-Estar entregue. - Christian estaciona em frente ao prédio que moro.
-Não vai subir? - pergunto tirando o cinto de segurança.
-Melhor não. Vou deixar você descançar, já dá para ver as olheiras. - ele diz muito sério focando na região abaixo dos meus olhos.
-Sério!? - olho o meu reflexo no visor do meu celular e não vejo nada. - Quer me matar?
-Continuaria bonita, como sempre. - encontro os seus olhos cinzas e de costume coloco a minha mão esquerda sobre o seu rosto.
Fico muito sem graça quando sou elogiada. O que é muito estranho, pois gosto que me achem bonita.
-Palhaço. Só quero tomar um banho quente, deitar na cama, fechar os olhos e fingir que a vida não existe por cinco minutos. - mentalizo isso na esperança que realmente aconteça.
-Vamos fazer isso acontecer. - ele sai do carro e em seguida aparece ao meu lado abrindo a porta para mim.
-Obrigada. - agradeço. Assim que eu coloco o pé no chão sinto as botas molharem novamente.
Christian carrega a minha mala até os degraus da escada para evitar que fique na mesma situação que os meus pés. Abro a porta do passageiro e Jonny sai correndo, com um pouco de dificuldade por conta da neve.
- Sempre ao meu lado nos piores momentos, como um bote de salva-vidas. - digo sorrindo e ele sorri de volta.
-Estou aqui para isso, é só gritar por socorro. Boa noite, te ligo amanhã.- recebo um beijo de despedida na bochecha.
-Boa noite. Obrigada por tudo. - como sempre, ele espera eu entrar para ir embora. Cuidado tipico de um irmão.
Passo pela recepção onde o Phill não está, o que não é novidade. Ainda vai nascer a pessoa que consiga superá-lo como o pior porteiro.
-Viu? De que adianta correr tanto e ficar com a cara na porta? - falo para Jonny assim que apareço no corredor referente ao meu andar.
Antes de chegar no meu apartamento, Will abre a porta do seu surgindo com a Charlotte, sua cadela ,ao seu lado.
-Lia? - ele pergunta inseguro.
-Olá, Will. - fico na sua frente e pego na sua mão para sinalizar que realmente sou eu, acaricio a sua cadela comprimentando-a. - Oi, Charlotte.
-Nossa, quanto tempo não te vejo. - ele se dá conta do que disse e não conseguimos segurar o riso. - Piada de cego.
-Muito boa! Estava viajando a trabalho. - Jonny fica do meu lado encarando a cadela de Will, da mesma maneira quando ele fica curioso sobre alguma coisa. A cabeça inclinada para um lado e uma orelha levantada.
-E como foi? - questiona ajeitando os seus óculos que desta vez é com as lentes pretas.
-Foi...- tento pensar em uma palavra para classificar esses últimos 11 dias. - Surpreendente. Mas, estou esgotada. Terrivelmente esgotada.
-Imagino. Seja bem-vinda novamente. - ele sorri de maneira receptiva.
-Obrigada e como está sendo conviver com a neve? - reparo as suas roupas. Uma jaqueta escura aparentemente bem grossa, um cachecol também escuro, uma calça de moletom vermelha e meias nos seus pés.
-Frio, muito frio. - ele se encolhe quando diz isso. - Entretanto, gosto muito desse tempo.
-Igualmente a mim, nada como um bom frio. - o telefone da sua casa começa a tocar. - É melhor ir atender.
-Deve ser a minha mãe, está me ligando de 15 em 15 para saber como eu estou me virando nesse tempo. - diz suspirando. - A gente se vê.
-Até logo, Will. - digo.
Quando entro em casa sinto um cheiro típico de ambiente que fica muito tempo fechado.
-Lar, doce lar. - largo a mala na sala, finalmente me livrando dela. - Vou tomar um banho, Jonny.
Ele se encontra esparramado no sofá tentando se livrar do cachecol.
-Vem que eu te ajudo, meu bebê.- ao falar isso ele começa a procurar brincadeira. -EURECA! - grito depois de conseguir tirar o cachecol e enxugando meu rosto com sua baba. - Seu nojentinho.
Ele me acompanha até o banheiro. Ou seja, vai ser o meu chiclete novamente. Devo confessar que essa foi a parte que mais senti falta. Tiro a lente de contato antes de entrar no banho, ligo o chuveiro e assim que a água morna cai nas minha costas relaxo instantaneamente, me fazendo esquecer as últimas 24 horas que passei com Charlie.
Termino o banho 30 minutos depois, só por que Jonny começou arranhar a porta impaciente. Seco meu cabelo com secador pensando em mudar novamente a cor dele, talvez um tom mais escuro, tenho que começar a estudar essa possibilidade. Visto meu moletom tamanho G velhinho e cinza, uma calça pijama com estampa de patinho e pantufas de coelhinhos. Minha roupa predileta.
-Não apreço uma criança de 10 anos? - pergunto ao Jonny e ele late em resposta. - Sempre concordamos, impressionante. Que tal uma maratona de How I Met Your Mother antes de ir para cama?
Antes que eu me sente no sofá a campainha toca. Quem pode ser?
-Não sei para quê existe interfone o Phill nunca avisa antes. - resmungo abrindo a porta sem conferir quem é pelo o olho mágico.
O que foi um erro.
Só pode ser uma miragem. Não, ele está realmente na minha frente. Na minha casa! Como isso é possível?
-Na verdade o interfone da portaria está com defeito, segundo o porteiro. Ele só me informou o andar, disse que não sabia se você já tinha retornado. Então resolvi arriscar, mas não foi muito difícil achar o seu apartamento. - Ed diz apontando para o meu tapete com a estampa de uma câmera fotográfica em frente a porta.
Quando volta olhar para mim sua testa franze como se estivesse confuso sobre alguma coisa. E antes que eu possa questiona-lo ele volta a falar.
-Seus olhos... por que estão assim? - prendo a respiração e fecho os olhos sentindo que estou sem a lente azul. Fico paralisada sem saber o que fazer ou falar. -Tem alguém aí? - ele balança uma das suas mãos em frente ao meu rosto assim que abro os olhos.
-Parabéns, Sheeran. Acabou de descobrir o meu segredo mais profundo. - falo em tom de brincadeira, é a única forma de me livrar desta situação. - Isso se chama heterocromia.
-Hete... desculpa, pode repetir? - ele pergunta.
-Entra. Esse tipo de assunto não se tem assim em um corredor. - dou passagem para que ele entre, tentando recuperar a postura. Porém, é meio difícil quando se está vestida da forma que eu estou. -Como conseguiu o meu endereço? - faço a pergunta que está na minha mente desde o momento em que o vi.
-Foi uma missão difícil. Mas, lembrei do contrato que você assinou com o Stu....Opa!
Jonny passa por Ed vindo na minha direção ficando de pé e se apoiando nos meus seios. O que sempre faz quando qualquer homem vem aqui em casa, como se estivesse protegendo o seu território.
- Uau, ele é tão grande quanto na foto. E aí, garotão? - ele diz fazendo menção de tocar em Jonny.
-Melhor não. - alerto e ele recua sem entender. -Ele é muito cismado e ciumento, dê um tempo até ele se acostumar com sua presença. Jonny! - chamo-o e assim que ele olha para mim, entende o recado retornado ao sofá , mas continua olhando na nossa direção.
-Aceita um chá? -ofereço indo para a cozinha.
-Não quero incomodar. - ele diz sem jeito, colocando as mãos nos bolso da calça e olhando nos meus olhos fixamente interessado.
-Eu vou colocar a lente...
-Não! - me interrompe. - Desculpa. Eu vou me adaptar, só me dê alguns minutos. Não é como se você tivesse cortado o cabelo. - diz sorrindo.
-Certo. - e mais uma vez me sinto a vontade com ele.
Sigo para a cozinha, colocando um pouco de água no fogo e mesmo de costas tenho aquela sensação de estar sendo observada.
-Bela pantufa. - olho rapidamente na sua direção e ele se encontra apoiado do outro lado do balcão já sentado.
-Se eu soubesse que iria receber um famoso na minha residência, teria colocado o meu gorro de borboleta para complementar o look. - esculto a sua risada e ela me faz rir também. - Chá preto ou erva-doce?
-Chá preto, por favor. - despejo a água fervente em duas xícaras, coloco os sachês e ponho as xícaras na bancada.
-Não é um britânico, mas dá para beber. - assopro o meu chá e bebo um gole saboreando-o.
-Está ótimo. -ele diz após beber, limpando as lentes do seus óculos que ficaram embaçadas. E novamente ele olha diretamente nos meus olhos.
-A heterocromia é uma anomalia genética.- começo a explicar enquanto mexo o chá distraidamente. - A minha é causada de maneira hereditária, a minha mãe também tinha. É muito rara nas pessoas e eu fui privilegiada. Normalmente é causado por falta ou excesso de melanina e na maioria dos casos, a coloração incomum dos olhos é quase imperceptível, mas os meus são bem distintos. - concluo olhando para ele piscando um olho de cada vez.
- Incrível. - acho que se ele pudesse tocar nos meus olhos tocaria, pois a sua expressão é de fascinação. -Não tem como reverter?
-Não possui cura ou tratamento específico, no entanto não promove nenhum sintoma além das cores diferentes. - dou de ombros.
-E porque usa lente? - ele pergunta. - Você fica muito bem assim.
-Para evitar questionamentos, olhares curiosos, explicações...
-Reações como a minha. - ele sugere.
-Exatamente. Passei a minha infância e adolescência presenciando reações como a sua ou piores. - relembro alguns momentos sobre essa situação e pensando agora, até que eram engraçadas.
-Você deve ser bem parecida com a sua mãe. - ele afirma ao invés de questionar.
- É o que dizem. - bebo o restante do chá. - Vem, vou te mostrar uma foto dela.
Ele me acompanha até o meu quarto, mas para na porta meio indeciso sobre adentrar ou não.
-Pode vim, não tem nada que qualquer outro quarto não tenha. - com isso ele vem na minha direção e para ao meu lado olhando o meu mural de fotografias. - Essa é a minha mãe. - aponto para a foto preta e branca de uma mulher sorrindo tanto com os lábios quanto com os olhos.
-Vocês são idênticas, o mesmo sorriso e os mesmos olhos. - ele se aproxima um pouco mais do mural analisando o restante das fotos. - Por que todas são preta e branca?
-Para mim fotos pretas e brancas te fazem explorar a sua imaginação para pensar quais cores componhe cada elemento. - respondo.
-Faz sentido. Você tirou todas? - ele pergunta .
-Grande parte. Aí estão todas as pessoas que foram ou que ainda são importantes para mim. Meio meloso eu sei, mas é uma forma de sempre lembrar de cada um deles. - um sorriso surge involuntariamente no meu rosto.
-Entendo, dá para ver pelo seu sorriso que cada um tem motivo para estar aí. - ele aponta para o mural. - Vou separar uma foto minha para fazer parte desse espaço.
Olho na sua direção para ver se ele está brincando, mas a sua expressão é de seriedade.
-Seu quarto é muito interessante e extremamente organizado. - diz olhando ao redor. - Aquilo são vinis?
-Sim. Sou colecionadora. - vou em direção a minha estante onde estão os discos de vinis, passando a minha mão neles. - Tem de tudo um pouco.
-Meu próximo disco, terá versão para vinil. - percebo que isso foi uma sugestão.
-Quem sabe ele esteja aqui futuramente? - arqueio a sobrancelha . - Mas, só se for muito bom.
-Acho que irei rever ele novamente antes de lançar. - rimos. - Olha só, um mapa mundi. Essas marcações são dos lugares que já visitou?
-Quem me dera. - digo olhando a quantidade de tachinhas no mapa. - Os que estão marcados é para aonde irei futuramente. Os em branco foram os que eu já pude conheci.
-Qual é o lugar mais desejado? - tiro uma tachinha verde revelando o nome. - Ilhas Maldivas?
-Isso. - devolvo a tachinha.
-Porquê? - nos encolhemos no mesmo momento quando um vento invade o quarto.
-Apenas gosto desse lugar, é paradisíaco. Espero ir em alguma ocasião especial. - digo enquanto fecho a janela percebendo que a neve começou a cair mais forte. - Vamos conhecer o restante da minha casa. Não espere nada como uma adega ou um pub e muito menos uma passagem secreta.
Mostro para ele os outros três cômodos: o banheiro, um outro quarto que transformei em um espaço onde revelo as fotos. Esse foi a parte que ele mais adorou, disse que supera toda a casa dele e por fim a sala.
-Demoramos 2 horas para conhecer tudo. - falo brincando quando nos encontramos novamente na cozinha que é americana então é a mesma coisa que estar na sala.
-Só isso? Achei que tinha sido 3 horas, estou morto. - entrando na brincadeira ele diz.
-Isso, Sheeran. Tire sarro da minha caixa de fosforo que se chama apartamento. - dou um soco de leve no seu braço.
-Desculpa, inquilina. Na real, é um espaço bem acolhedor, para cada canto que eu olho tem uma característica sua. Moraria sem problemas aqui. - o noticiário que está passando na televisão prende a minha atenção.
''Mais de meio metro de neve e ventos de 56 km/h estão previstos para a região a partir da noite desta segunda, de acordo com o Serviço Nacional Meteorológico (SNM), que emitiu um alerta até a meia-noite de terça-feira. Achamos que será a primeira nevasca da temporada. Este é realmente o primeiro período de frio. Recomendamos que nenhum indivíduo saia de casa hoje a noite, para evitar incidentes".
Concluí a jornalista chamando os comercias.
-É melhor eu ir então. - Ed diz indo em direção a porta.
-Está doido? Você acabou de escultar que tem uma nevasca prevista para essa noite. Eu seria morta pelas suas fãs, incluindo a minha irmã e a minha melhor amiga se deixasse você sair nesse tempo. - e de repente me lembro da Nina e Nora se elas souberem que ele esteve aqui. Vão me matar realmente.
-E o que sugere? Que eu durma aqui? - ele diz erguendo as sobrancelhas.
Um questionamento surge na minha mente:
Eu não posso deixar um estranho dormir na minha casa. Mas, eu dormi na casa dele por 10 dias, dei carona para ele, até já ficamos bêbados juntos. Então ele não é um estranho. Além do mais seria muita crueldade deixar ele ir embora. Imagina se ele se machucasse ou algo pior acontecesse?
Todo esse questionamento durou menos que 20 segundos.
-E porque não? Eu reconheço que o espaço é minusculo, mas nada que uma empurrada nos moveis não resolva. - ouvimos o vento atingir a janela fazendo barulho.
-Pelo visto não tenho muita opção. - Ed diz conformado.
Rapidamente montei uma ''cama'' para ele .Dois colchonetes que eu uso para acampar, travesseiros e edredons compôs a sua hospedagem por essa noite.
-Espero que esteja a altura da sua senhoria. - digo quando terminamos de arrumar tudo.
-Com certeza estará. Muito obrigada, está dispensada. - ele se joga na cama colocando os braços atrás da cabeça.
-Vem , Jonny. - ele vem na minha direção entrando no quarto. Pelo visto já se acostumou com Ed, não ficou mais olhando para ele, até andou bem próximo sem cheira-lo ou nada parecido. -Boa noite, Sheeran.
-Boa noite, Cammélia. - Ed diz tirando os tênis e os óculos se enfiando debaixo das cobertas. - Eu esqueci de perguntar. Conseguiu resolver o seu problema?
Fico sem entender ao que ele se refere, com isso ele tenta novamente.
-Em Los Angeles, sobre o seu parente no hospital. - fala bocejando e eu imito o seu gesto.
-Sim, consegui resolver. -respondo fazendo um coque no cabelo. -Obrigada por perguntar.
-Fico feliz. Durma bem. - Ed diz sonolento.
-Você também. - apago as luzes sorrindo.
Mesmo com sono tenho dificuldade para dormir, me remexo na cama com Jonny ao meu lado roncando baixinho. Olho para a prateleira na parede em frente a minha cama e vejo uma câmera fotográfica polaroide antiga. Levanto e pego-a conferindo se tem algum filme e por sorte há.
Bem devagar abro a porta do quarto e vejo Ed deitado de lado, com um braço a mostra por cima do corpo aparentemente em um sono profundo. Ligo apenas a luz do abaju, posiciono a câmera e tiro uma foto sua. Espero alguns segundos para que a foto seja revelada, então a sua imagem aparece preta e branca no papel. Apago a luz e volto para o quarto. Consigo achar uma fita duplex na gaveta da cômoda, retiro um pedaço, coloco atrás da foto e prendo-a no mural ao lado da foto do Finn.
Retorno para cama caindo no sono imediatamente.
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