extra 2; sobre o pintor que (não) sabia pintar
A pintura era quase toda em amarelo cádmio. Mas tinha um pouco de um vermelho quinacridone, que as vezes se misturava com o azul cobalto e o verde-escuro do terre verte. Era muito mais maravilhosa do que conseguia imaginar. Talvez achasse isso não apenas por conta das tintas aquarela Winsor & Newton, caras demais para sequer imaginar de onde haviam vindo, que cobriam a superfície do papel. Dentre os grandes borrões de tinta que manchavam o papel, Mingyu podia ver a estrutura facial de Wonwoo. Os olhos pareciam rasgar a pintura que misturava tantas cores em uma só. Demorou a acreditar que aquele era o mesmo trabalho de quem lhe entregava rabiscos inteligíveis.
– Ele me deu isso a dois anos. Eu também não acreditei no começo. – Wonwoo começou a explicar, deslizando os dedos pelo papel enquanto falava.
E Wonwoo realmente não havia acreditado. Recebera inúmeros dos mesmos rabiscos que Mingyu, todos impossíveis de se decifrar, mas com um certo quê artístico em seus riscos. Pareciam ter sido estrategicamente colocados ali, como se a bagunça do grafite que maculava o papel branco fosse, de alguma maneira, organizada. E Wonwoo gostava deles, mesmo que não os conseguisse entender.
Foi numa tarde de quarta-feira que eles lhe foram tomados pelo próprio autor. Wonwoo ficou confuso vendo ele recolher da parede aonde estavam fixados cada um dos rabiscos, as mãos quase desesperadamente arrancando os desenhos de onde estavam, e os reorganizando no chão do quarto. Ele falava baixo, consigo mesmo, murmurando para si mesmo “Você o encontrou”. Dois dias depois, os rabiscos lhe foram devolvidos junto a pintura que agora encaravam.
– É incrível. Se parece muito contigo, e as cores são muito bonitas.
– Ele me pediu para escolher uma das cores, eu escolhi o amarelo. Acho que ele gostou bastante, já que usou tanto. – Wonwoo dizia baixo, ainda com a pintura em mãos. Olhava para o papel com carinho, e Mingyu podia apenas imaginar o quanto aqueles traços de tinta significavam para ele.
– Por que amarelo?
– Não sei. Eu gosto, mas não tanto. Eu só escolhi o que me pareceu mais adequado, mais bonito... – Tentou explicar, mas acabou suspirando. – Não sei porque amarelo. Mas eu gosto de como está.
Mingyu continuava fascinado com cada traço, cada pincelada. E esperava que, um dia, encontrasse algo nos rabiscos que lhe dera também, já que pintor tinha encontrado Wonwoo naqueles rabiscos. Era algo só dele; rabiscava por sua loucura, mas ela tinha um pouco e sanidade escondida em si mesma. Os rabiscos pareciam organizados porque, na verdade, eram organizados, mesmo que de uma maneira que apenas ele entendesse. E dentre os tantos riscos que a lapiseira velha fazia nas pequenas folhas de papel, escondia-se o seu personagem principal. Ele sabia que não era ele que os criava, eles estavam ali o tempo todo. Mas com as aquarelas espalhadas pela folha ele lhes dava tanto cor, como também os libertava.
Ele não fazia sentido, no final, mas não tinha problema. A arte não precisa fazer sentido.
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