Ventava forte naquele dia, o céu estava escuro e eram apenas duas da tarde. Fui até os fundos da casa em busca da minha bicicleta. As ruas estavam desertas, não havia carros e muito menos pessoas. As casas estavam silenciosas, não parecia haver ninguém dentro. Me dirigi para o pequeno centro, até a metade onde nos pertencia, provavelmente a maioria das pessoas estavam lá. O bar onde eu costumava ficar estava cheio. Larguei minha bicicleta em frente ao mesmo e entrei no local. Não tinha mesas vagas, então me sentei em um dos bancos em frente ao balcão. Olhei ao redor e todos estavam concentrados na televisão, aí pude entender porque o local estava tão cheio. Naquele lado da cidade era raro alguém ter algum eletrônico além de um geladeira, isso era só para quem já teve muito dinheiro ou trabalhou demais.
O primeiro caso era o de Yoongi. Ele e seu pai moravam do outro lado da cidade, na parte dos que tinham muito dinheiro. Mas quando Yoongi completou 15 anos sua mãe faleceu, seu pai ficou perturbado e começou a gastar todo o dinheiro em bebida e jogos, até que um dia ele não tinha mais como sustentar a casa luxuosa onde moravam. Os dois se mudaram para cá e com o dinheiro da venda da casa o pai dele abriu um bar. Assim eu, Yoongi e Jimin - um outro amigo meu. Melhor amigo para ser mais exato - nos tornamos próximos.
— Taehyung! — Yoongi que estava do outro lado do balcão, agora se aproximava de mim com um sorriso largo. — Você também veio ver o noticiário?
— Mais ou menos. O dia está bem estranho hoje. O que está acontecendo?
— Parece que vai cair uma tempestade e das fortes. — Assim que Yoongi terminou de falar, o vento aumentou, a chuva começou a cair extremamente forte e os trovões e os relâmpagos eram assustadores, até mesmo para mim. Um homem entrou correndo dentro do bar, ele estava ofegante. Eu me virei para olhá-lo melhor.
— O vento está levantando os telhados das casas e as ruas estão bloqueadas por troncos de arvores. — Voltei a olhar para Yoongi com uma expressão assustada.
— Taehyung, não me diga que... — Me levantei e corri para fora do local, subi na bicicleta e pedalei o mais rápido que conseguia.
O céu estava completamente escuro, como se estivesse de noite. A chuva era tão intensa que eu mal conseguia enxergar para onde eu estava indo, o vento quase me derrubava da bicicleta e minhas pernas queimavam de tanto pedalar. Assim que cheguei próximo ao local, larguei minha bicicleta e terminei o percurso a pé. Parei em frente a minha casa, o lugar onde eu vivi anos e que agora estava destruído. O telhado já não existia mais e metade da casa foi esmagada por uma árvore.
Eu não devia ter saído, eu não devia ter deixado ela sozinha. Isso é tudo culpa minha. Por que eu não fiquei? Por que?
— Mãe! — Caí de joelhos sobre o asfalto, meu peito doía e eu já não conseguia mais respirar direito. Senti meu corpo ser puxado para cima e antes que eu pudesse reagir, Yoongi estava me abraçando.
— Foi minha culpa, Yoongi. Eu deixei ela sozinha. — Eu já não conseguia mais conter a dor e as lágrimas.
— Não diga isso, garoto. — Ele me abraçava mais forte tentando me confortar. Uma luz forte incomodava meus olhos, Yoongi se afastou para ver melhor de onde vinha aquilo.
— O que vocês dois estão fazendo abraçados nessa chuva? — Jimin olhou para os destroços da casa, tão chocando quanto eu fiquei. Ele correu para me abraçar. — Sinto muito, Tae.
— Jimin, o que está acontecendo? — Yoongi chamou a atenção do moreno que voltava a apontar a lanterna em sua direção.
— O prefeito está reunindo todos no meio da cidade. Acho que deveríamos ir lá. — Yoongi fez uma careta antes de responder.
— Agora esse estúpido se importa com esse lado da cidade? — Jimin suspirou e enfim eu consegui me recompor.
— Olha Yoongi, não é uma boa hora para começar uma guerra, só vamos lá ver o que ele quer fazer. Além do mais, não foi só aqui que a tempestade destruiu. — Yoongi revirou os olhos e nós dois seguimos Jimin.
Chegamos em frente ao prédio de eventos, o maior lugar da cidade, onde pelo menos poderia caber todo mundo. Porém nem mesmo aquele lugar se salvou da tempestade. O chão estava completamente alagado e um pedaço do teto havia desmoronado, mas isso não impedia o prefeito de fazer seu discurso. Digamos que metade da cidade ama ele e a outra o odeia. Quando ele se tornou prefeito, a cidade foi dividia naqueles que eram de classe média á alta e os que eram de classe baixa aos que não tinham nada. Mas obviamente ele só cuida do lado que lhe convém.
— Eu sei que todos estão assustados e a muitos perderam pessoas nessa tempestade. Perderam casas, comida, roupas. Mas eu prometo para vocês que vamos sair dessa.
— Você consegue acreditar nesse palhaço? — Yoongi realmente o detestava e eu não o culpava, o cara pedia por isso.
— Pessoal, é triste ver uma situação dessas, o quanto perdemos. Os prédios, os nossos melhores prédios. O nosso dinheiro.
— Filho da puta, só se preocupa com essa merda. — É sempre engraçado ver o loiro irritado, é cada coisa que escapa da sua boca.
— Você está de muito mau humor hoje.
— Que nada, esse é meu bom humor. — Ele me olhou e riu. Yoongi podia ter a boca suja, mas era uma ótima pessoa, mesmo que já tenha morado do lado que o prefeito tanto defende.
— Eu tenho uma plano. Eu sou muito amigo do prefeito da cidade vizinha, eu sei que fica um pouco longe e que não temos como usar nossos carros. Mas temos que ter consciência que se ficarmos aqui, morreremos de fome. Porque uma hora, querendo ou não, nossa comida acabará e não temos muito.
— E você pretende fazer o que? Atravessar a floresta com toda essa gente? — O prefeito olhou para Yoongi, o encarando de forma intensa.
— Se for preciso. Não posso deixar meus cidadãos morrerem de fome ou frio. Certo?
— Certo! — Todos concordaram, até mesmo aqueles que diziam odiá-lo. Parece que ele fez uma lavagem cerebral neles, incrível.
— Ótimo. Peguem tudo que puderem. Comida, roupas, cobertores. Tudo que é necessário para sobreviver, temos uma longa caminhada amanhã.
Eu e Jimin fomos até sua casa, enquanto Yoongi foi procurar pelo seu pai. Juntamos toda a comida que prestava, pegamos cobertas, ainda que molhadas. Jimin separou algumas roupas para que eu usasse. Por sorte apenas a sala da casa dele foi destruída, a cozinha e os quartos ficaram intactos. Colocamos tudo em sacos de lixo e voltamos para a central de eventos.
— Jimin, onde estão seus pais?
— Devem estar louvando o prefeito. — Ele riu, mas não de verdade.
Mesmo que Jimin não goste do modo como Yoongi fala ou reage as coisas, ele sabia que o loiro estava certo. Ele odiava aquilo tanto quanto Yoongi e por mais que os dois brigassem repetidamente, eles tinham muito em comum. Colocamos nossas coisas em um canto e nos sentamos no chão.
— Cara, vai ser difícil dormir encharcados desse jeito.
— Eu nem sei se vai ser possível dormir alguma hora. — Jimin entendeu o que eu quis dizer. Ele colocou o braço sobre meus ombros me puxando para perto. Eu tinha muita sorte de tê-lo como amigo.
Duas semanas se passaram. Descobrimos que o prefeito não sabia exatamente como chegar a cidade vizinha e acabamos nos perdendo. Novamente houve uma divisão, havia uma linha que nos dividia, mas agora os que eram contra ele e os que eram a favor dele. Estava quase a mesma coisa de antes, só alguns - alguns três - que pertenciam ao outro lado da cidade se rebelaram contra ele, fora isso todos nós continuávamos dependendo uns dos outros.
Era um tanto difícil se virar em meio a floresta, não sabíamos de fato o que tinha ali e se tinha algum animal selvagem, mas eu temia mais pelas crianças. o calor de dia, o frio a noite, isso traria um resfriado a qualquer momento e não tínhamos remédios e muito menos alguém para ajudar com isso. Não sabemos nem quanto tempo teremos que ficar aqui até descobrirmos para que lado ir e só basta mais algumas semanas para que toda a nossa comida acabe e principalmente nossa água.
Saí para dar um volta pelos arredores. Era incrível como aquela paisagem trazia tanta tranquilidade. Me sentei de baixo de uma arvore, apoiei minhas costas e cabeça no tronco, fechei meus olhos e fiquei sentindo o ar fresco. Um barulho me tirou a atenção, me levantei rapidamente. Um garoto sai de trás das arvores com um olhar tão assustado quando o meu.
— Eu pensei que fosse algum animal ou algo assim. — O garoto ainda parecia aflito.
— Eu também. — Ri para descontrair um pouco, em seguida ele fez o mesmo, agora mais relaxado.
— Me chamo Jungkook. — Ele estendeu a mão e eu a apartei.
— Taehyung. — Ele sorriu e nós dois nos sentamos em baixo da arvore.
— O que está fazendo aqui? — Ele encarava o céu. Seus olhos brilhavam, sua expressão era calma, eu não conseguia descrever o quanto aquela cena me fascinava.
— O mesmo que você, aposto. — Ele riu e me olhou. Desviei o olhar para as folhas que estavam caídas no chão. — Como é que eu não vi você antes? Tipo nem na cidade, nem aqui.
— Eu sou do outro lado e nunca... bom, nunca conheci ninguém do lado dos Shatter.
— Shatter?
— É. É como o prefeito chama vocês.
— E vocês são?
— Retouch. — Ele parecia envergonhado e um pouco arrependido de ter me contado sobre isso.
— Cara, que idiota. — Ele baixou a cabeça e riu. Eu o olhei sem entender.
— Esse idiota é o meu pai. — Meu rosto corou na hora. Eu tenho uma mania estúpida de falar sem pensar.
— Me desculpa, eu não sabia.. — Ele sorriu e voltou a olhar para o céu.
— Tudo bem, eu sei que ele não é a melhor pessoa do mundo. — Agora ele estava sério, pensativo.
— Algum problema? — Perguntei e o mesmo me olhou instantaneamente.
— Desde criança meu pai dizia que as pessoas do outro lado da cidade, não eram boas pessoas para se conhecer. Ele dizia que vocês não se importavam com ninguém e que não tinham educação, que eram quase como animais selvagens. — Aquilo era realmente verdade? Estávamos sendo tratados como animais esse tempo todo? — Mas sabe, Taehyung?
— O que? — Ele voltou a sorrir.
— Você parece ser uma ótima pessoa e eu... eu não me arrependo de ter conhecido você. — Eu sorri no mesmo instante que ouvi aquilo. Ainda que ele fosse filho daquele homem, ele era mil vezes melhor que ele e isso dava para perceber de longe.
— Jungkook! Cadê você? Anda apareça, seu pai está te procurando. Jungkook! — O garoto se levantou rapidamente. Parecia preocupado e agitado. Mas antes que fosse embora, ele se virou para trás.
— Você pode me encontrar aqui de novo amanhã? — Afirmei com a cabeça um tanto chocado por ele querer falar comigo novamente. Ele sorriu e saiu correndo para dentro da floresta. Já eu fiquei ali feito um idiota só assistindo ele desaparecer entre as arvores.
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