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História ...but every apple has its own seeds - Andarilho


Escrita por: likeamoth

Notas do Autor


Aqui começa uma série de situações em que basicamente o objetivo foi "achar criaturas cuja existência nem foi provada" e no fim o resultado foi "achar coisas que ele nem estava procurando pra começo de conversa".

Edward vai levar sua vida assim por toda sua existência, e Rachel não está muito longe.

Capítulo 2 - Andarilho


Ano 9 (1998):


 

No fim de maio de 1998 faria um ano longe de casa.

Para decidir onde iria primeiro, usou com adaptações um encantamento simples que escolhia uma palavra em muitas num papel ou livro – temere, ‘aleatório’ em latim, seguido da palavra mágica que designa a classe de termos válidos como resultado – dos que se aprende em casa, com seus guardiões e com as outras crianças, e se usa tanto para melhor guiar a navegação em bibliotecas como as de Hogwarts quanto em brincadeiras infantis. Jogou tal feitiço no livro de Newt Scamander em busca de uma criatura.

Tais brincadeiras são também, como pode lhe passar pela cabeça se você pensa mais de dois segundos no assunto, um método divinatório baseado em escolhas ao acaso – tipo I ching ou tarot, mas menos óbvio. Mas Edward nunca notou isso, e não pensará tão cedo no assunto – no futuro, talvez, mas não naquele momento. Nunca precisou pensar nisso até ali e preferia até não pensar, passou sua vida fugindo do conceito de clarividência… compreensível, dada toda a coisa de sua bisavó pintando maus agouros por quase cem anos a fio, até morrer.

“temere beastialia”, disse, e obteve o que buscava. ‘Serpente com Chifres’ era o resultado sugerido na busca. Talvez a ideia de suicídio não o tivesse abandonado como um todo, porque isso era uma péssima ideia para um começo de carreira.

Ideia boa ou ruim, só a menção do animal não ajudou muito na decisão de seu primeiro destino pois poderia encontrar tal animal em diversos lugares. Buscando consertar tal problema, listou manualmente os lugares onde ela poderia ser achada e curiosamente tirou o mais óbvio mesmo assim.

Estados Unidos da América. Era a primeira vez que saía do Reino Unido, e teve a sorte de ter tirado um destino que não lhe exigiria muito em termos de comunicação (comentários sobre as variantes linguísticas do país à parte). Escreveu um bilhete breve, fez as malas e partiu no meio da noite sem avisar. Quando encontrado o bilhete pela sua mãe, Edward já estava na metade do caminho. Ninguém na família pareceu muito satisfeito com tal decisão de última hora.

Um ano antes, isso. Só enviou três cartas desde então, uma em cada troca de cidade: ao chegar pela primeira vez, em Nova York, como seu antecessor. Ao chegar em Salem, cinco meses depois. E ao se enfiar num lugar que não sabia mais se ficava em Nevada ou Utah, mas definitivamente era um antro de evangélicos fanáticos e mórmons onde ele claramente era o único bruxo em uma área circular de cinquenta quilômetros quadrados… isso no seu oitavo mês no país.

Novamente, com esses sinais, difícil de acreditar que a ideia de suicídio tinha lhe abandonado como um todo.

“um ano no mesmo lugar já é o suficiente”, pensou consigo após descrever umas doze criaturas de classe XXX não anteriormente definidas em termos técnicos, isso só nos desertos da região dos dois Estados acima citados. Mas pensou que voltar para Inglaterra ainda era uma péssima ideia, e não sabia quanto de si dizia isso porque havia fugido sem nem ao menos visitar o túmulo de Neil ou se era só porque a idade em que seus ancestrais masculinos se casaram estava perigosamente próxima, e provavelmente ele precisaria de uma desculpa muito bem elaborada para não fazer um esforço com relação a se arrumar antes que todas as famílias sangue-puro se acabem. Assim sendo, repetiu o procedimento que o trouxe até ali, só que com menos magia: colocou um mapa-múndi na parede e jogou uns dardos. Na terceira tentativa em acertar alguma coisa que não ficasse no meio do oceano, conseguiu fincar um dardo no Líbano.

A experiência com desertos lhe ensinou que eles exigiam mais dele do que um punhado de poções, uma varinha e coragem na cara. Preparou-se por meses e partiu pro Oriente Médio em dezembro, um ano e meio depois de sair de Londres, com um total de zero visitas aos locais descritos pelo seu falecido namorado e zero serpentes com chifres encontradas na sua primeira estada na autointitulada Terra da Liberdade.


 


 

Havia coisas que eram perigosas demais até para alguém na sua posição.

Não foi o contexto em si, e a total incompatibilidade entre as regras do regime fundamentalista e a manutenção do bem-estar de dois ocidentais de uma religião diferente da dos líderes do regime. Também não foi a eventual mudança de status de relacionamento que, dada a ausência de um laço matrimonial prévio, receberia punição física e eventualmente divina se descoberta. Nem ao menos foi uma coisa só, para ser honesto.

Deixaria Cabul tão logo coletasse a exata quantia de cem depoimentos de civis. Se tivesse que listar um único fator que influenciou tal decisão, diria que estava complicado coexistir enquanto mulher solteira trabalhadora num lugar que proíbe expressamente mulheres de trabalhar e solteiras de saírem por aí desacompanhadas. Estrangeira ou não, com ou sem colete de imprensa, se submetendo a todas as regras de vestuário que não arruinavam seu método de trabalho como um todo ou não, nem que se disfarçasse de homem escaparia disso. Eventualmente sofreria as consequências se continuasse a ignorar tais riscos – que eram bastante previsíveis e foram sim levados em conta, mas talvez a situação realmente tenha piorado um pouco desde que ela chegou.

Por um ano e meio tal fato era visto por ela como um risco ocupacional como qualquer outro – tanto quanto via ‘ameaças dos deuses dos GMOs e dos pesticidas’ como um risco ocupacional da carreira de seu pai enquanto pesquisador relacionado a comportamentos entomológicos e bioquímica de ferormônios. Ou ‘ameaças do crime organizado e de sua própria família irlandesa maligna’ como riscos ocupacionais da carreira de sua mãe como juíza criminal e, bem, ela mesma. Mas chega, já havia passado dos limites. Era hora de arrumar as malas e aceitar as decisões de cima dignamente, antes que dessem um jeito de lhe arrancar dali pelos cabelos.

Isso e ela eventualmente estava tendo até mais stress com questões relativas a ocultar sua vida pessoal de quem poderia se incomodar com ela e com o grande número de coisas que não conseguia acessar ali do que com questões relativas a trabalho – de tinta para cabelo a filme fotográfico. E não ouvia a voz dos pais desde que conseguiu por milagre um telefone seguro o bastante para ligar para casa, antes mesmo das coisas se complicarem em termos de relacionamentos interpessoais. Três detalhes bastante importantes que ela não assumiria que pesaram tanto assim, mas foram basicamente o fator decisivo.

O problema era como se daria tal partida. Não era um casamento, okay, mas definitivamente era um relacionamento mais sério e com mais compromisso do que alguém moralista acreditaria vendo de fora. Imaginou que teria que encerrar as coisas por ali em prol de sua segurança, que na melhor das hipóteses teriam que se despedir indefinidamente quando chegassem em determinado ponto sem retorno e ele fosse seguir até Montreal, isso se ele não optasse por ficar. Mas não foi o caso.

O pedido de noivado aconteceu de improviso e de forma até bastante ridícula se você é mais partidário de dramas românticos como os descritos até aqui. Haviam aterrissado em Doha, e Rachel acreditava de verdade que ele pegaria uma conexão diferente a partir dali – mas ao invés de confirmar isso perguntou se, já que nenhum possível destino dos dois estava no painel ainda, podiam procurar por um café ou coisa assim. Duas meias xícaras e três baklavas depois, imediatamente após uma anedota absurdamente aleatória sobre bicos de confeitar que só Rachel tinha a capacidade de tornar minimamente interessante de se ouvir (90% desse poder era entoação e escolha de vocabulário), lhe foi questionado se sua família também fazia bolos de casamento.

Ela logo começaria a contar uma longa história das três vezes em que ela tomou conhecimento disso ter sido encomendado, mas lá pela terceira frase ele empurra seu bilhete aéreo na direção dela e usa um lacre de garrafa como anel cenográfico ao mesmo tempo em que explica que conseguirá um anel de verdade no Reino Unido.

A única razão pela qual Rachel não começou a contar mais uma história compridíssima relacionada a todas as suas fantasias de organização de casamento é porque os arquivos de imagem que a ilustrariam estavam em seu computador de Cardiff. O Pinterest ainda não existia na ocasião.


 

Ano 10 (1999):


 

Finalmente os caminhos se misturam.

Ter ido parar no Oriente Médio foi ainda mais tentador que se mandar pros Estados Unidos, percebeu – se nada o impedisse provavelmente passaria o resto da vida vagando por quatro ou cinco países aglutinados na península do Sinai e seus arredores. A primeira nação sorteada saciava sua curiosidade sobre o mundo trouxa (que os americanos não chamavam de trouxas, mas como o bom fanboy de seu antecessor igualmente lufano que era, Edward já sabia disso) mesmo sem que ele ativamente procurasse tais respostas. O Líbano (e os países no entorno, descobriria) foi sua primeira experiência de encantamento com o fato evidente de que bruxos de diversos status sanguíneos estavam por toda a parte e com como cada canto do planeta tinha um tipo de bruxo diferente.

Deslumbre de europeu branco rico, alguém poderia acrescentar, e não estaria de todo errado. Mas Edward não estava treinado para ver beleza na humanidade, seu campo não era esse, só poderia oferecer clichés gastos se questionado sobre o assunto.

Em termos de magizoologia e herbologia ainda não havia sido tão bem sucedido quanto o havia sido nos EUA. Compensando com sabedoria ou não, no entanto, não mudava o fato de que pouco vinha fazendo ali como profissional. Não era seu trabalho descobrir que tinha capacidade de aprender o mínimo para se virar onde quer que fosse, não era diretamente seu trabalho aprender como sobreviver nos mais diversos biomas, e definitivamente não tinha qualquer relação com seu trabalho catalogar diferenças nos métodos de bruxos árabes, persas, curdos e de judeus mizrahim.

“foco”, ele se dizia diariamente, mas sempre acabava por procrastinar do modo mais bizarro possível, e chegou no limite do ridículo quando se viu estudando árabe mágico e hieroglifos entre guias turísticos egípcios que sequer sabiam que bruxos existiam – sem qualquer justificativa para tal. Era a gota d'água, percebeu, e estava mais do que na hora de achar um propósito para sua estada ali. Ou isso, ou voltar para casa.

Encontrou quando um mercador bruxo local, com quem alegremente jogava gamão e mascava fumo, colocou a culpa da ruína de um conhecido (concorrente, logo descobriria) em um gênio. Uma pessoa normal teria demonstrado surpresa com a existência de gênios e teria pedido mais informações só para evitar tal destino, mas Edward é a pessoa esquisita que ouve uma história de escalpelamento e pensa "puxa, que trágico, minhas condolências, mas agora se me dá licença vou atrás dessa adorável criatura".

E foi atrás da adorável criatura.

Andou por todos os cantos que conseguiu, do Iêmen ao Irã, e não achou o gênio. Achou três cacti sencientes e dois lagartos mágicos metamorfos, mas nada de gênio, e conforme seguia achava que menores seriam suas chances de encontrá-lo. Estava pronto para dar a busca de meses pela criatura (que ele nem saberia classificar direito se achasse. Ser mágico ou animal mágico? XXXXX? XXXX? Talvez não vivesse para descobrir) por encerrada quando viu algo estranho.

Se tornaria uma curiosa tendência de sua carreira, logo notaria, achar de tudo no caminho menos aquilo que originalmente procurava.

De início achou que finalmente eram seus gênios, mas não – era uma humana e estava com problemas. Moça bonita, ruiva, fenótipo era europeizado, mas não poderia ter certeza se de fato era europeia – algumas israelenses se pareciam com ela, afinal – e definitivamente trouxa. Uma coisa estava evidente, no entanto: era picada de cobra e dificilmente chegaria a um centro urbano a tempo do soro lhe ser útil (se é que havia soro). Teria que salvá-la do seu jeito mesmo.

Seu antídoto multiúso tinha propriedades soníferas e anestésicas então a única coisa que conseguiu tirar dela foi “o contato dos meus pais está no diário de viagem”. De fato, estava – foi meio difícil elaborar desculpas para não dizer como chegou ali com ela e o que usou para lhe salvar. Aproveitou que não havia ninguém por perto, deixou-a deitada à sombra de uma árvore no pequeno (mas ajeitado) jardim no endereço citado – como se estivesse pegado no sono lendo – bateu na porta da casa e sumiu tão logo chegou. Ela que se virasse para explicar o que aconteceu.

Anos depois um amigo ofiologista de Borys veria as fotos da cobra em questão e diria “uma Pseudocerastes! Alguns chamam de Falsa Víbora Chifruda, talvez esse nome seja mais familiar. Rachel tem sorte, não há soro para ela e fotografando assim de perto ela poderia ter sido picada”. Edward riria por horas da informação e da tremenda ironia dela, sem saber como explicá-la sem se denunciar pro agregado ou contar a todos ali de sua saga anterior nos Estados Unidos.


 


 

Ao olhar sua situação atual e todo seu histórico de relacionamentos dos últimos onze anos, longos ou curtos, Rachel estava começando a notar um padrão bastante tendencioso nas reações da família ao ser confrontada com tais rapazes.

Seu pai só desgostou de uma figura em particular até aqui, que atendia pelo nome de Ethan Alperstein e era colega de Rachel nos idos tempos de JCoSS. Havia inúmeras razões para tal desgosto, inclusive o fato de que ele deveria estar com Rachel no fatídico momento em que ela fora puxada para dentro do Corvette dos O’Callaghan, mas ao olhar em retrospecto Rachel chutaria que o fator decisivo não era isso ou a atitude de playboy dele: o grosso da birra é que tal atitude de playboy vinha não só de uma vida privilegiada e mimada, mas uma vida privilegiada e mimada financiada às custas dos royalties de uma variedade de agrotóxicos que quase fodeu por completo seu trabalho do PhD. Com todos os outros, por outro lado, ele não tinha ressalvas relevantes.

Sua vida se tornou muito mais domesticamente agradável desde que passou a evitar sair com gente muito mais rica que ela.

Devora não tinha severo desgosto por ninguém até aqui, mas também não tinha grandes defesas a ser feitas. Os meios como se conduziam tais relacionamentos, contudo, lhe eram questionáveis e ela esperava de coração que Rachel não estivesse aguardando Devora morrer para finalmente se casar.

Sarah, no entanto, nunca gostou de nenhum dos cinco indivíduos apresentados até aqui.

Rachel nem ficou muito tempo no Reino Unido, foi um mês e pouco – tempo para férias atrasadas, papelada de viagem e alguma burocracia de escritório, basicamente. Não tinha sogros para conhecer, Rachel, então o nervosismo pendia todo pro lado dele. Na penúltima semana do prazo definido para sua estada ali Andriy voltou pro Canadá com a intenção de organizar uma mudança próxima para a Europa, os três se sentiram à vontade para expressar seus sentimentos quanto à novidade e, sem nenhum espanto, todas as opiniões tinham o mesmíssimo padrão que as outras estavam seguindo até aqui. Ficou tão brava ao constatar isso que adiantou sua partida em três dias.

Seu pai já havia lhe falado de suas impressões de Israel enquanto visitante breve, mas confessava não saber se poderia lhe dar qualquer dica de viagem – estaria qualquer lugar em que ele comeu ou dormiu em sua curta estada em Rehovot ainda em funcionamento? Nunca saberiam, e não importava. Dificilmente ela se meteria por aquelas bandas, concluíram com certa unanimidade.

Na prática... Rachel se meteu nas mais diversas bandas possíveis. Rachel não se meteu em uma banda ou duas, Rachel se meteu na Billboard inteira, praticamente, e tendo circulado muito mais livremente do que circulava em sua moradia a trabalho anterior, com ou sem atmosfera tensa, não é de todo estranho que ela fosse se meter em encrenca. Surpreendentemente, tal encrenca não se deu na forma de ‘estrangeira estúpida dá uma opinião sobre política global’ ou ‘estrangeira estúpida subitamente se esqueceu da palavra para um artefato redondo de vidro que se usa para beber coisas’ – foi bem pior. A encrenca foi mais pro lado ‘estrangeira estúpida morre fora de seu país ao mesmo tempo em que desonra seu pai ao ignorar biologia básica enquanto se mete no meio do deserto sem olhar pro chão’.

Ou seja: pisou numa cobra a menina Rachel.

Anos na labuta de páginas policiais, onde se posicionou lá pela metade do curso. Um ano e meio em Cabul. Três meses pulando de galho em galho nos mais diversos locais dentro dos limites territoriais mais aceitos pertencentes a Israel, Palestina, à Jordânia e à Síria. Sobrevivente de diversos fogos cruzados, inúmeras ameaças generalizadas a correspondentes, incontáveis assédios pessoais de grau leve a moderado (mas bastante criativos em característica desprezada e formulação) e, claro, um sequestro na adolescência. Tudo para morrer para uma merda de cobra. Assim que notou o ataque ela ficou tão furiosa que a raiva só piorou os sintomas do veneno, o que a fez tentar ligar para casa em desespero nem que fosse para dar adeus. Eis que um cara loiro vestido esquisito surgido do meio do nada passou em sua frente. Olhou para a moça ferida, olhou para a cobra em fuga, tirou um vidro cheio de um líquido turquesa e ordenou que Rachel bebesse tudo.

Todos os pais e mães recomendam não aceitar bebidas suspeitas de estranhos, principalmente às filhas. Mas Rachel estava a beira da morte mesmo então não havia muitos motivos para ligar pros riscos em tal transgressão. Na pior das hipóteses morreria mais rápido e na melhor morreria com menos dor, imaginou, então bebeu sem pensar duas vezes, sentiu um amortecimento mental meio engraçado e logo depois ficou sem consciência. Só acordou e se deu conta de que não ia morrer tão cedo quando já estava no Reino Unido.

Nunca chegou a dar tal ‘adeus’, no fim das contas, só conseguiu fotografar sua agressora fugindo e iniciar desajeitadamente uma última oração. Nunca daria tal ‘adeus’ a ninguém com ou sem tal Deus Ex-Machina, no entanto, pois morreria bem antes de conseguir completar um DDI via celular estando em pleno Negev.


 

Ano 11 (2000):


 

Mudou o século, mas não ainda o milênio. Tinha certeza que para alguns bruxos tais ritos de passagem eram especialmente simbólicos e ocasiões únicas para determinadas atividades. Ele, no entanto, não ligava.

Estar de volta no Reino Unido lhe dava sentimentos mistos. Não tinha mais um luto tão forte – finalmente conseguira encarar as memórias e o túmulo de Neil, onde deixou flores e um poema por escrito – mas a única pessoa que ele de fato não se importaria de ver morta ainda estava muito bem de saúde.

Edward chegou na residência em que cresceu como se tivesse ficado fora por um fim de semana ou só saído para Hogwarts, e não fugido há quase três anos na calada da noite com seu guarda-roupa inteiro e todos os seus livros socados numa mala magicamente expandida. Sua recepção foi no mínimo curiosa, e os sentimentos mistos.

A mãe o abraçou como nunca havia sido abraçado antes, ficou uns quarenta minutos o repreendendo por basicamente ter sumido até ele lembrá-la de que tecnicamente ela fez o mesmo antes dele. Após se dar conta disso, ela apenas lhe pede animadamente que lhe conte detalhes do que fez nos últimos anos porque adoraria ouvir tudo a respeito.

Uma versão da história ele deu na sala, com todos os irmãos, a esposa de um e a noiva de outro, um Frederick furiosíssimo e um elfo presentes. Essa versão da história omitia partes importantíssimas dos acontecimentos gerais, como as diversas ocasiões em que a política trouxa complicou sua vida, ou da vez que quase foi pego por um pastor enquanto falava com seis gatos (de modo que dava a entender que estava sendo respondido, ainda que não verbalmente) na localidade onde ficou por último nos Estados Unidos, ou o modo como ele se meteu no meio do Egito brigando com criaturas raivosas influenciadas pelo khamaseen sem falar uma palavra de árabe... e principalmente a moça trouxa do deserto.

A segunda, a versão sem cortes, exclusiva para a mãe. Ele lembrou de isolar o cômodo acusticamente, mas só lá pela terceira frase, e isso foi um erro fatal. Não que Frederick tenha ouvido a respeito da moça ou de qualquer outra dessas coisas, mas conseguiu captar que a história anterior não estava de todo completa.

Tentou, tolamente, descobrir a verdade usando os conhecimentos de legilimência bastante básicos que tinha na esposa. Obviamente não deu certo – você não faz isso contra uma auror oclumente heroína de guerra.

Tentou, um pouco menos tolamente, descobrir a verdade usando os conhecimentos de legilimência bastante básicos que tinha no filho, quem realmente estava escondendo algo para começo de conversa. Mas ele já estava bem treinado contra Frederick a essas alturas. Só obteve sucesso em sua busca quando parou de tentar.

Não pense que Edward ficou só de passagem – não, já que estava na terra natal resolveria tudo o que precisava resolver enquanto estivesse ali para tão cedo não precisar mais voltar. Às vezes, no entanto, havia pausas entre revisões e reescrituras de suas descobertas, entrega das notificações do registro de novas criaturas mágicas no Ministério e uma ou outra transação comercial – pausas em casa, em seu quarto, em distrações introspectivas e lembranças de um tempo que foi e já não é mais.

Em dado momento de tais distrações achou os quadros de sua bisavó. Desenrolou-os, analisou novamente e reconheceu que a roupa do homem na pintura era igual à roupa que qualquer bruxo que andasse no deserto usaria por aliviar calor e ação do vento – a aparência talvez variasse dependendo do contexto, mas o mecanismo seria o mesmo fosse ele beduíno, mochileiro ou estudioso. Edward tinha uma roupa como essa, aprendeu a usá-la com um historiador mágico iraquiano antes de sumir atrás de gênios que podem ou não existir. Era exatamente o que usava ao falar com a trouxa, e era exatamente o que usava quando voltou a esta casa.

Claro que o rapaz loiro na primeira pintura era ele próprio e era claro que a moça da pintura era a moça trouxa. Cassiopeia até pintou a identificação no colete da ruiva, que ele não sabe o que significa ainda, mas tinha um desenho bastante específico – como logotipos de jornal costumam ser. Clarividentes são mesmo espantosos.

Restava saber se o rapaz loiro na segunda pintura era ele também, quem era a moça na segunda pintura e por que aquele tipo de casamento não lhe remetia às tradições de família sangue-puro alguma, pensava consigo. É uma pena que ele não tenha lembrado de guardar apropriadamente tais imagens pois ao deixá-las de qualquer jeito sobre sua cama Edward basicamente lhe deu uma reprodução visual fiel de sua grande transgressão.

Frederick o confrontou diretamente a respeito disso. Que moça era aquela, por que ela tinha instrumentos trouxas estranhos, por que ambos estavam no meio do deserto, por que a roupa e o cabelo do cara na pintura remetem imediatamente ao modo como Edward chegou e, se é que é ele próprio, por que ele salvou a vida de uma trouxa usando métodos mágicos?

(a segunda imagem não lhe chamou tanto a atenção ou então ele a interpretou de maneira completamente equivocada. Provavelmente o segundo. Provavelmente planejava ele mesmo um casamento e ignorou totalmente que a parte do senhor barbudo com um cálice não constava nos planos originais)

A princípio Edward se recusou a responder qualquer uma das perguntas acima, fingiu ter se livrado de tais imagens e conseguiu fazer voto de silêncio e evitá-lo por quase um mês. Mas a longo prazo não conseguiu escapar dessa resposta.

“você sabe onde ela mora, como disse”, ele diria, “tire algum tempo para pensar na desculpa que você vai dar para se aproximar o bastante para apagar os rastros de sua intervenção. Mas não muito. Eu tenho contatos que vivem disso.”

Seria pior se ele chamasse um obliviador, chegou à conclusão. Tal obliviador provavelmente seria parça de seu pai e não hesitaria em lhe dar o endereço da moça caso pedido.

Seria melhor mesmo se ele se desse algum tempo para pensar e fosse atrás disso sozinho.


 


 

Sua quase morte não ficaria bem explicada tão cedo e isso não incomodava só a ela.

Fazia mais ou menos onze meses. Ninguém realmente estava contando, mas os questionamentos só aumentavam.

Quando seus familiares lhe pediram uma descrição do ocorrido e de uma explicação para como ela havia chegado, Rachel disse que tudo que lembrava de antes de dormir era de um estranho lhe oferecendo uma bebida de gosto engraçado no meio do deserto. E que ao acordar em casa, há mais de três mil quilômetros e meio do ponto onde estava antes e sem qualquer sequela do ocorrido exceto por um curativo diferente de tudo que já viu por aí, não fazia a mínima ideia de como explicar racionalmente sua chegada.

Só sabia que estava inteira, viva, intocada e que o único rastro do seu benfeitor era um papel bem esquisito. Fino, parecia papel de origami, mas também era a prova d'água. Nunca vira algo assim por aí... céus, nem sua mãe viu algo assim por aí, e ela ao menos tem algum jeito para artes plásticas.

(mas meio que desejou ter visto porque tais papéis dariam ótimas aquarelas)

O papel esquisito continha um bilhete numa tinta mais esquisita ainda.


 

O remédio é experimental mas tem reação conhecida. Tão logo acordar não terá que se preocupar com nada do que aconteceu.


 

Talvez você sinta a pele sob o curativo descamar em um dia ou dois. É parte da ação cicatrizante de um antisséptico que usei, e não há necessidade de procurar ajuda apenas por isso. Não há como saber se você terá cicatrizes, mas isso só ocorreria na pior das hipóteses e é literalmente o pior que pode lhe acontecer agora que está estável. Procure olhar pro chão quando em terrenos de risco de agora em diante.”


 

Parecia uma receita médica, só que escrita num papel esquisito, sem timbre e numa tinta ainda mais esquisita que o papel. E a letra é bonita. Mas era só isso, sem assinatura, sem identificação, sem credenciais que tornem sua palavra confiável. E conforme o tempo se passava e a história era retomada por sua família ou seu noivo, mais dúvidas e partes que não se encaixam apareciam.

“não há como isso ser um soro antiofídico”, diria um Andriy à mesa e segurando um pedaço de babka no ar e gesticulando, enquanto o sogro e sua irmã faziam sinais positivos com a cabeça conforme o ouviam, “não existe antídoto oral para picadas de cobra, são todos intravenosos”

Borys não entendia de cobras. Borys não entendia de soros, fossem eles para veneno de cobra, fossem para veneno de qualquer outra coisa. Borys se muito entendia de vespas, abelhas, formigas e da caneta de epinefrina que carrega consigo por ordens da irmã. Mesmo tal entendimento era mediano – com ou sem acesso a cobaias vivas, ele estava mais para ‘cara das cadeias carbônicas esquisitas que supostamente são responsáveis por insetos fazerem tudo que insetos fazem’ do que para ‘cara que de fato entende de animais e plantas’. Mas ele tinha que reconhecer que nunca havia ouvido falar de qualquer antídoto que não fosse produzido de modo semelhante a uma vacina e isso era no mínimo curioso.

Hannah não era especialista em soros. Seu negócio era cérebros, nervos e colunas mesmo, particularmente cabeças abertas e pacientes anestesiados. Mas passou nove anos na faculdade de Medicina e outros vários anos clinicando sem especialização alguma porque Neurologia é caro, então de alguma coisa ela deveria saber.

Todo mundo estava intrigado e acreditava de verdade que essa história estava bastante mal explicada, mas ficavam intrigados enquanto seguiam sua rotina usual porque dinheiro não cai do céu e realização pessoal também não. Rachel e Andriy saíram juntos do Reino Unido depois de algum tempo. Foram direto pro Sri Lanka, com a guerra civil havia uma tonelada de trabalho a ser feita por lá – se casariam na volta, disseram.

Quando tal volta seria e como eles pretendiam organizar um casamento estando do outro lado do mundo sem hora para voltar era um mistério que nem eles dois, nem os pais de Rachel saberiam solucionar.


 

Ano 12 (2001):


 

Depois de uns meses empurrando a questão com a barriga até um novo ultimato paterno, Edward decidiu que sua abordagem seria ‘ser absolutamente honesto’. Ou quase. Algumas coisas, tais como toda sua identidade enquanto bruxo, toda a explicação por trás do método que usou para salvar a moça, como voltaram ao Reino Unido e todas as suas intenções em tal retomada de contato… era melhor guardar para si.

Mas de resto, se é que sobra algo, honestidade total. Não tinha o endereço exato, mas lembrava da cor da casa e que ficava em Cardiff, em algum ponto de Moira Terrace. Encontrou após uma caminhada de mais ou menos uma hora e meia e usando algumas trapaças mágicas. Considerando que era a uma quadra de uma sinagoga, teria sido mais fácil achar se ele soubesse que Rachel era judia, constatará no futuro.

Bateu na porta. Não foi atendido, decidiu esperar por alguém no batente. Foi notado duas horas depois por Sarah, que lhe disse que Borys não responde ninguém aos sábados (teria poupado esse tempo se soubesse usar a campainha, por sinal). Ela nem se perguntou quem era: só pensou que ele tinha uma cara absurda de ‘aluno de Borys’, não presumiu qualquer outra possibilidade e disse que seja o que for que ele quisesse, não iria acontecer naquele dia. Sugeriu que voltasse noutra ocasião, disse que havia uma razão para informação sobre datas e horários em que ele ficaria incontatável constarem no programa de suas disciplinas, que o relacionamento professor-aluno dos dois se beneficiaria muito se ele prestasse mais atenção no que Borys diz uma só vez ou nas entrelinhas, que ele podia ligar antes de visitar e terminou com “passar bem” antes de fechar a porta sem ouvir uma palavra do rapaz.

Sarah é uma shabbat goy bastante eficiente, mas um pouco rude.

Vendo que o tal homem citado não o atenderia, que não havia muito como discutir com quem quer que fosse aquela mulher e que não havia qualquer sinal da moça, acatou o pedido e foi arrumar um lugar para dormir na comunidade bruxa de Cardiff. Havia juntado mais dinheiro desde sua volta, e metade desse dinheiro conseguiu passando contatos de fabricantes de objetos mágicos do Oriente Médio ao Kam arrogante anteriormente citado, que aparentemente não voltou a seu país (que agora de fato era um país!) e no lugar decidiu começar um negócio de importação.

Considerou ‘amanhã’ como ‘outro dia’ o bastante e foi novamente à casa de onde foi enxotado. para sua sorte, dessa vez era domingo então o casal de, hm, ‘jovens idosos’ estava entretido com cuidados com uma roseira.

Sarah inicialmente achou engraçado ele ter se atrevido a voltar tão rápido, mas ficou com vergonha do jeito que falou no dia anterior depois de iniciada a explicação sobre quem era e o que queria. Edward disse que era o rapaz do deserto, e que após voltar a sua família e dizer o que houve foi compelido a procurar pela moça e descobrir se ela ao menos ficou bem depois de ele ter sumido assim do nada, sem vê-la acordar. Logo descobriu que ela nem no país estava, mas eles não permitiram que saísse sem um chá com biscoitos – convite que era um modo muito sutil de arrancar a história por trás disso sem ser agressivo.

Ele não se sentiu a vontade para negar, mas isso não quer dizer que qualquer coisa que tenha dito ali tenha sido verdade. Na verdade, para quem estudou ¾ de uma especialização em medibruxaria básica, sua mentira foi até meio deslavada.

Mentiu sobre a natureza da ferida, e disse que apesar de parecer uma picada de cobra era algo bem menos sério. Que o que lhe deu para beber era isotônico, pois ela parecia desidratada, e que provavelmente por isso passou tanto tempo inconsciente. E que a família dele os arrumou um meio de transporte urgente o bastante para que ela logo chegasse à segurança de sua casa – nessa parte não entrou em detalhes por não saber detalhes de como funcionam os meios de transporte trouxas para longas distâncias, mas deu uma vaga explicação mesmo assim.

Um dia, tempo considerável depois, Borys resumiria tal história à irmã e à filha. Ambas então diriam que era a maior junção de baboseiras sem qualquer fundamento médico e a história com o maior número de furos de continuidade que já ouviram na vida, respectivamente, mas isso é para outro momento.

Seguiram mais conversas amigáveis, ele deu algumas desculpas para a demora em procurá-los e para justificar ainda saber o endereço que lhe foi indicado no caderno de Rachel (única verdade nessa história), e Edward partiu sem fazer o que foi fazer. Não por ter esquecido, não por ter achado melhor esperar a moça voltar e fazer tudo num dia só, mas porque passado o constrangimento inicial ele havia sido bem tratado e não lhe parecia justo fazer isso com pessoas que pareciam ser simpáticas.

Mas não poderia voltar para casa com essa pendência, não tão cedo, então arquitetou uma fuga meio bizarra até pros seus padrões.

Questionou a um par de conhecidos a respeito dos procedimentos de viagem entre trouxas.

Invadiu seu próprio quarto na calada da noite para pegar suas coisas novamente.

Trocou alguns galeões por dinheiro trouxa no câmbio de Gringotes tão logo o banco abriu.

Mandou emitir documentos de identidade tradicionais e um passaporte trouxa em seu nome.

Se trancou num hotel trouxa até o prazo da retirada dos documentos, saindo apenas duas vezes ao dia para comer e dar check-in.

E se mandou para Austrália, novamente sem dizer adeus ou dar satisfações.


 


 

Uma das mais duras lições da infância é: quando alguém diz algo como “na volta a gente compra” ou “na volta a gente faz isso”, principalmente se esse alguém é seu guardião legal, há uma enorme chance de que tal presente ou atividade pretendida jamais chegará perto de se tornar realidade. Aparentemente Rachel não aprendeu tal lição enquanto seu papel era apenas de filha... e aparentemente a máxima também é válida para frases como “na volta a gente casa” e “na volta decidimos como será depois de casarmos”.

Foram vários meses fora, vários, até que lá por agosto eles voltaram a seus países. Tal volta estava planejada desde junho e tinha sido objeto de discussão por várias vezes, mas sempre acontecia alguma coisa que impedia os planos de serem efetivamente implantados. Era uma situação, inclusive, com saldo de culpa considerável de ambos os lados.

Mesmo com a volta dela para casa os procedimentos de planejamento não foram iniciados, e há tantas razões para isso que se torna complexo tentar explicar – talvez fosse o fato de que não estar fora do país não lhes dava nenhuma folga em suas rotinas exaustivas, talvez porque ainda era incerto se ela iria para América ou ele iria para Europa, talvez porque a coisa de tentar se mudar para Europa tentada por ele antes se demonstrou mais incômoda que o pensado, talvez porque isso e algumas divergências em termos de estilo de vida estivessem virando um verdadeiro elefante na sala.

A única certeza era que a festa seria no Reino Unido porque era mais fácil levar as três ou quatro pessoas próximas da vida dele pro Reino Unido do que uma família Berkovich inteira pro novo mundo.

“não sei se você ia gostar do Canadá, é meio frio, mas eu ainda sou americano”, diria Andriy sentado ao lado dela no chão num aeroporto internacional em Colombo, brincando com um canudo numa lata de Coca-Cola, enquanto ambos esperam seus respectivos voos “já considerou enviar um currículo para alguma oportunidade de correspondente fixa? Nova York é sempre um hotspot.”

Ela explicaria com todo jeito que não era esse tipo de carreira que aspirava, que talvez quando fosse mãe isso fosse uma coisa a se considerar, mas que enquanto só adultos estivessem na reta ela pretendia viver uma vida nômade sim. Continuava explicando que não fazia sentido ter um apartamento quase vazio na América (de aluguel provavelmente altíssimo) em que passariam um total de três semanas ao ano, em dias somados, considerando que havia opção: ele podia ser órfão, mas seus pais eram vivos e lúcidos. Ao que ele ficava meio incomodado e não só por ter tal característica familiar esfregada em sua cara, mas também porque estava ficando enjoado desse estilo de vida e achava que estava mais que na hora de montar um consultório e viver disso pro resto da vida… e principalmente porque nunca se imaginou tendo filhos – sendo culturalmente esperado dele ou não – e Rachel parecia bastante enfática quanto a essa parte do contrato.

Nunca havia briga propriamente dita, mas era um constante mal-estar, o equivalente em relacionamento interpessoal a acordar todos os dias com uma gastrite leve demais para valer o incômodo de procurar tratamento apropriado mas forte demais para ser ignorada sem pesar a mão no sal-de-frutas. Passava a sensação de que ao menor deslize algo importante se meteria entre os dois, definiria que o mais razoável era seguirem separados e a partir dali eles nunca mais se veriam. Mas Rachel não estava pensando nisso quando voltou, não seriamente, e o real motivo para a ausência de preparativos foi que ela mal chegou em Cardiff e já partiu – nem deu tempo para tentar entender a história bizarra da volta do cara do deserto. E o real motivo para curta duração dessa volta é que ela havia recebido um convite. Inicialmente não aceitaria, aceitar o convite era meio caminho andado para aceitar a proposta como um todo, mas era de fato sedutor.

“você não conhece o continente”, novamente Andriy diria numa voz que faria o mais difícil dos bebês se acalmar e dormir. Uma pena não desejar filhos. “passe uma semana aqui, eu pago tudo, eu lhe levo a todos os lugares que conheço… dois dias aqui em Montreal, dois em Nova York e dois em São Francisco. O sétimo dia fica a sua escolha.”

Realmente se planejou para dizer que isso era uma chantagem barata, mas “o sétimo dia será Orlando” saiu no lugar.

Tudo ia até bastante bem nos primeiros três dias de viagem, e embora Rachel não estivesse amando o lugar de paixão, também não estava odiando – se tudo falhasse, okay, era uma possibilidade a se pensar. E tudo continuaria bastante bem (tá, depende da sua definição de bem – se você analisar toda a situação, cedo ou tarde algo ocorreria)... bem o bastante para uma cerimônia poder acontecer se não adiassem muito, quero dizer… até serem oito da manhã em Manhattan, ambos estarem tomando café próximos do Museu da Herança Judaica, completamente alheios ao fato de que uns aviões, um quase que atrás do outro, faziam uma trajetória esquisita no céu… pareciam baixos demais… e de fato, estavam baixos demais, porque dava para ver que bateu em um prédio há poucas quadras dali.

Primeiro numa torre.

Minutos depois o outro na torre ao lado.

O jornal sabia onde ela estava e quanto tempo passaria em cada lugar. E, adicionalmente, ao dar tal informação ela se dispôs a cobrir qualquer emergência próxima dos locais onde ficaria, sempre levava seu material consigo – nunca imaginou que tais coisas tivessem qualquer possibilidade de acontecer, mas aconteceram. Assim sendo, já que a tragédia estava feita que bom que ela andava por aí com a câmera para cima e para baixo, né? Okay. Era a hora de aproveitar o fato de estar no lugar errado na hora errada, finalmente isso era algo minimamente conveniente.

Ao ver a fumaça subir à distância, olhou para Andriy e disse que os planos para a manhã e talvez para o dia estavam cancelados – dever primeiro, e certamente aquele era um dever do caralho. Normalmente ele concordava com isso, sim, dever primeiro – mas não levou na esportiva a perspectiva de ser deixado para trás enquanto tentava convencê-la de que ficar ali era melhor que ficar em Gales ou na Inglaterra. Isso e talvez o sensor de patriotismo tivesse apitado e feito ele sentir-se desconfortável com como para ela uma tragédia no Irã ou uma tragédia ali tanto fazia. Ela poderia lamentar por cada vítima, sim, mas lamentava cada vítima com a cabeça erguida, e fazendo seu trabalho sem intimidação, até porque contar como elas se tornaram vítimas ainda lhe era mais importante que se permitir reagir irracionalmente por causa de medo ou desespero.

(Andriy achava que na casa dos outros é refresco, pelo visto)

“se você ousar entrar nesse táxi é melhor jogar meu número fora”, diria ele dramaticamente como blefe. Assim, Rachel posicionou a câmera em seu pescoço e entrou no táxi. Antes de fechar a porta, dizer ao senhor sikh no volante para seguir a fumaça e partir, no entanto, tomou o tempo de dizer que depositaria o valor da passagem em sua conta e mandaria o anel de volta pelo correio tão logo chegasse a Cardiff.

Não seria dessa vez que ela conheceria a os parques da Disney.


 

Ano 13 (2002):


 

A Austrália não era ruim. Como seus dois últimos destinos, também lhe oferecia a oportunidade de se embrenhar em desertos.

Mas não é sua prioridade ali, nem propriamente era arejar os espíritos. Ele tinha mais planos ambiciosos e eles envolviam uma aranha gigante com uma velocidade de produção de teia absurda e uma espécie de inseto mágico, um que produzia uma fibra tipo a da seda mas com propriedades que esta não detinha.

“são espécies parentes”, diria a si mesmo, “um híbrido poderia gerar muita fibra, muito rápido”

Ou poderia dar na maior merda já dada no mundo dos animais fantásticos, mas ele gostava de pensar positivo e não tinha Borys para lhe dar esse tipo de choque de realidade ainda.

Conseguiu cobaias que não ofereciam muito perigo em termos de força e capacidade de ataque. Não eram espécies catalogadas com detalhes ou com muita análise prévia de comportamento, composição físico-química ou subclassificações. Botaria suas cobaias para conviver e com o tempo elas gerariam um híbrido natural. Se seria uma criatura relevante positiva ou negativamente já era outra história.

Meses e meses se passaram. As criaturas se davam bastante bem, mas nenhum fruto saía de tal relacionamento. Só quando foi pesquisar se o problema não era esterilidade se deu conta: eram duas fêmeas. O sinal diferencial era o mesmo num e no outro, mas se invertiam – o que indicava ‘fêmea’ num indicava ‘macho’ no outro.

Seu evidente fracasso lhe era ridículo demais para conseguir encarar mais meses por ali e com sorte a poeira havia baixado no Reino Unido. Estudaria método científico, decidiu, e não repetiria burrices do tipo. Não daria tal privilégio aos haters.

(pode-se chamar um inseto de bissexual, gay ou lésbica? Fosse um animal mais complexo que um peixe, pelo menos, Edward até tentaria se engajar em comunicação não-verbal. Não importa, no entanto – Borys veria as anotações desse desastre todo anos depois e diria “há vários meios racionais de explicar a possibilidade de confusão mas eu não entendo de criaturas mágicas então chutaria ‘desordem química’ ou ‘real compatibilidade de gênios’ entre as duas”)


 


 

Se com Andriy as pessoas já achavam que ela vivia em função de trabalho, sem ele Rachel só parava para respirar e para dormir um pouco.

Ela saiu mais por cima no término com Andriy do que no término com Aaron, pelo menos em reação externa, mas isso não mudou o sentimento péssimo posterior. O maior defeito de Rachel sempre foi rancor, mas nesse caso em particular o rancor foi pior que no anteriormente citado. Alguém poderia até achar estranho: Andriy a encurralou, sim, mas de certo modo a palavra final ainda foi dela e o modo como o fez deu a entender que não havia a menor chance de ela voltar correndo no outro dia para lamber ego de homenzinho ofendido. E não mencionamos aqui que havia coisas esquisitíssimas no modo como Aaron se comportou nos últimos meses com ela – sim, é possível que ele tenha sido infiel em algum momento de seu relacionamento ‘em que uma das partes claramente está mais comprometida que a outra e claramente essa parte não se chama Aaron’.

Ainda assim. Ainda assim o rancor contra Andriy era bem maior. Talvez porque sua relação com Andriy tinha mais chances de dar certo, em sua mente. Talvez porque se sentiu enganada ao constatar que, em certo grau, estava sendo manipulada a ceder em suas convicções. Ou talvez apenas porque tudo tende a azedar mais com o tempo, inclusive as pessoas.

Seria mais efetivo se dar um tempo e chorar suas mágoas para se reerguer em questão de poucos meses, alguém diria, mas ela não considerava tal atitude muito... digna. Não teria essa impressão caso outra pessoa fizesse o mesmo, mas ela? Ela gostava de se ver como mais inquebrável do que realmente era. Talvez por saber que no fundo era o equivalente humano a gelatina pré-pronta. Inclusive na parte de ser um produto maleável saído de algo duro feito osso.

Gelatina tipo as que se dão em hospital, acrescentaria nos piores dias. Sem gosto, pálida, derrete facilmente.

Mas justamente quando ela achava que ia resolver seu problema de mágoa mal resolvida com exaustão ocupacional ou, como diria uma ex-colega sua baseada em Tóquio, ‘por karoshi’... Rachel recebe uma ligação de casa que só piora seu caráter de ‘alma de gelatina de hospital’.

(não é linda essa nova tecnologia dos celulares? É sim)

Devora.

Devora. Câncer de ovário. Epitelial. Estágio dois. O que isso quer dizer? Ótima pergunta. A únicas coisas que ela sabe quanto a isso é:

1) câncer é ruim, ruim o bastante para matar;

2) câncer é genético;

3) câncer de ovário costuma exigir histerectomias totais;

O que Rachel não sabe ainda, mas logo saberá:

1) câncer de ovário é particularmente comum em mulheres de origem eslava, judias inclusas;

2) câncer de ovário é mais prevalente em idosas, mas pode atacar mulheres jovens também;

3) a sobrevida em estágio dois é mais ou menos de 40%;

Isso de viver a vida no limite e sob constante ameaça faz certas coisas deixarem de parecer ter a importância que têm. “quem se preocupa com check-ups quando amanhã mesmo eu posso ser abduzida por radicalistas chechenos, ficar seis dias em poder deles num porão imundo e só sair de lá num saco preto?”, dizia a si mesma a cada gripe, e assim tentava miraculosamente deixar de estar doente. Infelizmente não é assim que as coisas funcionam – se fosse ela a doente provavelmente só descobriria em metástase, na melhor das hipóteses ficaria estéril e na pior morreria. Seria prudente lembrar dos históricos familiares (pouco específicos, mas existentes) dali em diante.

Mesmo se fosse assim que as coisas funcionavam, provavelmente só funcionaria em casos leves e quando a própria pessoa faz isso. Consigo ela nem se daria ao trabalho de comprar uma aspirina por causa de dor – mas com doença na família ela não faria o mesmo, se sentiria mal e nunca se perdoaria.

Teria que voltar pro País de Gales, decidiu.

No momento em particular que chegou a tal conclusão estava arrumando as malas para deixar o Nepal – não sabia aonde lhe queriam dessa vez, mas seja o que fosse, não seria possível. Teve que avisar seus superiores que por uns tempos seu trabalho teria que se concentrar no Reino Unido, o que foi aceito. Tinha sorte. As pessoas gostavam bastante dela como profissional, o bastante para aguentar suas particularidades de boca fechada.

Seria Catmandu, Cingapura, Londres e daí Cardiff. A primeira parte transcorreu sem grandes coisas a serem ditas, mas a partir de Cingapura as coisas começam a ficar bastante interessantes. Tinha longas horas para perder no aeroporto até seu voo chegar, e a primeira coisa a ser feita foi procurar algo para beber.

Uma máquina de refrigerante apareceu antes de uma lanchonete que não cobrasse um preço absurdo por uma água sem gás, só teria que esperar o cara da frente parar de encará-la como se a caixa vermelha e o display transparente de comidas fossem seres de outro planeta e---

O que o cara do deserto estava fazendo ali, mesmo?


 

Ano 14 (2003):


 

Isso de pegar aviões ainda estava bastante confuso para Edward. Eles eram grande demais para voarem sem mágica, na cabeça dele, a comida tem gosto engraçado, o banheiro é esquisito e aparentemente há coisas que não podem ser usadas dentro de um. Coisas que ele não sabe para que servem, os tais celulares, mas a moça do uniforme azul parecia bastante enfática quanto a essa parte quando o cara ao seu lado estava mexendo no que presumivelmente era um exemplar deles.

Quando Edward perguntou pro cara por que ela disse o mesmo em todas as fileiras, ele olhou bastante esquisito. Deve ser uma daquelas perguntas que você não deve fazer para não passar por lunático, presumiu, e presumiu também que “eu sei que há comida aqui nessa cristaleira esquisita, mas como chego até ela? E como assim vocês não comem sapos de chocolate?” seriam outras dessas perguntas.

Mas ele quase perguntou mesmo assim quando alguém surgiu no seu lado, quase, aí notou que não era um estranho. Era a trouxa do deserto. De todas as pessoas do mundo (seis bilhões e trezentos milhões e alguma coisa! Seis! Bilhões!), justo a trouxa do deserto tinha que lhe aparecer. Achou que lhe seria prudente tomar um vidrinho de Felix Felicis dado o voo a longa distância, mas depois de fazer um sonífero quando queria ter feito veneno... ele não deveria confiar tão cegamente na sua capacidade nessa área. Dizem que se mal feita essa poção dá azar tenebroso. Taí sua prova.

Mas já que estava na merda de dragão, melhor chafurdar nela de vez. Sorriu o mais amigavelmente que pôde e ensaiou dizer alguma coisa, mas nem precisou perguntar nada. A moça tirou umas notas de baixo valor da bolsa de mão e tentou passar na máquina – a princípio sem sucesso. Perguntou se ele estava sem dinheiro, e por isso estava ali parado sem saber o que fazer. Disse que não, que até tinha dinheiro, mas algo estava dando errado.

Não fazia ideia de como proceder, mas novamente, imaginou que era mais uma daquelas coisas que não poderia expressar sem passar por louco… e apesar do procedimento dela não estar funcionando, parece ser a coisa certa a se fazer.

Ele se oferece para tentar, faz exatamente como ela fez e coloca dinheiro seu na máquina. Caem duas latinhas no lugar de uma, o que faz com que ele ceda a lata extra à moça. Talvez os sábios exagerem na questão do azar tenebroso para ninguém ficar fazendo Felix Felicis a torto e a direito. Talvez seja só um azarzinho bobo, do tipo que faz você cortar o dedo no papel enquanto lê. No fim o avião não cairia hoje, pensou, se é que era assim que funcionava. E continuaria o raciocínio até ela dizer que fica sem jeito de aceitar bebida dele pois já o tinha visto antes e definitivamente tinha a ver com líquidos, daí ele muda de ideia por completo.

(ou talvez caia para ele morrer e não ter que lidar com esse assunto ou com pai nunca mais? Difícil de saber)

Fez-se de besta, não disse que não lembrava dela mas deu um jeito de desviar dos desertos com sucesso. Com certeza ‘alguma festa’, disse, e há bebidas em festas. A moça não expressava ter acreditado nem expressava estar ofendida por ele estar sendo dissimulado. Ficaram alguns instantes em silêncio até ela dizer que não tinha muito dólares, de Cingapura ou dos americanos, mas com certeza tinha para dois expressos. Quem ficou sem jeito de aceitar dessa vez foi ele, mas o fez mesmo assim porque foi ensinado a negar oferecimentos não merecidos na primeira menção e a só aceitar caso mantida a oferta.

Três horas a serem perdidas, e melhor perdidas se distraídos e acompanhados. Acho que era de comum acordo que falar de gente quase morrendo no deserto era pouco desejável, então partiram para assuntos mais leves.

Não poderiam falar de filmes ou séries, porque Edward pouco sabe de cinema e tv.

Não poderiam falar de música, apesar de um australiano com quem teve um rápido lance ter lhe apresentado a alguns itens básicos da música trouxa.

Não poderiam falar de muitas coisas da rotina trouxa, porque ele não a entende por completo, nem dar detalhes de seus trabalhos.

Mas poderiam falar de livros.

Edward notou que a moça carregava um consigo, que presumivelmente trouxe para ler no intervalo entre as conexões. Uma das poucas coisas obviamente trouxas que entram até nas famílias puristas são os livros mais clássicos, tanto por serem retratos de outra era (e por isso não passam a ideia de que poderiam influenciar as mentes dos mais jovens a desejar conhecer o outro lado) quanto por, pelo menos para Edward, serem melhores e mais fascinantes. Assim, perguntou por curiosidade o que era.

(não ficaria curioso ou pediria recomendação se bruxa ela fosse, por julgar que ter magia de verdade ao seu redor reduz a sua capacidade de pensar criativamente... pelo menos na parte de ficção literária e de criar mundos que não os seus)

The Importance of Being Earnest. Lembra de ter lido isso quando era mais novo, bem depois de The Canterville Ghost mas um pouco antes de sequer ouvir a história toda sobre Wilde. Foi preso por ter um amante, não? Há toda uma disputa em torno de seu encaixe na segunda ou na terceira letra em ‘LGBT’, mas que ele cabe na sigla… isso está fora de discussão. É um fato conhecido.

Os anos e as reviravoltas da vida lhe fazem fazer a mesma pergunta a seu próprio respeito, mesmo que soubesse que não sentiria apreciação nenhuma se apresentado a uma lista de mulheres que se qualificavam para o papel de ‘sua esposa’ (nem ao menos estética, constataria quando de fato confrontado com isso). O interesse se mostrava até ali, se existente, diferentemente do que o interesse por homens sempre lhe pareceu e nunca veio acompanhado do impulso de agir a respeito dele... mas isso ainda não é o assunto! Livros são o assunto, e ambos tinham uma bagagem razoável nisso. É uma primeira leitura, ela assumia com certa vergonha, porque havia lido The Picture of Dorian Gray antes e apesar de ter gostado, não lhe chamou tanto a atenção a ponto de procurar pelo restante de sua obra. Disse que suas preferências imediatas seriam outras.

(curiosa escolha de palavras)

Ao ser questionada de qual seria tal preferência, a resposta foi complicada.

Em primeiro lugar, porque havia diversas preferências ao mesmo tempo. A estante do pai lhe ensinou a apreciar literatura russa e ficção científica de raiz. A estante de sua mãe sempre foi bem menos visitada, embora maior que a dele – muita teoria feminista e considerável quantidade de material jurídico misturados à literatura, Borys é mais metódico nessa parte de organização – embora ela descubra coisas muito boas com uma frequência impressionante e Rachel de fato tenha adotado Virginia Woolf como seu fave problemático #1. A estante que montou sozinha, por fim, é uma estranha mistura de Marvel, graphic-novels independentes, um pouco de DC, não-ficção e poesia clássica ocidental.

Muita poesia clássica ocidental, embora não possa se dizer uma aficionada do gênero.

Segundo, porque Rachel é um tanto insegura quanto ao próprio bom gosto para certas áreas da vida, e nem tem nada a ver com a implicação que a mãe às vezes faz de que ela tem um péssimo gosto para homens. Na verdade… tem até a ver com um suposto mau gosto para homens, porque a consolidação dessa insegurança se deu lá por 1998 quando ao, analisar suas coisas com curiosidade, Andriy disse “isso é a obra completa de Alan Moore aqui, eu não esperava isso? Não na nossa idade, ao menos?” para completar com “nem se fossemos dez anos mais novos, na verdade, as mulheres que conheci que liam quadrinhos não eram tão… dedicadas?”.

Fosse isso anos depois, ou tivesse ouvido 60% do que a mãe lhe ensinou a vida toda sobre como lidar com babaquice de homem, Rachel provavelmente responderia tal censura com “por que, prefere Frank Miller? Tenho isso também, vou lhe mostrar, só não toque com as mãos sujas.” e uma conversa unilateral de vinte minutos ou mais a respeito dos boatos da trilogia nova de Star Wars. Mas Rachel não tem a vivência política ou a cara de pau em geral de sua mãe, e em certo grau até a acha exagerada demais em alguns momentos. Assim sendo, um complexo se criou.

Mas disse a verdade, ela, e levou algum tempo dizendo a verdade. Edward não conhecia metade do que ela citou, de Art Spiegelman a Stephen King a Isaac Asimov, mas em tantos anos aprendeu a fingir que conhece. Quando respondeu com o que ele apreciava notou que havia alguns muitos pontos de comunicação, pontos o suficiente para conversa seguir fluida como um riacho até ele perceber que já estava em hora de fazer o check-in e uma coisa estranha ocorre.

Os vôos são os mesmos, e as poltronas próximas.

Se o Felix Felicis deu muito certo ou muito errado ele ainda não sabe dizer, no entanto.


 

♦️


 

Quando lhe foi pedido que passasse uns dias em Cingapura a pedido de um contato da profissão que queria intermédio seu com o pessoal do Reino Unido, odiou a pessoa por dentro. Só estava indo para lá de novo porque era sério, não estava a fim de se demorar ainda mais. Procrastinaria sua volta tanto quanto lhe fosse permitido, sabia, e não queria que isso acontecesse. Mas o fez, porque Lilly já lhe ajudou muito até aqui e não seria certo negar-lhe retribuição. O acidente de percurso se mostrava vantajoso agora, refletiu.

Rachel sempre foi o tipo que definia em sua mente se os sentimentos por alguém que acaba de conhecer seriam positivos ou negativos de imediato, e em que grau – um rapaz que ela sempre viu como um bom amigo, desde o dia um, dificilmente lhe conquistaria física ou amorosamente. E as pessoas para quem ela se sente a vontade de dividir tais primeiras impressões se surpreendem com bastante frequência do quão certeiras elas costumam ser quando não são cegadas por romantismo ou luxúria. Não pôde ter uma primeira impressão de verdade de Edward, estava ocupada demais morrendo. Mas a primeira impressão lúcida dele foi um misto de impressões confusas que ela só conseguia resumir com “eu preciso saber mais sobre essa pessoa”.

Não era uma impressão, exatamente, nem um desejo definido imediato. Mas havia um magnetismo absurdo e inegável.

A conversa continua em vôo. A conversa continua em quase dez horas das quase catorze horas de vôo – não seguidas, a soneca se deu na metade do trajeto, mas duração impressionante mesmo assim. Provavelmente os outros passageiros pegaram uma raiva absurda dos dois, mas francamente ela não ligava. Mesmo quando de fato dormiram, o fizeram de modo diferente do que faziam normalmente, com mais… segurança? Sim, foi diferente, e pode ou não ter sido de ambas as partes.

Os assuntos se desfiaram em tantos que é quase impressionante que Edward não tenha se denunciado em dado momento. Escapara de cada emboscada, ele, e isso que nunca foi bom em improviso. Quando questionado de sua profissão, diria trabalhar com animais, ao que ela responderia com animação que seu pai também era biólogo. Quando questionado de suas experiências em viagens, contara só as partes que poderiam ser lidas como normais por um trouxa. Quando começaram a falar de comida, se limitou a iguarias trouxas. Quando falaram de religião, ficou de boca fechada porque era esquisito até entre bruxos nesse quesito.

Quando questionado de seu número de telefone, ele foi obrigado a assumir que não tinha um, no entanto. Ao menos ele sabia o que era um telefone, alguém poderia dizer. Um fixo, ao menos, ele sabia – uma das pessoas que lhe abrigou em sua jornada bizarra pela Austrália tinha um em sua casa. Mas Rachel não sabia dos motivos para ele não ter um telefone, então a primeira explicação que ela montou em sua cabeça foi que isso era um modo muito sutil e gentil de dispensá-la.

Saber o que é um telefone lhe deu certa vantagem mesmo assim, porque no lugar de lhe passar um número que ele não tem ou se fazer de bobo, ele anotou o dela e disse que entraria em contato tão logo se arranjasse em Londres. Adicionalmente à anotação, ela o concedeu um cartão com contatos adicionais e com os horários a serem evitados. Mas o fez meio com pressa, tinha dois trens para pegar até chegar em casa, não queria se demorar ainda mais e estava com sono.

O contato dele demoraria alguns meses a ocorrer, mas Rachel a essas alturas estará tão preocupada com sua vida agitada usual e a avó doente que ela nem vai ter tempo de se questionar se levou ou não um fora.


 

Ano 15 (2004):


 

Em dias todas as certezas que tinha na vida se abalaram por completo, e note que Edward nem tinha tantas certezas assim antes disso.

Não era como foi com seus envolvimentos de adolescência, não era como foi com Neil, nem como os outros que vieram depois dele e não ficaram raízes. Era um pouco difícil de definir a parte em que era diferente, mas ele sabia que era, e sabia que era especial – especial no sentido de que não era como os relacionamentos indubitavelmente platônicos que teve com mulheres ao longo da vida. No que era difícil dizer, no entanto, e por isso tentou amortecer a ideia por um bom tempo.

Tinha preocupações maiores e mais urgentes que um possível questionamento de sexualidade. Como você pode imaginar, trazendo azar ou sorte, os efeitos de sua poção não duraram até a chegada em casa. Não tendo durado tanto assim, sua reaparição foi uma reprise mais estranha de sua primeira volta.

Londres mudou bastante nesses anos. A felicidade da mãe em vê-lo era a mesma, seus irmãos também, mas muitas outras coisas não eram. Conforme ficava, pareceu que mesmo os seus parentes menos simpáticos mudaram um pouco sua atitude com os elfos, e Potter já era pai, por exemplo. Era estranho pensar nisso, e era estranho ser lembrado de pessoas ligadas à guerra… pessoas que não eram Neil, ao menos.

Não era mais tão estranho ou mesmo tão doído lembrar dele, era como lembrar de sua bisavó ou de outras pessoas próximas que morreram, com a diferença de que com ele sempre haverá o sentimento de ‘aquele que poderia ter sido mas nunca foi’. Sentimento amargo, mas ninguém morre por causa de um gosto amargo na boca a menos que ele tenha sido colocado ali por contato com Anemone.

Oficialmente era o único desarranjado da família, e isso que era o mais velho dos quatro irmãos. Dois de seus irmãos mais novos estavam casados e até o caçula estava noivo – nem formado o moleque era ainda e já empurraram ele para alguém. O fim da Segunda Guerra Bruxa parece só ter deixado os puristas ainda mais loucos do cu que já eram, e não era mais estranho ouvir de adolescentes de 16 ou 17 anos já em um enlace arranjado, algo que já havia sido superado há uns bons séculos. Ninguém ainda tinha filhos, mas parece que é só questão de tempo, e tal fato foi lembrado a Edward numa indireta tão certeira que não poderia mais ser chamada de indireta. No segundo dia já lhe apareciam senhores vagamente conhecidos dizendo que falariam de Edward para suas filhas, e isso se repetiria consistentemente.

Ele nunca ficou relaxado com essa questão, apesar de definitivamente ter calculado mal o risco de sua volta – sabia que ia ser pressionado, sim, mas daí a prever que em menos de duas semanas de estada já estavam leiloando a ele por aí? Difícil imaginar.

Tinha quase vinte e cinco anos, mas isso não parecia espantar até as candidatas mais novas… e pior (ou não, que bom que não estavam né) é que muitas definitivamente não estavam sendo obrigadas a isso. As suas desculpas tinham que ser riscadas uma a uma de sua lista de argumentos irrefutáveis para se manter solteiro, sua rejeição à ideia de casar com qualquer uma daquelas moças só aumentava enquanto ao mesmo tempo… às vezes se lembrava da primeira pintura e pensava que a rejeição não valia de todo para trouxa do deserto. Não casar, talvez, mal havia falado com ela, mas...

Era complexo.

O que era um problema maior em suas mãos, tender a se atrair por homens ou ter como única exceção uma trouxa que nem ao menos é culturalmente parecida com outros trouxas que conheceu? Não sabia dizer ao certo, mas sabia de algo sim e era: tinha que dar um jeito de dar um fora daquela casa antes que um belo dia acordasse, descesse para tomar café e encontrasse o jardim decorado, todos arrumados e uma Malfoy ou Greengrass (ou sabe-se lá qual família seria dessa vez) vestida de noiva. Passou uns anos fora mas seu trabalho mostrava alguns frutos também no Reino Unido, alguns patronos e alguns admiradores. Quem sabe isso não lhe dava uma oportunidade de ganhar dinheiro mais… segura e fixa? Não podia dizer ‘nossa, Edward é tipo o Darwin do mundo bruxo, Deus salve o magizoologista supremo’, longe disso, mas as pessoas ao menos não o tinham como uma fraude completa. Conhecia pessoas, que também conheciam pessoas, e alguma delas haveria de ajudar nessa parte.

(guardemos, novamente, tal informação para mais tarde)

Em dado momento ele tirou novamente as pinturas do lugar onde as escondia desde que teve aquela conversa com seu pai, começou a analisá-las com certo cuidado e a tentar achar coisas que definissem a questão de vez quanto à segunda – dessa vez a portas fechadas, tomando o cuidado de só abrir caso confirmado que não era Frederick.

Não tinha como confirmar que o cara na pintura era ele mesmo, se não era, se ele conhecia a moça. Sabia que não havia como isso ter mudado, mas gostava de se iludir e achar que a cena que a pintura retrata ficaria menos borrada na parte do casal em si conforme os anos se passassem. O véu da moça era realmente bom em esconder tudo dela.

E não conseguiu ainda, ali. Só piorou a questão, na verdade, porque em dado momento sua mãe bateu na porta. Ao presumir que a demora ao abrir era por estar escondendo algo, disse que se vestido estivesse poderia abrir tranquilamente que estavam só eles e o elfo em casa.

Podia ser um bom sinal ou um péssimo, mas ele preferiu encarar como ‘bom’ e abriu sem pestanejar.

Ela iria lhe perguntar algo doméstico bem tolo, ou mostrar algo que não era de grande urgência, mas logo no início da frase notou os quadros sobre a cama e perguntou se eram de Cassiopeia. Disse que sim, que eram alegadamente os seus últimos de acordo com seu irmão caçula, Arthur, à época com oito, nove anos. Ele que ficou encarregado de entregar tais imagens a ele a mando da própria, por razão que ele ainda desconhece, e até chega a perguntar à mãe se ela tem alguma hipótese de resolução para tais mistérios.

Elizabeth até começa a responder, ia pedir para que ele se virasse para ela conferir uma teoria, mas algo lhe chama mais atenção que isso.

“mentiram para Arthur ou mentiram para você, não eram os últimos. Chegou a haver um terceiro, e foram todos pintados no mesmo fim de semana, parecem estar ligados” ela enrola as pinturas, esconde novamente no fundo falso do armário do filho e o guia até o sótão da casa. Sabia das suas táticas para enganar a família, a engraçadinha. Claro que sabia. Não teria ficado tanto tempo a salvo se não soubesse, aposto. “A original foi queimada por Jacob antes de entregue a seu irmão, mas eu… tentei reproduzir. Provavelmente há falhas, foi de memória, meu estilo é diferente do que ela tinha e fiz com um pouco de pressa, mas…”

E tirou de um baú um último rolo de tecido. Menos bem cuidado que os seus, sim, mas ainda era bastante fácil de entender o contexto.

Há dez anos ele talvez não reconhecesse o homem naquele quadro como a si mesmo.

Há dez anos ele não saberia definir os elementos estranhos no cenário como uma televisão, decoração com ares de casa de interior moderninha e um quadro de arte conceitual que não se mexe.

Provavelmente Jacob não reconheceria nada disso nem hoje, mas sabia que eram elementos estranhos e elementos estranhos costumam ser trouxas. O que… combinado com o homem conhecido conversando com um desconhecido (que na verdade é conhecido, mas Edward é péssimo fisionomista) ao fundo, vestidos de modo pouco usual ao contexto purista… era um alerta, um alerta a algo que Jacob imaginou que poderia impedir se destruísse a previsão e tentasse mover as peças de xadrez do seu próprio jeito.

Havia mais. Naquele momento em questão ele não reconheceria a criança ruiva que está no centro do quadro e parece querer pegar algo fora do alcance do quadro e de sua baixa estatura, porque ela ainda não existe. Mas do jeito que Jacob é ele percebeu bem mais do que o que Edward percebeu, e isto que ele já havia percebido algo bastante relevante.

Edward ouviu as pessoas falando de seus olhos a vida toda. Algumas vezes os elogiavam, algumas vezes diziam que eram um pouco assustadores, que eram expressivos e magnéticos. Os olhos da menina se encaixam em todas essas descrições, mas há algo em que são bastante exclusivos: além de maiores que os dele, tinham uma gana e um caráter fixo que os dele nunca teve, forte o bastante para ser notado até numa pintura. Literal sangue nos olhos, alguém diria.

Ao olhar para tais olhos, Edward entende o que as pessoas lhe disseram por todos esses anos.

Ao olhar para tais olhos, Edward sente algo que não sabe dizer bem o que é, mas parece certo, puro e algo que faria o lince mirrado de seu patrono ganhar a força de mil sóis brilhantes.

E ao ouvir barulho de coruja batendo no vidro enquanto olhava para tais olhos, ele se sente como que desperto de um transe hipnótico e vai pegar a correspondência. É para ele. A tática ‘alguém que conhece alguém que conhece alguém’ funcionou, e de algum modo ele será recebido com o maior prazer na Reserva de Gales nos termos que desejar, e pode ou não ter a ver com o Weasley dos dragões. Dá para pagar aluguel e comida com o salário. Está livre.

Teve sorte. Se tivesse ficado mais dois dias que fosse em Londres de fato teria encontrado uma noiva-surpresa no jardim ao acordar, e nunca teria tempo de pedir para um colega seu lhe ensinar a usar um telefone.

   

♦️


 

Era quinta, janeiro e Rachel está ao lado de uma máquina de café no corredor de um hospital oncológico em Cardiff. Duas enfermeiras estavam ao seu lado, presumivelmente em intervalo para café, e conversavam sobre o fato de Friends estar na reta final. Seu celular toca.

Número desconhecido e galês, mas poderia ser a trabalho. Não era. Demorou um pouco para notar que a voz era do cara que parecia ter uma fixação em lhe servir bebidas não alcoólicas, tanto tempo quanto ele teve para notar que a voz dela estava meio embargada. Se preocupou, ele. Apesar de normalmente não responder a esse tipo de pergunta ela se afastou das enfermeiras e foi para um canto isolado do corredor, próximo a uma janela. Explicou resumidamente sua situação e só omitiu uma coisa: ela suspeitar que metade da razão para sua avó não a querer por perto durante as sessões de químio era a sua crença de que não duraria muito, não o bastante para ver a única filha de seu filho (fica estranho falando assim, mas o raciocínio é exatamente esse) constituir família e, com sorte, se assentar em um lugar com pequenas chances de bombardeio.

Se demonstrasse isso para algumas pessoas, elas provavelmente lhe apontariam que esse tipo de expectativa não é algo que ela deve se sentir culpada por não corresponder, sim, mas não é uma frustração unicamente de Devora. Ter trinta e um anos e zero chances de ter filhos até aqui a incomodava bastante – não porque todos estão casados e planejando filhos a essas alturas, mas porque sabia que a partir dali engravidar poderia ser mais difícil. Há alguns anos, ironicamente, o incômodo era o leve risco deles surgirem numa má hora. Mas agora as chances são literalmente nulas, quando não está em função de médicos ou hospitais está trabalhando.

Trocam palavras de consolo e incentivo, e ela pergunta onde ele está agora. A resposta é meio confusa, mas ele dá a entender que era uma reserva ecológica entre o nada e o lugar nenhum e que por isso finalmente comprou um celular. Diz que não sabe mexer nele direito e pergunta se ela o encontraria se ele tirasse uma folga e fosse até onde ela estivesse. Ela chega a começar a argumentar que se não fosse o fato de ele provavelmente estar há quilômetros de Cardiff aceitaria de ótimo grado, mas ele diz que Rachel não se preocupar com isso e desliga.

“o cara é esquisito e é quase uma criança perto de mim, mas é adorável”, pensava consigo, e em questão de uma hora lá estava Edward na frente do hospital tentando mandar um SMS que avisasse de sua chegada. Mensagem absolutamente estragada pelo corretor. “bem esquisito, para ser honesta, mas e eu não sou também?”

Tomaram café, andaram pela cidade, ela explicou seus hábitos alimentares resumidamente enquanto andavam por um mercado. Edward estava maravilhado com o mundo totalmente novo que se colocava a seus pés mas tentava parecer casual nisso. Quase confessou nunca ter ido ao cinema (não tipo os deles, ao menos) quando ela disse que poderiam ver um filme em sua próxima folga – mas constatou que seria inverossímil para alguém que aparentava ter crescido em Londres e em berço de ouro – ou, na pior das hipóteses, de bronze como ela. E havia uma atmosfera esquisita de que ambos queriam fazer ou dizer algo mas se sentiam demasiado constrangidos de dar o passo inicial. Ela deu tal passo. Ao fim do dia o beijou e era um beijo diferente de tudo o que ambos já haviam tido com outros até então. Não melhor ou pior – diferente.

As ligações e mensagens iam e vinham, as saídas nas folgas continuavam a ocorrer, e o relacionamento só se fortalecia apesar de visível diferença de idade. O sinal de celular era quase inexistente na reserva mas com sorte ele pegava uma flutuação na rede que tornasse a tarefa menos ingrata. Lá pelas tantas o sinal ficou tão ruim que ele se propôs a, adicionalmente, lhe enviar cartas.

Rachel amou a ideia porque romantismo incorrigível é um mal compartilhado.

Cartas trouxas. Cartas trouxas que levam de dois a quatro dias para serem entregues. Mas ao menos dava para guardar elas, e ler quando as coisas parecessem sem rumo, ele se visse num dilema difícil de solucionar e quem sabe até cogitasse tentar a sorte com o veneno novamente. Ainda que o conteúdo de tais cartas fosse metade do que lhe afligia, e com ela não haver a oportunidade de esconder as mensagens em poemas de Pushkin ou coisa do tipo.

Um belo dia as cartas que Rachel recebia a avisaram de que por umas duas semanas o seu endereço seria outro, uma caixa postal em Londres, e a explicação era bem esquisita – seu irmão ia casar e ele lamentava não poder levá-la consigo apesar de sentir que o nível de relacionamento já permitia isso.

(mesmo que o aprofundamento de tal relação até tenha se dado de modo bastante introspectivo e pouco carnal. Não só por falta de oportunidades, mas ele ainda fugiria por um tempo da conversa esquisitíssima que será assumir a ela que nunca teve uma mulher antes apesar de já estar quase na metade da casa dos vinte. Teve sorte, já adianto, muitas mulheres heterossexuais são preconceituosas com homens bissexuais – mas ter sido gótica nos anos 90 foi uma experiência formativa importante nas visões de sexualidade e gênero de Rachel)

Ficou um pouco incomodada com isso de estar sendo escondida da família dele. Isso nunca dá em boa coisa, explicaria: nesses casos ou o cara tem uma esposa em cada canto do Reino Unido, ou o cara tem uma família levemente preconceituosa que vai dar problema eventualmente ou ele havia fugido da família altamente preconceituosa levando consigo mais de dois milhões de libras em joias. Imagina ter uma filha com ele e em uns quinze anos ela ser colocada a força para dentro de uma Lamborghini? Seria horrível, constatou, e chegou a enviar uma carta expondo tais inseguranças, numa espécie de ultimato. Não se sentia bem fazendo isso, mas era o que lhe restava.

Não recebeu resposta para tal carta, não por escrito, mas recebeu respostas até para perguntas que nem tinha feito ainda quando num dos primeiros dias do ano seguinte ele surgiu na sua porta com uma mala enorme, uma vassoura, uma coruja em uma gaiola e com cara de quem havia acabado de levar uma surra, levar umas queimaduras e fugir da morte por milagre.

 


Notas Finais


Edward é bem burro, na verdade, porque tivesse ele falado dois minutinhos do seus quadros com um par de colegas de profissão descobriria o que a segunda pintura retrata né.


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