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História Cicatrizes - O Que o Destino Reserva


Escrita por: Apolinds

Notas do Autor


Heeeey, olha quem chegou. Quase dois meses sem postagens, mas em fim voltei com mais um capítulo.
Gostaria, por favor, que lessem as notas finais. É importante.
Vamos a leitura.
Até lá.

Capítulo 13 - O Que o Destino Reserva


Cinco meses depois.

Outono.

Em uma quarta-feira o aeroporto de Rochester estava particularmente calmo. Uma jovem mulher caminhava com elegância por entre os pedestres chamando atenção.  O cabelo rosa vibrante brilhava contra o sol que adentrava pelas janelas de vidro. Ela arrastava uma mala preta com a mão direita enquanto sua mão esquerda estava ocupada segurando o celular.

Os olhos cobertos por óculos de sol passavam pelas mensagens com tédio, mal registrando as ameaças explicitas entre o texto. Um minuto depois ela simplesmente desligou o aparelho e guardou dentro do bolso do sobretudo.

Por onde a mulher passava um pescoço virava em sua direção. Acostumada com a reação ela somente ignorava e continuava com seu caminhar sinuoso.

Ela pagou por um táxi. Este táxi a levou para um hotel quatro estrelas no centro da cidade. Por um instante as construções da cidade chamou sua atenção, sendo esta a primeira vez que colocava os pés em Rochester.

Uma vez no hotel ela sorriu amistosamente para o recepcionista, escondendo com facilidade a visão de seus dentes. Em resposta ao pequeno sorriso o recepcionista quase caiu da cadeira. Revirou os olhos ocultos e seguiu para sua cobertura.

— Finalmente — disse Lilian ao entrar em seu mais novo aposento.

Seu nariz rapidamente captou cheiro de amaciante de lavanda nos lençóis da cama, cera com perfume de limão vindo dos móveis e o cheiro característico de umas tulipas dentro de um vaso de vidro bonito pousado na mesa redonda próxima as portas da janela.

Antes de se atrever relaxar Lilian olhou em todo o quarto procurando por câmeras e escutas. Ela podia ter vindo para Nova Iorque com outro nome, mas ela não era idiota e conhecia bem Darius para saber que ele tentaria de tudo para acabar com seus planos.

Ao não encontrar nada desabou na cama e retirou os óculos de sol, jogando ao seu lado. Esfregou a mão direita no rosto e suspirou pensando no homem que deixou para trás.

Darius era a única pessoa importante em sua vida. Tudo o que fizera na vida era pensando nele em primeiro lugar. Não houvera uma única vez que maculara a imagem do seu guardião. Ela o respeitava. Muito. Orgulhava de ser a pessoa para quem ele dedicou sua existência. Era feliz ao seu lado.

Eles moravam em Brighton, na Inglaterra. Darius era dono de uma enorme livraria luxuosa, mas preferia manter-se afastado do lugar. Por isso Lilian era a principal responsável do local. Ela comandava a livraria como ninguém e os funcionários a amavam.

A princípio as pessoas estranhavam seu visual, especialmente porque a livraria era um ambiente conceituado e focado em antiguidades. Sua aparência destoava de toda a pompa do lugar, não que ela ligasse. No final, todos acabavam se acostumando e quem não o fizesse ela mostrava a porta de saída como uma boa anfitriã.

Lilian era velha, não tanto quanto Darius, mas velha o suficiente para ter visto o mundo mudar diante de seus olhos. E enquanto tudo evoluía, ela manteve o mesmo rosto.

Houvera uma época em que seu crescimento era tudo que deixava Darius com os nervos à flor da pele. Cresceu tanto que em menos de dez anos ela era uma jovem mulher. Não podia dizer que fora criança, pois seu intelecto era tão mais avançado que com dois meses de idade ela recitava perfeitamente “O Inferno de Dante” em italiano fluente.

Com o passar dos anos o tédio tornou-se seu maior inimigo. Estava constantemente procurando algo para fazer e viajar se transformou um de seus hobbies favoritos. Conheceu diversos países, aprendendo costumes e línguas. Ela era boa em se adaptar. Boa em ser um camaleão.

Por que era isso o que ela era. Um camaleão. Uma pessoa capaz de se camuflar e se tornar uma incógnita diante da pessoa mais sagaz.

Novamente ela pensou em Darius. Nunca, em seus setenta anos, tinha-o visto tão furioso quanto quatro meses atrás quando ela entrou em seu escritório e leu todas as cartas misteriosas que ele vinha recebendo. Todas vindas de Rochester. E o conteúdo... Lilian primeiramente achou que era tudo uma alucinação até que a reação de Darius provou que estava errada.

Lilian era uma híbrida. Metade vampiro metade humana. Ela sempre imaginara que era única, uma raridade no mundo místico. Mas não era o que dizia nas cartas estranhas destinadas a Darius.

O conteúdo das cartas era como um relatório. Detalhado e cheio de códigos que ela mal entendeu a metade. Ela agradeceu fervorosamente por saber espanhol, pois todas as cartas tinham sido escritas na língua.

Então ela soube. Soube que ela não era a única.

Ela estava tão brava com Darius. Ele escondera uma informação de suma importância mesmo sabendo sobre seus sentimentos; mesmo sabendo que ela se sentia extremamente solitária.

Com mais de setenta anos nas costas, Lilian nunca se relacionara com qualquer outro vampiro. Aqueles que descobriram sobre sua origem morreram pelas mãos de seu guardião. Darius dizia que ninguém poderia saber de sua existência. Principalmente a realeza vampírica.

Com seu dom peculiar era muito fácil se manter escondida dos curiosos. Um cabelo diferente, uma cor de olho oposta... Um disfarce. Lilian estava sempre disfarçada.

Ela detestava ser assim.

Não era algo que ela pudesse controlar cem por cento. Melhorara muito com o passar das décadas, aperfeiçoando como podia o dom que nascera com ela, mas ainda cometia erros. Erros que resultavam na morte de pessoas, pessoas que não tinham culpa de estarem no mesmo lugar que ela e terem visto o que não devia.

Darius não era mau, mas também não era um poço de candura.

Não que ela fosse. Ela já tinha matado. Muito. Mas ela não matava se não precisasse. Tinha um profundo entendimento sobre a diferença de matar por prazer e matar por necessidade. Era uma linha tênue que ela não queria quebrar.

Ela precisava conhecer a híbrida que vivia naquela cidade. Precisava saber que não estava sozinha no mundo.

E que não era uma aberração.

***

Nessie achou que estava morrendo.

Primeiro começou com uma estranha irritação com Henry, mais do que o habitual. Depois se transformou numa absurda vontade de se entupir de chocolate e assistir filmes melosos. Então, enquanto assistia, seus canais lacrimais começaram a vazar e ela se viu fungando contra o pelo de Tohrment.

E foi aí que começaram as dores.

Tudo parecia inchado. Seus dedos, seus seios... Sua cabeça pulsava e ela começou a sentir pequenas contrações em seu baixo-ventre.

Era assustador.

Não era nada que Nessie já tivesse sentido. Nenhuma das torturas de Aimée lembrava aquilo e ela não conhecia droga alguma que provocasse esses sintomas. Lembrou-se do que comeu durante o dia, mas não houvera nada diferente. Helena gostava de comida saudável e sempre que podia fazia refeições balanceadas.

Foi uma das piores noites de Nessie.

Na manhã seguinte ela sabia que algo estava errado. Mexeu-se na cama e imediatamente sentiu cheiro de sangue. O seu sangue. E ele não estava indo bem.

Abrindo os olhos para o quarto parcialmente escuro ela saltou da cama e correu para o banheiro. Olhou-se no espelho, mas não viu nada demais. Ainda era uma pirralha, agora dez centímetros mais alta, com os cabelos embolados e a cara amassada de sono.

 Frustrada, tirou a roupa para tomar banho. Foi ao se despir da parte debaixo do baby-doll que ela teve uma surpresa.

Ela acabara de descobrir de onde vinha o sangue.

— HELENA! — gritou abruptamente de olhos arregalados — HELENAAAA.

Ela ouviu o som dos saltos da bruxa e então o vulto de Henry que simplesmente arrombou a porta e invadiu o banheiro com a expressão de um vampiro pronto pra matar. Nessie gritou, tapando o corpo. 

— FORA DAQUI, IDIOTA! — guinchou.

— Qual é o problema? — perguntou Henry, olhando-a com os olhos acesos — Sinto cheiro de sangue.  

Ela o olhou furiosa.

— Estou nua, Henry — gritou — Saí.

Henry deu um rápido olhar nela antes de seu rosto se contorcer em constrangimento e ele correr para fora do banheiro. Um minuto depois Helena apareceu ofegante.

— O que foi? — questionou ela sem fôlego.

— Estou tendo uma hemorragia — falou aflita. — Olhe só!

 Ness apontou para o short e a calcinha manchada jogada no chão. Helena seguiu seu dedo e sua expressão preocupada logo se transformou em uma divertida. Nessie olhou de boca aberta para os olhos risonhos de Helena.

— Qual é a graça? — quis saber desgostosa.

Helena soltou uma risadinha.

— Oh querida. Você não está tendo uma hemorragia. Você somente acabou de ter sua primeira menstruação. Meus parabéns.

Nessie a encarou com horror. Como assim menstruação?

— Vampiros não menstruam — disse com a voz fina. — Eu sou uma vampira!  

— Você é meio vampira. A menstruação é algo natural para as fêmeas humanas. Significa que você é mulher agora. Pode conceber.

Nessie sentiu tontura.

— O que você quer dizer por conceber? — balbuciou.

Helena encolheu os ombros.

— Bem, quando menstruamos significa que as paredes internas do nosso útero estão descamando porque não houve fecundação. Ou seja, sem relações sexuais que resultaram em gravidez.

— Eu posso engravidar? — sussurrou Nessie. Seu rosto estava branco como cera.

Helena a olhou fixamente.

— Não temos como saber. Você não é totalmente vampira e nem totalmente humana. Porém, diferente das vampiras você pode evoluir. E você sangrou. Acho que há esperança, Ness.

Nessie não sabia o que dizer. De todo aquele assunto, a palavra gravidez era a que a assustava mais. Com toda a sua vida bagunçada, um bando de vampiros mercenários a perseguindo, sua memória um caos e seus sentimentos todos confusos, ter bebês não estava na sua lista. Além do mais para ela ter um precisaria se envolver com alguém.

Onde é que ela arranjaria um macho para ter um envolvimento físico?

Não, não, não. Nada disso. Ela não tinha tempo para garotos. Sem falar que ela mal tinha corpo direito. Certo, seus seios eram ok pra sua idade — física —, tinha uma barriga chapada por conta dos exercícios constantes, coxas torneadas e os braços duros. Isso não significava que ela sairia por aí procurando por um parceiro. Nem pensar. Era nova demais para aquilo.

E ela também duvidava que existisse alguém que arriscaria seu pescoço para ser seu companheiro.

Definitivamente não, pensou.

Esse não era o melhor momento para estar tendo esse tipo de pensamento. Na realidade ela não queria pensar de nenhuma maneira naquele assunto. Ela tinha problemas demais pra uma vida tão curta. E estava nua. Na frente de Helena.

Henry me viu nua, lembrou com uma careta. Uma coisinha magra, com peitos do tamanho de maçãs e cheia de cicatrizes.

Ugh.

— O que eu faço? — perguntou emburrada para Helena.  

Helena lhe deu um sorriso caloroso.

— Vou trazer absorventes para você e depois te ensinarei a como controlar seu ciclo. E ignore Henry, ele já está acostumado com isso há mais de mil anos — disse Helena. — Ele deveria ter percebido que algo estava mudando em você.

— Como assim ele deveria saber? — questionou estressada. Estava tudo um desastre.

— Nossos cheiros mudam quando estamos nesses dias. Eu não sei como vai ser com você, mas depois que sua menstruação terminar você estará ovulando e isso é um atrativo em si.

Ness engoliu em seco.

— Atrativo? — repetiu nervosa. Helena piscou para ela.

— Por alguma razão os Filhos da Terra ficavam seduzidos pelo cheiro de uma fêmea ovulando. Henry era um Filho da Terra. Não sei qual vai ser a reação dele.

— Eu vou ficar bem! — uma voz disse ao longe. Nessie ficou mortificada ao reconhecer a voz de Henry.

— Você está ouvindo!  — chiou vermelha de raiva e vergonha.

Ela escutou sua risada. Encolheu-se. Helena a fitou com compreensão.

— Vá tomar seu banho, querida. Depois conversaremos melhor.

Aflita, Nessie fez algo que raramente fazia. Aproximou-se de Helena e tocou em seu rosto. Com um pequeno toque psíquico ela projetou em sua mente:

“Promete?”

Os olhos de Helena buscaram os dela e sua voz mental encheu sua cabeça.

“Prometo”.

Nessie ainda estava queimando de vergonha quando enfiou a cabeça no jato de água quente. Ela queria se esconder debaixo da cama e nunca mais sair de lá. De todas as coisas humanas que ela poderia herdar tinha que ser a maldição mensal que a faria sangrar por uma semana. Que inconveniência! Aquilo seria um grito de alerta para os seus perseguidores. Sem falar nas dores e oscilação de humor.

Vou sobreviver, pensou determinada. Se suportei Aimée posso suportar uma semana de cólicas.

Ela voltou ao quarto trinta minutos depois. Sua cama estava com lençóis novos e deitado nela se encontrava um Tohrment sonolento que rapidamente fixou os olhos azuis pálidos nela.

— Relaxe, gatão. Estou bem. Agora trate de fechar os olhos — mandou com uma falsa expressão séria.

Tohrment estalou os dentes para ela antes de virar a cabeça para direita e abaixá-la em cima das patas.

Com um suspiro, Nessie soltou a toalha e mexeu na pilha em sua penteadeira que certamente deveria ser coisa de Helena. Havia um copo com suco e dois comprimidos que imediatamente engoliu. Fez careta para o pacote de absorvente, mas o colocou mesmo assim.

Ness deu uma olhada no tempo lá fora e mordeu o lábio enquanto pensava o que vestir. Nos últimos meses ela se tornara uma consumista que nunca imaginou ser. Helena adorava comprar e seu hobbie favorito era encher Ness de roupas e joias. No inicio, Ness quis tacar fogo em tudo, pois achava desnecessário. Quando presa tudo o que ela tinha eram dois vestidos, uma calça de moletom, uma regata e uma blusa de manga cumprida. Se tivesse que viajar o responsável por sua vestimenta era Matthew.  E mesmo depois que tinha terminado com a missão tudo era devolvido e guardado para posterioridade. Nessie não era apegada a pedaços de pano e detestava quando Helena empurrava para ela presentes que não queria aceitar.

Tudo mudou quando Helena insistiu que precisavam ter um momento só de garotas. Claro que Henry não gostou nada. Os vigilantes do mestre estavam em todas as partes e era perigoso que ela fosse vista na cidade. No entanto, Helena não se deixou abalar. Ela os banhou com um feitiço imemorável que fazia que os humanos não se recordassem deles. Era uma pena que não funcionasse com vampiros. Mas aquele detalhe era o de menos para a Filha da Terra. Contanto que ambas fossem discretas e se locomovessem onde existisse maior fluxo humano, nenhum soldado do mestre iria feri-las.

E isso realmente deu certo. Os meses seguintes foram calmos e Nessie viu apenas alguns vampiros rondando.

Mas não os vampiros do mestre. Não, os vampiros que ela vira eram os de olhos dourados.

Ness não conseguia esquecê-los. Ela viu pelo menos mais três vezes a pequena vampira de cabelos espetados no shopping, três vezes que foi incapaz de se aproximar.

Era como se a vampira soubesse que estava ali. Na primeira vez que a viu ela estava junto com o vampiro cicatrizado. Ela não teve coragem de avançar. O vampiro a alarmava e morria de medo de prejudicar Helena.

Na segunda a pequena fêmea veio sozinha, seus ansiosos olhos dourados procurando pela multidão.

E por fim, na terceira vez, uma garota de cabelo cor de mogno e olhos tristes ficou ao seu lado. Nessie mal a tinha visto direito, mas o pouco que vira fez seu coração por algum motivo estremecer de dor. Ela sabia que teria ido até ela, sabia que teria tentado conversar... Se Matthew não tivesse aparecido.

Nessie se recusava a passar pela cena do estacionamento novamente. Duvidava que fosse conseguir escapar de Amy mais uma vez. Por isso ela foi embora, perdendo a oportunidade de falar com as duas vampiras.

Foi nesse período que Helena a levou para fazer compras. Bijuteria, calças, blusas, sapatos, joias... Era tanta coisa que duvidou ser possível guardar tudo em seu quarto.

O fato era. Ness acabou se acostumando com a extravagância de Helena e até mesmo com a mania de comprar. Descobriu então que era divertido combinar peças de roupas e que se sentia bonita quando algo se assentava bem nela. E ela odiava admitir, mas gostava quando Henry sorria para ela quando usava alguma coisa que o agradava.

Lembrando-se que ela e os Reese iriam ao supermercado fazer as compras do mês, enfiou-se em uma calça jeans azul marinho e um cropped vinho de botão com mangas longas. Amarrou o cabelo na habitual trança embutida e calçou as inseparáveis botas militares.

Uma vez pronta ela olhou para Tohrment que ressonava tranquilamente em cima de sua cama. Ela deu de ombros, sabendo que mesmo que não estivessem em casa ele não iria desaparecer. Houvera diversas oportunidades para ele fazê-lo, mas o leopardo permanecera.

Encontrou Henry e Helena na cozinha, ambos arrumados de forma casual. Henry vestia uma camiseta de botão verde-musgo que Nessie nunca vira na vida, jeans escuros e botas militares semelhantes à dela.  Já Helena a surpreendeu por não estar usando os costumeiros vestidos.

— Onde está o estoque de Versace e Chanel? — perguntou para Helena, fitando os jeans de lavagem clara e a blusa roxa de mangas longas que ela usava. O cabelo estava preso em um coque meio solto com pequenos cachos caindo ao redor do rosto.

Helena mostrou a língua para ela.

— Muito engraçado. Quis me prevenir hoje. Parece que sempre atraímos mais vampiros quando estamos reunidos, então se for para correr que não seja em saltos altos — respondeu ela ao que saiu de trás do balcão e mostrou as botas curtas com saltos pequenos.

— Uau, estou impressionada. É a primeira vez que a vejo usar sapatos que não sejam uma arma mortal — zombou, pegando alguns crossaints de cima do balcão.

Helena bufou.

— Falando em armas mortais... — disse Henry com um pequeno sorriso. — Tenho algo para você.

— O quê? — perguntou automaticamente.

Seus olhos se encontraram com o dele e lembrou-se de sua expressão sem graça no banheiro. As bochechas de Nessie enrubesceram, porém se recusou a desviar o olhar. Os orbes vermelhos de Henry faiscaram como se soubesse o que ela estava pensando, mas ele não disse absolutamente nada sobre o assunto.

A atenção dele saiu de seu rosto e foi para o lado dele, na cadeira vazia a sua esquerda. De lá ele pegou uma caixa de madeira negra com o brasão Hunter e empurrou em sua direção.  

— Terminei suas adagas — disse ele quando ela olhou-o em interrogação.

Com uma comichão de entusiasmo ela abriu a caixa. Um suspiro escapou dela ao ver as duas lâminas dispostas em veludo verde.

Fazia meses que Henry vinha trabalhando nas armas. Ele transformara a garagem em seu local de trabalho e não a deixava entrar lá por nada nesse mundo. Ness era obrigada a ouvir o tinido das lâminas sendo moldadas sem poder opinar em nada. Após um tempo Helena passou a frequentar a garagem, ajudando Henry a temperar o aço com feitiços inquebráveis.

Helena dissera que ninguém nunca fizera nada do tipo. Primeiro porque nenhum ser místico criava armas sem nada em troca, segundo porque era a quebra de umas quinhentas regras. Quando existiram os clãs dos Filhos da Terra todos os alfas deixaram muito claro que nenhum metamorfo tinha autorização para fabricar artefatos a fim de prejudicar outra raça. Eles não queriam chamar a atenção para sua existência e uma arma feita por um metamorfo ou latente iria totalmente por um alvo nas costas deles.

Nessie tinha ficado com um pé para trás quando soube disso, mas Helena disse para não se preocupar. E além do mais, aquele era uma das raras ocasiões que Henry se entusiasmava em algo.

E ela tinha que admitir, as adagas que olhava agora eram lindas.  A lâmina meio curva lembrava adagas persas. O punho era liso e prático, a única decoração era a gema preciosa no pomo: a esmeralda que representava o clã Hunter com um minúsculo leopardo desenhado dentro dela.  

Porém, o que encantava Nessie era os escritos ao longo da lâmina. Ela duvidava muito que fosse romeno e certeza que não era latim. Os caracteres tinham um brilho dourado que quase não dava para ver. Na verdade ela acreditava que nenhum humano seria capaz de ler o que estava escrito.

Um sorriso formou em seu rosto quando testou o peso da adaga. Tinha sido feito para ela. Era até melhor que as adagas do mestre; o mais importante era que ela não precisava se preocupar com o fato de que sacrificara alguém no preparo delas.

— Elas são ótimas, Henry — falou sorrindo. Esse era outro detalhe. Ela sorria mais. Não doía tanto expor seus sentimentos.  

— Que bom que gostou porque deu trabalho — disse ele, sorrindo de volta.

Nessie rolou os olhos.

— Você precisa banhá-las com seu sangue como fez com o medalhão e o anel — disse Helena. — Assim elas irão obedecer ninguém além de você, mas se alguém pegá-las elas irão automaticamente desaparecer de onde estão e ir atrás de você.

— Como assim? — perguntou confusa.

— Seu sangue está servindo como rastreador para adaga — disse Henry.  — É assim que são feitas as armas metamorfas. Um guerreiro tem sua própria arma, feita para ele com as medidas certas.

— Então significa que você e Helena tem sua arma especial?

Henry fez careta.

— Minha espada se dissolveu quando me transformei em vampiro. E Helena... Bem, ela tem, mas não é como se ela andasse com ela o tempo todo.

— Especialmente porque não preciso dela quando posso fazer uma pequena magia para sair de cena quando necessário — comentou Helena.

— Desperdício de mágica — bufou Nessie. — Será que ninguém percebe o que você é?

— Tem mais de duzentos anos que não uso magia com frequência como hoje em dia. Nos isolamos há muito tempo, Ness... — disse Helena.

— Há quanto tempo vocês moram aqui? — questionou Nessie franzindo a testa.  Nunca tinha parado para pensar nisso.

— Essa é uma pergunta interessante — sorriu Henry.

— Deve ter uns noventa e poucos anos — disse Helena pensativa.

— Tudo isso? Como foi que ninguém percebeu? — admirou-se Ness.

— A casa tem um escudo mágico que o torna invisível a qualquer um, humano ou ser místico. Já nós tentamos manter-nos na margem o máximo possível.

— Nunca teve um clã aqui durante todo esse tempo? Nem nômades? Me admira muito que os Volturi não vieram investigar.

— Acho que minha magia afeta os vampiros que vem aqui — disse Helena, encolhendo os ombros. — Você não sente a energia quando eu uso?

— Claro que sinto. Mas é algo bom, que esquenta a pele — falou Nessie.

— Não é assim que funciona com vampiros puros — disse Henry suavemente. — Quando a magia atinge um pico é como se areia estivesse nos pinicando.

 — Então, mais um motivo para os Volturi terem vindo para cá. Por que não vieram?

— Eles vieram. Uns cinquenta anos atrás, porém não encontraram nada que justificasse a falta de clã — Helena esclareceu.

Nessie ficou pensando, então fez careta.

— É claro que não houve clãs. O mestre deve ter afastado os vampiros que tentou se fixar aqui. Ele sempre deixou muito claro que Rochester era seu lugar.

— Está aí! — exclamou Henry de repente. — E se ele nasceu aqui? Talvez ele tenha sido alguém importante.

Ansiedade cresceu em Ness.   

— Vocês moram aqui por mais de noventa anos, certamente devem saber de algum caso estranho!

Os olhos de Helena brilhavam.

— Na biblioteca da cidade deve ter reportagens antigas armazenadas. Provavelmente slides o que deve facilitar as buscas.

— Iremos lá essa noite — determinou Henry. — Assim não corremos o risco de ter alguém nos vigiando.

— Certo. Biblioteca. Hoje à noite — balbuciou Nessie. Mal podia acreditar, iria atrás de sua primeira pista.

— Bem, se temos esse compromisso temos que correr com as compras. Tome seu suco, Ness e vamos indo. Vou pegar a minha bolsa — disse Helena, saindo da cozinha.

Nessie tomou seu café da manhã às pressas. Como todos os dias desde que passara a morar com os Reese, Helena preparara para ela um café da manhã saudável e o mais natural possível. Ela não gostava que se alimentasse com comida industrializada o tempo todo.  Com os exercícios constantes realmente não se importava. Helena era melhor pessoa para cuidar de sua saúde.

— Aqui, é melhor usar — disse Henry quando ela acabou de comer. Ela se virou para ele e viu que ele estava estendendo duas capas para as adagas. Nessie limpou a mão em um guardanapo e pegou as capas de couro com detalhes em fio de ouro.

— Obrigada — falou, encapando as adagas. Cautelosamente ela colocou as adagas dentro das botas, certificando que elas não aparecessem quando andasse. Era estranho andar com metais encostando sua panturrilha, mas fazia tempo que ela se acostumara com a sensação.

— Tem certeza que esse é um bom lugar? — perguntou Henry, olhando para suas botas.

— Não vou por um sobretudo só para poder guarda-las.

Henry inclinou a cabeça para o lado, analisando suas roupas. Nessie se remexeu, desconfortável.

— Gosto da blusa — disse ele, buscando seus olhos.

— Bem, vou pedir para que Helena compre uma para você.

Henry se levantou de maneira inesperada e se aproximou perigosamente. Ele abaixou a cabeça em sua direção de modo que os narizes se tocavam. O hálito frio dele tocava a pele quente dela. Ela fitou os olhos vermelhos maliciosos e lutou desesperadamente contra a reação do próprio coração.

— Vou reformular a frase — disse ele com os lábios curvados. — Eu gosto como a blusa fica em você.

Nessie engoliu seco. Já fazia algumas semanas que o relacionamento entre ela e Henry andava em uma linha tênue entre farpas e... Alguma coisa. Ela não conseguia entender o que estava acontecendo... Uma hora eles estavam jogando objetos decorativos na cabeça do outro e no segundo mais tarde olhavam-se como se um fio invisível os tivesse amarrando juntos.

Era nesse momento que ela se contradizia. Ela não via nada demais em outros machos, nenhum lhe interessava. Mas olhar Henry a entorpecia no mais profundo; estava divida entre o desejo de bater nele e a vontade de se enroscar ao seu redor.

Confusão era um sentimento do qual não apreciava. E era exatamente isso que abatia sobre ela toda vez que se encaravam. Confusão e... Calor. Era tanto calor e não compreendia nada sobre ele.

Henry estava na merda. Ele sabia disso, Helena sabia disso, até seus ancestrais sabiam disso. A única que continuava a não entender seu comportamento era Nessie.

Ela continuava a coisinha pequena de cinco meses atrás, como também continuava feroz e cheia de frases ácidas e irônicas. Ela pregava peças, jogava a mobília nele, puxava seu cabelo e gritava palavrões pior que um marinheiro... E Henry adorava. Do mesmo jeito que adorava quando ela tocava piano, quando a observava ler sentada no pé da lareira, de vê-la lutar com Helena, de ele próprio ensiná-la lutar, do sorriso tranquilo que moldava seus lábios ao estar no sol ao lado de Tohrment... Ela o encantava. Cada pedaço seu.

Porque ela era a sua companheira.

Henry soube o que ela era para ele no dia após a chegada de Tohr, quando a encontrou na parte de trás da casa ajoelhada em frente a uma bacia cheia de espuma com um Tohrment miando sua indignação pelo banho que ele claramente não queria. A expressão determinada de Nessie tinha quebrado alguma coisa dentro de Henry, uma resistência que até aquele instante ele não dera conta que existia.

Cada ocasião a partir dali tinha feito seu coração morto parecer voltar à vida. Filhos da Terra só tinham um companheiro pelo o resto da vida e entendia sobre vampiros o suficiente para saber que nesse assunto eles eram semelhantes. Quando um vampiro encontrasse seu par, seria eterno.

Porém, Nessie era meio humana. Ela poderia se apaixonar novamente. Poderia sentir-se atraída outra pessoa. Henry não. Ele tinha instintos metamorfos dentro dele, instintos que dizia para ele pegar o que o pertencia.

Como se não bastasse esses indícios fracos de sua natureza anterior, o lado vampírico estava o empurrando para a beira do precipício. A última coisa que esperava era que os dois lados do que ele era fossem concordar com algo.

O resultado? Henry estava enlouquecendo lentamente.

Agora que Nessie tinha tido o primeiro sangramento, uma vozinha fraca que anteriormente fora seu animal insistia que era madura, que ela estava pronta. Mas Henry sabia totalmente que a coisa não era assim.

Não importava que ele tivesse nascido em uma época que as jovens donzelas se casavam na flor da idade, não importava o quanto o cheiro de Nessie mexia com suas terminações nervosas... Ela era uma menina com a aparência de uma de quinze anos. Uma menina que tecnicamente nem quinze anos tinha. Henry precisava esperar. Esperar por ela.

E torcer para que ela sentisse a mesma coisa que ele.

— Henry... — sussurrou ela, os olhos marrons atolado de perguntas.

Esperar. Preciso esperar.

— Cheguei! Podemos ir? — Helena apareceu na soleira da porta. Ele se virou para ela e viu o conhecimento em seus olhos quando notou o rubor nas bochechas de Nessie.

— Vamos logo — disse Nessie, ignorando-o e colocando a expressão desdenhosa que normalmente utilizava que irritava até a alma dele.

— Sim, vamos — concordou quietamente, recusando a tirar os olhos da híbrida.

O caminho para o supermercado foi silencioso. Nessie ia sentada no banco de trás e olhava pela janela com o ar indecifrável. Já Helena no banco do passageiro, vez ou outra trocava a atenção entre ele e Nessie. A curiosidade em seus olhos aborrecia Henry, pois sabia que a irmã iria perguntar o que estava havendo uma hora ou outra independente de ela ter visto seu futuro ou não.

Ele agradeceu pelo supermercado estar com pouco movimento. Ele podia não matar humanos para se alimentar, mas conviver com eles por um longo período era um trabalho árduo que preferia não fazer.

Seus olhos caíram na forma de Nessie ao lado de Helena e viu que ela permanecia indiferente aos humanos. No entanto ele não se deixou enganar. Há muito tempo se acostumara com o fato de que Ness podia esconder seus sentimentos como ninguém. Se ela quisesse poderia agir como um boneco de mármore melhor do que ele.

— Vamos dividir a lista. Henry, querido, você fica com os alimentos da dispensa. Eu vou para a fila do açougue e Nessie, você é encarregada dos itens higiênicos — disse Helena, estendendo dois papéis para Ness e Henry.

Ness olhou para o papel como se fosse um E.T.

— Rosa, Helena? — falou Ness para a Filha da Terra. — Unicórnios? Onde está o problema do bom e velho papel branco?

Helena se mostrou inabalável.

— Era isso ou canetas florescentes — disse ela dando de ombros.

 Nessie fez uma expressão sofrida enquanto Henry ria dela. Helena manteve um sorriso nos lábios mesmo quando se separaram e ela pôde ouvir ao longe os resmungos da vampirinha e os risos sufocados do irmão.

Ao virar de costas seu sorriso despencou, transformando-se em cansaço. Os ombros caídos, os olhos aflitos... A bruxa estava exausta.

Helena não vinha dormindo direito há dias. Já fazia um tempo que vinha tendo sonhos estranhos, sonhos proféticos que não a deixavam dormir pela noite.

Contudo, o que a confundia era que as visões tinham e não tinham a ver com Nessie e Henry. Era como se o foco de repente tivesse mudado e ela estivesse profetizando a vida de outra pessoa, uma pessoa que iria influenciar a vida de Henry e Vanessa. Mas que sentido aquilo fazia? Helena não via coisas que não reconhecia, tanto é que quando recitara a profecia de Henry ela estava olhando para Nessie porque ela era o futuro dele.

— Eu vou enlouquecer — murmurou para si mesma.

O que diabo estava acontecendo?

***

A nuca de Ness estava pinicando. Ela enchia o carrinho com itens de higiene com todos os sentidos em alerta. Ela tinha afastado pelo menos três garotos que tentaram puxar conversa. Eles a irritavam com seus sorrisos imbecis e olhos embaçados de admiração. Ficou imaginando se eles viam suas cicatrizes ou se fingiam que elas não existiam.

— Babacas... — murmurou desgostosa, jogando com força uma caixa de sabão em pó dentro do carrinho.

De repente mãos frias estavam em sua cintura, assustando a merda fora dela.

— Quem é babaca? — perguntou Henry em seu ouvido. Nessie rosnou no fundo de sua garganta.

— Tire suas mãos de defunto de mim antes que eu as fatie como presunto — sibilou, tentando virar-se.

Ele a segurou no lugar.

— Você não me respondeu — disse Henry, pressionando os dedos em seu jeans.

— Se você não soltar agora eu vou gritar assédio — sussurrou para ele.

Ele bufou. — Você não faria isso.

Nessie virou a cabeça para ele, os olhos cerrados em desafio mudo. Os lábios de Henry se contraíram em resposta.

— Maldosa — murmurou ele, soltando-a. — Agora me diga qual é o problema?

— Nenhum realmente considerando que já me livrei dele. — disse, ao ficar de frente ao vampiro e se inclinar contra o carrinho de compra.

Os olhos de Henry se estreitaram.

— Dele quem? — quis saber.

— Olhe o tom... — rosnou Nessie, cutucando seu peito com uma unha.

— Nessie — rosnou Henry de volta, segurando sua mão contra ele.

Ela se viu presa no olhar dele de novo, sua garganta apertada com uma emoção desconhecida.

— Três garotos vieram para conversar comigo — se viu falando. — Mas eu os mandei embora.

A mão de Henry a apertou e ela viu um fio de perigo em seus olhos.

— Onde? — perguntou ele perigosamente.

Nessie não sabia o que estava acontecendo, mas uma parte dela pouco usada se alarmou com o tom de voz de Henry.

— Não importa. Eles foram embora. Tire esse olhar de serial killer agora — ordenou.

Ela estava totalmente surpresa ao ouvir o grunhido se formar no peito de Henry. Ele estava aborrecido de uma forma que ela raramente via, e isso acontecia somente quando os soldados do mestre estavam envolvidos.

Guiada por instinto ela começou a esfregar o centro do peito de Henry. Ela mal percebeu quando pressionou o corpo contra o dele e afundou o rosto em sua camisa bem passada. O cheiro de Henry inebriou seus sentidos, enterrando lá no fundo a razão para estar irritada.

O grunhido de Henry se tornou em um fraco ronronar. Delicadamente ele contornou seu corpo, abraçando-a e a afogando ainda mais em seu perfume que a lembrava de romãs e água do rio.

 — Se eu fosse você controlava seu gatinho antes que alguém perceba — disse divertida, puxando a cabeça para ver seu rosto.

A raiva tinha ido embora, deixando para trás apenas um preguiço olhar que fez seus dedos dos pés torcerem dentro da bota. Henry esfregou o nariz pelo seu rosto, um sussurro baixo vindo direto da garganta que demonstrava seu estado de humor.

— Henry... — disse Nessie, mordendo ele com força. Era uma boa coisa que ela tivesse dentes fortes. — Volte a agir como um ser humano pensante, por favor.

— Eu não sou humano, Ness — falou ele, os olhos escurecendo de um jeito que a fez arregalar os seus.

— Hm... — balbuciou. Algo estava errado com ele.

— Dominic Hunter! — disse uma voz elevada.

Os olhos de Henry se arregalaram e rapidamente voltaram à cor normal antes de larga-la como se tivesse sido eletrocutado. Nessie olhou em choque para Helena vindo em passos firmes com sua cesta cheia de pacotes com carne. Automaticamente deu um passo para trás. A bruxa parou em frente a Henry e socou seu peito com tanta força que ela não ficou surpresa ao vê-lo cambalear. Ness também supôs que Helena tinha um bom controle, pois mesmo com o humor estalando seus olhos continuavam no negro comum e não verde brilhante.

— Você me chamou de Dominic — gaguejou Henry, encolhendo-se com o olhar assassino da irmã.

— Isso porque você passou dos limites, seu grande idiota — rosnou Helena, agarrando a orelha de Henry.

— Ugh, Helena. Solte-me — gemeu Henry, tentando escapar.

— Nada disso. A minha vontade nesse momento é de surrar sua bunda — Helena sibilou. — Vamos logo para o caixa antes que eu faça realmente isso.

Nessie assistiu Helena arrastar Henry com a boca aberta. Ela estava completamente perdida com a atitude de Helena, mas descobriu no final que não se importava de fato. Henry levando bronca da irmã mais velha era melhor que filme de comédia. Seu corpo tremeu com as risadas que encheram a garganta. Ela caminhou atrás dos dois ouvindo os guinchos de Helena e o encolhimento dos ombros de Henry cada vez que a Filha da Terra acertava um soco nele. Nessie estava completamente sem ar à medida que eles passavam pelos corredores com o carrinho de compra em direção ao caixa.

Henry estava completamente retraído quando eles começaram a passar as compras. Ness o olhou com curiosidade e notou que ele não a olhava nos olhos de maneira nenhuma. Enquanto isso Helena resmungava em sua língua materna com uma carranca moldando o rosto. O jovem no caixa olhava para Helena num misto de fascínio e temor.

Eles levaram o carrinho com as sacolas para o estacionamento em seu aberto. Henry abriu o porta-malas e eles guardaram as compras em um silêncio esquisito.  

Uma repentina ventania levou a trança de Nessie para trás. Helena que estava ajudando a colocar as sacolas no porta-malas de repente congelou. Em um segundo os olhos dela trocaram de preto ônix para verde felino.

— Helena? — chamou alerta. Ao som de sua voz Henry levantou a cabeça e fitou a irmã absorta.

— Helena? O que há de errado? — ele perguntou, aproximando-se da bruxa.

— Meu companheiro... — balbuciou Helena. — Está aqui. Em algum lugar.

Os olhos de Henry se ampliaram. Ele abriu a boca para dizer algo, mas no minuto seguinte Helena já estava correndo. Xingando, Nessie foi atrás dela, ouvindo Henry praguejar em romeno e se apressar em travar as portas do carro.

Helena parecia estar sendo guiada por puro instinto. O único problema nisso era que sua magia estava saindo de controle. Nessie podia sentir os pequenos tentáculos do poder roçando sua pele. O cheiro de Helena ficava para trás cada vez que ela perdia o domínio de suas habilidades. Ela não queria nem imaginar as consequências desse vazamento.

Atravessaram a rua. Helena acelerou o passo e Nessie forçou o seu. A Filha da Terra virou em uma esquina à esquerda e Ness correu para alcança-la.

Nessie hesitou um metro longe de Helena que parara em frente a uma confeitaria. Um corpo se esbarrou no seu e ela olhou para trás para ver Henry com os olhos ferozes e protetores.

— Onde ela está? — perguntou ele. Nessie indicou a frente da confeitaria.

— Ali — mostrou.

Eles observaram quietamente Helena olhar a entrada da confeitaria. Ela dava impressão de esperar algo, seus olhos ansiosos em cada pessoa que saia e entrava na loja.

Uma garota com cabelos curtos e repicado cor de rosa saiu com uma enorme rosquinha na mão. Seus lábios estavam cobertos de açúcar e ela lambia as pontas dos dedos com entusiasmo. Ela usava calças jeans pretas rasgadas nas pernas com enormes saltos rosa choque combinando. A camiseta era uma baby-look preta com o desenho de um gato feito de lantejoulas prateadas. Em seus pulsos carregava dúzias de pulseiras, algumas de prata e outras de couro. As unhas eram longas e pontiagudas pintadas em azul neon e no pescoço havia uma gargantilha preta com um pequeno pingente enfeitando.

Era a garota mais espalhafatosa que Nessie já tinha visto.

— Olá! — falou Helena com um sorriso nervoso.

A jovem mulher parou lamber a ponta do polegar e olhou para Helena surpresa. Seu dedo estava parado na boca que ela soltou meio constrangida.

— Oi — disse ela, fitando Helena com a testa franzida. — Deseja alguma coisa?

Helena ruborizou.

— Hm... Não, é que... — ela se atrapalhou, ficando cada vez mais vermelha.

Um sorriso ampliou o rosto da mulher de cabelo rosa. O queixo de Nessie caiu quando ela viu as pontas das presas dela.

— Henry... — sussurrou chocada.

— Eu sei — disse ele baixinho.

— O meu nome é Lilian — disse a mulher sorridente. — E o seu?

— Helena — suspirou a Filha da Terra.

Os olhos cheios de emoção de Helena mudaram um milímetro e ela curvou ligeiramente a testa. Balançou a cabeça e então olhou novamente a mulher. Seus olhos desceram para a boca da garota e se arregalaram quando notou as pequenas presas brilhantes.

— Eu disse telepaticamente para Helena... — sussurrou Henry, observando a expressão de Lilian se fechar quando notou a atenção de Helena.

— Veja, eu tenho que ir... — disse ela apressada.

— Não, não, não! — falou Helena assustada. — Espere um pouco.

Helena puxou a mão da garota. Lilian virou em direção a Helena com confusão, fitando o rosto da outra mulher sem saber o que fazer.

Ness suspirou quando, de repente, as duas se encararam como se se conhecessem há muito tempo e uma força oculta as puxassem uma para outra.

Ela não soube como aconteceu, mas em um momento elas estavam de frente para outra e no outro Helena tinha as duas mãos no rosto de Lilian, beijando-a na boca com um carinho que fez os olhos de Nessie marejar. A rosquinha na mão de Lilian caiu no chão num baque suave e então ela estava passando os braços ao redor do pescoço de Helena, correspondendo ao beijo.

— Tão bonito... — sussurrou em um fio de voz. Era a coisa mais linda que ela já presenciara.

Os humanos podiam não ver, mas Nessie foi capaz de enxergar a magia brilhante e selvagem de Helena cintilar como um milhão de estrelas. Essa magia girava ao redor das duas mulheres e banhava-as como um rio de purpurina.

Ela ouviu o suspiro emocionado de Henry e entendeu que ele também via a mesma coisa que ela: a alegria de Helena espalhando-se ao redor em uma nuvem de encantadas emoções.

Nunca houve uma cena mais bonita.

 


Notas Finais


Vamos para as explicações.
Para muitos será surpresa a sexualidade de Helena. Nunca foi citado alguma coisa sobre o assunto e não achei conveniente.
O que ela teve foi mais ou menos como o imprinting, mas não era o imprinting em si. Vou explicar no próximo capítulo.
Quando comecei a escrever essa história desde o começo sabia que a Helena teria uma relação homossexual. E não, não foi por um capricho apenas por achar bonitinho, a razão foi que quando eu montei a Helena em minha cabeça eu a via assim: uma mulher forte, poderosa, com o coração cheio de bondade e SIM homossexual.
Durante a escrita do capítulo esse foi meu grande receio, pois não tinha ideia de qual seria a reação das pessoas. Por isso digo: se você for preconceituoso, dê o fora daqui. Eu não me importo com a crítica da história em si, mas não me venha, nem por um único instante, falar que vai deixar de ler a fanfic porque minha personagem decaiu por que tem um relacionamento homoafetivo. Já tive que lidar com muitos babacas na vida por conta de opiniões grosseiras.
Ocorreu bastante tempo? Sim. Foi inesperado? Talvez! Ainda assim, eu li e reli e achei que está agradável. Espero do fundo do coração que vocês concordem.
A Lilian é um personagem importante. Ela não está ai de enfeite. Também espero que gostem dela.
Sobre o relacionamento do Henry e da Nessie: Tenho certeza que já respondi muitos pedidos do povo. MAS, mais uma vez, TERÁ Jacob e Renesmee. E NÃO. NÃO SERÁ AGORA. Eu não vou acelerar a história porque você está agoniada para ver os dois se catarem. Eu vou conforme o meu tempo.
EU NÃO VOU ABANDONAR. Eu demoro, mas eu posto.
Obrigada pelos reviews.
Até o próximo.


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