História Cliche - Gângster

Durante a manhã do dia seguinte, eu tentei jogar conversa fora com Harry, para não parecer que eu estava incomodada ou me importando com o que havia acontecido, mesmo que por dentro eu estava quase morrendo.

No intervalo, passei os vinte minutos com Bret e Jenna e, novamente, Harry havia sumido. Para a alegria do meu pequeno e musculoso coração, quando voltei para a sala, Harry estava entrando também. 

Eu estava quase batendo a minha cabeça contra a mesa sobre o fato de que eu não estava sabendo como agir -era ridículo- quando senti alguém me cutucar nas costas. Sem querer, eu ri por reflexo e logo as minhas orelhas ficaram vermelhas de vergonha ao ver que era Harry. 

Era só o que me faltava.

-Depois do colégio eu vou fazer uma tatuagem... -ele sussurrou. 

Com Harry falando com aquela voz de cantor de rock no meu ouvido, era como se eu estivesse à beira da morte e não me importaria em ir dessa para uma melhor se, pelo menos, aquela voz me acompanharia.

-Eu estava pensando se você não queria ir comigo.

Vocês estão ouvindo isso? 

O carnaval que está tendo no meu estômago de tanta alegria? 

-Pode ser -eu falei casual, tentando manter a pose.

Naquele momento, eu estava tudo menos casual.

•••

Tatto Parlor.

Aquela não era a primeira vez que eu entrava em um lugar como aquele, afinal, meu ex-namorado tinha os braços com tatuagens. A única diferença, porém, era que eu não havia ido naquele lugar. 

Durante o caminho até lá, eu enchi o saco de Harry perguntando "é nessa parada que vamos descer?", "está longe?" ou até "você vai pagar meu almoço?".

O surpreendente foi que ele aceitou pagar, mas eu tinha dinheiro e não sabia que já havia abusado da boa vontade de Harry quando ele pagou a minha passagem de ônibus. Do jeito que a economia estava indo, até o fim do ano eu iria ficar pobre e não me importava em gastar o dinheiro de Harry.

O que eu estava falando mesmo? 

Ah, é, o lugar de tatuagem. 

Eu já havia visto a tinta que ocupava uma grande parte do corpo de Harry e, mesmo que metade não fazia sentido, era diferente e tinha aquele ar de "badboy". 

Ele podia entrar nessa categoria, ele era grosso, era imprudente e não se importava com as consequências; porém, depois que eu realmente o conheci, minha opinião sobre isso foi mudando aos poucos. Harry, na verdade, se importa com as pessoas ao seu redor e, okay, eu admito ele é um pouco impulsivo e não liga com o que pode ou não acontecer, mas... Não sei... Quando ele abaixa as "armas" que protege e o separa do mundo, Harry é... Dócil.

Não acredito que acabei de descrever Harry como dócil, ainda bem que ele não ouviu isso.

-Ainda bem que eu não ouvi o quê? 

Olhei rapidamente para Harry ao meu lado e me assustei com a sua fala repentina.

Será que eu falei em voz alta?

-Hein? -ele insistiu.

-Não é nada, eu estava pensando alto -fiz círculos perto da minha cabeça com meu dedo indicador, querendo diminuir a importância do que eu havia falado.

Harry me olhou suspeito, apenas balançando a cabeça e entrou em uma loja ao nosso lado. Fui atrás dele e o ar condicionado gelou meu corpo, o que o meio ambiente estava fazendo ao contrário com o sol escaldante lá de fora.

-Cameron, eai! -ouvi a voz de Harry soar mais na frente e me aproximei.

Havia um balcão de madeira, alguns folhetos em cima e a tela de um computador preenchendo a bancada; atras dele, havia um rapaz, que pode-se dizer, era maravilhoso.

Cameron, eu supus ser o nome dele já que Harry estava abraçando quem ele havia acabado de chamar "Cameron", tinha olhos castanhos claros, cabelos castanhos com um pouco de loiro misturado e enquanto eu via ele abraçar Harry de lado e dar aqueles tapas no ombro dele, meus olhos se perderam no braço musculoso dele. 

-Abby, tem um pouco de baba aqui -Harry disse, apontando para o canto da sua boca. 

Foi aí que percebi que eu estava encarando descaradamente. Você pensaria que eu ficaria vermelha e sem graça, mas eu não fico sem graça facilmente -exceto quando se tratava de Harry.

Me recompondo do meu flagra, soltei uma risada fraca e coloquei uma mecha do meu cabelo que estava caindo no meu rosto atras da orelha e joguei uma parte para trás, ou seja, eu fiz o clássico movimento de quem estava flertando. 

E o pior é que eu fiz sem perceber. 

Cameron, agora, tinha seus olhos castanhos fixados em mim e eu gostei da atenção, mesmo que no fundo eu preferia que fosse outra, ninguém precisava saber. Caminhei para perto do balcão e não tão acidentalmente, pisei no pé de Harry ao mesmo tempo que estendi a minha mão.

-Sou Abby -me introduzi e o rapaz não demorou para apertar a minha mão, eu apenas agradeci que não fui deixada no vácuo.

-Cameron -ele respondeu, abrindo um sorriso.

E quando você pensa que ele não pode melhorar...

Eu precisava parar de pensar em como esse cara era maravilhoso, sendo que eu já tinha um deus grego parado ao meu lado.

-Agora que já se conheceram -Harry se meteu no meio, puxando nossas mãos para baixo- vamos para o que realmente interessa. 

-E o que seria? -perguntei.

-Tenho uma sessão agora, -ele começou a explicar e Cameron assentiu- o Jeremy chegou? 

-Lá nos fundos -o de olhos castanhos respondeu, fazendo sinal com a cabeça.

-Okay, valeu, até depois -Harry se despediu.

Quando eu vi, uma mão estava em volta do meu pulso e eu estava sendo praticamente arrastada por Harry. Querendo mostrar e usar a educação que minha mãe me deu, gritei para Cameron um 'tchau'.

A cabeça morena-loira do meu novo conhecido sumiu quando eu fui, não tão delicadamente, puxada para dentro de um cômodo. Logo de cara eu notei a maca branca, que provavelmente era usada para a pessoa deitar quando faz aquelas tatuagens enormes, e se não for o caso, o tatuador tirar um cochilo -eu faria isso. 

A claridade entrava pelas janelas e iluminava as paredes cheias de desenhos e pôsteres, os quais nem me dei trabalho de tentar descobrir de quem era sendo que eu chutei que era do cara que estava se levantando da poltrona no canto; ele tinha um boné escondendo seus cabelos, mas consegui avistar alguns fios querendo escapar, possuía um piercing no nariz e dois na sobrancelha, sem contar os alargadores nas orelhas. Do pescoço para baixo era apenas uma coisa: tatuagem e... tatuagem. Tinha certeza que se ele fosse tirar a roupa, aquele corpo ia estar coberto de tinta permanente.

Não que eu quisesse que ele tirasse a roupa, porque se fosse para escolher, acho que sabemos que eu iria escolher Harry. E, se ele não cooperasse, iria provavelmente escolher o Cameron.

Quem eu quero enganar? Eu ia obrigar Harry a tirar aquela roupa nem se fosse a última coisa que eu fizesse.

-E essa é a Abby.

Pisquei algumas vezes, empurrando aqueles pensamentos não tão saudáveis para o fundo da minha mente e tentei focar no que estava acontecendo no mundo real.

Totalmente perdida, acenei com a cabeça para o rapaz e fingi que estava super entendendo.

-Hm... -ele disse, descendo seus olhos pelo meu corpo.

Me sentindo levemente violada, cruzei meus braços em frente a minha barriga e levantei a sobrancelha, lançando o meu olhar "posso te ajudar?"

-Normalmente, você  não traz virgens pra cá.

Eu gostaria de dizer que tinha ficado vermelha e arregalado os olhos, sabe, ter uma reação considerada "normal", mas, era óbvio que meu sistema nervoso não concordou comigo; eu engasguei com o ar que respirei quando abri minha boca formando um 'o', e comecei a tossir igual uma condenada. 

Senti Harry bater nas minhas costas e, no meio de uma tossida e eu quase morrendo ali, ele sussurrou:

-Ele se refere à sua pele, não a sua vida sexual.

Depois de uns cinco minutos, eu me recuperei e sequei as lágrimas que escaparam. 

-Quer água? -o cara perguntou, mostrando a educação que eu pensei não ter.

O que você acha?, pensei em retrucar, mas mordi a língua e assenti com a cabeça. 

-Tem um galão na recepção -e joga no lixo a educação.

Mandei um joinha para ele e bati no ombro de Harry antes de sair da sala. 

Cocei a minha garganta enquanto ia até o galão e enchia meu copo de água, tomando tudo em cinco goles. Sem querer ir para a sala ainda, enchi meu copo de novo.

-Ow, cuidado aí -Cameron disse, chamando a minha atenção.

-Eu engasguei.

-É -ele riu- deu pra ouvir daqui.

Revirei os olhos e estava pronta para ser grossa, porque aquele ponto eu já estava sem paciência, porém meu celular começou a tocar.

Puxei minha mala para frente e abri o bolso maior, enfiando minha mão lá dentro à procura do bendito. Felizmente, não demorei para achar e vi no visor que era a minha mãe. 

Passei meu dedo na tela e atendi a ligação, saindo para a rua. Eu queria privacidade e precisava dar um volta, o que aumentava o tempo que eu tinha até voltar para a sala, onde estava Harry e o cara não tão educado.

-Abby, onde você está? 

-Boa tarde pra você também, mãe -cumprimentei irônica, olhando para os meus pés enquanto andava- você está bem? Ah, eu tô ótima, obrigada por perguntar -continuei falando, ouvindo-a bufar do outro lado da linha.

-Abigail, não vou perguntar de novo.

-Eu tô numa loja.

-Que loja?

-Eu não me lembro o nome, aqui vende... Tinta e, você sabe, -ri fraco- essas coisas de artes.

Minha mãe era bem liberal em geral, mas quando o negócio é tatuagem, já é outra coisa. 

Basicamente, ela odeia. 

Se ela descobrisse que eu me encontrava dentro de uma tatuaria, seria minha morte de certo, e, acho que não queremos isso, afinal, como eu vou contar o resto da história se eu estou à sete palmos do chão? 

-Com quem você está? Que horas você volta? Você vai vir de ônibus?

-Isso é uma conversa ou um interrogatório? -brinquei, me encostando numa parede que dava para um beco. 

-Abigail... -ela falou e não precisou de dois segundos para eu começar a responder as suas perguntas, aquela voz ameaçadora era o suficiente para eu me cagar de medo- Tudo bem, então... Vê se não chega tarde. 

-Okay, pode deixar. 

-Tchau, filha, te amo -ela se despediu.

-Beijo, também me amo -desliguei o celular e joguei dentro da minha mala de novo.

Desencostei da parede e levantei o pé para começar a fazer meu caminho de volta à "loja", quando ouvi um murmúrio de dor vindo do beco. Algumas vozes se seguiram depois e mais som de dor. 

Franzindo o cenho -e sem pensar direito-, entrei no beco e segui as vozes. Atrás de uma caçamba de lixo, eu me escondi rapidamente ao ver dois homens no final. Deixando só meus olhos a mostra, consegui ver algo que não tinha visto antes e quis correr para longe dali.

Um dos homens, o que estava de pé e, aparentemente, em ótimas condições, segurava uma arma. Eu não sei ao certo porque eu não corri, mas continuei com os pés imóveis. 

O rapaz que estava armado, tinha cabelos loiro escuro e num topete, mostrando graças ao ângulo que eu estava, o formato do seu rosto e chutei que ele não tinha mais que vinte anos. Me interrompendo da minha desnecessária observação, ele ergueu o braço e atirou, me surpreendendo e, ao mesmo tempo, matando o outro homem. 

Eu cobri a minha boca, sufocando o grito de medo, horror e mais um pouco de medo. 

Eu precisava sair dali, urgente. 

Querendo salvar a minha vida e rindo ironicamente do fato que tinha acabado de pensar na minha morte causada pela minha mãe, corri para fora do beco. Não consegui ser discreta, pelo menos não do jeito que eu havia planejado ser, já que o som dos meus passos alarmou o rapaz armado. 

No momento em que ele virou a cabeça para mim, sabia que eu tinha acabado de assinar minha sentença de morta e iria descobrir se céu existia mais cedo do que eu queria. 

-Você! Para! -cara disse e, como a menina esperta que eu sou, ignorei ele e acelerei o passo. Não, risca isso, eu comecei a correr. 

Eu pensei que iria conseguir sair dali, mas eu fui tão ingênua que chegou a ser ridículo.

Uma mão pegou a minha mochila e me puxou com tudo para trás, fazendo eu bater meu corpo contra a parede, ainda dentro do beco. Minha cabeça, por consequência, acabou cumprimentando os tijolos atras de mim e fechei os olhos de reflexo.

-O que temos aqui? 

Meus olhos caíram em sua boca, notando que ela tinha formado de coração. Um sorriso maníaco espalhou-se pelo seu rosto assim como o medo dentro de mim. Eu estava pronta para responder quando ele levou a arma até a minha testa. 

-Quando Justin Bieber manda você parar, -ele abaixou o tom, aproximando-se de mim- você para.

-E quando eu penso que da pra fugir? -tentei argumentar, levantando os ombros. 

-Você ainda para.

-E se outra pessoa estiver me chamando, tipo, não seria educado ignorar -ri sem graça, começando a tagarelar por estar nervosa.

-E me ignorar? Oh, isso não seria educado.

-Sim, mas, veja bem -respirei fundo, tentando parecer calma- e se for a minha mãe? Não seria legal, né? Eu aposto que você não ignoraria sua mãe. Se eu ignorar a minha, ela vem  atras de mim com um chinelo pra saber porque eu não respondi ela.

-Ah... -ele falou, afastando a arma de mim- É... Não tinha pensado por esse lado.

-Tudo bem, a gente esquece -soltei mais uma risada, sem jeito- Hã... Gostei da conversa, mas agora eu tenho que ir, a gente se vê depois?

Consegui sair de perto dele e coloquei uma mecha atras da minha orelha, sem saber exatamente o que fazer com as minhas mãos e querendo dar o fora dali.

-Quê? Não, cê tá louca? Você acabou de presenciar um assassinato.

-Não tenho ideia do que você está falando -juntei minhas sobrancelhas, fazendo a minha melhor feição de confusa.

Eu só esperava que essa atuação funcionasse, já funcionou várias vezes com Harry. 

Falando nele, aonde ele está nessas horas?