-Você melhorou muito desde que Victor começou a treiná-lo. -Comentou Yuko, olhando admirada para Yuri quando este parou de patinar e foi até ela na borda do ringue de patinação.
-Ah, sim. Ele é realmente bom como técnico. -Sorriu um sorriso que não alcançava os olhos. Yuko suspirou. Vinha notando algo parecido com melancolia no amigo, mas com toda a correria tendo que administrar o Ice Castle, marido e filhas, não havia tido a oportunidade de parar e conversar com ele. Agora que Victor estava em algum lugar da cidade com a imprensa em seu encalço e os dois podiam ficar sozinhos, sentiu a responsabilidade da amizade pesar. Deveria tentar ajuda-lo certo?
-Hmmm... Sabe, eu tenho notado que você voltou estranho do Gran Prix Finale. Achei que fosse apenas cansaço pela rotina intensa, mas... Está acontecendo algo? -Yuko viu o olhar surpreso e em seguida temeroso do garoto. Claro que estava acontecendo alguma coisa, ela só não conseguia imaginar o que. Yuri estava na sua melhor forma e já até ganhara algumas fãs pelo ótimo desempenho na competição anterior. E tinha Victor, alguém por quem Yuri sempre sentiu um profundo respeito e admiração. O que diabos poderia estar errado no mar de perfeição ao qual o rapaz estava mergulhado?
-Eu... -Yuri gostava de Yuko e confiava nela para contar o que fosse. A menina ainda era a única pessoa a quem ele se sentia fortemente ligado. Pensou em contar o que se passava, talvez ela tivesse um brilhante conselho para dar, mas desistiu. Não poderia dividir aquele segredo sem antes organizar a própria vida amorosa, o que poderia nunca acontecer. -Estou um pouco nervoso. Tenho medo de falhar depois de Victor ter depositado tanta fé em mim ao ponto de abandonar a carreira.
-Não se preocupe. Você vai se sair bem. Victor é um excelente professor e você um excelente aluno. Se continuar se dedicando como agora não há nada que não consiga. -Yuko sorriu daquele jeito fofo que costumava deixar Yuri corado. Perturbado como estava, aquele gesto singelo não conseguiu toca-lo como outrora. Apenas Victor em toda a sua glória estava na mente do menino, ofuscando tudo e todos ao redor. Ofuscando até a ambição de Yuri em ser o melhor dos melhores na patinação artística.
-Ah, então começou o treino cedo. Isso é muito bom. -Victor entrou no Ice Castle e sorriu ao ver Yuko e Yuri conversando. Engatou uma conversa com Yuko, deixando que Yuri estivesse livre para observá-lo. O treinador estava lindo nas roupas esportivas azul marinhas e o cabelo sempre liso e penteado para o lado. Lembrou-se subitamente do sonho que tivera e corou. Até então nunca havia pensado de uma forma sexual em Victor, mas agora parecia impossível não associar sexo aquela figura tão bela e cheia de luxúria. Sim, luxúria. Ainda estava vívido na memória as muitas tentativas de contato físico que Victor tentou, como quando segurava as mãos do rapaz ou se aproximava o suficiente para os lábios ficarem a centímetros dos dele. Se Yuri soubesse dos sentimentos que viriam após meses de convivência, teria permitido que Victor fizesse o que bem entendesse. Agora, após o Gran Prix Finale que culminou com a vitória de Yuri sobre todos os concorrentes, inclusive Yuri Plisetsky, Victor havia mudado minimamente o comportamento e mais parecia um treinador como qualquer outro.
-Hoje vou mostrar alguns passos para a sua performance no torneio nacional. Quero que me observe de perto e tente acompanhar, apenas para se acostumar. -Victor veio, extremamente convidativo, e ofereceu a mão. Yuri, deslumbrado, apenas pôde aceitara mão ofertada, sendo gentilmente guiado para o meio da pista de patinação.
-Você tem falhado bastante Yuri e sei o porquê. -Victor sorria. Yuri congelou.
-Sabe? -Murmurou para o mais velho.
-Está nervoso achando que não conseguirá ter um bom desempenho como o que teve no Termas on ice e no Gran Prix Finale, mas está enganado. Eu jamais investiria em alguém sem futuro. Eu vejo o seu futuro, Yuri, e ele é ainda mais fantástico que o meu. Confie em mim e em você mesmo e tente o seu melhor. Tenho certeza que ganhará, mas caso não ganhe saiba que não pararei de treiná-lo. -As palavras de Victor foram como um bálsamo para as feridas no espírito do japonês. Victor claramente prometia que continuaria ao seu lado atuando como técnico mesmo que Yuri falhasse posteriormente. A ideia de tê-lo por perto o deixava assustadoramente feliz.
Victor, com paciência, mostrou alguns dos passos para o jovem aprendiz. Yuri procurou absorver as informações e arriscou imitá-lo, tendo mais êxito do que nos treinos anteriores, apesar de se pegar pensando no sonho que tivera algumas vezes. Victor parecia mais solidário com algumas falhas, bem-humorado a maior parte do tempo. Yuri lembrou que ele havia saído para conhecer a cidade e voltou tarde da noite. Já vinha observando o comportamento atípico de Victor há algumas semanas e se perguntava o que o treinador fazia em seus passeios. Gostaria de acompanha-lo e passar mais tempo com ele como outrora, mas Victor não o convidava e saia sem que o outro percebesse.
“Talvez eu deva me oferecer para ir com ele. Talvez Victor não tenha me convidado por que eu precisava descansar e me concentrar nos treinos. Agora que tenho tempo, é possível que ele não recuse a minha companhia. ” -Decidiu. Ao final do exaustivo treino foram os dois para a casa de Yuri e por sugestão de Victor entraram nas termas. Victor foi primeiro e Yuri foi depois levando consigo o saquê que Victor havia pedido.
-Ah, nada melhor do que relaxar nessas águas e experimentar um bom saquê. -Victor viu o menino entrar completamente vestido no espaço, pronto para servir o saquê pedido. -Por que ainda está com roupas? Não vai entrar?
-Eu estou bem. Realmente não preciso de um banho nas termas. -Evitava olhar para Victor e evitou inclusive tocá-lo quando passou o saquê. Não percebeu o outro olhando-o atordoado.
-Você melhor do que ninguém deve saber o quanto é benéfico um banho de água quente para relaxar os músculos após tanto exercício. Vamos Yuri, entre. -Não parecia um pedido. Yuri olhou de esguelha para o mais velho, completamente nu dentro da água. Não precisava se esforçar para ver o quão bonito era aquele corpo de quem pratica exercícios desde cedo. A pele era alva e extremamente bonita e convidativa ao toque. Nem mesmo Yuko, que era a menina mais bonita que ele conhecia na cidade, poderia se comparar a tamanha perfeição. Se antes ele já se sentia acanhado de estar próximo de Victor, agora mal conseguia suportar sem corar horrivelmente e gaguejar um pouco. Como poderia esconder do outro o que realmente sentia desse jeito?
-Sinto muito. -Murmurou Yuri, saindo às pressas da presença dele.
...
Quis apenas pegar um copo de água quando ouviu passos no andar de baixo. Notou então que era Victor, belamente vestido em uma camisa social branca, calça e sapatos negros e uma jaqueta de couro. Ele saia sorrateiramente, como se não quisesse ser percebido. Yuri voltou então para o quarto, disposto a ignorar o que viu, mas foi impossível. Desde que eles voltaram para a cidade de Yuri a fim de focar o treinamento no torneio nacional, ele tinha percebido as escapadas de Victor. O Maior sempre saía tarde da noite sem que ninguém notasse, quase como se fosse fazer algo ilícito.
Então Yuri foi para o quarto, pegou um casaco e sapatos, vestiu de qualquer jeito e seguiu Victor tão silenciosamente quanto possível. Não foi algo fácil, pois em alguns momentos Victor parava a sua caminhada e olhava envolta, quase como se soubesse que estava sendo seguido, mesmo assim prosseguiu e Yuri foi em seu encalço a passos lentos enquanto a noite ao redor era escura e absurdamente fria.
Hasetsu era uma cidade pequena que o jovem patinador conhecia como a palma da mão. Ele podia não ter ido a certos lugares mais ao sul, mas sabia o que encontrar em cada área. Por isso achou estranho quando viu para onde Victor ia, pois ele sabia muita coisa sobre a tal boate, mas nunca cogitou a possibilidade de entrar e sequer conhecia alguém que tivesse ido.
“O que Victor vai fazer em um lugar desses?” -Yuri se perguntava enquanto via o outro entrar em uma boate gay chamada Spectrum que inaugurou semanas antes dele viajar para participar com Victor do Gran Prix Finale (foi a professora de balé que contou a novidade). Yuri não se interessou pela peculiar novidade e tocou com a sua vida. E agora, aquele lugar que poucos pareciam conhecer e que antes não chamou sua atenção parecia crescer diante dele, prometendo uma revelação que talvez abalasse a relação de respeito que ele tinha com o técnico.
Deixou Victor entrar primeiro e se surpreendeu por ele não usar a entrada principal que estava cheia de rapazes com roupas extravagantes e algumas mulheres transexuais. Victor foi para uma porta lateral, sendo recebido por um corpulento segurança que sequer pediu algum documento para ele. Yuri o seguiu, escondendo-se atrás de uma lixeira e tentou passar pela mesma porta, mas o segurança, vestido num paletó preto e usando desnecessariamente óculos escuros, o parou.
-Aonde pensa que vai, piralho? -Indagou.
-Ahhh eu... Um homem acabou de entrar aí e ele deixou a carteira cair. -Retirou a própria carteira do bolso lateral do casaco, aliviado por ter conseguido pensar em algo para dizer e por estar com os documentos em mãos. -Quero apenas devolver a ele.
O segurança, lançando um olhar entediado para o garoto, permitiu que ele passasse. Não queria pegar a carteira e ter que sair por aí a procura de Victor, deixando assim o seu posto e correndo o risco de ser repreendido. Não viu mentira nos olhos do rapaz e julgou que o mesmo, apesar do rosto infantil, era maior de idade (foi até as termas da família Katsuki e se lembrava vagamente do proprietário apontando para o filho de vinte e três anos que era patinador.
Yuri agradeceu ao homem e se embrenhou na escuridão precariamente iluminada por luzes coloridas de boate. A música alta logo o atingiu, deixando-o atordoado. O lugar era estiloso, decorado em um estilo futurista, com homens seminus dançando em postes altos e sendo admirados pelos frequentadores que bebiam drinks coloridos e provavelmente caros. Tudo alí cheirava a uma luxúria que o mais jovem Katsuki nunca experimentou, nem mesmo convivendo com alguém com um sexy appeal tão alto quanto Victor. Quando entrou no meio da multidão querendo passar por eles e encontrar o outro patinador, mal conseguia andar. Como um lugar daqueles, escondido, poderia atrair tantas pessoas?
-Com licença. -Pediu, sem ser ouvido. Com a música alta era impossível alguém ouvir a sua voz baixa ou notar a presença daquele menino nada estiloso, usando seu par de óculos com armação azul, passando por entre os frequentadores do Espectrum.
Talvez aquele dia fosse o dia de sorte, pois diante de tantas improbabilidades, Yuri conseguiu enxergar Victor sumindo por uma cortina preta ao lado do bar em frente a ele. Ele o reconheceu graças aquele cabelo claro que pertencia somente ao russo e mais ninguém. A pequena felicidade por ter encontrado ele num mar de gente e naquele ambiente caótico de música e flashes foi como um balsamo para uma ferida. Decidiu deixar a educação e sair empurrando os rapazes que estavam na sua frente; um deles o apertou na bunda tão forte que Yuri teve de olhar para trás, mas não conseguiu identificar o autor do abuso. Quando finalmente estava bem próximo ao lugar por onde Victor desapareceu, ele parou.
“O que diabos estou fazendo aqui? Eu não deveria estar seguindo Victor e sendo tão invasivo na vida particular dele.” -A mente repreendia os desejos do coração, mas Yuri, que sempre foi uma figura movida pelos sentimentos, não poderia se negar aquele prazer de conhecer Victor mais profundamente. Mas agora, cercado por aquela multidão de pessoas que claramente tinham uma orientação sexual próxima do que ele estava descobrindo, Yuri se sentiu perdido diante da possível revelação de que Victor era homossexual. Ele temia o que poderia encontrar por detrás daquela cortina. Temia que a imagem imaculada do treinador e ídolo fosse abalada. Nem ele soube que força o motivou a dar um passo após o outro e se embrenhar na escuridão por detrás da cortina, mas ele o fez.
Caminhou por entre pilhas de caixas de bebidas e foi adentrando o espaço, precariamente iluminado por luzes amarelas aqui a ali. Bateu um par de vezes o joelho em alguma coisa, tentando não reclamar de forma audível. Julgando estar perdido, pensou em dar meia volta e sair daquele lugar quando ouviu um par de gemidos.
-Victor? -Murmurou, seguindo por um corredor. Ai final dele, iluminado sob a luz que vinha da pista de dança e escondido de tudo e de todos estava Victor, mas não estava sozinho. A medida em que se aproximava, a figura esguia do patinador escondida entre pilhas de caixas a sua frente, pôde ver por uma pequena brecha o que se sucedia: Victor estava sentado em um caixote, inclinado para trás. Um homem o apoiava em seu peito e o envolvia com um braço, este homem puxou o rosto de Victor e o beijou lascivamente, calando os gemidos que até então soavam no depósito. Não se podia ver a jaqueta de couro do maior e a camisa branca estava aberta até o umbigo, deixando exposto o peito talhado em músculos que eram uma perfeita mistura entre o bruto e o delicado. O mesmo homem que beijava os lábios de Victor, com o braço que o envolvia por trás, era aquele responsável por acariciar a pele branca e impoluta. Outro rapaz, ajoelhado, chupava com sofreguidão o membro duro e vermelho do patinador enquanto uma mão acariciava o escroto com delicadeza.
Yuri não saberia explicar o que aquela imagem causou nele. O rapaz simplesmente congelou e viu a tudo por um par de minutos. Apesar do sonho erótico que teve com o outro e das vezes em que Victor pareceu se insinuar para ele, nunca imaginou que algum dia o veria ali, sendo possuído por dois homens ao mesmo tempo. E nunca imaginou que se sentiria como se Victor estivesse enfiando um punhal no seu peito. O gosto da traição o surpreendeu tanto que ele se viu mordendo forte o lábio inferior a ponto de sangrar e teve de conter a violência que o tomou. Queria ir lá e arrancar aqueles caras do russo, se preciso for com chutes e socos, e impedir que qualquer um, homem ou mulher, sequer olhasse para o amado. Não poderia. Não poderia por que Victor não era seu e nunca seria. A constatação desse fato óbvio quase o fez ir ao chão. Naquele lugar escuro Victor, enquanto era chupado até gozar, nunca pertenceu tanto ao mundo como agora, nunca esteve tão longe das mãos de Yuri como agora.
-Eu perdi, não é? -Passo a passo foi se afastando, cabisbaixo, num estado que só poderia ser comparado ao choque. Jamais saberia dizer como conseguiu sair pelo mesmo caminho que entrou ou como os flocos de neve que caiam não o incomodavam. Seguiu caminho pelas ruas, encontrando a casa vários minutos depois. Gelado como a morte ele se jogou na cama sem tirar os sapatos ou o casaco e permaneceu naquela posição em que estava deitado de bruços e mirando a parede por mais tempo que um ser humano são o faria.
Em algum momento durante a madrugada ele ouviu o barulho que indicava alguém chegando. Levantou-se, entorpecido, e foi até o quarto de Victor que estava com a luz acessa. Victor havia chegado e já estava sem o casaco de couro e os sapatos. Parecia bastante embriagado a jugar pelas bochechas coradas e os olhos azuis desfocados. Mal conseguia ficar de pé, tropegamente tentando se livrar das próprias roupas.
-Yuri? -Victor chamou, surpreso pelo jovem estar acordado àquela hora da noite. -O que está fazendo acordado? -Ele se aproximou e tocou o outro na bochecha. Notou então o quanto o rapaz estava gelado, pois não havia tirado as roupas úmidas após a neve que caiu sobre ele se transformar em água.
-YURI, ESTÁ GELADO! Por que suas roupas estão úmidas? Esteve lá fora? -Ele parecia verdadeiramente preocupado. Yuri viu o rosto ser segurado entre as duas mãos brancas do rapaz com ternura e logo Victor passou um braço por cima do ombro magro.
-Não sei o que estive fazendo. -Murmurou, envolvendo Victor pela cintura com os braços finos. Afundou o rosto no peito dele, aspirando o doce perfume. Victor cheirava a rosas. Queria saber se o gosto dele era tão bom quanto o cheiro e lambeu a pele que estava próxima dos lábios. Victor se arrepiou.
-Yuri... -A mão pequena acariciou o membro por cima da calça e Victor se afastou. -O que pensa que está fazendo?
-Você falou que eu precisava encontrar o meu Eros, um eros perfeito para a próxima etapa. Estou tentando seguir as suas ordens. -Tentou se aproximar de novo, mas Victor o impediu.
-Não precisa de uma experiência sexual comigo para descobrir o seu eros. Eu nem sequer estou disposto a ir tão longe. -Repreendeu o maior num tom que jamais Yuri havia ouvido. Aquela atitude grossa parecia fazer a proeza de quebra-lo em pedaços.
-Parecia tão disposto antes... O que mudou? -Segurava o choro. Não. Seria patético chorar ali naquele momento.
-Fiz algumas brincadeiras, mas eu não poderia me envolver com um menino que estou treinando.
-Então serve qualquer um, menos o “menino” que está treinando? -A raiva foi surgindo e ele não pôde se conter. Yuri se conteve por tempo demais, pensou. Agora, talvez, poderia explodir e mostrar que por dentro ele era um homem e não um pirralho do interior com baixa alta estima. Talvez ele iria se transformar no que Victor insinuou que queria. Ou talvez fosse apenas se machucar mais e mais.
-Do que está falando? -Victor esticou o braço na tentativa de segurá-lo, mas Yuri o afastou com um safanão.
-Me deixe em paz. -E foi embora.
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