"Tiveste sede de sangue, e eu de sangue te encho." Dante Alighieri
Apesar de Sweet Amoris ser aparentemente escassa de professores, o sistema de avaliação era bem moderno: as provas não eram corrigidas manualmente, os professores mandavam questões, a escola processava tudo em gabaritos lidos por computadores e as notas iam direto para o histórico dos alunos. Fato extremamente vantajoso para as intenções criminosas das senhoritas Lynn e Rosalya, se elas tivessem de alterar todas as respostas das provas do Nathaniel, uma por uma, manualmente, o plano seria impraticável.
De toda forma, no dia das provas do terceiro ano, os alunos passavam todo o horário escolar dentro de salas de aula marcando bolinhas com canetas de cor azul ou preta, para, no final da tarde, o presidente do grêmio recolher os envelopes e leva-los até o arquivo, onde as provas ficariam até serem processadas. Castiel se assustou com a acurácia da investigação das duas criminosas, elas calcularam o tempo exato que o representante demoraria recolhendo os gabaritos de todos as matérias e levando-os até o arquivo.
Por isso, naquele exato momento, às 18:13, lá estavam os três observando Nathaniel entregando os envelopes para o responsável do arquivo escondidos na quina da parede que virava para o corredor do segundo andar.
- Tudo bem, ele está assinando os recibos. – Rosalya disse, ela e Lynn estavam com um fone de ouvido, daqueles para celulares, com o intuito de se comunicarem durante a operação. – Nós temos cinco minutos para a Lynn entrar e mudar os gabaritos.
- Caralho, eu me sinto um espião.
- Você está mais para integrante de milícia, Castiel. – Rosalya respondeu e se virou para Lynn. – Você está certa disso?
Lynnóquio respirou profundamente antes de responder:
- Como uma deusa.
- Tudo bem. – a outra voltou a olhar para o corredor. – O arquivista entrou, Castiel é a sua vez, vá logo antes que ele tenha tempo de trancar a sala.
- Ah, caralho. – ele ajeitou a jaqueta e respirou. – O único motivo de eu estar fazendo isso é poder brigar de graça com o representante. – dito isso saiu detrás da parede e foi em direção aos dois.
Nathaniel, pobre e inocente Nathaniel, estava ocupado, cuidando de sua vida, checando em sua prancheta as tarefas do dia que foram completadas e aquelas que ele ainda teria de realizar, esperando pacientemente enquanto o arquivista da escola organizava os gabaritos lá dentro para lhe dar os recibos das provas. Enquanto isso, o representante se questionava se era ético que a escola colocasse tantas tarefas administrativas em cima de seus jovens ombros.
- Hei, representante! – um Castiel selvagem aparece pelo corredor. – Nós vamos ter uma conversinha.
Nathaniel suspirou cansado demais das provas para lidar com aquela merda.
- O que é que você quer?
- Quero que você fique longe da minha garota. – Cassy respondeu se aproximando.
- Como é que é? – pausa de constatação. – Sua garota?!
- Você acha eu sou idiota?! Eu vejo como você fica parecendo um cachorrinho perto dela!
- Do que é que você está falando?!
- Da Lynnóq... Lynn! Seu idiota! – o representante demorou a responder por que congelou com a possibilidade de Castiel saber do seu amor secreto pela senhorita Lynn, e ele o fez mesmo sabendo que todo mundo já sabia de sua quedinha pela Lynn. – E eu só vou te avisar uma vez pra você ficar longe dela!
- O... O que?! Eu não fiz nada com ela!
- Nada?! – Cassy riu sinceramente nessa parte. – Você conseguiu quebrar o braço dela duas vezes em uma semana!
- Foi um acidente! – Nathaniel decidiu ficar agressivo. – Além do mais, você não tem nenhum direito de vir me dizer com quem eu converso ou deixo de conversar!
- Tenho quando envolve a minha garota... – Cassy colocou ênfase com puras intenções de provocação. – E quando um idiota que insiste em ficar se arrastando pra ela acaba quebrando o braço dela duas vezes!
- Do... Mas o que?! – pausa. – E você é melhor companhia?! Aposto que ela toma tanto LSD pra te aguentar mais do que cinco minutos!
- Meu Deus, como eles são idiotas. – Rosalya disse observando de seu esconderijo. – O arquivista está saindo Lynn.
- Hora do show.
- Ei! – isso foi o homem saindo da sala. – O que vocês dois estão fazendo?!
- Ah, ela consegue me aguentar mais do que cinco minutos. – Cassy disse de forma propositalmente maliciosa. – E ela me aguenta bem.
Nathaniel fez a expressão de quem levou um tiro.
- Como é que é?!
- Bem melhor do que sua irmã, inclusive. – Castiel disse.
- Huh! – Rosalya falou. – Agora a merda ficou séria.
- O que é que isso deveria significar?! – Nathaniel exclamou mesmo já sabendo o que aquilo significava.
- Ah é, esqueci que eu estava falando com um santo. – o de cabelo vermelho disse. – Você nem tem ideia, representante, a Lynn só tem aquela carinha mesmo, mas ela...
Castiel não terminou a frase porque o seu suposto amante o agarrou pela gola da camisa, para evitar escutar indecências sobre sua irmã e sobra a garota que ele gostava. Castiel, obviamente, respondeu também pegando o representante pela gola da camisa e aí o arquivista, como o único adulto ali, se enfiou entre os dois para apartar aquela briga imbecil. O homem conseguiu manter os dois rapazes afastados, mas com muito custo pois eles insistiam em avançar um sobre o outro gritando todo o tipo de obscenidade.
Enquanto isso, Lynn se aproveitou da comoção para entrar na sala de arquivo.
X
- Tudo bem. – Lynn disse para o fone de ouvido. – Estou dentro.
- Bom trabalho. – Rosalya disse do fone. – Os recibos ficam no mesmo armário, então o arquivista não deve ter trancado ainda.
- Já achei. – Lynnóquio falou abrindo a porta de um armário e puxando uma gaveta de arquivo que estava embutida. – Tudo bem, “n”...
- Um monte de alunos se juntou para ver a briga. – Rosalya a informou. – O arquivista não está conseguindo apartar os dois.
- Provavelmente porque ele é um senhor de cinquenta anos e eles são dois adolescentes inexplicavelmente bem desenvolvidos. – Lynn ajeitou os óculos mexendo nas pastas dentro da gaveta. – Meu Deus, quantos “Nathanieis” estudaram nessa escola?! E por que é que nenhum de nós tem sobrenomes?!
- Lynn o Faraize acabou de chegar. – a voz de Rosalya informou. – Você tem menos de trinta segundos pra sair daí!
- Eu consigo, eu consigo, eu consigo... – pausa. – Consegui! – Lynnóquio, numa precisão cirúrgica, achou os gabaritos do arquivo do Nathaniel, puxou de dentro da calça os falsificados, posicionou-os na pasta, e escondeu os verdadeiros dentro da calça.
- Me sinto o Light Yagami escondendo um Death Note dentro das calças. – ela disse fechando a gaveta e o armário. Referência obrigatória de Death Note feita com sucesso.
Spoiler Alert.
- A não ser que você também queira levar um tiro, saia daí agora!
Lynn foi correndo até a porta do arquivo, mas só abriu uma fresta, pois percebeu que havia alunos, provavelmente vendo o show dos dois gueixos lá fora, bloqueando a saída da porta.
- Rosalya, código vermelho, não vou conseguir sair daqui sozinha. – Lynnóquio disse para o fone.
- Droga! A diretora já está vindo!
- Inicie o plano “C”.
Lynn pôde escutar em seu fone a respiração profunda de preparação psicológica que Rosalya deu.
- Me dê quinze segundos. – Lynn marcou o tempo no relógio. – E saia pela porta, checagem do tempo... Pronto!
- Pronto! – Lynn respondeu.
X
Em meio a confusão, Rosalya saiu de sua tocaia e se aproveitou de todos os olhares estarem na briga para se aproximar de forma sorrateira, mas rápida até o extintor de incêndio do corredor. Ela verificou o manômetro, para a alegria e conveniência o reloginho estava no ponteiro branco, indicando que o extintor estava com muita pressão. Rosalya passou os olhos para o lacre, tirou o extintor da parede, e, voltou o olhar para checar se alguém a tinha visto, desenrolou a mangueira, rompeu o primeiro lacre, tirou o pino de segurança e apertou a alavanca com toda a força que conseguia.
Graças aos deuses da fanfic, o extintor de incêndio, assim que acionado, saiu voando do lugar por conta da pressão e, comicamente, voou descontroladamente na direção em que estava o tumulto. O pânico e o caos foi estabelecido junto com gritinhos de susto e alunos se pisoteando para sair do caminho, obviamente porque ninguém queria ser alvo de um extintor desgovernado e, em meio a confusão e da fumaceira que saia da mangueira descontrolada, ninguém viu Lynnóquio saindo da sala de arquivo.
X
- CARALHO! – Castiel exclamou em estado de euforia. – Caralho! Isso foi ÉPICO!
Depois de toda a confusão os três deram um jeito de, cada um, seguir a rota de fuga previamente estabelecida e se encontrarem no parque perto da escola. Até onde tinha ocorrido, ninguém, além do Castiel que foi o centro das atenções, foi pego durante a operação, e o mistério de como o extintor de incêndio quase explodiu em um corredor cheio de alunos foi classificado como um ato de terrorismo e negligência feito pela companhia fabricante.
Agora estavam os três em uma parte isolada do parque, área dedicada a aqueles que pretendiam fazer programas românticos ao ar livre com marshmallows, jogando álcool em gel em um espaço destinado a fogueira. Por algum milagre nenhum dos três se machucou na confusão, mas todos eles estavam com os cabelos, roupas e pulmões cheios de pó químico, assim como a maioria dos figurantes que estavam na cena.
- Castiel, para de chamar atenção. – Rosalya falou enquanto tentava tirar o pó do cabelo.
- Não, cara, sério, como é que vocês fizeram isso?! – Cassy estava cheio de endorfina por, possivelmente, ter sido a primeira vez que ele participava de uma operação criminosa daquela magnitude. – Você planejaram tudo! Até cronometraram o tempo do extintor! Parece até que vocês já fizeram isso antes!
- Nós já fizemos isso antes. – Lynnóquio disse concentrada na fogueira que estava armando. – Em uma loja de roupas.
- Isso é sério?!
- Seríssimo. – Rosalya pronunciou firmemente. – Quando eles não aceitam sua troca, só porque a blusa “não está com a etiqueta”... – ela falou isso imitando, provavelmente, a voz da vendedora que lhe recusou a troca. – ...É a única alternativa que sobra.
- Caralho. – Castiel falou seriamente assustado.
- O sistema de trocas só serve para degradar nossas escolhas, Castiel. – Rosalya falou. – Se eu não gosto de uma blusa, eu deveria poder trocá-la mesmo estando sem etiqueta.
- Vocês nunca ouviram falar em “Defesa do Consumidor”?
- Instituição falsa integrante do sistema capitalista para nos dar a ainda mais falsa ideia de segurança de que temos o nosso direito de consumo e de escolha assegurados. – Lynn disse finalmente acendendo a fogueira.
- Eu não acredito que vocês fizeram isso dentro de um shopping sem ninguém pegar vocês no flagra. – o rapaz disse se sentando perto da fogueira.
- Como é que você acha que a gente foi parar numa Unidade de Correção? – Rosalya disse também se aproximando, sentando-se em um tronco que servia de banco.
- Na verdade foi por causa do black jack ilegal. – Lynnóquio falou. – O incidente do shopping foi só a nossa última infração.
- Black Jack não é ilegal.
- Aparentemente é ilegal que duas adolescentes entrem num cassino e contem as cartas para quebrar a banca.
- Caralho.
- Assim como é ilegal disparar o alarme de incêndio dentro de um cassino para fugir da segurança. – Lynn falou em tom de alfinetada.
- Não mais do que fazer um coquetel molotov com uma garrafa surrupiada e jogar na mesa de black jack para distrair a segurança.
- Caralho.
- Não mais do que...
- Tem “mais” nessa história?! – Cassy exclamou.
- Depende de quanto tempo você tem. – Rosalya resmungou checando uma mecha do cabelo.
- E eu achava que vocês duas eram só uma dupla estranha de uma nerd e uma gosto... – ele se interrompeu com o olhar que Rosalya lhe lançou. – Além do jogo ilegal, do terrorismo e das fraudes vocês fazem mais alguma coisa?
- Você diz além de lavar o dinheiro sujo da prima traficante da Lynn?
- E de usar entorpecentes dentro de terreno escolar?
- Vocês têm algum hobby que não seja crime?
As duas demoraram mais tempo do que seria considerado saudável, ou seguro, para responder.
- Desenhar roupas.
- Pole dance.
- Sabe de uma coisa? Acho que quanto menos eu souber do que vocês duas fazem, melhor.
- Fracote. – Rosalya disse.
- Isso é bom, pois se você contar qualquer coisa para alguém, Castiel, nós vamos te matar. – Lynnóquio falou.
- Ah, claro.
- Você foi enganado pela falta de expressão da Lynn. – Rosalya gesticulou. – Ela quis dizer que nós literalmente vamos te matar.
Silêncio constrangedor: ativado.
- Caralho.
- É sério, Castiel. – Rosalya disse se segurando para não rir. – Se lembra do Kentin?
- De quem?
- Exatamente.
- Kentin não era aquele amigo nerd que entrou no primeiro ano junto com a Lynnóquio?
- Pois é.
- Merda nenhuma que vocês mataram o moleque. – Cassy falou se ajeitando. – Ele voltou para a escola antes de ontem.
- Não, ele não voltou. – Lynn levantou a blusa e tirou os verdadeiros gabaritos do Nathaniel de dentro da calça. – Aquilo era uma alucinação causada pelo Lysergsäurediethylamid.
- Pelo o que?
- LSD.
- Enfim. – Cassy disse esfregando as mãos para limpar a poeira. – Era ele mesmo, quando o Lysandre e eu fomos atrás da Lynn, sabe, para ver se ela não tinha matado ninguém com aquela caneta, vimos ele beijando a patricinha no corredor.
- O Kentin? – Rosalya indagou com ironia. – Beijando a Ambre? Beijando?
- É, eu também achei que era outro cara. – Castiel tirou um cigarro de dentro da jaqueta. – Mas quando ele me viu, tremeu do mesmo jeito que fazia quando ainda era um nerd.
- Como assim?
- Eu vou só dizer que alguém deve ter malhado muito na escola militar.
Silêncio constrangedor parte dois: ativado.
- Por que ele beijaria a Ambre? – a musa vitoriana indagou. – Digo... Mesmo que agora ele esteja... “Malhado”, ele nunca gostou dela.
- Eu sei lá. – Cassy acendeu o cigarro e deu uma tragada. – Não perguntei, eu me distrai com a lagosta gigante atrás da Lynn no banheiro masculino.
Por alguns momentos os três ficaram em silêncio. Castiel fumando o seu cigarro e questionando a sua decisão de se associar com aquelas duas criminosas, Rosalya pensando na blusa que tentou roubar da loja e considerando se acharia uma do mesmo modelo na internet, e, é claro, pensando em como Lynn reagiria sabendo que o seu melhor, e único, amigo de infância voltou para Sweet Amoris beijando a Ambre.
- Pobre Nathaniel. – Lynn disse depois de séculos em silêncio encarando os gabaritos do representante.
- O que foi?
- Ele teria tirado nota máxima em tudo. – ela falou ajeitando os óculos. A título de curiosidade, Lynnóquio tinha memorizado as próprias respostas, as quais ela tinha certeza que estavam todas certas, e comparado com as resposta do representante. – Não posso nem imaginar a quantidade de esforço que ele gastou nisso.
- Não foi mais do que você gastou pra tirar dez em tudo, Lynnóquio. – Castiel falou. – E você, de bônus, ainda fraudou o sistema da escola.
- Eu deveria me sentir melhor com isso?
- Agora é tarde para voltar atrás, Lynn. – a melhor amiga disse. – É por isso que eu tinha dito para não fazermos isso.
Lynn pousou os gabaritos no colo e ajeitou os óculos com as duas mãos.
- É, eu sei. – ela jogou os gabaritos na fogueira, para eliminar as provas. – Porém, foi um mal necessário ele não pode continuar sendo presidente do grêmio sem manter as notas.
- E aí... – Castiel falou e se assustou com o sorriso maquiavélico que se formou no rosto da Lynnóquio.
- E aí, nós podemos começar a fase três.
...
- Espera aí! – Cassy falou interrompendo a finalização do capítulo. – Se o quatro-olhos da Lynn está vivo, isso quer dizer que vocês não vão literalmente me matar não é?
- Não. – as duas responderam em uníssono.
- Não, vocês não vão me matar, ou não, isso não quer dizer que vocês não vão me matar?
- Não. – elas novamente responderam em uníssono.
Infelizmente, Castiel nunca soube a resposta, mas, felizmente, ele também nunca se arriscou a tentar descobrir.
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