Shaka tentou se levantar, mas a dor no tórax o obrigou a ficar quieto. Suas costas doíam de tanto ficar na mesma posição e ele sentia-se preso naquele quarto, não conseguia meditar, nem manter a mente calma. Precisava respirar um pouco de ar puro.
— O que o senhor pensa que está fazendo? — uma voz feminina entrou no quarto.
Ele tentou ver quem era, mas não conseguia virar o corpo o suficiente.
— Não aguento mais ficar deitado.
A enfermeira se aproximou trazendo uma bandeja e o encarou com seriedade.
— Não é porque é um cavaleiro de Atena que não precisa de cuidados. O médico foi claro quando disse que o senhor precisa fazer repouso absoluto.
Era uma moça bem jovem, talvez recém-formada. Devia ter no máximo 20 anos. Seus cabelos cacheados e volumosos estavam presos em um coque, cobertos por uma touca de pano. Seu uniforme alvo estava impecavelmente passado, sem nem um amarrotadinho, seus olhos castanhos eram grandes e vivos, sua boca rosada movimentava-se graciosamente ao falar e sua pele negra davam a ela uma beleza escancarada e ímpar.
— Eu trouxe o seu café da manhã. Quer tentar se sentar para comer? — Shaka não respondeu. Olhava fixamente para ela, inebriado. Nunca sentira uma atração tão forte em toda a vida. — Senhor? Está me ouvindo?
Shaka piscou algumas vezes, ouvindo ela dizer algo que ele não conseguiu escutar.
— O que disse?
— Quer tentar sentar para tomar seu desjejum?
— Eu... tentei. Senti uma dor muito forte.
— Posso ajudá-lo?
— Claro.
A enfermeira colocou a bandeja na mesa lateral e se abaixou diante da cabeceira da cama. Girou uma manivela e, aos poucos, a cabeceira foi se erguendo.
— Diga quando estiver bom — falou a jovem.
Ela continuou girando a manivela até que Shaka chegou a uma posição mais confortável.
— Está bom assim — disse ele.
A jovem se ergueu e sorriu.
— Viu? Vez esforço à toa. A cama faz o trabalho difícil.
Os dentes ela era tão brancos e alinhados que chamavam a atenção.
— Obrigado — disse o cavaleiro.
A jovem girou o tampo da mesa lateral, trazendo-o para perto do paciente e desembalou os alimentos. Shaka tentou erguer os braços para pegar o copo de café, mas apertou os olhos e gemeu.
— Ai!
— Tudo bem? — A enfermeira se assustou e ficou preocupada.
— Dói muito quando ergo os braços.
— É normal. Foi um ferimento muito grave. Vou ajudar o senhor.
Ela ficou de pé bem perto dele e pegou o pote de salada de frutas. Usou uma colher para levar os pedaços de fruta até à boca de Shaka. O cavaleiro virou o rosto numa reação instintiva.
— Não fique tímido, senhor. Sou enfermeira, lido com isso todos os dias. O senhor só vai precisar de mim por alguns dias. Logo estará bom.
Shaka respirou fundo e voltou o rosto na direção dela. A enfermeira tornou a levar a colher à boca do rapaz. Dessa vez ele aceitou a ajuda. De forma lenta e organizada, a enfermeira o serviu na boca de salada de fruta, croissant e café. Embora fosse comida de hospital, estava gostosa. A enfermeira terminou de servi-lo e limpou sua boca com um guardanapo.
— Obrigado.
— Não tem de quê.
— Qual é o seu nome? — Shaka perguntou.
— Simone.
— De onde você é, Carla?
— Moçambique.
— É um belo país. Nunca estive lá, mas já li sobre ele.
— Eu conheço muito pouco. Quando minha mãe morreu, eu tinha cinco anos. Logo fui adotada por um casal de japoneses e eles me trouxeram pra Tóquio. Vivo aqui desde então. Nunca mais viajei para parte alguma.
— Sente saudades de casa?
— Não... Tenho poucas recordações. Considero aqui minha casa. Tenho uma família enorme.
— Que bom. Deve ser gostoso ter uma família... e grande...
— O senhor não tem família?
— Por favor, me chame de Shaka.
— Claro.
— Não tenho mais. Meus pais eram europeus e faleceram na Índia. Fui enviado ao Santuário e me tornei cavaleiro aos 7 anos. Minha família sempre foram as pessoas do Santuário. Agora tenho Atena e meus amigos.
Simone sorria, mas por dentro estava com pena dele.
— Sempre achei os Cavaleiros de Atena muito corajosos. Desde crianças submetidos a um treinamento tão duro. Merecem ser honrados. Já salvaram muitas vidas.
— Como enfermeira, acredito que também já tenha ajudado a salvar muitas vidas. Cada pessoa tem sua própria missão, mas o fim é o mesmo: fazer o bem.
Dessa vez o sorriso de Simone foi verdadeiro. Shaka respirou fundo mais uma vez e sentiu uma brisa suave entrar pela janela.
— Vou levar a bandeja e volto mais tarde com sua medicação. — Ela recolheu a bandeja.
— Obrigada, Simone. Foi um prazer conhecê-la.
— Igualmente, Shaka.
Antes de sair do quarto, ela olhou mais uma vez para trás e viu o perfil daquele homem maravilhoso, com seus cabelos loiros e cumpridos esparramados no travesseiro e o olhar perdido em direção à janela. Deixou a bandeja de lado e voltou para perto de Shaka.
— Acha que consegue sentar em uma cadeira de rodas para darmos uma volta lá fora no jardim?
— Não sei... Acha que consigo?
— Creio que sim. Vai doer um pouco, mas...
— Perfeito. Eu suporto qualquer tipo de dor.
Ela levantou as sobrancelhas, espantada.
— Soou prepotente? Não foi minha intenção.
Ela sorriu.
— Não, só fiquei admirada. Sou péssima para sentir dor. Não suporto nem mesmo uma dorzinha de cabeça. Fico péssima.
— Simone... eu preciso de ar puro. Pelo menos por meia hora. Sinto-me enclausurado.
— Certo. Levarei você lá fora. Vou buscar a cadeira de rodas.
Ela saiu do quarto e Shaka a seguiu com o olhar, sorrindo aliviado.
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