" Que as estrelas não sejam tolas como eu, se apaixonando pela luz do sol mesmo não o alcançando quando ele irá se pôr."
Ezequiel L. Quesydia.
É outono, no cachecol que sua vó lhe deu e nas luvas que pegou do guarda-roupa do seu irmão, nas folhas desbotadas de vários tons que tomam todos os lugares e nas chuvas frias que se compara ao gelo presente nos olhos daquela pessoa que lhe rejeitou. Ele ainda se sente envergonhado ao lembrar das palavras ditas pelo cujo, como uma pessoa que ele achava tão belo conseguia ferir tanto com palavras? As vezes, seu coração se comparava a uma folha seca e caída no chão de uma praça no outono, frágil e quebradiço, onde as pessoas pisam até restar apenas pedaços esmagados e espalhados. Mas era uma folha diferente, que apesar de dia estar sendo pisoteada pelas pessoas, a noite era curado pela luz da lua. Continuava sendo uma folha quebradiça, todos os dias, mas todas as noites curada.
Frio. Ele está acostumado com o frio. O frio do ambiente ao seu redor. Do frio das pessoas. Do frio do mundo. A frieza era apenas um fundo, um detalhe, como uma pedrinha de gelo as vezes, mas sempre tinha os casos raros em que eram icebergues. Mas ele náo ligava, ele aprendeu a lidar com o frio das vezes que ficava exposto a chuva e era flechado pelas gotas frias.
"A chuva é o choro das estrelas, você as consola, mas no fim acaba doente e gelado. Console as estrelas, meu pequeno, mas mantenha seu coração aquecido para que as lágrimas náo atinjam seu peito."
Ele se lembrava das palavras de sua avó, ela sempre era assim, poética e sábia. Mesmo que aquilo tivesse sido a última coisa que tivesse dito ao neto, talvez por isso tais palavras estavam anotadas tantas vezes em cadernos e agendas dele, ele não queria esquecer. Esquecimento era o precipício da humanidade, esquecer de algo era grave e comum. Ele tinha medo que se acabasse esquecendo dessas palavras, elas iriam sumir e se desfazer como areia por entre seus dedos, sem chance de encontra-las novamente no gigantesco deserto de memórias.
Mas ele nunca esqueceria, mesmo que essas palavras fossem feitas de areia, elas sempre brilhariam mais sob as outras memórias, como um diamante verdadeiro no meio de réplicas. Só que ele sempre escrevia tais palavras em todos os lugares, quando tivesse idade o suficiente, provavelmente tatuaria uma parte da fala da avó em seu idioma materno.
As palavras também lhe lembravam o quão chuvoso e frio foi o último dia de sua avó. Foi frio pelo jeito que sua mãe brigou consigo por não parecer se importar com a avó, mas ele se importava sim, ele não havia chorado quando ela morreu e nem rezou de joelhos com sua mãe para que aquele dia não fosse o ultimo, não beijou a testa enrugada da avó quando seus minutos foram contados e nem ficou com a expressão de Luto de seus familiares.
Insensível. Fora a primeira vez que alguém disse isso diretamente a ele, esperava que algum de seus primos lhe dissesse isso ou alguma de suas tias que os nomes lhe fugiam em mente, não esperou que a própria mãe o chamasse assim. Ele não chorou porque a avó teria lhe dito para não chorar, e sabia que se ela os estivesse vendo, falaria para ele continuar a ser o de sempre, com ou sem a morte da avó, ele apenas atendeu esses desejos, então não entendeu porque ficou de castigo.
Nem uma lágrima, sequer seus olhos ardiam.
Seu irmão havia soltado algumas lágrimas, mas eles dois compartilhavam os mesmos desejos da avó: não chorem pela morte e sejam vocês mesmo com ou sem mortes. Então ele apenas ficou ao lado do irmão, em silêncio e ouvindo o choro dos adultos. Era quase irônico. Os adultos quem choravam e não as crianças. E ele não queria manchar o cachecol em seu pescoço com lágrimas, temia estragar o tecido escuro, por que manchar com dor algo que foi lhe dado com amor?
Essa frase refletiu em sua mente por dias à fora, ele apenas a encaixava em diferentes situações, passando a mão no cachecol, sentado na cama e observando o irmão, que folheava um livro um pouco maduro pra sua idade, eles dois eram mais velhos mentalmente do que fisicamente, disso sabiam, mas tinham dúvidas ainda, como qualquer pessoa, afinal náo eram perfeitos, ninguém nunca é. Ele só viu a perfeição uma vez, e não foi nele e nem no irmão, sequer foi em alguem de sua familia.
Então, ele tirava o cachecol do pescoço e o colocava a sua frente, em cima da coberta azul cobalto. O tecido azul escuro quase preto e pequenos pontos brancos e amarelos em pequenas constelações, quase um pedaço costurado da galáxia. Pois enquanto as pessoas não alcançam as estrelas, elas produzem as copias das estrelas, apenas para lhes lembrarem de que mesmo após conseguir algo, você ainda não alcançou as estrelas.
Elas ainda estão inalcançáveis.
Muitas coisas são inalcançáveis quando se é criança. Mais inalcançáveis ainda quando sua mãe te coloca de castigo por náo ter chorado na morte da sua avó, tendo como companhia seu irmão. Mas ele continuava apenas a deslizar o tecido do cachecol entre os dedos, sendo confortado pelas musicas doces que o irmão cantarolava baixinho, sempre doce feito açúcar.
- vai ficar ao dia inteiro refletindo a vida ou vem ler comigo, Ezequiel? - seu irmão questionou sem tirar os olhos do livro. Ele se aborreceu levemente pelo irmão não ter lhe olhado, gostava de ficar encarando e comparando os olhos do outrora com musse de chocolate com conceito dourado num pote enfeitado de estrelas, o doce que sua vó lhe ensinou a fazer e que ele insistia sempre em fazer na vasilha estrelada. Era como uma rotina e um gosto amargo se resvalava pelo seu paladar em lembrar que não ouviria mais as risadas contagiantes da avó quando ele insistia em comer na vasilha estrelada. - Ezequiel. - seu irmão voltou a lhe chamar quando o garoto voltou a pensar e ficar desfocado ao que acontecia ao seu redor. Sempre viajando no mundo da lua. - é o livro da vovó, por favor, leia comigo. - pediu, dessa vez o encarando nos olhos semelhantes aos seus e dessa vez ele largou o cachecol, saindo da cama e indo se sentar ao lado do irmão. Ezequiel fitou as páginas do livro e resistiu um suspiro.
Tudo lhe lembrava a avó, os olhos do seu irmão, seus livros e suas roupas. Seus hábitos lhe lembravam a avó. Até o cheiro das flores que ficavam na janela do quarto lhe lembravam da idosa. Os olhos do seu irmão eram puros e sinceros, não como uma criança deveria ter, mas como um ser angelical devia ter, se perguntava porque os olhos do irmão eram mais claros que os seus, que eram como duas pérolas pintadas de preto: Impossivel e magnifico.
- esta lendo qual parte? - Ezequiel questionou não muito animado sem tirar os olhos do livro. A idosa escrevia desde jovem, preferindo escrever contos dramáticos e biografias, totalmente recomendadas ao público adulto e na qual a mãe dos dois os proibiam de ler por serem crianças ainda, claro que eles ficaram indignados em não poderem ler o trabalho da avó e mesmo assim foi lhes permitido ler apenas a autobiografia da idosa, que a mesma havia publicado há dois anos.
- a parte que ela começa a escrever poesia. - o irmão lhe respondeu, suspirando em seguida de modo desanimado. - mamãe disse que quando alguem morre, essa pessoa vira uma estrela. Mas.. É possível que todas as estrelas sejam almas de pessoas mortas? Isso é horrível.
Os dois compartilhavam essa visão distorcida. Ezequiel amava estrelas, ambicionava alcança-las. Eram as obras de arte que desejava sempre admirar. Mas se os mortos são estrelas, significa que ele ama a morte?
- os mortos não viram estrelas, Edmund. - Falou ao irmão num tom calmo. - estrelas são nossos desejos. - e então, apontou para um trecho do livro:
"Cada estrela é um desejo humano, não importa qual, se você deseja uma fruta, por exemplo, uma estrela nasce. Quando você realiza esse desejo, a estrela brilha mais e se perde pelo universo a fora, procurando por algum ser que tenha o mesmo desejo que a fez nascer. Cada estrela tem seu propósito: servir de desejo a alguem."
- estrelas se formam por tornados no espaço. São ventos fortes e gélidos. - Ezequiel falou, encarando o teto do quarto, pintado de azul escuro com diversas constelações. - então precisamos entrar num tornado pra pegar uma estrela antes que ela seja de outra pessoa?
Tudo faz sentido depois de um tempo, e o futuro de sentido não esta tão longe, só temos que esperar.
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