Garotos solitários tendem a buscar incessantemente seguidores. Garotos espancados, precisam bater. Ele querem afirmar que isto é o certo, os pais o disseram. Meninos fortes aguentam calados, e reproduzem de forma mais fiel possível aquilo que lhes foi passado.
Durante meu período escolar da infância, um garoto magricela e feioso sentava-se atrás de minha carteira. Frequentemente ele escondia meu material escolar, enchia minha mochila com pedaços de papel higiênico e roubava meu uniforme durante as aulas de educação física. Haviam sempre aqueles que estavam ao seu lado, rindo sob a expectativa de minhas reações.
Os expectadores observavam de longe, ansiando que seus desejos mais ocultos de violência pudessem se desenrolar diante de seus olhos quando o cenário ideal estivesse montado para que uma briga de verdade acontecesse.
Eu era mais forte, maior, e mesmo assim o garoto e seus cúmplices insistiam em afirmar que tudo o que havia em minha aparência era algo parecido com gordura de porco. Algumas outras palavras carregadas de ódio eram atiradas contra mim e escritas em minhas folhas de caderno quando eu não estava por perto.
Todas as vezes em que isso acontecia, eu chorava atrás de uma árvore perto de casa, até que meus pulmões voltassem a funcionar normalmente e todas as lágrimas acumuladas evaporassem. Esperava até que meus olhos voltassem à sua cor habitual, não restando nenhum vestígio do que houvesse acontecido, e só então voltava para casa.
Porque na primeira vez em que busquei refúgio nos braços da minha avó e permiti que as lágrimas escapassem de meus olhos, meu avô me alertou claramente:
Meninos não choram.
Não foi uma dica, um pedido ou um comentário qualquer. Foi um aviso. Um lembrete para que eu me comportasse de acordo com o que possuía de nascença entre as pernas. O recado transmitido através de seus olhos me fez temer mais do que xingamentos de meninos da minha idade.
Portanto, eu evitava fazer qualquer coisa que pudesse me fazer alvo de tapas do meu responsável legal, mesmo que eu realmente não entendesse se eram merecidos ou não.
Errar, na concepção que me foi dada, significa decepcionar aqueles que mais amamos, e isto significa que merecemos sofrer. A mente do ser humano é traiçoeira. O tempo todo nos sabotamos.
Minha avó não disse nada naquele momento.
Ela nunca dizia.
Apenas passou os dedos delicados em meu rosto para secar os vestígios de um choro entalado e voltou para a cozinha para preparar o jantar. Eu me lembro perfeitamente de sua roupa: uma saia branca, comprida e lisa. Seus cabelos, presos em um coque. Seu rosto, pálido. Sua presença era apagada, transparente, e sua voz não se fazia presente em momentos decisivos. E mesmo assim, acredito que dentro de sua cabeça um turbilhão de pensamentos queria saltar de sua boca, relutar, opinar. Mas não houve um momento em que ela pensasse sobre isso ou sequer admitisse que possuía a necessidade de se impor.
Portanto, todas as regras em casa eram impostas pelo meu avô. E definitivamente deveriam ser seguidas.
Na escola nada era feito sob minha vista, exceto os xingamentos verbais, sublimados por algo denominado como brincadeira.
Não havia amizade. Quando um não quer, dois não brincam.
Os apelidos dados a mim tentavam infiltrar-se em meu ser, modelar minha identidade.
As dúvidas pairavam o tempo todo sobre minha cabeça, rondando minhas certezas e desejos tentando destruí-los. Sentia dedos indicadores apontando meus defeitos, mostrando-me que eu nunca seria capaz de superar minhas inseguranças.
Estava fadado ao fracasso, e apenas a isso.
Afinal, quem era Park Jimin?
Ao olhar para o espelho, o que eu via? Se meus pais não tivessem sofrido aquele acidente de carro logo que nasci, o que eles diriam ao definir as características do próprio filho?
As crianças à minha volta pareciam saber a resposta a estas perguntas antes mesmo que eu pensasse em respondê-las. Então elas me disseram quem eu sou. E eu acreditei.
-
- Outro dia sua avó me ligou perguntando se você estava na minha casa ao invés de estudando até mais tarde no colégio, como disse a ela.
Eu e Taehyung caminhávamos lado a lado, em direção à praça perto de sua casa. Fazia algum tempo que eu não o visitava. O sol estava mais fraco mas o calor continuava presente, nos permitindo vestir bermudas e camisetas de manga curta.
- Depois de ver o meu último boletim parece que meus avós não confiam mais em mim.
Demos mais alguns passos e logo avistamos os arbustos baixos da pequena praça.
- E você não entregou a carta do diretor pra ela assinar?
- Ainda não tive coragem. Se ela contar ao meu avô...
- É... Eu, no seu lugar, também estaria preocupado com isso.
- Mas... uma hora ou outra vou ter que levar o papel assinado.
- Pois é. E como vão as aulas de matemática?
- Não são aulas, Tae. O senhor Jeon Jeongguk fica só olhando para os meus exercícios e me interrompendo quando eu cometo erros. E isso acontece com certa frequência.
- Não deve ser tão difícil estudar, é só decorar algumas fórmulas. Ou tentar colar. – Deu uma risada leve – Eu me lembro bem do dia em que você tentou deixar seu celular escondido entre as pernas e a bateria dele acabou no momento crucial da prova.
- Eu nem me lembro disso.
- Pois eu lembro, e você deveria estudar como colar direito.
Fingi estar bravo e desferi um soco em seu ombro. Ele riu e correu para longe de mim.
Sentou em um dos bancos do local e ao alcançá-lo sentei ao seu lado.
Quando Taehyung ainda frequentava a escola eu costumava ir à casa dele depois das aulas. Nós passávamos as tardes lendo HQ’s ou gastando a mesada dele na vendinha de doces do bairro. Gostávamos também de comprar picolé na padaria e andar sem rumo pelas ruas tranquilas, enquanto Taehyung narrava as novidades - ou melhor, fofocas – sobre os outros alunos do colégio. Ele estava sempre sabendo de tudo.
Mas eu fiquei de castigo durante as minhas férias por causa do meu boletim, então não pude observar os moradores perambulando ou passeando com seus cães como agora. Além disso, atualmente tinha que enfrentar estudos chatos mesmo depois das aulas.
De certa forma ainda estava de castigo, e este foi o único sábado em que havia conseguido dar uma escapada para ver Taehyung.
Ele estava distraído desenhando alguma coisa na terra com a pedra que havia encontrado no chão. Ajeitou-se novamente ao meu lado tentando me sujar com os dedos sujos, o que resultou em uma guerrinha boba.
Apesar de tudo, meu pensamento sempre retornavam para meu maior tormento: os estudos.
- Você conhece Kim Namjoon?
- Hm, acho que já ouvi falar.
- Ele fez uma palestra no colégio, na semana passada, e disse que quem quisesse ajuda nos estudos poderia procurar por ele.
- Então o que você está esperando? Vamos lá.
Taehyung era um pouco maluco e impulsivo, e nunca deixava para o dia seguinte o que poderia fazer no momento presente.
- Você também vai?
- Se eu ficar em casa minha mãe vai aparecer na sala perguntando o por quê de eu ainda não estar pensando na faculdade, dizendo que Baekhyun será um ótimo médico quando se formar e que eu deveria seguir seu exemplo. – desabafou, fazendo uma careta.
Seguimos para o ponto de ônibus mais próximo e vasculhei meu celular até encontrar o endereço que Namjoon havia passado no dia da palestra. Ele não havia passado nenhum telefone, então nós teríamos que ir até a casa dele.
- O que minha mãe não sabe é que as redes sociais do meu irmão estão lotadas de fotos em festas, e sempre tem um amigo dele do lado, aquele que minha mãe acredita ser um anjinho, o tal de Chanyeol.
Ri de seu comentário. Taehyung sabia sobre todas as vezes em que o irmão aprontou, mas nunca o dedurava para a mãe. Eles tinham algum tipo de acordo entre eles – para nunca contar o que o outro havia feito - que só irmãos conseguem entender.
Esperamos o ônibus aparecer, enquanto o céu tornava-se alaranjado com alguns tons de rosa ao entardecer.
De repente vi Taehyung acenar para a direção oposta à qual eu olhava e me virei para ver quem ele estava cumprimentando. Avistei um menino alto, usando regata e calçando tênis, na outra calçada. O garoto acenou de volta, sorridente, e atravessou a rua.
Foi a primeira vez em que vi Jung Hoseok sorrir de forma que não fosse debochada.
- Esse é o Hoseok, meu novo amigo, ele meio que mora aqui perto também.
Eu e Hoseok nos entreolhamos por um momento e lembrei da cena esquisita naquele dia no terraço.
- Nós estudamos na mesma sala.
Taehyung arregalou os olhos com a afirmação, parecendo mais animado que o normal com a ideia.
- Que bom, então vocês podem ser amigos!
Hoseok não disse nada, e eu também não. Taehyung continuou tagarelando, como de costume.
- Jiminie, eu descobri alguém que joga video game melhor do que eu e você juntos. Foi impressionante como eu perdi todas as vezes quando joguei com o Hoseok na quarta-feira.
Hoseok estava com os braços cruzados e uma expressão carrancuda no rosto e era engraçado imaginar ele se divertindo ao lado do garoto mais animado do planeta.
- Eram jogos de luta? – Perguntei de forma audaciosa.
Taehyung ergueu as sobrancelhas e colocou as mãos sobre os lábios, parecendo pensativo.
- Na maioria das vezes foram jogos de dança.
Dança? Evitei rir apenas para não apanhar de Hoseok. Mas imaginá-lo dançando...
O ônibus que esperávamos chegou, interrompendo meus pensamentos, e esperei Taehyung para entrar no transporte.
- Estamos indo dar um passeio. Você vem com a gente?
- Eu...
Não fazia sentido nenhum Hoseok ir junto. Ele não estudava, não teria o menor interesse em conhecer os métodos de Namjoon.
Na naturalidade que Taehyung costumava possuir, posicionou-se atrás de Hoseok e o empurrou para dentro com alguns tapinhas nas costas, sem esperar sua resposta.
Escolhemos nossos lugares e Taehyung sentou-se no canto, com Hoseok ao lado, enquanto eu permaneci em um dos assentos próximos.
Observei o céu pela janela e o sol já ia embora. O ônibus seguiu seu caminho e passamos pelo centro da cidade. Os comércios estavam menos movimentados, as lojas prontas para serem fechadas e as luzes dos postes começando a iluminar as ruas.
Olhei para Taehyung e ele estava mostrando alguma coisa no celular para Hoseok, rindo. Enquanto o outro fazia uma careta engraçada tentando conter o riso.
Os prédios ficavam para trás e já era possível avistar algumas casas de um bairro residencial.
Peguei o celular no bolso e desbloqueei a tela, indo até o local onde estava o endereço de Namjoon. Ele morava em um bairro pouco conhecido para a maioria dos que estudavam em um colégio particular.
Me perguntei o que um garoto que aparentemente possuía um bom trabalho estava fazendo morando em um bairro de baixa renda. E como é que ele conseguiu frequentar um colégio caro?
Voltei minha atenção aos meninos, para avisá-los que estávamos próximos do nosso destino.
Taehyung encontrava-se em uma situação hilária. Seu corpo balançava e despencava em câmera lenta para o lado esquerdo, encontrando o ombro direito de Hoseok e repousando ali, para na próxima chacoalhada do ônibus abrir os olhos e retesar em estado de alerta.
Contive uma risada ao olhar para o rosto de Hoseok. Ele observava a situação de Taehyung, mas não fazia nada para afastá-lo. Provavelmente, caso não fossem amigos, a cabeça de Taehyung já estaria sendo socada no vidro da janela.
Olhei pela janela novamente e pude observar que já havíamos chegado em nosso destino. As casas ali eram menores e descoloridas.
Levantei do assento e apertei o botão indicando para o ônibus parar. Hoseok se levantou e Taehyung, mesmo sonolento, nos seguiu.
Estávamos em um cruzamento ao final de uma ladeira. Analisei mais uma vez o endereço e descobri que teríamos que enfrentar todo aquele asfalto inclinado.
- Para onde vamos? – Tahyung se espreguiçou, esticando o corpo inteiro com os braços para cima e as mãos fechadas em punho.
- Como assim, “para onde”? Aliás, você nem me disse pra onde estava me levando... – Hoseok questionou Taehyung, e este apenas sorriu.
- Ao que parece a casa dele fica nessa direção, seguindo reto até chegar no próximo semáforo.
Os dois à minha frente abaixaram os ombros e fizeram caretas de frustração.
- Vamos ter que subir toda essa rua? – Taehyung murmurou, soltando um suspiro.
Tentando deixar a preguiça de lado, seguimos em frente.
Passamos em frente a um posto de gasolina, e mais à frente uma floricultura. Não vimos mais nenhum comércio, e o bairro parecia ser silencioso.
Depois de atravessar algumas ruas, finalmente chegamos no local.
A placa do número que denominava o endereço correto estava fixada em uma parede acinzentada e descascada nos rodapés. Não havia um portão, apenas uma porta e janela fechadas.
Nos aproximamos e, ao não encontrar uma campainha, depositei duas batidas na porta. Em questão de segundos ela foi aberta e do outro lado surgiu um Kim Namjoon até então desconhecido.
Os cabelos desta vez descobertos destacavam-se em fios loiro claro. Vestia uma camiseta branca e uma calça de moletom de cor cinza. Nos encarou com uma das sobrancelhas arqueadas.
- Olá, nós...
- Somos do colégio em que você deu uma palestra essa semana. Eu sou Kim Taehyung, estes são o Park Jimin e Jung Hoseok. – Taehyung atropelou minhas palavras, fingindo ainda ser um estudante interessado.
- Podem entrar. – Namjoon sorriu.
- O que estamos fazendo na casa do palestrante? – Hoseok sussurrou.
Dei o primeiro passo para dentro da casa – que mais parecia um quarto – e observei ao redor.
Havia um espaço no canto esquerdo contendo uma geladeira, um armário de piso e um microondas sobre ele. Me perguntei como eram seus almoços, uma vez que não havia um fogão ali. Ao lado desta cozinha improvisada estava depositada uma escrivaninha e uma cadeira de madeira. Ouvi sons baixinhos vindos do lado direito e reparei na televisão ligada à frente de um sofá com um cobertor desarrumado em cima.
Em todo o cômodo haviam apenas duas janelas, uma ao lado da porta de entrada e outra acima do sofá. Também havia apenas mais uma porta, que julguei ser a do banheiro.
Hoseok pareceu surpreso na mesma proporção que eu, com os olhos estreitos analisando todos os cantos.
- Nós gostaríamos de receber dicas para melhorar nos estudos.
- Você mora aqui? Bem, eu assisti o começo da sua palestra e... pensei que funcionários de empresas morassem em apartamentos grandes ou...
Cutuquei Hoseok por sua falta de educação em falar sobre a casa do outro e ele me lançou um olhar feio.
- Sim, eu moro aqui mesmo. Gosto de lugares pequenos e... vida de gente com dinheiro não faz o meu estilo.
- Como assim? Quer dizer que... todo aquele papo de ser convidado para trabalhar em uma empresa internacional era mentira?
Ele riu baixo, como se eu tivesse dito algo engraçado.
- Sim, Park Jimin, eu menti para o diretor da escola e para os professores.
- Para os alunos também. – Hoseok completou, indignado.
Namjoon se dirigiu ao sofá no canto direito e sentou, com os braços soltos ao lado do corpo.
- Então... Se você não foi convidado para empresa nenhuma... – Taehyung não escondeu a curiosidade.
- Eu trabalho em um posto de gasolina, aquele no final da rua. – A cada palavra dita minhas pálpebras abriam-se mais espontaneamente. E Namjoon parecia estar se diventindo com as expressões de surpresa em nossos rostos.
- Mas você é inteligente demais para... – parei de falar no mesmo instante, piscando algumas vezes em constrangimento por não encontrar as palavras certas e parecer ofensivo. – O que quero dizer é que você poderia ter aproveitado as oportunidades de outras propostas que com certeza recebeu.
- O número do meu QI importa para você? Sabe, eu nunca pretendi vender minha inteligência. E sabemos muito bem que a principal função das multinacionais alimenta-se do cérebro de garotos como eu para gerar sua própria riqueza.
O garoto à nossa frente levantou-se novamente, suspirou e caminhou até nós, sem tirar o meio sorriso do rosto.
- E há coisas mais importantes na vida que pedaços de papel não podem comprar.
- Do que está falando? – Indaguei.
- Eu disse que sabia sobre algo que poderia mudar suas vidas, não disse? Pois bem, eu não estava mentindo sobre isso. – havia um ar de mistério em sua fala, mas para mim ele mais parecia um maluco.
- E o que é? - Se eu também não estivesse louco, juraria ter visto um brilho de expectativa nos olhos de Taehyung.
Eu e Hoseok nos entreolhamos, um tanto confusos e desconfiados com as palavras do outro.
- Venham comigo que eu vou mostrar.
Olhei para os ponteiros de um pequeno relógio sobre a escrivaninha e constatei que a noite estava chegando. Estava tarde e minha barriga já lamentava pelo tempo em que ficou vazia.
Taehyung seguiu o loiro até a frente da casa e eu queria puxá-lo para algum canto e avisar que aquele papo era muito suspeito. Mas não houve nenhuma oportunidade. Os dois andaram à frente, acompanhados por Hoseok, sem nem ao menos olhar para trás para verificar se eu havia fechado a porta da casa.
Desceram a rua e apressei o passo para alcançá-los. Tudo o que eu poderia fazer era ver aonde aquilo iria dar.
Eu estava receoso. E se Namjoon estivesse nos levando para um beco onde seríamos assassinados? E se a coisa que ele dizia ter o poder de mudar nossas vidas fosse alguma droga ilícita?
Depois de atravessar algumas quadras e virar algumas esquinas, estruturas grandes pareciam surgir ao final da rua que julguei ser sem saída. Estávamos sendo levados para um local quieto, sendo engolidos pelas sombras de galpões acinzentados à nossa volta.
Namjoon nos guiou entre um corredor estreito, nos levando por uma viela entre as extensas paredes descascadas e janelas quebradas. O céu estava cada vez mais escuro e era quase impossível enxergar o que havia à frente.
Eu queria socar Taehyung e o faria caso estivesse sendo metido em uma roubada.
Minha respiração tornava-se cada vez mais pesada e audível. Aos poucos as luzes voltavam a atingir minha visão. Namjoom rodopiou o corpo, voltando-se para nós. Uma ânsia me atingiu e calafrios percorreram meu corpo.
- Estamos atrás de todos estes locais abandonados porque... bem, nós precisávamos escolhemos um lugar onde o som pudesse ser abafado.
“Nós” quem? Uma vertigem surgiu em minhas entranhas e pensei que morreria ali mesmo, antes de ser atingido por uma bala.
Ele estaria se referindo a uma gangue ou o quê?
Nanjoom virou-se novamente para a frente e continuou caminhando. Não sei ao certo o motivo, mas não consegui ficar parado no mesmo lugar e segui os outros.
E de repente nossos passos cessaram. Mas o esperado silêncio não veio.
Havia música.
As vibrações sonoras transmitidas pelo ar eram quase visíveis, de tão intensas. Senti algo apossar o meu corpo, vibrando por dentro, sentindo um tremor percorrer a pele e se prender em mim.
Namjoon seguiu na direção do som. Taehyung foi em seguida, olhando para trás para confirmar se eu e Hoseok continuávamos ali.
O som era alto e o ritmo eletrizante. Haviam caixas acústicas enormes postas em quatro cantos daquele espaço a céu aberto. As imagens coloridas dos muros altos transmitia algo que somente meu inconsciente poderia entender. Havia cor, muita cor preenchendo as paredes.
Parecia uma festa particular. Não haviam muitas pessoas ali, mas número suficiente para manter o local animado.
Era uma mistura de cores, pessoas de todos os tipos, risadas, dança, hip hop.
- Vocês são meus convidados.
- O que é este lugar exatamente?
- Encontre a resposta você mesmo. – Namjoon sorriu de lado, como se estivesse propondo um desafio.
Olhei em volta e observei as pessoas ali. Havia uma roda sendo formada e nos aproximamos para ver o que estava acontecendo. No centro um garoto alto de cabelos encaracolados tingidos de loiro soltava rapidamente no ar suas palavras. De repente trocou de lugar com um outro aparentemente mais novo, que com a mesma agilidade transformou suas palavras em rap.
- Quer tentar? – Namjoon me perguntou.
- O-o quê? Cantar ou fazer rap? Eu nunca fiz isso. – Respondi rapidamente, um pouco sem jeito.
O loiro riu.
- Aquele ali no meio também é iniciante. O Ilhoon aprendeu rápido. Você também consegue.
Neguei com a cabeça.
Subitamente minha atenção foi tomada pela figura à poucos metros, que se acomodava no centro da roda.
O garoto refletia a palidez da lua em sua pele e a escuridão da noite em seus cabelos.
Jeon Jeongguk inspirou, expirou, inspirou novamente e fechou as mãos. Separou os lábios, umidecendo com a língua o local e verbalizando a primeira palavra. Assim que iniciou a melodia, a aparente timidez desapareceu até não deixar mais resquícios à medida que a canção evoluía. Seus olhos se fecharam e seus braços passaram a mover-se levemente.
A voz de Jeongguk se destacava entre todos os ruídos provocados pelo ambiente. Era suave, calma, os cantos dos lábios repuxados para cima juntamente com os movimentos das mãos.
Havia algo, talvez uma força invisível ou vibrações inimagináveis que passeavam por seu corpo ao cantar, pois de seus lábios o som saía, alçava voo por todo o ambiente e transformava-se em uma substância pronta para ser recebida por meus ouvidos.
Estava absorto demais e só me dei conta de que estava boquiaberto quando a música terminou e deu espaço à outra.
Aquele, bem na minha frente, não parecia apenas o garotinho nerd vestido pelo uniforme padrão colegial. Ele usava uma calça jeans apertada e uma jaqueta que apesar de serem apenas roupas faziam toda a diferença na imagem que ele transmitia.
Jeongguk sorria de uma forma que o fazia parecer outra pessoa. Talvez o sorriso de alguém... livre. Porém, seu sorriso sumiu aos poucos assim que colocou os olhos sobre mim. Suas sobrancelhas levemente unidas me fizeram estremecer.
Ele olhou para os lados e, sem direcionar o olhar para mim novamente, deu meia volta e sumiu enfiando-se entre os corpos ao redor.
Eu estava abismado com sua presença. Nunca imaginaria encontrá-lo ali.
- O que foi, Jiminie? Por que está aí parado?
Taehyung segurou meu braço e me puxou para perto de uma das caixas acústicas, onde o som reverberava para aqueles que dançavam. Hoseok estava ali, e seguia alguns movimentos dos outros dançarinos.
Havia um garoto de cabelos coloridos, calça apertada e camiseta regata molhada em sua base com o suor - que também escorria de suas têmporas. Toda a atenção daqueles ali presentes era voltada para a figura esguia e eu julgaria ser por sua beleza, caso ele não estivesse dançando tão bem.
O garoto se juntou à Hoseok, o incentivando a mostrar seus movimentos. Ele movia os braços e pernas, e Hoseok o seguia.
- Eu te disse que ele era bom na dança, não disse? – Os olhos de Taehyung pareciam sorrir. E toda a sua face parecia brilhar, necessitando revelar algo que sua boca teimava em não dizer. E naquele momento eu ainda não sabia dizer o que era.
Quando desviei o olhar para os muros do outro lado do local avistei novamente Jeongguk. Um garoto de cabelos azuis estava ao seu lado. Jeongguk estava abraçado pelos ombros pelo garoto e eles se dirigiam ao corredor por onde havíamos chegado.
Perdi os dois de vista quando Taehyung me puxou para dançar, me obrigando a executar movimentos aleatórios que aos poucos pareciam se adaptar à música. Uma onda de energia passava pelo meu corpo e uma animação desconhecida tomava conta de mim.
Taehyung balançanva minimamente o corpo no ritmo da batida e eu quis rir, vendo-o um pouco perdido e acanhado pela primeira vez. Umedeceu os lábios com a língua e engoliu em seco. Assim que a música ficou mais baixa uma melodia baixa saiu de seus lábios e aos poucos tomou força para se fazer audível.
Passou a cantar alto e era engraçado como eu me pegava surpreso mais uma vez com a potência e habilidade que ele possuía.
Todos presentes no local aos poucos se aproximavam, dançando todos juntos, parecendo estar em perfeita sincronia.
Taehyung parou para tomar fôlego e o garoto de antes iniciou novamente suas frases fortes que nos atingiam velozmente de forma estranha.
Namjoon se juntou a nós, executando passos engraçados e nos fazendo rir. Ele realmente não tinha jeito para aquilo. E em seguida Hoseok, movendo o corpo de forma fantástica, guiando nossos movimentos, sorrindo em uma cena que eu nunca imaginei presenciar.
De repente um outro garoto surgiu em nosso campo de visão. Era muito mais alto que eu, de pele morena e olhos baixos e amedrontadores. Ele sorriu, mostrando a gengiva e eu poderia dizer que era simpático, se não fosse assustador.
- Meu nome é Yongguk.
Namjoon pareceu notar minha expressão e riu.
- Ele tem essa cara de mal, mas é o cara mais tranquilo daqui.
E então os dois juntos, em poucos minutos, através de seu rap me mostraram algo que eu jamais conseguiria nomear em uma única palavra. Era a verdade transmitida no ritmo perfeito:
“A força que governa o mundo é um problema
O que quer dizer "os que se adaptam sobrevivem?"
Por que o dinheiro separa o bem do mal?
O fraco está morrendo nesta luta covarde
Hey, você consegue sentir isso?
O fato de que as mãos invisíveis
Estão manobrando você de acordo com a vontade delas”
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