História Cliche - Acordado com um soco na cabeça

Três minutos depois, eu estava deitada no chão da quadra com Harry. Ela era descoberta e na parte mais distante da escola, sendo usada apenas de terça-feira. O sol fraco esquentava o ambiente o suficiente para não precisar usar casaco, e eu apenas agradeci a Mãe Natureza porque eu estava sem casaco e de manga curta. 

-Você sabia que em Francês-

-Não estamos na sala de aula, não começa -Harry me interrompeu.

-Você sabia que em Francês -eu repeti a frase, ignorando ele- você não fala "eu sinto sua falta", se diz "tu me manques", o que é mais ou menos "você está faltando em mim" -olhei para o céu, as nuvens se aproximando do sol para cobri-lo, e pelo canto do olho eu conseguia notar o olhar de Harry sobre mim.

-Não sabia que você falava francês.

-Você nunca perguntou -eu franzi meu queixo, fazendo meus lábios pressionarem-se.

-Eu gostei.

Como eu ainda não sabia ler mentes, eu virei meu rosto para Harry e esperei sua explicação. 

-Eu gostei do "você está faltando em mim", é tipo como se fosse algo essencial. 

-Exatamente -concordei animada, dando um soco de leve em suas costelas.

Caiu um silêncio entre nós e eu me senti desconfortável, porque não era aquele silêncio em que você não liga ou está apenas aproveitando, era aquele em que você conseguia sentir que tinha tensão no ar, e não estou falando de uma tensão no sentindo positivo, se é que você me entende, tsc tsc (eu dando uma piscadela para você, de novo). 

Peguei meu celular do bolso e abri no Snapchat, clicando para ver se tinha algum filtro novo. O primeiro era o do cachorro, em minha opinião era bem fofinho, mas aquele barulho que fazia quando você abria a boca e a língua do cachorro saia era nojento. 

Levantei o celular, posicionando afastado do meu rosto o suficiente para pegar o de Harry. Ele me olhou estranho, cerrando os olhos e eu me aproximei mais dele, deixando que visse direito o efeito. 

-Abre a boca -falei e nesse momento a língua do cachorro saiu. 

Harry ficou com o mais fofinho: o dálmata. 

Como o ser sem graça que ele gosta era, Harry fez que não com a cabeça. 

-Vaaaaai! -eu pedi de novo, empurrando seu braço.

Olhei para ele, virando meu pescoço e depois bufei. Troquei de efeito e coloquei no da tiara de flores, felizmente Harry não teria que fazer nada, só deixar aparecer na tela do celular. 

-Ahhh! -eu falei quando consegui centralizar os nossos rostos e as tiaras apareceram. 

-Tira isso -ele mandou, a voz rouca perto do meu ouvido. 

Cliquei para tirar uma foto, um sorriso no meu rosto e a cara de poucos amigos de Harry ao meu lado. 

-Você é tão chato -eu falei irritada, me ajeitando no lugar, lê-se: me afastando dele. 

Eu ainda não tinha esquecido do que tinha ouvido no corredor alguns minutos atrás, mas eu também não queria deixar Harry perceber que eu tinha realmente ouvido e muito menos sido afetada pela nova informação. 

Harry girou seu corpo e deitou as costas no chão, os olhos direcionados ao céu. 

-O que você tá fazendo? -eu perguntei.

-O que parece que eu estou fazendo? 

-Que você está deitando no chão sujo.

-E você vai deitar bem do meu lado -ele disse e eu abri a boca para retrucar porém Harry puxou minha perna, levando meu tronco para frente e minhas costas bateram contra o chão. 

Soltei uns múrmuros de dor e virei meu corpo para que eu não tivesse que ficar com a cabeça do lado do pé de Harry. 

Eu fiquei olhando para o céu, assim como o rapaz ao meu lado, esperando que alguma coisa acontecesse. Minutos se passaram e ele não falou nada, então eu decidi puxar assunto.

-Você já leu "A Culpa é das Estrelas"? 

-Não -ele respondeu depois de murmurar alguma coisa sobre eu não calar a boca.

-Você deveria, é bem triste e é modinha ler.

-É bom? 

-Depende. 

-Do que? -ele perguntou confuso.

-Depende do seu gosto, né. 

-Sobre o que é? 

-Tem esses dois adolescentes que se conhecem numa terapia de grupo, a menina tem câncer e o menino não, dai a reviravolta do livro é que o menino acaba voltando a ter câncer e morre no final, não a menina, como é esperado.

-Você literalmente me contou o livro inteiro -Harry disse e riu baixo.

-Não disse não -eu me defendi- você perguntou sobre o que era e eu apenas respondi.

-Verdade, eu perguntei sobre o que era, não perguntei se você poderia me contar spoiler.

-Hã... Desculpa? -tentei me desculpar, mas acho que devo ter soado meio incerta.

-Tanto faz, eu não ir ler mesmo -ele falou fazendo pouco caso.

-Eu não ir ler mesmo -eu imitei a voz dele, irritada, fazendo meu tom grosso e devagar.

-Eu não falo assim -Harry me olhou de lado.

-Eu não falo assim -repeti a forma que ele disse.

-Para com isso, Abby.

-Para com isso, Abby.

-Você é bem infantil, sabia? 

-Você é bem infantil, sabia? 

-Quantos anos você tem?

-Quantos anos você tem? 

-Harry Styles é sexy.

-Harry Sty-opa -eu me interrompi, fazendo minha voz normal- você referiu a si mesmo na terceira pessoa? 

-Como se você não fizesse isso.

Fiquei quieta porque eu realmente fazia isso.

-Enfim, no livro -eu voltei sobre o assunto anterior e ouvi Harry sussurrar um 'Jesus'- não, Harry, é "A Culpa é das Estrelas", não "Jesus".

Ele revirou os olhos.

-Como eu estava falando, no livro tem uma frase muito fofa... -eu parei alguns segundos e lembrei qual era- A menina disse que se apaixonar pelo menino era como dormir. 

-Chato? 

-Não, seu acéfalo -neguei, mostrando minha irritação aumentar- é devagar e depois vem tudo de uma vez.

-Pra mim é mais como ser acordado com um soco na cabeça.

Levei meu pescoço para trás e perguntei porque ele pensava assim, obviamente, Harry não me deu a resposta da minha pergunta, mas me disse outra coisa:

-As pessoas mudam a mente delas muito rápido -ele deu de ombros, os olhos imersos no céu acima de nós- em um momento é "você me faz feliz" ou "eu te amo" e o próximo é "isso não é o que eu quero" e "eu não tenho mais certeza".

-Harry, não é assim.

-É, sim, Abby, se você não percebeu, então é muito ingênua.

-Não, só porque alguma coisa aconteceu com você para se sentir assim, não quer dizer que a ideia de se apaixonar ou qualquer coisa relacionada é desse jeito. 

Harry bufou, balançando a cabeça. Ele apoiou a mão no chão e levantou as costas, usando os pés como apoio para ficar de pé. Vendo que ele não queria mais ficar no chão, levantei num pulo, também. 

-Não sabia que você era algum tipo de especialista no amor pra saber sobre o que é certo ou não -ele disse rudemente, puxando os cabelos para trás. 

-E eu não sou -eu confirmei, a hostilidade no tom de sua voz me surpreendendo.

-Então não começa a falar sobre a minha vida, porque da última vez que eu chequei, você não era minha psicóloga muito menos tinha direito de falar sobre mim.

Eu não demorei duas vezes para respondê-lo, a raiva tomando conta das minhas ações.

-Engraçado, da última vez que eu chequei você não era um completa babaca. 

-Depois eu que sou o infantil -ele riu de mim, virando as costas para ir embora.

Minha cabeça estava dando um giro de 360 graus para entender como que uma conversa normal sobre um livro, tinha se tornado numa discussão. 

Sem falar que ele tinha virado as costas para mim e ninguém, eu repito, ninguém, vira as costas para Abigail Patel (a não ser minha mãe, ela tem passe livre). 

Dei três passos largos até alcançar o ombro de Harry, puxando-o para olhar par mim. Eu ia por uma abordagem mais agressiva, porém quando olhei para os olhos verdes dele, minha guarda se baixou e eu acabei amarelando igual a covarde que sou. 

-Quem fez isso com você? Quem fodeu com você tão mal, mentalmente e emocionalmente, que você afasta quem tenta se aproximar? 

Harry não me respondeu, apenas continuou me olhando. 

-Você acha que eu não percebi que você anda pelos corredores sozinho? Que não deixa ninguém se aproximar? -eu diminui meu tom de voz, minha mão se retraindo para o lado do meu corpo- Você coloca essa máscara todo dia, se tornando uma pessoa que pensa que sendo assim, ninguém irá ver quem realmente está por trás dela. 

Eu percebi Harry tensionar os ombros, eu tinha acertado em alguma coisa que havia falado, se era tudo ou apenas uma frase, eu não sabia, mas que eu tinha finalmente falado o que eu estava guardando há algum tempo e que eu estava certa, me fez mais curiosa sobre o por quê dele ser assim.

-Você já acabou? 

Fui tomada de surpresa pelas palavras de Harry. 

Eu sempre coloquei as merdas que ele faz -intencionalmente ou não- no fundo da minha mente e esquecido, mas naquele instante ele estava trazendo o pior de mim à tona. Tudo tem um limite, e eu tinha acabado de chegar ao meu. 

-Sim -eu respondi, olhando para ele sem nenhuma emoção.

-Obrigado -ele falou e foi embora, andando rapidamente para dentro da escola.

-De na-eu fui interrompida pela porta que bateu atrás de Harry, ou melhor dizendo, a porta que ele bateu ao sair da cena, querendo ter um fim dramático.

Era a segunda vez que ele fazia isso comigo, sair da conversa e me ignorar, batendo uma porta. 

Ah, mas não ficaria assim. 

Eu corri até a porta, abrindo ela e berrei para o corredor:

-Eu disse de nada, seu acéfalo idiota! 

Mas só depois que eu percebi que eu tinha gritado para um corredor vazio em propriedade escolar que eu corri para longe dali, e eu não estou falando de correr pouco não, eu corri como se o Diabo estivesse atrás de mim, o som das portas de sala de aula se abrindo e eu procurando um refúgio para ninguém ver que fui eu.

Esse dia só está melhorando.