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História RESSONANTES - (Love Triangle Chanyeol and Baekhyun - EXO) - Ato 5 - Chacina


Escrita por: maryellowry

Notas do Autor


Olá! Aqui está mais um capítulo.

Ele é inteiramente dedicado ao passado da Jihee. Embora possa não fazer sentido, por enquanto, em colocar esses flashes dela lembrando a sua trajetória enquanto está na sala de interrogatório, mais tarde vai fazer, porque essas cenas têm um objetivo específico. *-*

Boa leitura!

Capítulo 6 - Ato 5 - Chacina


 CHACINA

"Quem não tem esperança, não vive."

▬▬▬▬▬▬▬ ✥.❖.✥ ▬▬▬▬▬▬▬

JIHEE

ACORDO COM A QUEDA DA temperatura que cai bruscamente à noite por conta da falta de nuvens nessa época do ano e o sacolejar elétrico da caminhonete. Já é noite e estamos perto do local. Praguejo mentalmente: havia perdido o pôr do sol.

— Que horas são? — Digo grogue. Sinto meu cabelo prensado se desenrolar ao longo das minhas costas quando me ajeito no assento rasgado e com várias camadas de espuma expostas. Meu coque havia se soltado.

— Nove.

Cedo. Três horas para o festival começar, mas isso é importante. A primeira remessa de produtos é sempre a melhor.

Depois de trinta minutos, chegamos ao local. Taehyung desliga o único farol que funciona, estaciona perto de uma casa e nos juntamos aos outros moradores que já estão presentes, perto do portão arranjado, remendado por tábuas de madeira altas.

O local está um breu. Se ouve apenas murmúrios de conversas aleatórias entre conhecidos, tem muitas pessoas aqui de outros vilarejos. Tive de esperar minha visão se acostumar com a escuridão para conseguir enxergar alguma coisa com a ajuda da luz da lua.

Nós nos sentamos no chão de asfalto tão empoeirado que é quase impossível ver o piche solidificado. Esperamos abraçados, na tentativa de nos aquecermos, a hora em que um representante dos Ladrões da Pátria aparecer na entrada do bairro para nos deixar entrar.

Me sinto entorpecida e sorrio, meu coração é tomado por tanta saudade que me faz suspirar. Taesoo. Sinto falta de seu toque, do seu carinho. Quero vê-lo. Ouvi-lo falar sobre nossa tão sonhada casa nas Províncias do Centro. Sobre seu presente para mim. Presente que mesmo sabendo o que é não deixa de ser presente. Um presente não deixa de ser um, apenas pelo fato de não ser mais uma surpresa. Presente é aquilo que lhe é oferecido do fundo do coração, que sempre ficará na sua memória. Essa é a surpresa do presente. O fato de você nunca esquecer quem o deu.

O cheiro aqui é ruim. É de resina velha, misturado com mofo e urina, mas a umidade do ar frio ajuda a melhorar. Conversar com meu irmão me resgata da prisão que seria esperar três horas passarem de forma entediante. A situação em que vivemos fortifica ainda mais nosso laço. Sempre estivemos juntos em tudo, contamos tudo um ao outro.

A partir do momento em que ouvimos os passos do representante dos Ladrões da Pátria se aproximar, vindos de dentro do bairro, todos os expectantes do lado de fora se calam. Há essa hora já passamos de alguns para centenas. Inusitadamente, imagino a gente como um formigueiro se nós fôssemos vistos do alto: vários pontinhos indistintos, espalhados por uma rua escura que logo estarão bifurcando-se pelas vielas, cada um seguindo para sua zona de desejo.

Educadamente, adentramos o bairro. Andando por ele você nunca perceberia que as simples casas, no ápice da madrugada, juntas viram uma grande feira cultural. Cultura de verdade. Que refugia nossos sentimentos polêmicos sempre detidos e afugenta toda a tristeza que nos exaure. A festa dura até o amanhecer do dia. Por isso Aurora. É a Aurora de Chongjin.

Aqui você encontra de tudo. É o submundo da ilegalidade. São roupas, comida, drogas, livros, aparelhos tecnológicos, armas e um monte de bugigangas antigas também.

O bairro é dividido em várias zonas e cada uma trabalha com um desses itens. Tenho duas preferidas: uma tem os bares de militância com bebida, música, sarau e debates políticos enérgicos. Na outra você encontra uma abundância de livros, a maioria digitais, fruto do trabalho de hackers habilidosos, e alguns raros, físicos.

Essa parte de Chongjin é um oásis. Símbolo da liberdade. Reduto de um mundo fantástico. Uma pequena parte daquilo que quero para todo o país.

Não mantemos a área muito limpa, apenas damos um jeitinho. Arrumar tudo seria muito melhor, mas chamaria atenção dos malditos tiras. As tochas discretas com luminosidade tremeluzente, já estão dispersas em vários pontos pelas ruas encardidas, com algumas ratazanas simpáticas se aventurando em pequenas pilhas de lixo aqui e ali.

A PMAI quase não para nessa área da cidade. O governo acredita — na verdade, devem desconfiar — que nessa parte só tem as construções decrépitas e os pobrezinhos indigentes a quem o governo dá uma chance de vencer na vida através das visitas da PMAI. Essa é a propaganda que fazem de nós por lá. Esse povo todo foi atirado aqui apenas para uma demonstração clara, mas falsa, de que o Exército salva as pessoas. Para provar sua eficácia, o bem que proporcionam ao povo. Que eles são os heróis. Sei disso porque Taesoo me contou.

Mas, ultimamente alguns fiscais da PMAI vêm dando telha por aqui perto. Acho que estão começando a desconfiar ainda mais do nosso movimento noturno, podem estar sondando a região. Temos o esquema há anos e nunca fomos descobertos, pois somos silenciosos. Mas agora, eles estão pegando mais pesado, parecem mais determinados a aniquilar a resistência. E então precisamos ficar em alerta. E com mais medo. Os Ladrões da Pátria utilizam túneis subterrâneos para esconderem todo nosso material proibido pelo governo.

As bancadas de madeira com produtos ilegais emparelham-se uma de frente para as outras e algumas casas estão debilmente arrumadas como lojas. O povo se comove, respira alívio, transpira felicidade e começa a falar mais alto, muitos se abraçam e nesse instante até às quatro da manhã, a tristeza some. Tae me cutuca o antebraço e diz rápido que vai até a terceira zona, a que vende armas e drogas. Ele sempre anda armado para nossa proteção e compra algumas bebidas e drogas sintéticas. Tem um cigarro de sabor artificial de amoras extremamente delicioso. É doce. Meu preferido. Também precisamos de antidepressivos, para o meu pai.

Começo a olhar ao redor, o caçando em desespero, como uma leoa faminta. E estou. Faminta de saudade, apego e carinho. Quase como se o universo compreendesse meus sentimentos — algo que não duvido — alguém me puxa pelo braço e me leva sem nenhuma dificuldade para o interior de um beco escuro entre duas casas, como o manusear de uma pena, e me encosta à parede de tijolos resguardada apenas por algumas porções de reboco em alguns lugares.

O perfume o dedura imediatamente: Taesoo.

Não dou tempo para que ele fale. Antes de tudo o abraço.

E a gente se beija, claro. Intensamente. Depois nos abraçamos mais uma vez. Ficamos assim durante um minuto. Ele alisa meus cabelos longos, pretos e ressecados.

— Senti tanto a sua falta. — Sua testa apoiou-se na minha. As mãos alisam minhas bochechas agora, seus polegares formando círculos invisíveis. — Tudo isso está valendo a pena. Eu finalmente consegui identidades falsas e uma casa simples na província de Hamgyong Sul na cidade de Tanchon. Não consegui na capital porque é muito difícil. Desculpa.

Uma das províncias do centro. A vida lá não é de riquezas, mas é diferente daqui. O pessoal ganha dinheiro. Posso ter ao menos um emprego.

— Está ótimo. Obrigada, Taesoo. Obrigada. Se você não tivesse decidido fazer parte dos Ladrões da Pátria...

— Shhh... Eu decidir ser, justamente por causa disso.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto. Desde os doze anos eu frequento Chongjin à noite com esses dois. Meu irmão é sete anos mais velho que eu. Taesoo tem a mesma idade que a minha e me prometia desde os nove que aos quinze, entraria para o grupo rebelde e nos daria uma vida melhor. Um ano depois, embora a saudade aperte por não nos vemos sempre, me alegrei por ele não ter cedido, mesmo quando o implorei para ele não ser um deles.

— Já paguei o informante. O mercador está aqui para entregar o produto. Barganhei muito e demorei um tempo para conseguir ele, mas agora é seu. Considere um presente de aniversário atrasado. Sei que já passou da meia-noite e que hoje é dia 6, mas agora você finalmente o tem.

Duas semanas atrás, quando ele disse que na próxima vez que nos víssemos, teria o Manifesto Populocrata em mãos, meu coração disparou.

— Ele já está aqui?

— Sim, na quinta zona. O dos encontros de militância. É melhor você ir logo. Eu vou na terceira zona encontrar o Taehyung e depois nós dois te encontramos na quinta. Vamos hoje mesmo para Hamgyong Sul.

— Estou tão feliz! Nós vamos ao porto hoje? Quero muito ver o mar com você que nem da última vez.

— Meu amor hoje não vai dar. Tem mercadorias vindo da China hoje e mesmo que fiquemos distantes é bom não arriscar.

— Você está certo, está certo. — Aliso seus ombros e os aperto. — Droga, eu te amo. — Começo a rir. Ele vem junto comigo rindo na curva do meu pescoço e me fazendo cosquinha.

— Você é uma grande mulher, minha Jihee, meu universo. E eu também te amo muito.

Nos abraçamos de novo, dessa vez mais apertado, a ponto de ficarmos sem ar.

— Always with each other?

Inventamos um bordão romântico quando ele começou a frequentar os Ladrões da Pátria e a ficarmos longos períodos sem nos ver.

— Always with each other.

E aos poucos nossas mãos deslizam uma sobre a outra, as palmas, a extensão dos dedos até a ponta deles. Nossos braços caem, mas nossos olhos continuam encarando um ao outro, dizendo coisas que nós dois compreendemos totalmente.

Sorrimos, antes de virarmos de costas um para o outro e seguirmos para direções opostas.

 

“Always with each other.”

Posso ouvir. O seu tom de voz em minha mente.

A carga emocional da cena me faz voltar para a sala. Lembrar dele me faz pensar o que poderíamos ter sido. E isso me definha. Aos poucos, por dentro.

Volto a fechar os olhos. Preciso me lembrar. Eu quero lembrar.

 

Começo a caminhar lentamente até a quinta zona, vasculhando todo o caminho minuciosamente, embora eu já o saiba de cor. Quero memorizar esse fatídico e importantíssimo momento, é por isso.

Minhas pernas doloridas se esforçam, fraquejando entre os desníveis do solo, mesmo assim, me mantenho triunfante. Há muitas pessoas aqui e Ladrões espalhados em cada esquina carregando armas grandes, estão de vigilância caso alguma coisa aconteça. O uniforme deles é simples, mas o padrão das roupas pretas: camisa de manga cortada e desfiada, calça preta estilo militar, com grandes bolsos, botas altas, coldres para armas e comunicadores tecnológicos nos ouvidos, os fazem ter destaque em meio a nós.

Depois de vinte minutos caminhando, vejo a placa ao lado de um poste torto com suas vísceras à mostra, fios grossos de vergalhão enferrujados, indicando: bem-vindo a quinta zona.

O festejo já está a toda. Os boêmios estão enérgicos. Paro para ver a programação de hoje no cartaz colado numa das casas: cinema; Black Mirror na casa 7, no subsolo. Debate Político; os ideais das correntes iluministas, na casa 2. A História da Arte Renascentista; na casa 4, entre várias outras atividades que não dou o trabalho de ler. Nesta zona, temos dez casas.

Vou até a casa dois. Não há porta, e a casa precisou de algumas reformas. Aqui é mais limpo, porque também vende comida e bebida. Transpasso pelo batente de madeira descascada e marcada com profundas ranhuras. O chão de madeira range, o cheiro de tabaco polui o ar.

O debate já está rolando. Nosso líder, e meu treinador de combate, Donghan de trinta e oito anos, bebe cerveja, está exaltado e falando animadamente sobre o Pai do Iluminismo. Ao me ver, me chama num gesto rápido com a mão direita.

— Nossa melhor debatedora chegou! Venha cá Jihee!

O pessoal da militância bate palmas em comemoração. Estou habituada a esse grupo. Olho para todos e me sinto muito emocionada. Apesar de nossa aparência miserável: estamos meio sujos, descabelados, a roupa de todo mundo com algum rasgo, mas ainda assim você consegue ver a resiliência. Essa é a nossa arma. A esperança, a grande rebeldia. Nunca chamuscadas.

— Exagero seu, meu velho. — Digo, num meio sorriso. — Infelizmente, hoje não vim debater.

Todos revelam seu descontentamento com um muxoxo.

— E seu pai querida, está bem? — Donghan se aproxima mais e me pergunta discretamente enquanto os restantes retomam a conversa em suas mesas.

Ele e meu pai se conhecem há anos. São amigos de militância e ele sempre vinha conosco para os debates. Mas, eu estava com aproximadamente quinze anos, meu pai parou de vir, desde então passei a vir sozinha. Ele entrou numa depressão profunda na época e está assim até hoje. Se conformou com essa posição medíocre que temos. Eu o entendo. Ele já perdeu as esperanças. Quem não perderia?

— Bem, na medida do possível. Acho que ele nunca mais vai voltar a ser como antes. Vá visitá-lo, qualquer dia desses. — Dou duas tapinhas em seu ombro direito e me direciono ao balcão em torno do bar, onde vejo o mercador.

Ele tem um papel colado o identificando no casaco xadrez amarrotado. Suas roupas são melhores que as nossas. Não possuem nenhum furo. É um mercador. Eles descolam uma boa grana, vivem nas províncias centrais e levam uma vida um pouco mais folgada. Mas o trabalho deles é perigoso demais. Nem gosto de pensar na forma em quer seriam mortos se fossem capturados. Bem, isso já aconteceu algumas vezes, mas não com mercadores que eu conheça e que já tenha negociado.

Arrasto a banqueta capenga para trás.

Me sento.

Apoio meus cotovelos na bancada.

O observo minuciosamente de relance. Ele desliza uma garrafa de cerveja pela bancada de mármore.

— Peguei pra você do frigobar.

O frigobar é ligado a uma bateria. Não temos energia elétrica aqui.

— Gentileza sua. — Agradeço, inclinando para o lado a garrafa já aberta e dando um gole grande, que mal cabe em minha boca, em seguida. Está gelada demais. Desceu como água.

O mercador deve ter por volta a idade de Donghan. Barba por fazer, cabelos longos até a altura do queixo, penteados para trás e completamente alinhados.

— Seu namorado já me pagou. Ele quase faliu por você, gastou todas as suas economias. Ah o amor. Pena que não acredito mais nessas baboseiras. Apenas dou o meu jeito de viver. — Seus ombros se movem para frente ao mesmo tempo em que fala. Displicência.

— Quem não tem esperança, não vive. — Respondo, olhando para frente, as vistas focadas na parede de pedras internas do bar, assim como o mercador.

Depois do que digo, ele finalmente me olha.

Faço o mesmo.

Nesse momento reparo que sempre estou falando de esperança. Deve ser uma mania minha.

— Aqui está.

Meus olhos brilham feito diamante. O assisto lentamente tirar do bolso interno do casaco xadrez, um pacote de papel pardo sujo e amassado. Ele o apoia na mesa, está bem recheado e robusto e o desliza para mim da mesma forma que a cerveja. Reparo em sua mão. Há algumas cicatrizes rasas e as unhas, quase rentes ao sabugo, estão pretas de sujeira.

As minhas também estão assim.

O pacote para a minha frente, meio torto. Rapidamente o abro. Não me contenho.

É ele mesmo. O livro. O Manifesto Populocrata, tem outro nome também, mas é muito grande. O que importa é que agora eu o tenho.

Deus.

Eu o tenho.

Aliso a capa e olho para ela por muitos segundos, admirando. Ela está desgastada, as páginas amareladas, mas internamente o livro está muito bem conservado.

O mercador irrompe meu silêncio:

— Você sabe que quando esse livro foi publicado, um tempo antes do Brasil se tornar uma Populocracia, vários países proibiram a venda e que eles nem possuíam regimes ditatoriais, não é?

— Sim. Estou ciente de todos os riscos. Sei que é por isso também que é mais difícil encontrar um exemplar dele do que de fundamentos de outros sistemas políticos. Mas é por isso que o quero. Essa é a salvação da Coreia do Norte.

— Essa é a segunda edição, de 2050, de duzentos anos atrás. A primeira edição deve existir só no país de origem do sistema, o Brasil. Já ouvi falar que essa possui algumas análises junto, para que o leitor se situe melhor.

— Sim. Está ótimo. Obrigada. — Desço da baqueta, não me importando se fui grossa. Caminho com objetivo a saída, mas paro de costas para ele quando ele pergunta:

— De nada. E... Desculpa a pergunta, mas o que deseja com os fundamentos da Populocracia?

Penso no que falar. Será que irei parecer louca? Utópica? Otimista demais? Que se dane. É o que eu quero mesmo. Ele pode julgar se quiser. Muitos já julgaram os meus objetivos de militância.

— Transformar a Coreia do Norte numa Populocracia. — Digo ao virar de frente, para ele o encarando nos olhos com uma convicção que nem eu sabia que tinha. Meu rosto é impassível e não vacila. Justamente o que eu queria passar.

— Bom, não acredito que isso seja possível. Mas te desejo sorte.

"Tudo parece impossível até que seja feito." "Devemos promover a coragem onde há medo, promover o acordo onde existe conflito, e inspirar esperança onde há desespero." Este é meu objetivo. Estou aqui para isso. E sou obcecada por isso.

E, com essas duas frases de Nelson Mandela, a nossa conversa termina.

E também,

Uma agitação incomum começa.

Franzo o cenho. Estou confusa. Meu coração acelera. Isso nunca aconteceu aqui. Olho pelos arredores. Começo a tragar forte o ar como se ele estivesse rarefeito. Vejo o vulto de um Robin Hood correndo desesperado, pela vista que a saída sem porta me dá da rua, aos berros:

— A PMAI ESTÁ AQUI! CORRAM!

A Polícia Militar de Assuntos Internos.

Tudo gira. Está realmente acontecendo. Fico petrificada. Alguém vai morrer. Não. Não! Sinto meus sentidos diluídos como uma substância química aquosa. Depois que minha mãe morreu, quando eu tinha apenas dez anos, sempre que ocorre um ataque da PMAI tenho uma crise de ansiedade. Por conta do medo. Medo de perder mais alguém.

Apressado, Donghan corre até mim.

— Venha Jihee! Vamos sair todos pelos fundos.

Fico estarrecida com a calma que todos os militantes expressam. Eles parecem não ter medo.

O som dos tiros, dos gritos, a visão das fumaças amareladas das bombas de gás e pernas correndo desesperadamente, me faz mesclar o que vejo com o que já passei desde pequena.

— Donghan! Eu preciso encontrar meu irmão e Taesoo! Eles vão me encontrar aqui. — Ponho minhas pernas para correr no exato momento em que me lembro disso deixando tudo para trás.

Quando atravesso a porta dos fundos, sou a primeira, aliás, pareço estar vivendo um daqueles filmes de guerra os quais já assisti no cinema noturno da casa sete. Olho ao redor. Giro pelos calcanhares. Olho novamente.

Ouço Donghan dizer que é perigoso, mas não volto para trás, já estou dentre a multidão.

Depois, ouço meu nome. A voz está fraca, sendo sobreposta por barulho de tiros que parecem ser eletrônicos e gritos. É como batalha intergaláctica. Os tiros são azuis, velozes e capazes de cortarem um corpo ao meio.

Ouço meu nome de novo. Perdida, sem saber para onde olhar me concentro, então vejo no corredor comprido e estreito, no meio de duas fileiras de casas, ao meu lado direito, Taesoo, correndo até a minha direção. Sorrio.

Mas alguns segundos depois, minhas vistas estacionam num ponto além dele, ao fundo, em algo surgindo em meio à neblina amarela incandescente.

Meu sorriso se desfaz.

Primeiro, vejo as botas peroladas e bicudas, em formato triângulo, com a ponta vergada para trás, na direção do peito do pé, os cadarços dourados, num modelo que me lembra dos sapatos dos nobres das pinturas que já vi. A calça da cor verde abacate, forte e vívido, seguido da camisa da mesma cor, fechada até o pescoço com botões perolados. Por cima do conjunto, um sobretudo verde pálido e gelado, que chego a confundir com um cinza claro, com detalhes dourados nas bordas. As dragonas cobrem os dois ombros e possuem um formato geométrico estranho.

Nunca havia visto uma roupa assim. Nunca havia visto um Policial Militar. Sempre que invadiam os vilarejos eu corria. Eu fugia. Eu... Eu deixei a minha mãe para trás, por isso ela se foi.

Paro a minha insistente mania de observar tudo ao extremo e fico desesperada ao ver uma metralhadora negra, com um risco azul brilhante na lateral, flutuar abaixo da mão caída do policial. Ele não está segurando a arma. Como a está controlando? Pela mente?

Acho que meus olhos se arregalam tanto que até Taesoo faz uma cara triste, antes alegre ao me ver. Quando se vira para trás e vê a arma sendo empunhada pelo nada gradativamente, ele olha desesperado para mim e diz que me ama. Depois disso, o policial digita alguma coisa num pequeno aparelho preso a palma de sua mão e são efetuados muitos disparos.

Muitos. Muitos que nem consigo contar quantos, por conta da sobreposição do barulho eletrônico dos tiros um em cima do outro.

Vejo o corpo dele cair com enormes furos, tão grandes que consigo ver o outro lado por meio deles. Fumaça cinza sai dele em abundância, como o ensopado fervendo no forno a lenha que estou habituada a preparar para mim, ele e Taehyung.

O Policial parece ter regulado o tamanho dos tiros, os diminuindo para poder dar mais de um.

Tudo para. Não ouço mais nada. As pessoas e as luzes passam como vultos, minhas vistas giram como em câmera lenta e sinto um enjoo fora do normal.

Não pisco. Eu berro estridente.

Tento correr em sua direção em instantâneo. Mas, dois braços me agarram tão brutalmente pela cintura que sinto meu estômago doer, meu corpo é puxado para trás e meus pés levantam do chão.

— Vamos embora agora! — A respiração do meu irmão está descompassada e alterada, ele deve ter corrido da terceira zona até aqui feito um louco. Consigo sentir seus batimentos cardíacos acelerados contra as minhas costas.

— Não posso deixá-lo. O corpo dele... Aqui... — Minha voz está mecanizada. Inanimada. Arrastada e com certeza inaudível. Não sei se pensei ou se falei mesmo, de tão baixo.

Estou chorando demais. Não consigo enxergar direito por conta do lençol de água que cobriu meus olhos. Sinto uma dor muito forte no peito. Meu Deus. Está acontecendo de novo. De novo!

— Amanhã voltamos para buscá-lo. O policial está se preparando para efetuar outro disparo. E você foi atingida de raspão. Sua perna está sangrando muito!

Taehyung berra dentre toda a balbúrdia do local tentando suplantar o som. Ele me ouviu. Eu disse a frase no fim das contas.

Desisto, vendo o policial vindo até nós. Desisto porque sinto medo. Seguro a mão dele e saímos correndo nos juntando a multidão de militantes. Fecho os olhos e grito enquanto choro ainda mais.

Com a mão direita, aperto fortemente a mão dele.

Com a esquerda, seguro com toda a minha força, a ponto dos meus dedos furarem o saco pardo, o livro da Populocracia.

Hoje, levo comigo a esperança.

Mas para trás,

Deixo

A minha alegria.

❁❁❁


Notas Finais


Nos próximos capítulos teremos descobertas interessantes. Até mais.
Amo vocês. <3


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