- Sinto-me feliz que tenha voltado- confessou Wave, enquanto andavam em direção ao jardim, estavam hospedados no terreno de Esdeath até o final do outono- Ficou fora por dias.
-Estive ocupada- respondeu Kurome, enquanto equilibrava-se em uma pequena mureta coberta por hera que separava a calçada do jardim, a mureta tinha pouco mais de meio metro, mas era fina, e era incrível que Kurome conseguisse equilibrar seu peso nela, de modo que não a quebrasse tampouco ferisse a vegetação- Sentiu minha falta?
-Senti, claro- respondeu, meio que sem jeito- Onde esteve afinal?
-Procurando pela minha irmã- respondeu, escorregando da mureta e caindo graciosamente sobre o chão.
-Obteve sucesso?
-Não... Ela e aquela corja estão bem escondidos, e o povo mais simples parece que os protegem, posso ter passado por ela, quem sabe?
-O que faria se a encontrasse?
-A mataria, obviamente- Kurome rodopiou sobre os pés e saltitou como uma criança em volta de Wave. Kurome estava mais alegre do que o habitual e sua felicidade era contagiante- Um tempo de folga é revigorante, não é?
-Bem, eu acho que sim- Wave riu sutilmente- Quem dera eu tivesse uma folga. Estive todo esse tempo vigiando o Tatsumi.
-E ele já traiu a nossa senhora? Podemos dar um fim a aquele rebelde?- Kurome levou a mão até o punho da espada presa ao cinto.
-Ele não fez nada demais, esteve o tempo todo se recuperando do ferimento.
-É verdade- Kurome parecia ter se esquecido daquele detalhe- Bem, chegamos.
Pararam na frente de uma pequena casa, tinha pouco mais de dois cômodos, apenas o suficiente para uma pessoa sozinha viver com relativo conforto. A decoração era a mais simples possível: paredes brancas e algumas janelas com detalhes em dourado, entretanto, a casa era cercada por um grande jardim de flores multicoloridas, algumas azuis como safiras, outras brancas e brilhantes como pequenas estrelas, e o cheiro das plantas temperava o ar.
-Enfim, em casa- disse Kurome- Estava cansada de dormir em espeluncas pela cidade.
Wave pensou em dizer qualquer coisa, mas limitou-se a sorrir e acenar a cabeça antes de virar as costas para ir embora, amaldiçoou sua covardia, porque Kurome estava linda naquele dia: o cabelo curto caia solto pelos ombros, porque ela os havia deixado crescer alguns centímetros a mais do que o habitual, e ela já não vestia mais seus trajes negros de combate, usava apenas um vestido leve e azul, sem nenhum adorno além da bainha e da espada, presas a um cinto dourado na cintura.
‘’Diga alguma coisa! Qualquer coisa’’
Mas não disse, ficou calado enquanto seus passos o levavam para longe de Kurome.
-Espere, Wave- disse Kurome, enquanto abria a porta da casa- Me disse que sentiu saudade de mim, não quer entrar e beber alguma coisa?
Wave franziu o cenho, o convite era bom demais para ser verdade, Kurome nunca pareceu se importar com a sua companhia, e o procurava apenas quando precisava desabafar, ou treinar com a espada, mas nunca por entretenimento.
Mas aquele era um convite que ele não poderia negar.
Wave sentou-se em uma cadeira de madeira velha, que ameaçava quebra-se a qualquer momento. Esperou. Kurome apareceu momentos depois com dois copos e uma bebida transparente em uma garrafa sem rótulo, ela ofereceu-lhe um copo, e a bebida parecia ser tão forte que queimou suas narinas quando ele provou seu aroma.
-Que diabos é isso?
-Uma bebida artesanal- Kurome sorveu um gole, fez uma careta- Uma bebida artesanal bem forte.
Wave girou o liquido dentro do copo, era grosso como leite.
-Tudo bem- bebeu. O liquido desceu arranhando a garganta, era de fato forte e amargo- É bom.
-Não é não- Kurome fez uma careta- Deixei-a aqui para terminar de fermentar, acho que errei o ponto. Errei muito, na verdade.
-Eu gostei.
-Você não entende nada de bebidas.
-É... Nisso você tem razão- Mas provavelmente aquele liquido poderia dar a um homem a coragem necessária para se expressar.
-Eu consigo literalmente ascender uma fogueira com isso- Kurome colocou o copo de lado, debruçou-se sobre a cadeira e Wave notou como cada movimento de Kurome era gracioso, ou talvez fosse apenas a sua mente lhe pregando peças, ou mesmo a bebida fazendo efeito, mas ele tinha certeza de uma coisa, Kurome era linda- Aquele maldito Tatsumi deve estar possuindo Esdeath nesse exato momento.
-Sente ciúmes?- perguntou Wave, bebendo outro gole da bebida, Kurome retirou as sapatilhas e as atirou para a porta em um movimento rápido.
-Ela trata ele bem demais, não acha?
-Você trataria alguém que ama da mesma forma, estou errado?
-Alguém que amo?- Kurome levou um dedo até os lábios, Wave se perguntou se algum dia o coração de Kurome pertenceu a alguém- Não acredito que Esdeath ame mesmo a Tatsumi.
-E por que não?
-Não sei, intuição.
-Intuição feminina?- perguntou Wave.
-Talvez- Kurome sorriu- Mas diga-me, Wave, como anda sua vida amorosa?
A pergunta surpreendeu Wave, ele sorveu um gole da bebida e rangeu os dentes quando ela desceu queimando pela garganta.
-Lenta- admitiu- Na verdade, não tenho tempo pra isso.
-Sempre há tempo, Wave. Já beijou alguma mulher?- questionou Kurome, havia um sutil prazer em sua voz.
-Muitas.
Kurome o encarou como se não acreditasse em suas palavras.
-Uma na verdade- admitiu Wave- E eu não tinha mais do que dez anos, não me lembro muito do que era. E você?
-Já beijei algumas pessoas.
-Homens?
-Alguns.
-Mulheres?
-Muitas- sorriu, balançando a cabeça lentamente.
Wave sorveu outro gole da bebida, queria se embebedar, mas estava falhando miseravelmente.
-Mas, se beijou uma única garota em toda a sua vida, presumo que nunca tenha tocado uma.
-Tocado?
-É, tocar, me entende? Você, uma garota, sozinhos em um quarto, todos os problemas do lado de fora e...
Wave a calou com um movimento gestual.
-Está perguntando se eu sou virgem?
Kurome riu.
-Estou- respondeu- Não há nenhum problema nisso.
-Eu sou- admitiu, mas não sentiu vergonha alguma em faze-lo, não para Kurome.
-Está se guardando para a pessoa certa?
-Falta de opções, na verdade- admitiu outra vez, perguntando-se o motivo daquela conversa. Desistiu de beber.
-Existem muitas meretrizes por aí.
-Meretrizes- Wave sorriu- Não... Não fazem o meu tipo.
-E quem faz o seu tipo?
‘’Você’’- pensou Wave- ‘’Você Kurome, eu a amo, eu a desejo’’ mas a única coisa que conseguiu responder foi:
-Ainda não sei.
-Você é um homem interessante, Wave, é um guerreiro formidável e é gentil, além de ser uma das poucas pessoas que conheço que me trata bem de verdade, e não me vê como uma assassina ou como um fantoche- encarou-o com seus profundos olhos negros- Me trata com respeito, e como uma amiga de verdade. Você é um bom homem, Wave, vai encontrar logo alguém que o mereça de verdade.
As palavras o atingiram como estacas, ‘’Não quero alguém que me mereça, eu quero você, Kurome’’, Wave se perguntou se ela sabia de alguma coisa, e se estava ali apenas para lhe mostrar que a relação dos dois não passava somente de uma aliança, e que seu amor por ela era apenas uma brincadeira de seu coração.
-Não acho que isso seja possível.
-E por que não?
-Porque eu... - ‘’Porque eu te amo!’’- Eu já amo uma pessoa, mas- sorriu tristemente- Bem, ela não liga muito para mim.
-Isso é ruim- disse Kurome- Muito ruim. Pode me dizer o nome dela para que eu possa cuidar dela?
‘’Kurome’’
-Alician- respondeu, o nome inventado lhe pareceu ridículo.
-O nome dela não é esse- Kurome balançou a cabeça- Não tem ninguém com esse nome no império, talvez nem no mundo.
-Quem disse que ela é do império?- replicou Wave, tentando ao máximo parecer convincente, coisa que ele sabia que estava falhando miseravelmente- Ela... Ela é do sul.
-É do sul- repetiu Kurome, em tom de deboche-Pare de mentir a si mesmo, sabemos que ela mora aqui.
-Fala como se soubesse quem ela é- Wave fingiu rir, mas no fundo temia que ela soubesse de verdade.
-Mas eu sei.
-E qual é o nome dela, se não é Aliciem?
Kurome suspirou ao perceber que Wave estava tão nervoso que até mesmo havia errado o nome da sua falsa paixão.
-O nome dela é Kurome- disse ela, subitamente.
-Kurome?- Wave engasgou.
-K...U...R...O...M...E- repetiu ela- Esse é o nome da pessoa que você ama, ou estou errada?
Wave congelou, o coração disparou de repente, como se fosse novamente uma criança que havia acabado de descobrir o amor.
-Kurome... E-Eu...
-Esdeath me contou o que sentia por mim no caminho para cá. Ela me disse tudo, até mesmo das partes mais obscuras da sua mente pervertida de homem.
Wave suspirou, e foi como se todo o medo de seu corpo virasse vapor, já não havia mais o que temer, Kurome sabia, ela já sabia desde o momento que havia passado pelo portão, talvez já soubesse antes mesmo de ele próprio admitir o que sentia.
-Não era um assunto que ela deveria se intrometer, e ela deve ter aumentado muitas coisas, e inventado outras.
- Não, não era. Planejava me contar um dia? Ou planejava viver para sempre em um amor platônico?
-Eu sinceramente não sei. Acho que eu planejava nunca lhe dizer nada.
Kurome ergueu uma das sobrancelhas.
-Não acha isso egoísmo de sua parte?
-Talvez- replicou, então a encarou profundamente- Kurome, eu...
-Esdeath disse que me ama, e que era para eu conversar com você acerca desse assunto porque aparentemente uma guerra está para acontecer, e muita gente vai morrer, muita mesmo. Alguém me ama- repetiu ela, olhando para o teto- Inesperado.
Wave se manteve quieto. ‘’Ela está brincando comigo...’’. Kurome não o amava, tampouco tinha motivos para ama-lo, eram apenas colegas de trabalho, então, para que continuar naquele teatro idiota?
-É verdade- respondeu.
-Que é inesperado?
-Que eu a amo- e Wave percebeu naquele momento que aquela declaração requisitou mais coragem do que qualquer outra coisa na vida.
Kurome se calou por alguns momentos, depois se ergueu da cadeira.
-Por que diz isso? O que eu fiz para merecer o seu amor? Eu sou uma assassina, meu corpo fede a sangue e a morte, o que eu poderia oferecer? O que o fez se apaixonar por mim?
-Bem... Eu acredito que é possível olhar nos olhos de uma pessoa e perceber que a ausência dela pode deixar a nossa alma solitária triste e vazia- repetiu as palavras que Tatsumi lhe disse pela manhã, e elas nunca lhe pareceram tão verdadeiras e sinceras- São seus olhos, e... E todo o resto.
-Você merece coisa melhor- disse Kurome- Você merece alguém que possa ama-lo da forma que você merece e...
-Eu a amo- disse com toda a convicção que poderia.
Wave se levantou abruptamente, estaria pronto para agir ou ir embora, não havia como voltar atrás depois daquela declaração, mas foi o que Kurome fez a seguir que o deixou paralisado. Kurome o abraçou com força, e logo Wave sentiu as lagrimas da companheira umedecendo suas roupas. Kurome chorava, chorava como uma criança, e Wave retribuiu o abraço.
Ficaram naquele abraço apertado por minutos, horas, dias, ou mesmo uma eternidade, ambos não saberiam dizer com exatidão, um abraço apertado, seguro, um abraço sincero. Depois Wave a afastou lentamente, olhando com emoção o rosto de Kurome, vermelho e inchado pelas lagrimas.
-Desculpe-me por isso- disse Wave, virando-se em direção à porta, mas Kurome o segurou pelo braço, e agora ela sorria, e os olhos negros estavam brilhantes, como mil pequenas estrelas no céu noturno.
Kurome o puxou para perto dela e o beijou, o coração de Wave disparou outra vez, mas então teve a impressão que ambos estavam sincronizados, não foi um beijo longo, mas ambos não se desfizeram do abraço, e então Wave, em um impulso de coragem, escorregou os dedos pelo laço do vestido de Kurome, desamarrando-o, e o vestido escorreu pelo corpo esguio da guerreira lentamente, como agua, expondo o seio esquerdo, Wave tocou-o com a ponta dos dedos, mas Kurome afastou-o gentilmente.
-Não... Não olhe para o meu corpo...
Havia cicatrizes na pele alva, algumas profundas, feitas por objetos afiados, outras, apenas pequenos pontos sobre a pele, uma memória cruel de um duro treinamento. Mas Wave não se importava com aquilo, e lentamente desfez o outro nó, e o vestido escorregou até o chão, despindo-a totalmente, e restou apenas Kurome, alva, ferida e bela, os pelos do corpo dela se eriçaram quando Wave também se despiu, e então Wave a beijou outra vez, desta vez com mais ardor.
-Eu não sei o que fazer- disse Wave, enquanto aproximava-se para beijar um dos seios de Kurome.
Estava acontecendo, finalmente estava acontecendo, Wave quase não acreditava, mas ele e Kurome estavam juntos.
-Eu o guio- disse Kurome, enquanto Wave tateava o seu corpo, nunca havia sentido uma sensação tão boa em toda a vida.
Kurome guiou-lhe pelo próprio corpo, pelo seu pescoço, seus seios, barriga e enfim o meio de suas pernas, Kurome gemeu quando o sentiu dentro de si, havia algo especial no toque de Wave, algo mais profundo do que apenas a satisfação carnal.
E naquele instante, quando Wave se ergueu para enfim penetra-la em um abraço tão forte e firme quanto o amor que sentia por ela, Kurome teve a certeza que o amava, e quando chegaram ao orgasmo, Kurome gritou.
Ela o amava, e ele a amava, tinham certeza disso.
Tinham certeza que se amavam, e que um não poderia perder o outro.
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