Kanon não tinha notícias de Atena, Saga e os outros há algum tempo. Havia recebido o convite para o casamento e considerou a possibilidade de ir. Contudo, preferiu desistir. Não estava disposto a enfrentar os olhares acusadores e o burburinho, muito menos as provocações mordazes de seu irmão. Sabia que Atena tinha um grande coração e provavelmente já o havia perdoado. Mas nem todos eram como ela e o Dragão do Mar sabia que estava marcado como traidor para sempre.
Começou a viajar pelo mundo como mochileiro e acabou parando em Las Vegas. Sentia-se o homem mais azarado do mundo e, portanto, aquela viagem era um tanto quanto irônica. Gastou seus últimos dólares na roleta e, para contrariar o destino, ele ganhou uma bolada. Apostou mais algumas vezes até conseguir duplicar o dinheiro. A sorte parecia estar a seu favor, mas Kanon era um homem esperto apesar de tudo e, ao contrário do que sempre acontecia aos vencedores, que continuavam apostando até perder tudo o que ganhavam, Kanon parou de jogar e foi para o hotel levando seu dinheiro.
Entrou no quarto e jogou a bolsa com a grana em cima da poltrona. Não conseguia sentir-se feliz. Ao contrário, depois de ganhar no jogo, o vazio que lhe corroía a alma só aumentou.
O cavaleiro tirou os sapatos e a camisa e serviu-se de uísque. Sentou na varanda, apoiando os pés em uma mesa. O vento forte chacoalhou seus cabelos compridos. Sentia-se sozinho e desanimado. Não era do seu feitio ficar se lamentando ou sentindo autopiedade, mas a mente começou a divagar no passado, quando era preterido em favor do irmão, quando perdeu a armadura de Gêmeos para Saga, quando foi preso pelo irmão, quando se voltou contra Atena mais de uma vez e quando foi traído por Gaya com Ikki de Fênix.
Sempre abandonado, sempre deixado de lado, sempre humilhado.
— A culpa é toda minha — disse consigo mesmo. — Eu fiz minhas escolhas. Escolhas erradas que me levaram à ruína.
Olhou a vista diante de si. A cidade toda iluminada, cheia de gente disposta a qualquer coisa por um pouco de diversão.
— Acho que vou trabalhar aqui. Minha aparência não é ruim. Talvez eu consiga trabalhar em algum cassino como garçom ou algo do tipo. — Ele falava sozinho, enquanto bebia o uísque.
Tomou quase meia garrafa antes de desmontar na cama.
Acordou no dia seguinte todo amassado. O sol já invadia o quarto e cozinhava sua pele. Havia esquecido de fechar as cortinas.
Kanon levantou e tomou um banho. Depois desceu para a área dos restaurante e tomou o desjejum. Kanon comeu metade do cardápio e, não se dando por satisfeito, pediu um milksheike pra viagem. Começou a andar de hotel em hotel, cassino em cassino, perguntando por vagas de emprego. Fez algumas entrevistas, mas chegou ao fim do dia sem sucesso. Sentou em frente ao Hotel Bellaggio e ficou olhando o show das águas, achava tudo aquilo uma babaquice, mas mesmo assim ficou ali, estático, apreciando.
Quando olhou para o lado, viu uma mulher de cabelos vermelhos caminhando. Ele arregalou os olhos e correu em sua direção, puxando-a pelo braço:
— Gaya?
Ela se virou assustada. Não era Gaya.
— Me desculpe, pensei que era outra pessoa.
— Tire as mãos da minha mulher! — gritou um homem com porte de lutador.
— Me desculpe, a confundi com outra...
Antes que ele pudesse terminar a frase, o homem lhe deu um soco no rosto, pegando-o desprevenido. Kanon nem sequer balançou. O homem parecia ser forte, mas Kanon mal sentiu o golpe. Algumas pessoas que estavam por perto olharam espantadas. Como ele podia estar de pé diante de um soco daqueles?
— Você me golpeou? — Kanon indagou, levando a mão ao rosto, tentando compreender o que havia acontecido.
— Eu... Não... — O homem ficou desconcertado.
— Pra que servem todos esses músculos se não consegue dar nem um soco direito? — Kanon balançou a cabeça e deu as costas, com preguiça de brigar. Até porque, o adversário não era páreo para ele.
Kanon andou alguns metros e o homem foi atrás dele.
— Ei, espere! Ei...
Kanon se virou, esfregando o rosto:
— Olha só, me deixa em paz. Pro seu bem e pro meu sossego.
— Você é um cavaleiro de Atena, não é?
— Não, está enganado.
— É sim, você é o Dragão do Mar.
Kanon franziu o cenho, intrigado. Geralmente as pessoas que o reconheciam era porque o confundiam com Saga.
— Como sabe?
— Tenho uma coleção completa de figurinhas.
— Meu nome é Saga, está me confundindo como meu irmão.
O homem estreitou os olhos.
— Não, você é o Kanon. Tenho certeza. Estudei muito as figurinhas sua e do seu irmão para perceber as diferenças.
— E daí, o que você quer?
— O que faz em Vegas? Veio a passeio ou procurando algo pra fazer?
— Os dois.
— Se gostar de adrenalina, tenho o emprego ideal pra você.
— E o que seria?
— Vem comigo.
— E a sua mulher?
— Ela não é minha mulher. Fiz aquilo como pretexto para provocar você.
Kanon ficou mais sério ainda, mas acabou seguindo o homem.
Entraram em um hotel e desceram as escadas. Passaram por um corredor cheio de portas e no final viraram a esquerda. Kanon ficou cismado. Era um lugar escuro e ermo. Será que era uma armadilha?
Abriram uma porta grossa e se depararam com um salão cheio de luzes de boate, mulheres dançando, bebida e música alta, lotado de gente gritando ao redor de um ringue onde dois homens se digladiavam.
Kanon se aproximou e assistiu à briga. Muitos golpes, muito sangue, nenhuma regra.
— E aí, o que me diz? — o homem indagou.
— Quanto?
— Mil dólares por luta, dois mil nas semifinais, cinco mil se ganhar a final. O campeonato começou hoje.
— São só homens comuns? Vou vencer todos com as mãos amarradas nas costas.
— Muito são homens comuns, mas muitos são cavaleiros fracassados como você.
Kanon o encarou com ódio.
— É uma grana boa e durante o campeonato pode morar aqui no hotel — o homem argumentou.
— Nessa espelunca? Posso ser um cavaleiro fracassado, mas não sou um animal. Gosto de um bom chuveiro e uma boa cama.
— Posso ver isso, conseguir alguns privilégios. Você é um Cavaleiro de Atena, todos irão fazer de tudo para ter você no campeonato.
— Por quê?
— Com certeza vai atrair mais público e as apostas duplicarão.
Kanon coçou as têmporas, indeciso.
— Não preciso de grana.
— E mulheres?
— Sim, de mulheres eu preciso, mas posso consegui-las sem precisar lutar. Elas só faltam ajoelhar aos meus pés quando passo pelas ruas. Acho que gostam de homens com cabelo grande.
— Hum... O que você busca? Adrenalina? Emoção? Vingança? Ora, vamos... Você é um cavaleiro. Não gosta de lutar?
— Sim, e gosto.
— Vamos fazer o seguinte. Você faz uma luta. Se gostar, continua.
— Quando?
— Hoje. Depois que esses manés se matarem.
Kanon assentiu e tirou do bolso duas faixas, enrolando-as nos punhos e mãos. Tirou a camisa e a calça jeans, os sapatos. Ficou de short.
— Estou pronto.
As mulheres o olhavam sem camisa e suspiravam. Os homens cochichavam entre si, querendo saber quem era aquele urso.
— Ele não é um urso, é um dragão É o Dragão do Mar, cavaleiro de Atena.
Todos ficaram em alvoroço. Quando a luta terminou e Kanon subiu no ringue, a gritaria era geral. Muitas apostas e discussões.
— E aí, cadê o cara? — Kanon indagou.
Do corredor surgiu um homem de quase dois metros de altura e pesando mais de 120 quilos de músculos e ossos. Ele subiu no ringue e encarou Kanon, debochando:
— Não acredito que deixaram você subir aqui. Olha o meu tamanho e olha o seu. Não vai ter graça. E esse cabelo ridículo? Eu não bato em mulheres, muito menos em maricas.
Kanon deu um sorriso torto, cruzou os braços para trás, e lançou um olhar irônico para fora do ringue, na direção do homem que o tinha levado até ali.
O sino tocou anunciando o início da luta. O adversário de Kanon assumiu posição de combate e ficou enfurecido.
— O que está fazendo? Arme sua defesa! Vai ficar com as mãos pra trás?
— Não preciso delas para vencer um frango como você.
— Ora, seu filho da mãe! Vou te mostrar quem é frango.
O lutador avançou pra cima de Kanon, tentando acertar-lhe um cruzado e um jab. Com as mãos para trás, Kanon se esquivou e acertou uma joelhada bem na boca do estômago do sujeito, que caiu desacordado no chão. O público ficou em alvoroço enquanto todos contavam juntos até dez. O lutador não acordou e foi levado para a sala de primeiros socorros, enquanto Kanon recebia os mil dólares e um aperto de mão do camarada que o levara até ali.
— Afinal, qual seu nome?
— Sou o Jack. Mas todos me chamam de Búfalo.
— Ok, Jack. Quando é a próxima luta?
— Uma por dia, meu amigo, pra não perder a graça. Amanhã venha disposto a fazer um show mais emocionante que o de hoje. Se as fofocas correrem depressa como eu acho que vão, amanhã isso aqui vai estar empapuçado de gente. Você se tornará o ídolo deles.
Kanon deu um sorriso faceiro. Ídolo... Ele nunca soube o que era ser admirado e respeitado. Será que finalmente poderia sentir o gostinho do sucesso?
Foi para o hotel pensando nisso. Pronto! Tinha encontrado o trabalho ideal.
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