História Cartas para você - Carta três

Eu queria continuar a ler, mas já não me sentia bem para faze-lo. Fiquei mais de semanas sem ler uma carta e achava que já estava na hora de ler outra.

Ao abrir a gaveta da escrivaninha vejo que poucas cartas restavam, minha tortura chegaria ao fim.

Suspiro e abro a carta com as mãos trêmulas.

                     Carta on

Eu já estou decidida, não irei mas me curvar para ele, não deixarei que faça de mim o que quiser.

Posso dizer que na noite de ontem ele me fez chegar no meu limite, não apenas me bateu por estar fazendo, nada mais, nada menos que cantando. Ele chegou bêbado e gritando com os móveis da sala.

Eu cantava no meu quarto, num tom moderado, mas ele escutou e entrou no meu quarto abrindo com força a porta, me assusto parando de cantar.

Eu poderia ter parado e ido dormir, mas continuei a cantar mais baixo dessa vez. Suponho que ele estivesse parado atrás da porta, pois menos de cinco minutos depois que começasse a cantar ele entro no quarto novamente.

Ele fez coisas das quais não quero dizer, escrever, que seja. O que "importa" é que ele fez, coisas terríveis que faria qualquer um passar mal. Minha mãe tentou impedir, mas nada conseguiu fazer, não contra ele bêbado.

Ela não pode fazer nada, além de não poder ajudar foi obrigada a assistir.

Não sei se a decisão que faço é a correta, mas em poucos meses estará concretizada.

Carta off

Fiquei extasiado, como pude fazer uma coisas dessas com a minha menina? Nunca imaginei fazer isso com Anne. Desprezava aqueles que o faziam com seus filhos, mas nunca pensei que já tivesse feito.

De súbito Hannah entra no quarto e me pega com a carta na mão, no começo ela estranha, mas logo sua expressão se torna de ódio e nojo.

-Ela foi forte de mais para aguentar tudo o que você fez - sua voz começa a embargar.

-Do que... - ela me interrompe

-Eu sabia da existência dessas cartas, eu as li da primeira a última, antes dela... Dela ter...

-Você as leu antes de mim? Mas Anne as deixou para mim, não para você!

-Poupe-me, você parece uma criança que não ganha o que quer.

Da onde ela havia tirado essa astúcia?

-Olha, Hannah...

-Não! Eu já me curvei demais diante de você, agora chega.

Ela se virava para sair, mas a seguro pelo braço.

-Aonde pensa que vai? - pergunto grosso

-Para um lugar bem longe de você! - ela se solta e sai, batendo a porta logo após.

Me sento na cama abismado, o que fôra aquilo? Hannah tinha acabado de me deixar, ela foi embora. Não, não podia ser verdade, Hannah me amava ao ponto de voltar para mim, isso, logo ela estará de volta, de volta aos meus braços, ao meu alcance.

Me deito na cama e fecho os olhos, meus pensamentos transbordavam pela minha boca, dizia coisas sem sentindo, escolhidas aleatórias de tudo que pensava.

-Vai voltar... Anne sua menina insolente... Não vive sem mim... Me ama... Se matou... Não vive, não vive...

Quem me visse nesse momento me julgaria louco, mas confesso que estava louco. Louco de raiva, de ódio... Louco de tudo o que se encontrava ao meu redor.

Quase me levantei da cama para ir ao bar, mas não o fiz, teria que estar em casa esperando Hannah voltar. Que irônico, sempre fôra ela quem me esperava, agora era eu quem o fazia.

Não me sinto honrado por estar esperando-a, pois a mulher sempre tem que esperar seu marido, e fazer o que ele manda, pois ele é quem manda na casa, ele pode tudo.

Quando ela chegasse de seja lá onde esteja, vou faze-lá aprender, vou mostrar quem deve ser respeitado e quem deve respeitar.

*Ronald ficou esperando sua mulher por dois dias seguidos, mas ela não voltou.

Em seu ataque de fúria, Ronald quebrou tudo o que via pela frente, rasgou as poucas roupas de Hannah que encontrara guardadas, mas nada deixava mais amena sua fúria, nada o acalmava.

Hannah, por outro lado, estava feliz e se divertindo com coisas simples, como uma caminhada no parque todas as manhãs, a risada de um bebê no parque.

Ela pensava todas as noites em voltar para casa e pedir desculpas a Ronald por tê-lo abandonado, mas pensa em tudo que irá perder se o fizer. Mas ela não voltaria mais, nunca mais, pois não queria perder as poucas coisas que a faziam feliz, queria desfrutar do mundo, tirar dele o seu melhor.

Hannah começou a construir um novo mundo, enquanto Ronald destruía seu velho e único mundo.*