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Procura-se um amor comedido, que me ame com paixão, que me toque com tesão, que me proteja com carinho, que me olhe com afeto, que me faça cafuné e que adore fazer compras. Um amor só ternura. Procura-se um amor. Pode não ser tudo isso. Pode ser apenas sincero. Não precisa tanto tesão, tanta paixão, tanta veemência. Pode ser um amor brando, um amor Wando, com um pouco de clemência. Procura-se carinho, afago, afeto. Procura-se um teto. Procura-se, procura-se, procura-se. E só a saudade apareceu para fazer entrevista. Conseguiu o cargo e ficou. Essa egoísta.
Daiana Geremias
12; hoje, em especial
Mingyu era um homem de manias.
Wonwoo acabou descobrindo isso em meados de outubro, assim que o vento da primavera passou por eles e levou o período de chuva embora. Foi por conta dos olhos cheios d'água de Mingyu que acabou deixando o outro vir com uma pequena mala consigo para a rua. Wonwoo acabou por rir quando viu a mochila no ombro dos outros, tirou ela de si e deixou no abrigo, torcendo para que tudo estivesse ali quando chegassem. Partiriam, naquele dia, de volta para a rua.
Foi a primeira vez, desde seus cinco ou seis anos, que ficara sem tomar banho por um dia. Acabaria ficando os três dias de Chuseok sem seu chuveiro. Poderia tolerar o cheiro azedo, mas a coceira que cobria o corpo era quase insuportável. Comparado a seus banhos pulados quando era pequeno, onde se trancava no banheiro por quinze minutos de chuveiro ligado para fingir que estava debaixo d’água, aquilo era bem pior. Depois ficaria molhando a toalha, os cabelos e o rosto, apenas para ser mais convincente. Mas poderia se acostumar, era o que ele pensava.
Ele também achava que podia ser suportável o asfalto e concreto, que raspava a pele com sua superfície áspera e esfriava o corpo num todo por conta da baixa temperatura. Deitaram-se sob uma pequena marquise de um restaurante. Mas não era nem um pouco suportável o barulho de papel amassando que lhe acordava de vez em quanto. Não tinha certeza se queria saber o que eram, mas acabou perguntando a Wonwoo. Ele o levou para a esquina da rua, ao lado do restaurante. Os sacos de lixo que se amontoavam no beco escuro reuniam uma multidão de baratas. As asas delas se batiam e soavam como papel sendo amassado; Mingyu anotou isso mentalmente e tentou não pensar em como seria se fosse ele, ao invés dos sacos de lixo, que estivesse debaixo dos insetos.
Não suportava também dormir tão pouco. Wonwoo deixou-o dormir por apenas algumas horas, duas ou três, antes de acordá-lo para que pudessem sair. Os pés de Mingyu estavam cansados, e logo tiveram que parar e improvisar um curativo com um pouco de fita crepe bem no calcanhar, onde uma bolha grande havia estourado. Mingyu parecia horrorizado com a ideia, mas ele topara viver a vida que Wonwoo viveu por muito tempo, e não desistiria no primeiro obstáculo; mais tarde, enquanto arrancava aos poucos a fita, se arrependeria a cada puxada, que levava consigo um pequeno pedaço da pele danificada. Mas depois do corte na perna que demorara cerca de um mês para cicatrizar por completo, acreditava que seria difícil sentir dor pior. Não demoraria muito para descobrir que ainda estava para sentir a pior dor de sua vida.
Comeu muito pouco, e quando encontravam alguma coisa. Mingyu disse que já tinha arriscado a ser preso com ele demais, e que por um pouco de comida não valeria a pena arriscar a liberdade dos dois. O uso da palavra pareceu ter incomodado Wonwoo a ponto de ver o outro mostrar um sorriso amarelado, com a cabeça e olhos baixos. Seria ali que aprenderia que aquela palavra tinha um significado completamente diferente para o mais velho; um significado mais forte, mais profundo, mais cheio de sentido. Muito mais do que palavras tão levianas como amor.
Seria naquela noite, também, que Wonwoo sentiria um pouco do que é amar. O mar da pouco frequentada praia de Daecheon era mais bonito no começo da tarde, e por isso a longa viagem de três horas até a localidade começou no horário de almoço. O longo caminho de trem foi permeado de risadas e conversas – que de sentido tinham pouco. Mas simplesmente não precisavam fazer sentido.
Já era tarde quando chegaram à beira do mar. No seu entorno, apenas alguns guarda-sóis abandonados, brinquedos esquecidos e castelos de areia sendo derrubados aos poucos pela força do vento e do mar. Wonwoo fez questão de sentar perto da água para que, vez ou outra, ela lhe alcançasse os pés já descalços e a calça jeans; Mingyu acabou fazendo o mesmo sob protesto.
Mas, como Wonwoo fez questão de ressaltar, era uma visão muito mais bonita do que as de topo de arranha-céus. Talvez fosse porque, perante o degrade do céu a sua frente que misturava tons azulados, rosados e alaranjados, eles pareciam tão pequenos. Wonwoo se sentia no topo do mundo quando subia até o último andar da mais alta torre de Seoul; mas se sentia minúsculo em comparação com a beleza do mundo. O que, na opinião dele, era bom de vez em quando.
Depois de longos minutos encarando o sol que começava a dar seu lugar à imensidão azul-marinho do céu, Mingyu veio a descobrir outra coisa sobre o mais velho. Descobriu, por impulso próprio, que Wonwoo não tinha lábios macios. Eles na verdade eram rachados do frio e da falta de cuidado. Descobriu que ele, provavelmente, nunca havia beijado alguém, ou que talvez não o fizesse a muito tempo. Descobriu que Wonwoo ficava envergonhado, mas só quando alguém conseguia ser mais imprevisível que si.
Descobriu tudo isso quando num ímpeto – com certa coragem reunida durante dias e mãos trêmulas que entregavam o nervosismo que sentia –, aproximou os rostos o suficiente para que os hálitos de cheiro pungente se misturassem. Foi um beijo desleixado, mas com certo desespero. Foi apressado, mas pareceu ter durado uma eternidade. Foi cheio de amor, mas carregava uma insegurança enorme.
Não precisavam dizer nada. Ou, simplesmente, não tinham o que dizer. Passavam longos minutos apenas um olhando para o outro, sem muita certeza do que aquilo significava. Mas de uma coisa eles estavam certos, mesmo que não dissessem um para o outro: alguma coisa havia, finalmente, mudado. Não sabiam o que, nem por que. Foram necessários apenas alguns instantes para que o que tivessem construído ruísse.
Mas ruínas também guardam muita história. Ninguém as reconstrói, pois elas significam também. E as ruínas daquele relacionamento recém-construído seriam eternas, como tantas outras.
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