a vida não é só difícil, é uma escalada, quando se chega ao topo, você percebe que valeu a pena. — além de charmoso, é inteligente. — Quero que saiba que estou aqui se precisar de mim, Selena. Consegui enxergar sua áurea genuína desde o momento que te vi. É o tipo de pessoa que gosto de ter por perto.

— Eu fico muito grata. Também gostaria de te ter por perto. 

Sinto uma sensação estranha inundar meu coração. Sinto-me... Observada! 

— O que foi? — pergunta, confuso, após eu olhar para todos os lados de maneira desatinada. 

— Nada, achei que tivesse visto alguém. — passo a mão na testa, retirando a fina camada de suor que escorreu perante ela. Minhas mãos tremem, é como se fosse ter um colapso nervoso. 

— Tenho que ir. — fala, quando recebe uma chamada na pequena rádio que carrega consigo. Quase peço para ficar, ou para me deixar em casa, mas seria de mais. Mesmo tendo um ataque, eu iria a pé. O xerife já fez muito. 

Ao se despedir, deu um leve um beijinho em minha bochecha.

Concluo que talvez não seja ninguém me observando, no final de tudo. Há uma remota possibilidade de ter sido a minha mente fértil, o que me assusta ainda mais. Era só o que me faltava: ficar com mania de perseguição. 

Frustrada e sem pensar direito, levanto e vou até um lugar afastado da pequena lanchonete. Tiro o pequeno celular — que agora faço questão de transportar na minha bolsa  — discando o número que o doutor Scooter me deu, caso mudasse de ideia. 

— Oi. — aguardo poucos segundos até uma resposta ser proferida do outro lado da linha. — Eu topo.

 

 

Sou livre para ser o maior, estou vivo

Bem, estou ficando sem ar, mas eu...

Eu tenho vigor.

— The Greatest

 


Notas Finais


Olá meu povo lindo.
Cá estou eu, com mais um capítulo pra vocês, e como prometido, bem maior. Coloquei um POV do Scooter, pois quero que vocês tenham uma visão completa e diferenciada de todos os personagens. Selena é a ansiedade em pessoa, gente como a gente. Logo logo vou aprofundar no passado de Justin. E muito obrigada por todos os comentários!! É isso, um beijão.

Minhas outras fanfics, ficaria feliz demais se dessem uma olhadinha (todas jelena) :
Motel Califónia (mistério): https://spiritfanfics.com/historia/motel-california-5055850
Sunshine (amor de verão): https://spiritfanfics.com/historia/sunshine-6193739


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