Uma semana depois...
A claridade me avisava que mais um dia havia começado. O sol continuava brilhando, mesmo com o céu nublado de inverno, o mais chato e triste que já vivi, e o mais frio também. Abri meus olhos devagar, acostumando-os com a pouca luz de meu quarto, e uma voz cantarolando baixo rompeu o silêncio do pequeno cômodo.
– Claire acorda... anda Claire. – Emily murmurou tocando de leve o meu braço.
– Desce na frente. Eu vou dormir mais um pouco. – Minha voz estava fraca, rouca e um pouco irritada. Sabia o porquê dela estar daquela forma, e sabia que provavelmente eu estaria com olheiras por não ter dormido quase nada, preocupada com a Angel.
– Não vou descer sem você. – Emily murmurou. – A diretora quer falar com todos os alunos no auditório.
– O que ela quer agora? – Levantei da cama a contra gosto, caminhando em passos lentos até o banheiro. – Será que ela vai finalmente liberar a internet?
Emily encarou-me com um sorriso irônico.
– Claro que sim. Ela também vai nos dizer que unicórnios existem.
– Muito engraçada. – Revirei os olhos e bati a porta do banheiro.
[...]
Havia uma garota pálida em minha frente, o rosto sem cor, os olhos claros totalmente sem brilho e extremamente magra, vestida em um uniforme ridículo azul. Nem de longe parecia com a Angel sorridente e descontraída que conheci no meu primeiro dia de aula.
– Angel? – Indaguei surpresa arqueando levemente uma sobrancelha.
– Quem mais seria, Donell. – Ela sorriu irônica olhando para mim e para a Emily com superioridade. – Vocês estão atrasadas para a reunião.
– Já estamos indo. – Emily apressou-se a responder, agarrando meu pulso puxando-me em direção ao auditório.
– Calma, Ems. – Forcei meus pés no chão e virei-me para a Angel. – Ei, onde você estava esse tempo todo? Fiquei preocupada, uma semana é bastante tempo.
O rosto dela modificou-se, adquirindo um certo ar de escárnio.
– Comportei-me de uma maneira inadequada e a diretora submeteu-me as normas do After. Agora estou apta para auxiliar outras pessoas ao nosso ensinamento: " pune duramente, educa duramente. "
Encarei-a com os olhos levemente arregalados.
– Estamos indo para a reunião. – Emily empurrou-me pelos ombros.
– Emily o que aconteceu com a Angel? Ela parecia completamente... modificada. – Murmurei caminhando lentamente pelos corredores. Emily suspirou.
– Fizeram uma lavagem cerebral nela. – Emily sussurrou olhando-me de lado.
– Fizeram o QUÊ? – Exclamei surpresa, atraindo alguns olhares para mim.
– Cala a boca. – Emily ordenou-me baixinho. – Depois eu te explico isso. Agora vamos logo ver o que diabos a diretora quer conosco.
Entramos no corredor branco repleto de portas de madeira com letreiros de metal que indicavam a secretaria, a sala dos professores, a tesouraria e a, tão menos usada nesse internato, o auditório. Parei em frente à porta e pensei em, já que não tinha ninguém ali me olhando, ir correndo e me trancar em um banheiro, ou fugir do internato. Contudo, como a sorte não era nem um pouco minha amiga e porque eu não tenho dinheiro para pagar um táxi, respirei fundo, girei a maçaneta e abri a porta.
– Atrasadas. – A diretora murmurou em meio ao seu discurso. – Espero que isso não se repita novamente. E senhorita Emily... Você deveria dar o exemplo para a novata, e não o contrário.
Ignoramos o diretor e nos dirigimos para a última fileira de cadeiras, logo nos acomodamos. Olhei em volta a procura de Matthew e assim que o vi, nossos olhares se encontraram e ele sorriu docemente para mim.
– Hoje é o dia de visitas no After. – A diretora falou, com um meio sorriso no rosto. – O que significa que logo os responsáveis de cada um desse internato estará aqui. O vice-representante de turma irá explicar a regra especial para hoje.
Vi Castiel subir ao palco pelo outro lado, ele cumprimentou educadamente os diretores e, ao olhar em frente, seu olhar cruzou com o meu. Ele me deu uma piscadela de um olho só, ainda com um sorriso no rosto esculpido de traços marcantes.
– Os responsáveis não poderão em hipótese alguma saber sobre nada que vocês aprendem aqui... nada. – Castiel disse sério, olhando todos os novatos com atenção. – Se algum responsável reclamar sobre o tratamento que vocês estão recebendo aqui, eu não terei outra escolha a não ser, procurar arduamente a pessoa que abriu o bico e joga-lá no buraco. – Mesmo estando sentada, senti o chão fugir sob os meus pés. Aquilo não podia ser verdade. Castiel não jogaria ninguém em um buraco... ou jogaria?
Castiel entregou o microfone para o diretor e desceu do palco.
– Daqui há trinta minutos quero todos no salão principal. – O diretor murmurou. – Quero ver todos com sorrisos nos rostos. Bom, já podem ir se arrumar.
Depois do susto, o discurso foi logo encerrado. A multidão se dispersou e os holofotes apagaram. Respirei aliviada tentando deixar minha mente em branco, me preparando para enfrentar meus pais, o que não seria fácil.
– Santa Madonna! Ainda não tô psicologicamente preparado para fingir que deixei de ser gay para os meus pais. – Matthew confessou se aproximando de mim e da Emily.
– Ou você fingi ou a diretora vai convencê-los que a única coisa que irá salva-lo é a terapia intensiva. – Emily revelou.
– Eu vou fingir. – Matthew engrossou a voz endireitando a postura.
– Ótimo. – Emily murmurou, rindo. – Tenho que resolver uma coisa. Vejo vocês daqui a pouco.
– Tenho que ir também. – Matthew deu um beijo em minha testa. – Vou procurar uma roupa menos gay no meu armário.
Me despedi dos dois com um aceno, e fui vagarosamente em direção à porta do auditório. Não, eu não queria ver meus pais. Não queria as falsas lágrimas da minha mãe. Nem o esforço que os dois faziam para manter as aparências. Revirei os olhos com a minha súbita mudança de pensamentos e apressei meus passos. Virei no corredor com a assustadora foto da Eleanor e ao invés de entrar em meu quarto, me vi indo em direção à escada dos corrompidos. Subi os degraus com pressa e me debrucei no parapeito.
– Desobedecendo as ordens do diretor, Claire? – A voz de Castiel, ridiculamente próxima do meu ouvido, me sobressaltou. Eu estava tão concentrada em meus pensamentos que nem ao menos escutei os seus passos.
Graças a minha reação de susto, me vi pressionada contra o peito dele. O momento de contato foi elétrico, e eu me vi paralisada, presa ali por uma força invisível. Meu coração batia forte, minhas pernas tremiam e um calor absurdo começou no sul do meu corpo. Minha respiração acelerou enquanto eu me via sendo puxada de volta para aquilo... Aquele imã entre eu e Castiel, aquela força de tal magnitude que eu não era capaz de nem ao menos começar a compreender.
– Responda a minha pergunta.
As mãos dele descendo sensualmente por meus braços me despertaram de minha imobilidade e, com mais dificuldade do que eu gostaria, consegui me forçar a me afastar, dando um passo para frente e apoiando minhas mãos no parapeito. Ele continuava atrás de mim, longe o suficiente para não estarmos nos tocando, mas perto o suficiente para eu sentir sua presença.
– O que você faz aqui? – Incitei com a sobrancelha arqueada, tentado ao máximo esquecer o clima esquisito que rolou minutos antes.
– Estava te procurando. – Admitiu dando um passo e parando ao meu lado. – Queria me explicar sobre aquela ameaça que fiz no auditório.
– Você não tem que me explicar nada, senhor " vice-presidente".
– É sério, Claire. – Castiel franziu os lábios em irritação. – O buraco realmente existe. Não é um lugar legal. E eu sou obrigado a jogar as pessoas que desobedecem o diretor dentro daquele inferno.
– Hum. – Mostrei desinteresse. Eu só queria ficar sozinha pensando, e não ficar ainda mais perturbada em relação a esse internato.
– Claire... as pessoas são realmente manipuladas aqui. Tem muita coisa que você não sabe. – Os olhos dele prenderam nos meus e eu senti a tensão crescendo. – A Angel ficou cinco dias no porão. Ela agora tem uma marca logo abaixo do quadril. O símbolo que Eleanor criou há anos atrás. – Prendi minha respiração por alguns segundos, esperando sentir aquele horrível soco no peito que antecipei. Eu imaginei que aconteceria. E aconteceu.
– Quero saber quem é a Eleanor... quero saber de tudo, Castiel. – Murmurei séria, olhando dentro de seus olhos.
– Eu vou te contar, prometo. Mas não agora. – Castiel deu um breve beijo em meus lábios. – Você tem que trocar de roupa para receber seus pais.
– Promete mesmo? Estou cansada de ficar no escuro. – Castiel levou sua mão até o meu rosto, e foi descendo pelo meu braço, até chegar sobre a minha agora, seus dedos entrelaçados com os meus.
– Eu prometo, Claire. – Ele abriu um sorriso. Fiquei na ponta do pé e depositei um beijo estrategicamente no canto de sua boca.
– Te vejo mais tarde. – Virei as costas e sorri vitoriosa comigo mesma. Usar o Castiel para obter informações vai ser mais fácil do que pensei, burrinho.
Desci as escadas lentamente, tentando adiar o momento de rever meus progenitores. Quando cheguei ao fim da escada, pude ver uma garota de belos cabelos loiros e um corpo esguio de se dar inveja, ao seu lado um garoto com cabelo loiro e olhos azuis acinzentados. Infelizmente, eu teria de ser gentil, pois era a Carter e o... Luke? Aproximei-me e sorri para os dois, parando alguns centímetros em sua frente, mas meu sorriso morreu assim que notei um brilho estranho nos olhos da Carter.
– Claire, né? – Carter perguntou, assenti. – Lindinha, você sabia que o Castiel é meu namorado?
Um esboço de um sorriso surgiu em meus lábios, cruzei os braços.
– Sabia. Aliás, vocês formam um lindo casal.
– Você se acha muito esperta. Mas saiba que enquanto você estiver nesse internato quem dita as regras sou eu.
– Duas podem jogar esse jogo. – Falei em tom de desafio.
– Se afaste do Castiel. – Carter abriu um sorriso sinistro. – Me obedeça, lindinha. Ou... bom, " pune duramente, educa duramente. "
Carter piscou para mim e saiu rebolando, sumindo juntamente com o Luke, me deixando com os dentes trincados de raiva, e com a maldita sensação de impotência.
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