O táxi levou mais de meia hora para chegar ao endereço indicado. Kanon saiu do carro e disse ao motorista:
— Espere aqui.
O Cavaleiro ficou parado diante de um casebre no meio do nada. “Com tanta grana e o Jack morava nesse buraco?”, ele pensou. Adentrou o terreno, subiu um degrau até o alpendre, procurou por uma campainha. Acabou batendo na porta. Não houve resposta. Tentou olhar pela janela, mas as cortinas estavam fechadas. Bateu de novo. Viu alguém espiar pelo vidro fosco.
— Olá, procuro pela irmã do Jack, é você?
Silêncio. Ele ficou irritado e bateu de novo com mais força. Uma hispana de idade avançada abriu uma fresta na porta.
— Lo que quieres?
— Procuro pela irmã de Jack.
— Quién es tú?
— Meu nome é Kanon. Deixe-me entrar.
— No puedo. Lo siento. — Ela tentou fechar a porta, mas Kanon adentrou o casebre à força.
— Eu não tenho tempo a perder. Onde está a menina?
— Por favor, no le hagas daño.
— Não vim machucar ninguém. O Jack me mandou aqui. Onde está a menina, vamos, diga!
A senhora apontou para uma porta, Kanon abriu-a e se deparou com uma mulher deitada em uma cama, coberta por lençóis. A mulher estava de olhos fechados e a senhora ficou na porta, com as mãos unidas, como se estivesse orando. O Cavaleiro sentiu o coração gelar ao pensar que a irmã de Jack estava morta, mas de repente ela abriu os olhos devagar e, quando o viu, fez uma cara de pavor.
— Você é a irmã de Jack?
A moça assentiu, amedrontada.
— Precisa vir comigo.
— O que aconteceu com o Jack? — a moça perguntou.
— Foi assassinado. Preciso tirar você daqui, quem o matou pode vir atrás de você.
Os olhos da moça se encheram de água e ela ficou sem fala por alguns instantes.
— Sinto muito em trazer essa notícia terrível dessa maneira tão insensível. Mas não temos tempo a perder. Levante-se e arrume-se. Vamos sair da cidade.
— Eu não vou a lugar nenhum.
— Como disse?
— Pode ir embora. Se o Jack te fez prometer alguma coisa, eu te libero do juramento.
— Não entendeu o que eu disse? Você corre perigo. Vamos logo, não seja teimosa!
— Quem é você?
— Meu nome é Kanon.
— O Jack me falou de você. É um lutador, não é?
— O melhor que ele já teve. Mas isso não importa agora, precisamos sair da cidade depressa.
— Kanon, eu não vou a lugar algum.
— Ora! — A moça continuava deitada, imóvel, e isso irritou o Cavaleiro em demasia. Ele se aproximou, tirou as cobertas dela e puxou seu braço, tentando obrigá-la a se levantar. — Anda logo!
O corpo da mulher parecia de uma boneca de pano e ela caiu no chão com o solavanco de Kanon. A senhora hispana correu e se agachou, praguejando contra o invasor. Assustado, o Dragão Marinho deu alguns passos para trás. Era uma moça bem magra, com as pernas finas. Usava uma camisola velha e fraldas. A senhora virou a moça de barriga para cima e sustentou sua cabeça.
— Katherine, estás bien?
A moça ainda se recuperava do susto.
— Estás loco? Ayudame a poner ella em la silla.
— O quê? — O cavaleiro estava confuso.
— La silla! — A hispana apontou para uma cadeira de rodas que estava no canto do quarto e até então havia passado despercebida.
Kanon trouxe a cadeira e a hispana ordenou que ele carregasse a moça e a sentasse ali. Ele obedeceu, executando a ordem com o máximo de cautela. Era uma cadeira moderna, com um encosto comprido. A hispana ajeitou a moça e amarrou-a com grossas tiras de velcro que fixavam seu corpo à cadeira em três pontos: na altura do peito, na cintura e nos joelhos. A hispana colocou os braços da moça nos apoios, que também tinham faixas para manter os pulsos fixos. Kanon sentiu a boca seca e o coração batia tão depressa que parecia querer pular para fora. Ele sentou na beirada da cama, enquanto a hispana colocou um pano cobrindo as pernas da moça e fez uma trança nos cabelos dela.
— Estás bien?
— Sim. — A moça respondeu.
— Que quieres que yo haga?
— Deixe-nos a sós.
A senhora lançou um olhar de desaprovação para Kanon e saiu do quarto, recostando a porta. Kanon olhou para a mulher na cadeira de rodas e tomou fôlego antes de falar.
— Me perdoe. Eu não sabia.
— Agora entende porque não posso ir com você?
— Leve sua acompanhante. O Jack me pediu para colocar você em um lugar seguro.
— A Eva tem família, não vai sair da cidade para me acompanhar. Além disso, olhe para mim. O que podem me fazer de mal para me deixar pior do que já estou?
Kanon passou a mão no rosto e respirou fundo mais uma vez.
— Você não imagina do que as pessoas são capazes. Por favor, confie em mim. Deixe-me ajudar você.
A moça fechou os olhos e respirou devagar.
— Katherine? É esse o seu nome? — ele indagou.
Ela abriu os olhos.
— Sim.
— Vou cuidar de você, Katherine. Deixe-me levá-la em segurança.
— Não seja ridículo! Vai me dar banho? Trocar minha fralda? Me dar comida na boca? Você não é meu irmão, dê o fora daqui!
— Vamos contratar uma enfermeira, não se preocupe.
— Olhe ao seu redor! Eu não tenho dinheiro para essas regalias. Tenho sorte por Eva aceitar uma mixaria para tomar conta de mim.
— Estou com o dinheiro do seu irmão. Tudo agora é seu.
— Não quero o dinheiro sujo dele. Foi isso que o matou.
— Não seja burra. É muita grana, você vai precisar.
— Não sou como meu irmão, Kanon. Por isso estou na cadeira de rodas.
— O que quer dizer?
— É um dinheiro ilícito. E eu não sou uma criminosa.
— Olha, tanto faz, se não quer o dinheiro, então eu fico com ele com muito prazer. Mas não vou embora sem você. Vou te tirar daqui você querendo ou não. Sua imobilidade só me facilita o trabalho.
Katherine fez uma careta de nojo. Kanon se arrependeu pelas palavras insensatas.
— Saia daqui! — ela disse com raiva.
Kanon se levantou, pegou a cadeira e a empurrou para fora.
— Me solta! — ela gritou.
— Faça a mala dela, coloque roupas e documentos, o Jack me mandou levá-la para um lugar seguro. Se eu fosse você, também saía daqui depressa e não voltava nunca mais. Assassinos logo estarão diante daquela porta — Kanon disse à Eva.
A hispana arregalou os olhos e obedeceu depressa. Entregou a mala pra ele e deu um beijo em Katherine.
— Adiós, hija. Diós te bendiga.
Ao ver Eva sair da casa, Katherine derramou algumas lágrimas em silêncio. Kanon se ajoelhou diante dela e segurou sua mão.
— Katherine, não dificulte as coisas, por favor. Olhe pra mim. — Ela olhou. — Vou te levar para um lugar seguro, uma casa de repouso ou algo assim. Ou então um apartamento só seu. Contratamos uma enfermeira e eu me mando. Nunca mais terá de ver minha cara feia. Mas por favor, precisamos sair daqui. Você corre perigo e eu também.
— Me ajude a vestir uma blusa descente pelo menos. — Nesse momento Kanon percebeu que a camisola era fina e larga, deixando os seios da moça quase à mostra.
Ele tirou uma blusa de botões da mala que Eva havia preparado e segurou a peça de roupa, constrangido.
— Como faço isso?
— Precisa desatar as faixas e me vestir.
Sem conseguir respirar direito, o Cavaleiro desatou o velcro que prendia os ombros dela. O corpo bambo de Katherine caiu para o lado, mas Kanon a segurou. Desatou as faixas dos pulsos dela e, muito desengonçado, conseguiu enfiar um dos braços da moça na manga da camisa. Passou a roupa pelas costas de Katherine e, sem soltar seu corpo, conseguiu enfiar o outro braço. Ajeitou a camisa, mas a camisola acabou descendo um pouco, mostrando um dos seios dela. Ele desviou o olhar e Katherine fechou os olhos, ruborizando.
— Me desculpe — disse o cavaleiro.
Ele puxou a blusa mais um pouco e fechou todos os botões. Ajeitou o pano no colo dela e finalmente conseguiu respirar direito.
— Obrigada.
— Vamos sair daqui — ele a empurrou para fora. Carregou-a no colo e a colocou no banco de trás do táxi. O corpo dela não conseguia se sustentar sozinho e ela caiu para o lado. Kanon então a deitou com cuidado. Em seguida, o taxista colocou a cadeira e as malas no bagageiro. Kanon entrou pela outra porta, ergueu Katherine e passou um braços pelos ombros dela, firmando-a.
— Para onde, senhor? — perguntou o taxista enquanto colocava o cinto de segurança.
— Para Los Angeles.
— O quê? Não, senhor, eu não posso...
Kanon estendeu um maço de notas. O motorista pegou o dinheiro e o encarou pelo retrovisor.
— Sim, senhor. Tudo bem. — O taxista deu a partida no veículo e dirigiu rumo à rodovia.
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