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História A Era Mais Escura - Pelo Sangue, Retorna


Escrita por: MarleyMAlves

Notas do Autor


Ola! Estou começando minha primeira história, a qual espero que agrade o máximo de pessoas possíveis! Também gostaria muito de pedir que todos que lerem (gostem ou não) deixem um comentário com suas críticas e sugestões; isso será muito importante para mim e vai me ajudar a prosseguir com a narrativa da melhor forma possível!

Capítulo 1 - Pelo Sangue, Retorna


Fanfic / Fanfiction A Era Mais Escura - Pelo Sangue, Retorna

Acordando em sua cela, como fez no dia e na semana anterior, assim como no mês e ano, a mulher olhou a sua volta na esperança de que houvesse algo diferente para apreciar, mesmo reconhecendo o quanto improvável isso poderia ser, sua visão ainda turva por causa do sono desconfortável que sua cama de pedra lhe provera nos últimos três invernos que a teve como companhia; quando finalmente juntou a coragem para se sentar e permitir que as dores causadas pelo antro incômodo lhe dessem boas-vindas, elevou seu olhar para onde uma longínqua janela gradeada permitia a passagem de uma fraca luz natural, sabia que se tratava do pálido brilho da lua, não por causa da luz em si, mas pelo sopro gélido que sentiu beijar seu rosto.

            Não pôde se impedir de suspirar, quando ao descer a vista, se deparou com o velho, manchado e escurecido pedaço de espelho lascado que jazia pendurado em uma das três altíssimas paredes pedregosas e escuras de sua prisão, e como fazia diariamente – mesmo que um pouco contra sua vontade –, observou com desgosto seu rosto magro e desnutrido; seu cabelo negro como as penas de um corvo, sujo, seco e quebradiço; seus lábios, um dia rosados e magníficos, agora ressecados e rachados; mas depois de tudo isso, a última parte de sua face que se permitia admirar eram seus olhos, mas não por falta de motivos, fazia questão de terminar por eles pois eram a única coisa que se manteve intacta após o começo de seu exílio, o verde estranhamente auto iluminado ainda pulsava com vida e resplendor, sabia que deveria se sentir feliz por aquilo, mas não era bem este o sentimento que despertava em seu peito ao que afundava mais e mais naquelas esmeraldas, a sensação de estar no limiar da euforia e do medo florescia de uma maneira que não sabia como lidar a não ser temer, temer a noção de que sua existência poderia voltar a ter um sentido, e saber que este poderia facilmente vir a ser pior do que o caminho que a trouxe até onde estava hoje.

            Teria continuado sentada, refletindo sobre o que havia sido, sobre o que era e não poderia ser, caso não houvesse finalmente notado o temível som que lhe lembraram garras estalando contra uma superfície metálica. Seriam coisas da sua cabeça? Era uma triste possibilidade, mais ainda sim, muito provável, pois não seria a primeira vez; entretanto, quando a mulher finalmente virou o rosto e encarou quem a esperava do outro lado das barras de ferro de sua cela, sentiu sua espinha gelar e sua pressão cair.

            A figura que alcançou seus olhos era vermelha e descomposta, sua pele destruída e com ossos expostos reluzentes, pois estavam encharcados em sangue que corria por toda a extensão daquela aparição horrenda, soube que se tratava de uma pois era parcialmente translucida apesar de suas longas e afiadas unhas crepitarem nas grades de sua prisão; adornado a cabeça de tal monstruosidade, existia uma coroa que sem dúvidas um dia havia sido exuberante e dourada, porém agora não passava de ouro envelhecido, opaco e corroído, aos lados desta recaia o longuíssimo cabelo negro e úmido que fizeram a prisioneira perceber que não havia origem para o carmim, que simplesmente aparentava surgir e escorrer.

            A cativa tentou falar, mas não havia voz para fazê-lo, meses se passaram desde a última vez que a utilizara, logo, tudo o que pôde fazer foi perder o fôlego ao enfrentar aquele antigo temor.

            - Minha criança. – Sussurrou aquilo, gritos de dor e desespero ecoavam ao fundo de sua voz tenebrosa ao mesmo tempo que o ser se inclinou e o longo vestido negro e rasgado moveu-se anormalmente como se a gravidade simplesmente ignorasse sua existência, o gesto feito também chamou a atenção da mulher para o busto pútrido da aparição, por onde conseguia ver seu interior vazio. – Corta-me o coração vê-la nesse estado...

            A assombração então passou mais uma vez suas unhas enegrecidas pelas barras grossas e ainda brilhantes, pois foram instaladas especialmente para conter a prisioneira, a qual ousou tentar usar suas cordas vocais de novo ao recuperar o ar perdido pelo susto e pavor, e não pela graça dos deuses, foi capaz de dizer:

            - Quem é você? – A voz saiu rouca e destreinada, e a garganta ardeu pelo esforço.

            - Ah, Mila, você conhece meu nome tão bem quanto conheço o seu. – Replicou o espectro, sorridente com sua arcada escarlate como todo o resto, e para o desespero da cativa.

            A dúvida da prisioneira apesar de verdadeira não era justificada, pois, apesar de não saber como nomear a aberração, aquela não seria sua primeira sua vez diante de tal terror, o que inquestionavelmente, era a razão da amarga mistura de tristeza e impotência que se colocaram a rondar sua alma já enfraquecida.

            - O que quer comigo? – Questionou, reunindo a força necessária para se levantar e encarar claramente a face amedrontadora em pé à sua frente, mesmo que suas mãos tivessem se fechado em punhos para que não tremessem, e tal face estivesse a quase dois metros e meio do chão.

            - Eu sinto os fios que teci apodrecendo, da mesma maneira como senti quando as trevas inundaram as Terras Vastas. – Pronunciou o fantasma através de meias palavras. – Ele esta voltando afinal, então, é chegada a hora de saber de qual lado o Oráculo vai escolher ficar desta vez. – Escutava a aparição divagar, mesmo que parecesse falar mais consigo mesma do que com a pessoa à sua frente.

            - Como é? – A mulher falhou em compreender, quando apenas frases sem sentidos alcançavam seus ouvidos; ainda rindo para ela como se apreciasse sua ignorância, a figura translucida entrelaçou as mãos esperando sua reação. – Não faço ideia de o que quer dizer com isso, não tem mais nada que eu possa te oferecer! – Vociferou por fim, a voz já mais alta e clara do que antes.

            - Querida... – Ronronou o ser ao aproximar-se ainda mais das grades, praticamente pressionando o rosto esquelético contra as barras de ferro, enquanto enrolava suas monstruosas mãos nas mesmas. – Ainda há tanto que posso fazê-la perder.

            - Não, não! – Exclamou em vão, pois sua voz, fraca e rouca, não conseguiu atingir o tom.

            - Esqueces o quão frágil e quebradiça é tua existência, todos vocês esquecem... – Constatou a aparição vermelha, apertando mais os dedos anormalmente longos na grade, do mesmo modo que ampliou seu sorriso doentio, e sentindo cada centímetro de seu corpo arrepiar, a prisioneira deu tantos passos para trás quanto lhe era possível, pois não demorou muito para que suas costas se deparassem com as pedras de sua prisão suja; mas o choque maior veio em seguida, quando a criatura abriu a porta de sua cela como se esta jamais houvesse sido trancada, como se as três fechaduras em pontos diferentes do cárcere não significassem nada. Nunca esquecera o ranger daquela porta ao trancafiá-la ali, somente os ratos que perambulavam pela escuridão podiam dizer o quanto tal som marcara o início de sua interminável prisão, mas quando o espectro a escancarou, não foi ouvido nem um ruído sequer, conseguindo tornar aquele momento ainda mais sobrenatural do que já poderia estar. Quando a criatura se moveu para dentro do calabouço, um rastro vermelho foi deixado em seu caminho, este que tingiu todas as pedras, e ao finalmente ficar se ver diante da prisioneira, e tão rápido quanto um pensamento, aquilo segurou seu rosto pálido e cansado, aproximando sua face da dela ao inspirar o ar de seu rosto com o buraco onde deveria estar um nariz, fazendo da mulher um perfume a ser apreciado, nada além de um objeto sem valor ou qualquer direito. – Ah, minha filha, como senti falta do teu sangue.

Não piscou, respirou ou pensou, mas aquilo já não estava mais ali, havia inexplicavelmente desaparecido no ar, e isso, claramente, teria feito a prisioneira questionar sua sanidade, por outro lado, ao imediatamente curvar o corpo ao apoiar as mãos nos joelhos, encarou as pedras pouco iluminadas pela singela luz noturna que vinha de cima, e pegou-se mirando um chão vermelho e úmido, um o qual chegou até mesmo a pisar com seus pés descalços para ter certeza de que não era um delírio, seus olhos não puderam fazer nada além de arregalar ao que constatou que aquele sangue à sua frente era de fato, real; contudo, não era essa descoberta que a fez perder o fôlego mais uma vez, mas sim a possibilidade que aquilo implicava, esta que não hesitou nem por um segundo em explorar, ao em quase um salto endireitar-se para olhar a porta de barras de ferro que a tanto prenderam-na. Barras estas que agora jaziam abertas.

Seus olhos teriam se enchido de lágrimas se não houvesse acabado de vivenciar um pesadelo desperto, mas chances em sua vida sempre foram únicas, e aquela não era uma a qual estava disposta a desperdiçar, então não se permitiu continuar receosa e deu os primeiros passos em direção a passagem que a esperava. Foi com um pouco de apreensão que passou pela saída da cela que lhe foi uma fiel companheira pelos últimos três anos, e se vendo diante de um longo corredor vazio onde as grades que a prendiam era as únicas e pequenos movimentos nas sombras lhe diziam por onde os roedores se aventuravam, conseguiu avistar, com certa dificuldade, uma escadaria ao longe que parecia feita de pedras, como era todo o resto daquele lugar, a qual se mostrava praticamente imersa na escuridão constante era ali, mas de uma maneira que nunca conseguiria ter previsto, estava novamente livre, logo, tudo o que lhe restava fazer era seguir adiante, e foi o que fez quando se pôs a caminhar para fora de seu confinamento, sua prisão, seu tão merecido cativeiro.

Conforme subiu os degraus que levariam à liberdade, às suas costas sobravam apenas pegadas vermelhas de seus pés, rastros que para sempre deveriam ficar marcados naquele inferno duro e frio, uma lembrança para que nunca esquecessem de quem estivera presa ali, quem havia sobrevivido.

 

 

 

O brilho pálido da alta janela de sua cela começou a ficar distante, e seu caminho passou a se tornar indistinguível conforme subia mais e mais, por outro lado, agora sabia o porquê de tal janela ser tão alta e inatingível, fora colocada literalmente em um buraco; sua sorte, foi que conforme seguia os degraus ascendentes, o silencio completo que a rodeava começou a ceder espaço a ruídos e vozes masculinas as quais decidiu utilizar como uma linha guia até seu destino, o que também não demorou para fazê-la se questionar se seria possível o tão temido Rei de Ouro ter relaxado tanto ao ponto de deixar apenas alguns poucos homens guardando-a?

            Quase não teve contato com outras pessoas desde que fora levada para aquele lugar, o único rosto que viu durante todo o seu confinamento foi o de um velho homem rude que uma vez por semana a levava comida e agua, somente o suficiente para não morrer desnutrida, assim foi durante toda sua infernal estadia ali, porém, não mais; só que que não enxergava um palmo a sua frente para conseguir discernir o caminho para a libertação, e ainda por cima, tais ruídos estavam bem altos e distinguíveis agora, o porquê disso se tornou obvio quando encostou em uma porta dupla de madeira, passou a mão por uma boa parte de sua extensão, irregularidades no material e a rispidez do metal denunciavam o quão antiga era aquela peça, parou de tateá-la quando sua a palma encontrou uma forma redonda e gelada. A maçaneta. Não ousou emitir um ruído sequer quando com muito cuidado encostou a orelha na madeira podre, concentrando-se para ouvir o que acontecia do outro lado.

            - Cale-se, sua donzelinha aproveitadora, faço o que eu quiser, se eu tiver vontade de sair agora mesmo dessa espelunca e ir me divertir em um puteiro, quem vai me impedir? – A entonação entregou a discussão que acontecia, assim como o tipo de pessoa que o emissor deveria ser. – Mas você, ah não, você não pode fazer nada do que tem vontade, por que tem que causar uma boa impressão no chefe, ou será que é outra pessoa que você quer impressionar? – Exclamou uma voz jovial, com um modo de falar e sotaque muito característico que fez Mila trincar o maxilar em repulsa. “Um nobre bancando o soldado”, pensou; pois era comum ver homens em cargos altos obrigarem seus filhos a fazerem parte da Guarda Real (mesmo que contra sua vontade, acreditavam que lhes faria algum bem ao caráter. Não era bem o que acontecia), mas ao contrário dos outros, eles não passavam por uma difícil peneira para definir se tinham ou não as qualidades, ou mesmo a cabeça, de um protetor do reino, assim se tornavam nada mais que uma escória bajulada e incapaz de assumir responsabilidades, e como uma certa pessoa lhe disse uma vez ‘uma maçã podre estraga o cesto’.

            Não demorou nada para outra voz masculina, esta diferentemente da outra, mais firme e decidida, porém a fugitiva não falhou em notar como este se esforçou para disfarçar o modo como as palavras do primeiro o afetaram, ao retrucar:

            - Albert, fui escolhido para ficar aqui e vigiar essa desgraçada durante a noite toda, e é isso que eu vou fazer, não para impressionar ninguém, só porque eu tenho responsabilidade, diferente de você. – A mulher que secretamente espreitava a trás da porta virou o rosto com um meio sorriso discreto no semblante ao ouvir aquilo, isso porque ser xingada de desgraçada poderia ser considerado um elogio perto de tudo o que já chegou a ouvir durante a vida. Era engraçado como as falas da segunda voz soaram familiares, sentia nelas um certo senso de honra e dever que já veio a conhecer no passado, algo que passou a admirar muito ao longo do tempo; mesmo que ela própria jamais houvesse se comprometido com qualquer código de conduta ou coisas do tipo que a pudessem proibir de tomar atitudes que considerasse corretas, sempre considerou seu livre arbítrio a única dádiva que valia a pena manter.

            - Me diz só uma coisa, já chegou a ver essa tal “Lâmina Sinistra” alguma vez? – Questionou o nobre com descrença descrita em cada silaba, um erro que ele nunca deveria cometer.

            - Não, nunca vi. – Admitiu o segundo com sinceridade, e cativa suspirou ao pela primeira vez em muito tempo escutar seu mais conhecido título ser pronunciado por alguém, poderia até achar engraçado toda aquela conversação sobre conhecê-la ou não, conseguiria até mesmo se sentir uma celebridade caso não soubesse que realmente era uma, mas a situação a fazia se concentrar num único e importantíssimo objetivo: sair daquele lugar detestável.

            - Não sabemos nem se a maldita ainda esta viva lá embaixo, Finlay pode estar mentindo só para continuar ganhando o salário gordo dele, aquele velho sabe que nunca vai achar um serviço melhor! – Gritou o jovem novamente, fazendo questão de que suas frases fossem altas e escandalosas, uma necessidade doentia de ser notado e ouvido natural de seu berço, já estava ficando irritada com todo aquela cena. – Ele nem mesmo tranca essa droga de porta nojenta a um ano, não acha isso suspeito?

            A prisioneira afastou o rosto da madeira em decomposição, onde ficou parada por alguns instantes digerindo aquela informação, fitando a escuridão onde sabia que estava a tal porta que dividia seu exilio da liberdade, caso existisse alguma iluminação para revelar as feições em seu rosto, uma face bastante surpresa seria revelada.

            - E o que vai fazer, entrar lá e ver se a aquela assassina ainda esta viva? – Indagou o mais responsável dos dois, ao mesmo tempo que a prisioneira envolveu sua mão na maçaneta ao começar a enfrentar uma luta interna, pois a passagem estava aberta, lhe bastava girar e sair, sair daquele buraco, por outro lado, não poderia simplesmente ignorar os soldados em seu caminho, não se esquecera de que podia sempre optar por matá-los, ou quem sabe apenas nocautear, mas não, seria mais inteligente da sua parte que morressem, sabia bem o quanto poderiam ser uma dor de cabeça mais tarde; logo a decisão estava tomada, então preparou-se para girar a fechadura, só que percebeu-se recuando quando ouviu novamente a voz irritante do nobre:

            - Pois bem, é isso mesmo que vou fazer! – Decidiu o garoto metido a soldado, podia imaginar seu nariz empinado naquele exato momento, fingindo ter estômago para ir ali e envolver sua mão na maçaneta de ferro a qual a mulher já segurava em silêncio do outro lado, porque conhecia muito bem aquele tipo, bem demais inclusive, muito mais do que gostaria de conhecer.

            - Muito bem então, vamos lá, afinal, você o único homem de verdade do alojamento, certo?! – Exaltou o outro, um pouco mais distante ao emitir a provocação, entretanto, aquilo foi a última coisa que chegou aos ouvidos da cativa antes de o outro lado da porta envelhecida se tornar silencioso, talvez o tal Albert estivesse paralisado, com a mão macia e aveludada a apenas centímetros da fechadura, isso não seria lá uma grande surpresa, logo, mais uma vez aproximou-se e encostou seu rosto na madeira, já ansiosa por um desfecho, e foi quando ouviu passos lentos, os quais vinham em sua direção pouco a pouco.

            A mulher olhou envolta, inutilmente forçando os olhos à procura de qualquer coisa que servisse como arma, não buscava nada muito complexo, aceitaria um prego; um alfinete; ou mesmo uma pedra. Mas mesmo que houvesse algo ali, não teria como enxerga-la naquela completa escuridão. ‘Sem problemas’, tranquilizou-se, respirando fundo ao fechar os olhos por um segundo, pois já havia se encontrado em situações muito piores, e mesmo três anos de isolamento não teriam lhe tirado toda a experiência que sua vasta carreira lhe concedera.

            Sua nuca arrepiou quando o ar quente de um suspiro atingiu seu pescoço, e suas pálpebras se apertaram mais enquanto a prisioneira em fuga se viu lutando para reencontrar sua concentração ao, depois de tanto tempo em paz, se perceber mais uma vez assombrada por aquilo que tantas vezes destruiu sua vida. Que recomeço desprezível seria aquele, tirada de seu exílio por uma aparição que por muitos anos achou ser apenas fruto de sua mente, que já degenerada demais para lidar com tanto sangue tingindo suas roupas, acabou por dar forma aos seus pesadelos, mas agora, parada diante de uma porta de madeira podre, teve certeza de que preferiria que aquela sombra espreitando em sua própria realmente não passasse dos delírios de uma assassina que aos poucos caia no poço da loucura.

- Então é isso, Albert, você não é nada além de muita conversa mole; ouro; mordomos; e subornos. – Aquela segunda provocação chegou até a mulher como um chamado de volta para a realidade, conseguindo puxá-la das profundezas de suas lembranças e arrependimentos, e novamente no topo daquela escadaria imersa em negritude, a cativa olhou por cima dos ombros por um instante antes de uma última vez focar sua audição no que acontecia do outro lado de sua rota de escape.

- Cale a boca! – Exasperou o tal Albert (ela apostava que entre dentes), era perceptível o receio mal escondido naquelas palavras. – Eu juro pelos deuses que se disser mais uma coisa sequer, gasto cada moeda da minha família para garantir que você nunca consiga nada nessa sua vida medíocre! - Chegava a ser engraçado ouvir o medo na voz daquele bem-nascido, seu terror em escancarar aquela simples porta, porta a qual normalmente não representaria nem um tipo de perigo; o quão irônico era que justamente naquela noite em que finalmente o menino começaria a virar homem, Mila Dameron, a “Lâmina Sinistra das Terras Vastas”, o estaria esperando do outro lado, isso porém, a fez se questionar se aquelas coincidências não se mostrariam apenas um disfarce para outra trama sombria da aparição sangrenta.

Escutava agora com clareza a respiração acelerada do soldado, então desencostou seu rosto da madeira e usou os últimos segundos para se preparar, estralando o pescoço e os ombros um tanto atrofiados; e como bem esperava, aquela consciência parasita retornou, colocando a mão em seu ombro com gentileza ao cochichar em seu ouvido aquela mesma e única exigência de décadas atrás.

Sangue.

Percebeu a maçaneta enferrujada tremer com o toque do jovem que supria sua tão azarada curiosidade; não existiam dúvidas em sua mente de o que deveria fazer, mas haviam medos em sua alma que a atormentavam desde aquele primeiro e libertador passo para fora daquelas barras de ferro, medos os quais tentavam-na a simplesmente dar meia volta e se fechar mais uma vez em sua cela fria e imunda, porque uma pergunta insistia em prossegui-la: seria capaz de se impedir de cometer os mesmos erros, as mesmas atrocidades, de três anos atrás?

Sangue.

- Ah, é claro, Albert, você vai pedir para seu pai falar com o General, vai fazê-lo me tirar da Guarda Real apenas porque o filhinho não tem coragem de abrir uma porta. – Retrucou o segundo, em um tom de voz que delatava o sorriso malicioso em seu rosto.

Sangue.

A maçaneta por fim girou, e Mila estava pronta para o que estava por vir, tão focada que a voz horrenda que lhe infectava a mente se viu cada vez mais abafada, até sumir completamente, e por menos que acreditasse em deuses, poderia ter rezado para que aquela entidade houvesse se sentido desprezada. A porta finalmente foi escancarada, mas não foi o soldado elitista que a abriu, mas sim o impulso da fugitiva que irrompeu contra a madeira fraca, quebrando-a junto com as dobradiças, farpas feriram seus ombros e cotovelos conforme investia contra o guarda completamente despreparado para enfrentar o que vinha em sua direção; os sons do material velho sendo destruído mal havia cessado quando as mãos da assassina se envolveram no rosto de Albert, e com um movimento tão rápido quanto gracioso o pescoço do jovem nobre estalou enquanto se quebrava; uma morte tão limpa quanto veloz, onde se certificou de que a vítima não tivesse tido tempo de entender o que passava nos últimos segundos de sua vida. Percebeu instantaneamente quando o segundo carcereiro – que estava recostado em uma parede afastada da pequena sala –, sacou sua espada ao se impulsionar na direção da criminosa, mas esta foi mais rápida, e desembainhando a lâmina do nobre recém assassinado antes que este despencasse no chão, a arremessou com um movimento simples e equilibrado, fazendo o aço atravessar a perna do jovem soldado e fazendo-o urrar de dor, tal grito arrepiou a espinha da mulher de uma maneira familiar, no entanto, diferentemente de como se lembrava, também desconfortável.

Nem um segundo depois já estava prensando aquele último sobrevivente contra a parede de pedras e musgo, foi eficiente ao torcer o punho deste e tomar sua arma para si, não esperando para apontar seu gume na garganta do agora incapacitado rapaz, foi neste momento que levou seus olhos à lâmina prateada e polida da espada, onde encontrou letras gravadas no metal: “Damian Adalion” se encontrava escrito ao longo do aço, uma tradição do reino o qual seus pés descalços pisavam sobre, ritual onde os melhores recrutas eram agraciados com espadas levando seus nomes como prova de sua habilidade. Voltou-se novamente para o prodígio, que ostentava curtos cabelos negros, este não seria nada mais que um belo rosto na multidão não fossem seus olhos, azuis como poucos que havia visto; mas o curioso foi perceber que não eram aqueles lindos tons que fizeram a fugitiva hesitar no último segundo em parar aquele coração, mas sim os sentimentos explodindo por trás deles, uma mistura caótica de raiva; medo; dever; e instinto. Misto o qual presenciou uma única vez em sua vida: nos olhos da pessoa que a capturou.

Damian não parecia disposto a ceder à submissão com facilidade, a assassina conseguia admirar naquele olhar a centelha de quem ainda procurava por uma saída, enquanto o percebia procurar pelos arredores a procura uma maneira de se livrar daquela situação, mas como sempre, bastou aproximar um pouco mais a lâmina no pescoço do guarda que sua atenção se voltou totalmente para aquela à qual ameaçava sua vida.

- Você vai me matar de qualquer jeito, então faça de uma vez, é melhor do que ser expulso da Guarda por deixar alguém como você escapar. – Pediu o jovem, dando seu melhor para simular alguma calma em meio à aquela frase.

            A razão – assim como os mais profundos instintos da fugitiva –, clamavam para que a vida do rapaz fosse tomada, no entanto, ela percebeu-se hesitante perante aquela ideia por motivos que não sabia bem como explicar, não se tratava de uma moral, ou memória, logo, quem sabe fosse um sentimento, mais especificamente um o qual seus últimos anos sob a luz do sol a fizeram esquecer. Olhou por cima dos ombros e viu o corpo de Albert, um daqueles os quais os ricos bolsos acabaram por esvaziar demais a alma, muitos agora olhariam para seu cadáver e veriam um coitado, um filho morto, ou talvez uma boa notícia, mas naquele momento, Mila viu uma escolha.

- Damian, é Damian, não é? – Indagou retoricamente, fazendo questão de não esperar qualquer resposta antes que continuasse. – Você não me parece uma pessoa burra, na verdade, muito pelo contrário, no seu lugar eu faria o mesmo pedido. – Completou, concordando com o recruta imobilizado. – Seria expulso, jamais encontraria emprego em qualquer lugar que conhecesse meu nome, porque você seria sempre “aquele que deixou aquela aberração escapar”, mas saiba que não te culpo, imagino como é difícil estar contra mim, e além do mais, não foi você o responsável, foi ele. – Afirmou, indicando o corpo sem vida do outro soldado.

- O que? – Questionou o jovem visivelmente confuso.

- Deixe-me terminar. – Pediu com gentileza, e um pouco mais de pressão da espada contra a jugular de Damian. – Não foi sua culpa. – Tranquilizou-o com pesar no olhar. – Albert esperou por uma brecha e correu para dentro do calabouço, quando você se deu conta, a cela já estava aberta e eu havia fugido, mas não era tarde para pegar o traidor, deu o seu melhor ao persegui-lo pela escadaria escura, a porta até mesmo foi arrombada na correria, mas infelizmente foi impossível capturá-lo vivo. – Ao terminar, fez questão de lançá-lo um meio sorriso, este que acabou por se tornar uma característica sua ao longo do tempo no qual suas artimanhas se tornaram conhecidas pela eficácia e beleza. – E então, o que me diz, temos um acordo? – Perguntou, fixando nos olhos azuis dele com seus verdes, estes mais brilhantes do que nunca, assim como mais imponentes e livres do que se era possível ser. Sem muita demora, o rapaz meneou suavemente com a cabeça em afirmação, suavemente, pois bastava um movimento em falso para que a pele de sua garganta fosse cortada. – Perfeito, foi bom fazer negócios com você, Damian Adalion, tenha uma boa vida. – Despediu-se, acertando a cabeça do soldado com o cabo da arma, e desacordado observou-o escorregar pela parede até terminar sentado no chão pedregoso daquela pequena sala redonda, sangue já escorrendo pela lateral do rosto por causa da pancada.

Compaixão, esse era um sentimento o qual a criminosa sentiu por poucos seres vivos ao longo de sua jornada através daquelas terras, e no ramo em que atuava, compaixão era sinônimo de um alvo nas costas, ainda mais quando sua fama sem precedentes era levada em conta, aqueles poucos eram mais do que muitos, e agora, mais um. Mais um erro.

- Isso é besteira. – Falou para si mesma ao suspirar e arrumar uma mexa de seu cabelo nanquim que recaia sobre a face, ainda mirando o recruta desmaiado aos seus pés com indecisões relampejando por seus pensamentos, não demorou muito para que erguesse o rosto deste pelos cabelos negros (como eram os seus) e novamente posicionasse o fio do aço contra o pescoço do militar; então, assim como da primeira vez, a inscrição cravado na lâmina voltou a lhe chamar atenção, entretanto, quando juntava aquelas letras, era outro nome que lhe vinha a cabeça. – Merda. – Xingou por fim, girando nos tornozelos ao caminhar até o meio da construção precária que era aquele lugar, chacoalhando um pouco a cabeça na intenção de expulsar as coisas que lhe saltavam à mente.

Procurou por qualquer coisa que pudesse a agasalhar naquela noite fria, pois apesar de estar agora livre, não seria inocente ao ponto de achar que o frio ou os perigos da noite não lhe seriam um problema, e por esse motivo em particular não teve dúvidas de que levaria consigo a espada que empunhava; quanto a algo para se proteger do sopro gélido da noite, teve sorte em se deparar com uma capa negra e espessa guardada em um velho baú, não era surpresa que tal capa fosse tão velha quanto o móvel em que fora guardado, mas não se esqueceria tão cedo que qualquer peça de roupa era uma evolução dos trapos os quais vestia naquele instante. Uma última e rápida varredura mostrou que não existia mais nada útil naquele casebre, o que a forçou a virar-se para a única porta ainda de pé no recinto, a qual não lhe deixou dúvidas de que se tratava da saída, era clara sua vontade de correr por aquela passagem e abandonar todos aqueles três anos junto com a poeira e a solidão, mas não sabia o que esperar daquele recomeço, nem mesmo sabia se aquilo poderia ser chamado assim, não seria surpresa se aquilo não passasse de um sonho, e atrás daquela outra porta de madeira velha esperasse sua cela, mas uma coisa era certa, aquela noite não seria nada até que sua coragem a transformasse em algo. E se havia algo que desejava fazer daquela noite, era um renascimento.

Com sua mente agora limpa, mas nunca preparada, Mila Dameron passou por mais uma porta, a terceira e última entre ela e a liberdade, deixando para trás tudo o que era, e com a vontade de ser algo maior do que jamais havia sido.


Notas Finais


Não esqueçam de deixar suas opiniões! Elas serão sem dúvidas importantes para mim em como vou prosseguir com esta narrativa!


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