História Cartas de amor aos mortos - E ai tempo, não era você que resolvia tudo?

   Seoul, 15/10/2018.

Dizem que o tempo cura todas as feridas. Mas quanto maior é a perda, mais profundo é o corte. E olha, estou realmente com medo de morrer de hemorragia, porque o corte que você fez em mim foi profundo demais, acho que por pouco você não me levou junto para a cova.

E você se foi, se foi junto com o meu coração, se enterrou com ele. Não sei se há realmente algo a mais aqui, sabe, algo que bombeia sangue pelo meu corpo todo e me mantém viva, porque meu amor, eu já morri faz tempo, junto com você. Naquela mesma noite chuvosa e cheias de trovoadas, que por acaso – ou não – me parece muito a noite de hoje. E eu lembro de tudo sabe? Se há uma coisa que ainda tenho é memória. O que é péssimo. Se eu esquecesse as coisas de vez em quando, eu poderia estar um pouco mais feliz. Como eu queria esquecer aquele dia, apagar da minha mente, riscar de uma vez do meu calendário e destruir todas as memórias daquela noite.

Você foi alguém incrível, não só como namorado, mas como amigo também, e isso que me dói mais. Ter a sensação de ter perdido “duas pessoas” importantes na minha vida. E isso dói como o inferno.

Juro que estou tentando não guardar mágoas, e cada lágrima que está caindo agora está doendo um pouquinho aqui dentro, porque falar sobre você ultimamente está difícil não chorar. Mas eu só peço que você se cuide, por favor, seja lá aonde você esteja agora. Tem alguém que te ama no mundo. Você será sempre importante pra mim, não esqueça disso. 

Eu só… Se eu soubesse que seria a última vez, teria te abraçado mais forte.

Foram momentos especiais, sabe. Foram fantasias, foram planos, foram palavras, gestos, sentimentos, carinhos, cuidados, demonstrações… Mas tudo se perdeu, todas as coisas boas se transformaram em saudade. Saudade de um momento só nosso, de uma felicidade só nossa. É triste, sabe, chega a ser agoniante saber que a pessoa que eu achei que seria pra vida toda, não passou de um capítulo emocionante que não volta mais. E de todas as coisas que eu perdi até hoje, você, de longe, foi a que mais doeu em mim.

Hoje eu chorei, chorei como a anos não chorava, chorei como uma criança que ralou um joelho e como um adulto que perdeu alguém que amava, afinal, eu perdi você… As pessoas só me dizem que “o tempo cura’, “com o tempo passa”, mas esse maldito tempo só deixou seu cheiro impregnado no meu moletom e algumas de suas lembranças pra longe de minha memória, mas, ainda assim, as vezes elas me reaparecem no meio de uma noite qualquer de insônia trazendo aquela sensação horrível de volta, e eu volto a sentir meu coração apertado. E meu corpo automaticamente se move para o moletom que eu usei aquela mesma noite, e é incrível, eu já o lavei várias e várias vezes em tentativas falhas de esquecer sobre você e aquela noite mas o seu perfume permanece. Fico pensando que talvez seja alguém fazendo uma brincadeira de mal gosto querendo me auto-torturar com as minhas próprias memórias, mas as vezes também me levo a pensar em você. Será que seria ter pedido demais o nome do perfume que você usou naquela noite? Assim eu poderia, ao menos ter alguma “ligação” a mais com você, não que eu não tenha nossas fotos, ainda as tenho e as aguardo com muito carinho e amor. As vezes me pego nas madrugadas olhando nossas fotos, de quando os tempos ainda eram felizes. Ver o seu sorriso sempre sincero e seu olhar penetrante pelas fotos ainda me faz sentir que você está vivo, que ainda está aqui e que tudo não se passou de uma “brincadeira”. Que quando eu acordar eu ainda vou ouvir o seu “Bom dia” rouco e de certa forma preguiçoso, lembro-me claramente que odiava acordar cedo. E eu achava tão fofo.

Mas isso não vai acontecer, mesmo que eu fique me iludindo com isso, eu sei que lá no fundo você não vai voltar, que a minha saudade não será motivo suficiente para isso.

Tudo tem sido muito triste e sem cor dês de que você se foi, sabe? O problema é que o mundo não tem tanta graça sem seu sorriso e as cores… Bem, continuo a vê-las, não vou entrar nesse clichê de “quando você se foi meu mundo se tornou preto e branco”, porque não, não se tornou. Minha vida não é igual a uma foto que aplicamos o filtro “Inkwell” e tudo se perde tão rapidamente, mas… Eu parei de notar nessas coisas simples, sabe? Dês de que você se foi. Não fico mais no jardim do nosso quintal deitada na grama as duas da tarde olhando as nuvens num sábado e tentando desvendar o formato delas, como costumávamos fazer. Não fico mais me equilibrando no meio fio da calçada, pois sei que você não estará lá para me puxar de volta caso eu tropeçar. Não paro mais na calçada para brincar e fazer gracinhas quando vejo algum cachorrinho fofo com sua dona, como costumávamos fazer. Não sento mais na calçada e fico contando os carros coloridos que passam, e eu me lembro sabe, foi assim que nos conhecemos.

“Você conta os vermelhos e eu conto os azuis!”

“Tudo bem!”

E você acabou vencendo. Confesso, você sempre foi mais sortudo que eu.

“Aish, você trapaceou!”

“Não trapaceei! Eu só sou sortudo!”

“Quer dizer que eu não tenho sorte?”

“Ei, não foi isso que eu quis dizer, mas… Qual seu nome?”

“…Woo Mi-Cha! E você?”

“Min Yoongi! Mas vou te chamar de Mi~”

Me lembro até hoje do sorriso que você deu quando acabou de dizer isso, parece recente, o que é estranho, para um memória de 14 anos atrás…

“E eu vou te chamar de Suga!”

“Por que?”

“ Seu sorriso é doce~”

Nunca errei nessa parte sobre você.

É estranho parece que tudo que passamos foi recente e eu me lembro praticamente de cor! Principalmente as memórias mais antigas.

Meu mundo parece descolorido. Não é como se eu só visse apenas branco, cinza e preto. Na verdade ainda vejo elas, mas elas se tornaram frias, como se um tom de amarelo passasse para azul escuro em um estalo de dedos. E para que continuar prestando atenção nas coisas simples – mesmo que eu gostasse muito de fazê-las – se me parece inútil?

E é frustante, não sei ao certo o por quê estou escrevendo isso se você já se foi. Eu tenho feito muito isso depois desse acontecimento, sabe? Escrevi linhas e mais linhas. Guardei tudo em um rascunho pessoal, me libertei das palavras e sentimentos, e nem assim te tirei de dentro de mim.

Você parece permanecer aqui ainda, vivo. E eu não sei dizer se isso é bom ou ruim.

Mas agora, voltando a primeira frase dessa carta, que fala sobre o tempo, eu queria deixar uma pergunta ao tempo:

E ai tempo, não era você que resolvia tudo?

Ass: Woo Mi~”