Caminhada da garota na garoa.
Era uma noite fria, contrastando com a menina quente.
Era a cor branca da neve contrastando com preto do cabelo dela.
Era a garoa fina, que molhava seus cabelos e suas roupas, contrastando com a secura que sentia na boca, há pouco sem palavras, há muito ocupada pelo silêncio do não saber, do nada sentir.
Era o céu sem estrelas, opaco, contrastando com o brilho de seus olhos.
E era tudo isso um contraste com o nada que ela via.
O vazio era grande, mas o vaso era pequeno, ela não podia adivinhar o que viria depois, mas ela queria, com todas as forças, saber, conhecer, e nunca se arrepender ou perder.
Era a força da gravidade que a cercava, contrastando com a fraqueza que fazia suas pernas bambearem.
Era o girar do mundo, contrastando com a estabilidade da garota, com sua vida parada, sem nada.
A imaginação corria solta e os olhos conseguiam, até mesmo, enxergar o que não existia, as narinas conseguiam sentir o perfume de novo e os dedos, quase, tocavam o mundo fictício que a mente criara, como um refúgio do inverno.
Era o movimento do vento, contrastando com a imobilidade do coração.
Era a surpresa das pessoas ao verem-na, contrastando com a impassibilidade das feições, há pouco endurecidas, mas facilmente acostumadas á isso.
E o pensamento ia escoando, a mente ia se cansando e tudo voltava ao normal, tudo voltava a ser cinza, opaco e frio.
Como poderia ser diferente? As pernas pensavam por ela, seguindo o caminho proposto pelo destino, a mente só vagava, acometida pelo medo da despedida, da perda iminente.
Mas que tolice! Perdida já estava, há pouco, verdade, mas a garota conseguia se habituar tão bem aquilo que nem parecia pouco ou muito, parecia apenas um vácuo do tempo, que a rodeava como a neblina da rua que ela descia.
E descia, contrastando com o coração que subia e vinha, aos pulos, parar na garganta.
E descia, contrastando com os olhos que se elevavam aos céus, tentando obter resposta pro que sentia.
E descia, contrastando com o que sentia, que era nada mais, nada menos, que o puro cansaço que a subida da penitência no morro da aflição causa nos seres mais jovens, que ainda não compreendem a dor como remissão.
Mas ao descer, toda a rua deserta, contrastando com o cérebro, vasto de pensamentos, seus ouvidos, que até o momento se encontravam vazios, como suas mãos, que balançavam ao redor do corpo, foram tirados do torpor e tomados pela música cálida que ressoava através de um rádio vagabundo, pertencente á um vagabundo.
E então, a cantoria, reavivando a memória morta, mais leve que qualquer outra experiência que ela tivesse tido até o momento, elevou seu espírito, abaixou seu coração de volta á seu corpo, trouxe utilidade para os ouvidos fechados e movimentou sua face pálida, que emitiu um ensaio de sorriso.
Não, não era um sorriso.
Ainda não.
Mas era o suficiente pra que ela tirasse seus olhos do céu e os voltasse pra realidade, onde ela viu uma carga, mais que preciosa, ocupando suas mãos que há algum tempo estavam vazias.
Foi quando ela arregalou os olhos e... Não podia ser!
Era aquilo esperança? Envolta em seus braços como um recém-nascido, quente como um abraço paterno e reconfortante como a manta que a mãe põe em volta do filho que dorme no sofá numa tarde fria de outono?
Sim, era a conhecida esperança, que já tinha habitado naquele vaso, tão pequeno, que já se derramara para fora e que agora tinha achado, novamente, sua dona á sua espera.
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