JUSTINE
Pulverizo mais um tantinho de spray vermelho.
– Uma cereja? – Chris pergunta com a expressão risonha impressa na sua face.
Simplesmente, assinto.
Ele ri negando com a cabeça e me contento em permanecer séria, o desenho está bem legal, não há como negar. Há até sombra, cintilância no gomo da cereja... Tá legal, me conformo e pronto.
– Tá bem legal mesmo – ele confirma e sorri em minha direção; expando os meus lábios para formar um sorriso, um sorriso sem dentes reluzindo, um sorriso para confortá-lo.
Afasto-me da minha obra de arte ainda com o spray na mão e quando estou a uma distância que julgo como boa, paro; analiso, analiso, analiso e exclamo:
– É, está realmente boa – jogo o spray em direção da bolsa que continha os outros e sento-me ali mesmo, no meio da rua. Chris pixa mais alguns desenhos que não consigo distinguir entre si e quando se sente satisfeito, ou talvez desconfortável demais por eu ter terminado primeiro, ocupa um lugar para sentar.
– Que horas são? – pergunto, aérea, olhando para as estrelas com certa dificuldade por conta do boné curvado que uso.
– Quase 5h da manhã – ouço-o me responder alguns minutos depois, tal demora deve-se ao fato de que o próprio relógio é um acessório e nada mais.
Deito-me no asfalto gelado esparramada inspirando e expirando fundo. Tenho que ir embora.
Em um pulo, levanto-me sacudindo qualquer sujeira que estivesse estacionada em mim ou em minhas roupas, Chris faz o mesmo.
– Gostou? – ele diz chutando longe a mochila que continha os sprays, não gosto de sua atitude, porém, nada digo, não estou com saco para arrumar qualquer bagunça, mesmo que esta seja minha.
– Gostei – digo passando um dos meus braços pelo seu ombro.
Caminhamos pelas ruas desertas da cidade brincando de "andar igual", quando cansamos, eu resgato um baseado da blusa enorme que visto e nós o dividimos, um tragando um pouco aqui e o outro ali.
– O seu pai já chegou? – sua voz interrompe o silêncio instalado. Reviro os olhos.
– Graças a Deus, não. – trago mais um vez.
– Você vem sendo tão indiferente quando ele é o assunto, por que isso? – ele para na minha frente, ele sabe que se não o fizesse não me preocuparia de respondê-lo.
– Por que quer ouvir da minha boca o que Caitlin já lhe disse? – não o devolvo o baseado.
– O quê? – seu rosto não demonstra nenhuma surpresa.
Somente o fito em resposta.
– Queria que você me contasse, pensei que fôssemos amigos o suficiente para ter essa intimidade – bufo e começo a andar. Jogo o resto do cigarro no chão e piso no mesmo, abraço os meus próprios braços em seguida.
Uma raiva instantânea me sucumbe por inteira, aperto ainda mais os meus braços.
Ele é o cara que, junto com a minha mãe, permitiu que eu esteja no mundo, aquele me dá acesso à moradia, à alimentação, às vestimentas, à escola. É o meu... Pai. E só isso. Nada mais.
Não chego a odiá-lo, não o daria este prazer, até porque o ódio é uma das formas da paixão. Ter o meu desprezo é o suficiente, pelo menos, para mim.
Ouço os passos de Chris vindo ao meu encontro, deixo-o me alcançar mantendo o meu ritmo.
– Desculpa – ele diz tentando focar nos meus olhos, não o olho por um segundo sequer, permaneço olhando o horizonte escuro da madrugada.
– Você sabia a quanto tempo? – ele boicota o passo por um segundo para processar a mensagem, capta e volta a andar ao meu lado após alguns passos acelerados.
– Desde que Caitlin se alistou à firma – bufa irritado, provavelmente, pelos meus passos apressados. Rio de escárnio ao ouvir a palavra "firma", ele fala como se o negócio de meu pai fosse algo normal e legal como uma empresa qualquer.
– Caitlin só fala "firma", acabei pegando a mania também. Ela me fez prometer pela sua própria morte que eu não contaria a ninguém, nem a Deus – ele se explica olhando para o chão.
– Não te culpo – desfaço o laço que mantenho em mim mesma e ponho as minhas mãos nos bolsos da própria blusa.
– Eu sei – certamente só me responde para não me deixar no vácuo – Imagino que você saiba de tudo, tudo mesmo, certo? – ele me fita com dúvida impregnada nos seus olhos, nós dois interrompemos a caminhada.
– Possivelmente, até mais do que você – um sorriso de decepção estampa o meu rosto.
Encosto a minha cabeça no seu ombro, enquanto, deixo uma lágrima rolar pelo meu rosto, ele finge não perceber, agradeço-o mentalmente por isso.
Uma mistura de sentimentos pejorativos é jorrado sobre mim e quem assimilo como culpado é Ele: Jeremiah, Jeremiah Bieber.
– Você não está pensando em voltar para o Chile, né? – minha mente ilustra a imagem de Eva subitamente.
Respiro fundo ainda com a testa no seu ombro.
– Não. – entrelaço os nossos dedos sem qualquer pretexto – Não quero deixar os meus irmãos sozinhos na mão daquele monstro – o que digo não deixa de ser verdade.
Levanto a minha cabeça e o encaro, instantaneamente, passo a contar as suas minúsculas pintinhas a mostra. Bufo irritada com a minha fragilidade diante dele e Chris percebe isso, ri travesso.
Chris me entende tão facilmente que até me assusto, eu não admito mas eu gosto; não, não gosto, eu amo. Espano esses pensamentos melosos ao voltar a caminhar junto a ele, seu braço passando pelo meu ombro e minha mão esquerda entrelaçada a dele.
– Justine – olho profundamente nos seus olhos atendendo ao seu chamado, tal ato desconserta-o um pouco, não tanto quanto eu gostaria – Eu...
Continuamos a andar enquanto continuo lhe dando a minha atenção, ele me olha algumas vezes mas nada diz. Apenas para torturá-lo, continuo o olhando.
– Pare com a tortura Heloísa Justine! – rio com a sua reação e ele reprimi o seu sorriso, ao menos, tenta – Médici já saiu da presidência, ok? – belisco-o em resposta, ele reclama mas logo ri, mordo os meus lábios. Penso no quão difícil foi os anos de chumbo e quanto o povo brasileiro sofreu na mão do Médici, não que não estejamos mais na ditadura militar e que não sofremos ainda, jamais, mas aquele período foi o mais cruel...
Meus pensamentos mudam de rumo ao ouvir uma canção que está sendo cantarolada por assobios e é captada não só por mim como também por Christian. Não é qualquer canção, eu a reconheço mas não me lembro de qual é o nome. Pela expressão confusa de Chris, imagino que não reconheça a música.
A canção vai ganhando intensidade conforme andamos e ele fortifica o laço de nosso dedos, respiro fundo cerrando os olhos ao meu redor para detectar algo, mas não encontro nada. Apertamos o passo conforme a intensidade prospera, sinto que ele está com medo, este sentimento não é compartilhado por mim, entretanto, ao virar a esquina, um calafrio percorre, subitamente, pela minha espinha. A origem da música ilumina o meu cérebro no mesmo instante:
– O Sexto Sentido – Chris engole o seco assim que digo o seriado, estamos estagnados encarando as duas pessoas mascaradas a nossa frente, sendo uma delas na posse de um taco de beisebol. Não há como identificar os seus gêneros, ambos estão encapuzados, totalmente cobertos por cores escuras e mascarados de tal forma que não possa nem ver a cor de suas peles. Suas máscaras são iguais: brancas com as maças dos rostos pintadas circularmente com uma tonalidade borrada de vermelho, lábios igualmente coloridos, sobrancelhas feitas com um traço bem preto, olhos com forma alongada e na testa está escrito a palavra “Deus”.
Uma malévola risada é expelida pela pessoa que está sem a posse do taco.
– Acertou – uma voz feminina exclama, creio que comenta sobre o nome da música; cerro os olhos não transparecendo o real estado emocional que me encontro, forço os meus pés e os de Chris a continuar o caminho que implica em passar pelo meio dos dois estranhos.
Passo pela que disse algo, porém, quando tento passar pela pessoa do beisebol, sou impedida. Ela nega com a cabeça rodopiando o taco, ainda posicionado para baixo, levemente.
– Para de bancar o ridículo e sai da minha frente – digo ríspida e confiante encarando a máscara a minha frente.
A pessoa não movimenta um dedo e começa a rir diabolicamente. De um instante para o outro, empurro, de surpresa, o ser que me incomoda, com a maior força que detenho. Tanta que o taco escapa de suas mãos e começa a rolar pelo chão da rua, Chris se prontifica a pegá-lo quando percebe que a comparsa está pronta para o fazer. A posição dele é similar a de um jogador que está pronto para acertar a bola, a comparsa está estagnada e o outro está no chão sem reação.
– Tudo bem, bad ass girl! – a que está no chão se recompõe, lentamente. – Vocês podem ir – diz quando já está de pé. Quando estou prestes a dar as costas para o estranhão recomposto, o mesmo vai para cima de mim com um soco que acerta parcialmente o meu rosto; meu reflexo é bom, porém a ação da maconha no meu corpo inviabiliza ainda mais as coisas, além de que o movimento foi tão rápido que não fui capaz de impedir que não me lesasse.
Avanço sobre o autor da agressão e arranco a sua ridícula máscara, é um alto menino do nariz finíssimo, olhos azuis, lábios extremamente finos, testa minúscula, cabelo raspado e bochechas enormes apesar da magreza. Feiura em pessoa.
– Olho por olho, dente por dente – assim que dito tento dar um soco nele mas ele desvia, ri em seguida. Em um contra-ataque, chuto a sua barriga e o desequilibro, isso é o suficiente para que eu consiga lhe dar um soco bem dado no nariz. Imediatamente, ele coloca a mão sobre o mesmo que está jorrando sangue, abro um sorriso de lado e avanço sobre ele de novo, ele se afasta assustado, meus dedos coçam.
Olho para trás encontrando Chris em baixo da mulher que o soca com força, ele não fica só na defensiva, acerta um soco aqui e ali nela também, volto a fitar o homem que agredi e este está ainda no chão negando com a cabeça.
– Faça ela parar, agora! – mando batendo o pé no chão, o menino nada diz, todavia, reluz o avermelhado sorriso. Voou para cima dele chutando seu escroto repetidas vezes, ele urra de dor; monto nele como se fosse uma sela, pego-o pelo colarinho e ele põe suas mãos sobre as minhas, aproximo seu rosto do meu.
– La la la la – não o deixo continuar com a palhaçada, como se ele fosse um boneco bato seu corpo contra o chão repetidas vezes, as mãos do menino abaixo de mim encontram o meu rosto quando oportuno; uma vez ou outra olho para trás para ver Chris e um desespero vigora em mim quando não o vejo mais revidar. As mãos que até então seguravam as minhas afrouxam e quando me dou conta, o garoto já está inconsciente. Engulo o seco desejando profundamente que não tivesse mudado de ideia e aceito o maldito convite de Chris.
Desmonto do menino inconsciente e corro atrás do Chris, também, inconsciente. Jogo-me contra a garota que fica por baixo de mim se debatendo.
Quando consigo pegar, com dificuldade, seu cabelo oxigenado, levanto-me e arrasto-a para longe dele no asfalto gélido. Seus gritos são estridentes.
– Sai daqui agora! – a garota foge e não socorre o companheiro da madrugada, se ela não o faz, eu que não o faria. Chris tosse cuspindo um pouco de sangue, meus dedos coçam.
Angústia.
Ao morder os meus lábios de nervosismo, sinto um gosto peculiar, um gosto desconhecido, gosto de... sangue. Toco o meu lábio e sinto a ferida aberta, um alívio de súbito percorre por mim. Fecho os olhos por alguns segundos e os abro novamente, vejo Chris se levantando, porém, não mantém a postura ereta. Caminho em sua direção.
– Está muito mal? – coloco a minha mão sobre suas costas enquanto tosse e cospe sangue, ele pega e aperta firmemente minha outra mão e continua o que fazia.
– Vamos. Vamos logo para casa – ajudo-o a esticar as costas, enquanto observo de longe o garoto que espanquei recobrar a consciência, uma manta de pressa me cobre a partir desse momento, apresso as coisas com Chris.
Assisto à sua reestruturação, enquanto, ele me olha furiosamente, levanto o queixo transmitindo ser destemida.
— Pronto. Vamos, vamos – começamos a trotar em direção a minha casa quando o garoto tenta se levantar e quando não o realiza, grita fervorosamente.
Olho para o rosto machucado e ensanguentado de Chris entorpecida pelo grito persistente do menino.
— Você também não está nas melhores condições – ele diz após eu não parar de analisá-lo.
De repente, começo a correr como se estivesse no meu antigo treino de atletismo. O vento torna-me quase que surda, esfria a minha face e piora a minha capacidade de fôlego, mas, não consigo parar, eu não vou parar. A sensação que carrego comigo, neste momento, é prazeroso demais para que eu mesma a interrompa.
Sinto-me livre de qualquer angústia, arrependimento, tristeza, amor, alegria, carência, desejo, pena, gratidão...
Simplesmente, sinto-me livre
.
Livre
.
.
Livre
.
.
.
Meus pés ameaçam doer, não ligo.
Christian ameaça não conseguir mais acompanhar o meu ritmo, não ligo.
Lembro-me de Justin conversando animadamente sobre algum assunto aleatório e ameaço sentir saudade, não ligo.
O som da voz de minha mãe cantando ameaça acentuar a minha vontade de visitá-la, não ligo.
A risada dos meus irmãos Jasmim e Jaxon ameaçam me fazer sorrir, não ligo.
Meu coração ameaça não aguentar a prova, não ligo.
Meu pulmão dá a entender que me abandonará, não ligo.
Meu corpo ameaça me trair.
E trai.
Gargalho de forma escandalosa esparramada (bem provável que ralada) no asfalto gélido, contorço-me de tanto rir e momentos depois enxergo Chris lançar-se, literalmente, ao chão exausto. Por algum motivo, provavelmente, explicado pelas forças do Universo, ou até Deus, gargalho mais ainda, tanto que mal consigo respirar. Como a vida é ácida, penso; não dei a devida atenção à alerta que ela me fazia e então, me apunhala com um golpe final, penso. Rio ainda mais. Lágrimas escorrem pelo meu rosto em contraste aos dentes brancos que ilumina a paisagem.
Ao me virar à direita, avisto a minha casa a poucos metros de mim, talvez 63 m. A realidade choca-se com o meu riso e assombra a intensidade deste; ao poucos, a sensação esvai, esvai como a água que corre pela cuba da pia em direção ao ralo, esvai como a pureza da humanidade se deteriora a cada segundo, esvai, esvai até que não há mais o que consumir, até não ter o quê esvair.
Suspiro fundo sentindo as más energias que a casa que avisto têm. Chris me fita cobrindo o seu rosto com uma manta misturando dúvida com humor e estranheza.
— You’re not mean, you just want to be seen. Want to be wild. A little party never hurt no one, that’s why it’s alright — cantarolo, no ritmo que foi criado, os versos de uma das composições de mamãe, enquanto, Chris me convida silenciosamente a andar de cavalinho, aceito sussurrando, novamente, os mesmos versos no seu ouvido direito na língua materna de Chris: inglês.
— Você que compôs? — pergunta segurando firme as minhas pernas. Sussurro que não e isso causa-lhe um arrepio, rio travessa. Ele só se preocupa em engolir o seco e revirar os olhos.
Até então, eu iria entrar pela janela do meu quarto mas o cansaço é demais, então, entro pelo portão encarando todas as chatíssimas câmeras de seguranças que me acercam. Só desço das costas dele quando entramos na demasiada sala de estar.
— Obrigada pela carona — beijo sua bochecha, a que não está ensanguentada. Ele revira os olhos e senta no enorme sofá, sorrio sem reluzir os dentes em sua direção e ele retribui com a expressão cansada. O ponteiro neon do relógio capta a minha atenção e certifico que demoramos 35 minutos do Hemps para cá, costumamos realizar o trajeto todo, a pé, em 25 minutos, porém esta madrugada estava cheia de surpresas.
— Pode dormir aqui em casa. — seu rosto tenso se alivia e um sorrisinho brota nos seus lábios, torço os lábios negando com a cabeça, ele ri. — Vá tomar um bom banho que depois cuidamos de nossos rostos — ele assente, sobe as escadas de dois em dois degraus e logo adentra o meu quarto.
O desejo de me jogar aqui mesmo, no chão e dormir é grande mas a minha cara não teria mais conserto mais tarde, então, me dirijo à cozinha, retiro o meu boné e lavo o meu rosto com a água fria da torneira, o sangue endurecido amolece e ao transpor o ralo, some. Prendo o meu cacheado cabelo com o elástico do meu pulso e em seguida, pego o detergente dali e faço uma segunda lavagem pelo rosto, deixo para lavar os machucados corporais no banho. As feridas ardem um pouco, nada insuportável. Vou em direção à geladeira e pego um pacote da minha bolacha recheada preferida, Tostines de morango. Ao fechar a porta, dou de cara com Justin somente de cueca.
— Menino que não tem pudor é foda — dou-lhe as costas desejando que ele não peça por uma única bolacha. Ele ri e pelo som que provoca, provavelmente, se senta no balcão.
— Onde você estava? — reviro os olhos e olho em sua direção.
— Nessa casa que não — digo ainda mastigando.
Ele mantém uma feição séria no seu rosto e seus braços estão cruzados, rio de sua posição e ele, de imediato, também. Tudo fachada, penso.
— Chegou faz pouco tempo? — engulo a massa que está em minha boca e entendo aonde ele quer chegar.
— Você viu o Chris — não é uma pergunta, é uma afirmação. Justin coça a nuca e reprimi, inutilmente, a risada.
— Às vezes, eu odeio e às vezes, eu amo a sua objetividade — coloco mais bolacha em minha boca e o encaro entediada. Largo o pacote sobre o balcão dando chance a ele de pegar uma para si, mas ele não o faz. Com isso, confirmo que ele está com alguém lá em cima. Solto o meu cabelo enquanto, ainda, mastigo e o prendo de novo, em coque.
— Nesse caso, você está amando porque tem com quem transar lá no seu quarto — minha resposta não o surpreende — e já respondendo a sua pergunta: não, eu não estou com ele. — ele ri ao me ver estressada com a falta de objetividade de sua parte.
— Achei estranho vê-lo no seu quarto e como sou um lindo e maravilhoso irmão — desce do balcão e fica bem na minha frente — não tirei conclusões precipitadas. — bato palmas sendo irônica.
— Que impressionante! Ele sabe usar palavras rebuscadas — soou o mais sarcástica possível.
— HA HA — ri falso, reviro os olhos e ele pega na minha mão esquerda — Senti a sua falta — mente sem pudor algum, dessa vez, sou eu quem rio falsa.
— Vá enterrar seu pinto na pessoa que está te esperando lá em cima que você ganha mais, Justin — a raiva que senti ao saber da grande verdade sobre o negócio da família me possessa agora, fungo brava e tiro, ríspida, as minhas mãos de perto dele.
— Até parece que tu não me amas, irmãzinha — ele ri debochado, e uma expressão de nojo cobre a minha face. Pego o pacote de bolacha encarando a sua confusão que seus olhos transmitem. Falso, penso.
— De onde essa ira saiu? — pergunta cínico entrando no jogo.
— Eu não estou assim, eu sou assim. — enfatizo “sou”. A raiva age em mim como flores na primavera, florescem sem parar.
— Agora você está me assustando, Justine — tenta se aproximar, mas mantenho a atual relação de distância, ao dar uma passo para trás.
— Estava no Hemps, enfeitando os muros brancos de lá, enquanto Chris os vandalizava. — Justin revira os olhos irritado — O que foi? Só estou respondendo uma pergunta sua — coloco a última bolacha do pacote na minha boca.
— E como você enfeitou o muro recém pintado do Hemps? — ele pergunta rindo e reprimo, fortemente, um sorriso teimoso ao pensar na minha resposta:
— Com a ajuda de sprays, uma grande cereja — respondo simples.
Sua risada que admito — mentalmente — ser muito gostosa de ouvir, eclode.
Permaneço séria, entediada.
— Que coisa mais lésbica a se desenhar, não? — estalo os dedos a fim de me acalmar. Pouco tempo depois, a risada dele cessa.
— Te conto uma das coisas que mais... — a raiva que sinto alcança novos patamares que, se tratando de Justin, jamais sequer pensei que existissem; ele vem ao meu encontro e quando chega, dou-lhe um tapa.
— Desculpa, desculpa. — ele diz após o tapa, tenta me abraçar, mas desvio. Lembra da raiva? Ela tá no clímax.
— Babaca — encaminho-me à escada. Seus passos são ouvidos por mim.
— Desculpa, caralho. Não me acostumei com a ideia de você estar com Eva, ainda. Quer dizer, de você possível...
— Só cala a boca, por favor. — viro em sua direção, ele se cala. Volto a subir as escadas e ele permanece intacto. Quando estou quase entrando no quarto, ele se manifesta:
— Depois de dar um jeito nessa sua cara, saiba que pica contagiosa não entra na minha irmã — rio instantaneamente, mostro o meu dedo do meio de costas e adentro o ambiente que costumam apelidar de “recinto místico”, não sei o porquê.
— Oi — anuncio a minha entrada a ele, que se encontra já com a sua samba-canção, e vou diretamente ao banheiro.
Eu me dispo e entro no box. Tomo um banho quente esfregando bem o meu corpo todo com a bucha e o sabão, enxaguo o meu rosto e faço movimentos circulares nele para aumentar a circulação de sangue para que, talvez, desinche mais rápido ou que não inche. Termino o banho e me seco rapidamente, meus músculos pedem por descanso. Enrolo-me na toalha e vou ao closet, escolho um pijama qualquer e volto ao banheiro para cuidar dos meus ferimentos do rosto e do corpo. Assim que finalizo, corro e me jogo na cama. Chris também está aqui.
— Pensei que você demoraria muito mais — viro-me para vê-lo e escutá-lo.
— Pensou errado — digo já com os olhos fechados.
Ele nada diz, só respira fundo. Não me incomodo com a presença dele ao meu lado, me sinto bem quando ele está por perto, o único empecilho da nossa relação é que estou consciente da sua intenção amorosa comigo. Sinto que ele é realmente o meu amigo, alguém que eu possa contar mesmo que as nossas mucosas não se interajam. Claro que a nossa relação pode evoluir, mas, só será a amizade. Meu coração pertence a Eva, não o darei falsas esperanças, eu me importo demais com ele para fazer isso com ele.
— Mais tarde, quando formos para a escola, eu saio primeiro e você chega bem depois, tipo atrasado, beleza? Pode ir com o Raimundo, se quiser, irei de skate. — faço alusão a ida a escola. Sei que ele irá para lá, simplesmente, sei.
Abro os olhos para fitá-lo e está me olhando calmamente — A garota fez um grande estrago, hein? — refiro-me aos seus machucados também tratados.
— Você também não está tão atrás assim — rio de afirmação já com os olhos pesados.
— Obrigada pelo convite Chris — digo sonolenta, ao mesmo tempo, que tento abrir os olhos.
— Eu sabia que você mudaria de ideia — ele responde coçando a testa também sonolento. Permaneço virada em sua direção quando, finalmente, me rendo ao sono e fecho os meus olhos para não abri-los mais até que eu tenha que bater o cartão na escola.
— Por que uma cereja? — a pergunta vem a minha mente arrastada e concluo que esta não é de minha autoria e sim de Chris. Não respondo a sua pergunta porque me convenço que esta é para si mesmo e logo, permito-me imergir, de fato, nas profundezas do sono.
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