História Colecionador de Lágrimas - Segunda Lágrima

Capítulo II : Segunda Lágrima.

 O silêncio pairava sobre o ambiente, deixando apenas o som da respiração pesada dos dois rapazes presentes ali e o barulho da chuva chocando-se fortemente contra as paredes da pequena casa.

 Um mantinha confusão, susto e medo estampados em seu cenho, enquanto observava o garoto a sua frente apoiado em uma das mãos, que o encarava com os olhos brilhando e um sorriso ladino dançando por entre os lábios chamativos, aguardando qualquer reação que fosse após sua resposta.

 - Co-colecionador das mi-minhas lágrimas? – falou finalmente após muito o observar.

 Suspirou pesado.

 Pensou que o garoto ali deitado havia tido algum ataque do coração com sua súbita presença de tanto que demorou a proferir qualquer palavra que fosse, seria um grande desperdício se alguém como ele não aproveitasse de sua ilustre companhia naquele momento.

 Sorriu novamente o olhando intensamente.

 - Pode-se dizer que sim...

 - Como assim? O que você está fazendo aqui e como entrou, hein?! – disse sentando-se sob a cama dura – Me responda logo!

 Todo aquele suspense já estava fazendo com que qualquer resquício de amedrontamento se esvaísse do corpo de Namjoon e curiosidade misturada com irritação, se apossasse de seus atuais sentimentos.

 - Ei, ei calma aí garotão, pra que tanta raiva e pressa?

 - Talvez porque você seja um estranho em minha casa? – perguntou exalando ironia em cada palavra.

 - Talvez se você não fosse um bebê chorão e barulhento demais, eu não estivesse aqui. – cruzou os braços sorrindo mais largo ainda vendo o loiro arregalar os olhos após a confissão.

 “Se eu não gostasse tanto de ver lágrimas escorrendo, até me sentiria triste por sua atual situação.” Completou mentalmente.

 - Você viu?

 - Uhum, vi e ouvi se quer saber.

 - Merda... – sussurrou mais para si, amaldiçoando-se por alguém ter o visto tão vulnerável e encolhido naquele colchão derramando o líquido salgado que tanto lutava para que não caísse – Isso não importa. Você ainda não me respondeu: quem é você e por que está aqui na minha casa?

 O moreno se ajeitou melhor sobre os joelhos, apoiados ainda no piso gélido, enquanto encarava a ansiedade no olhar alheio. Arrumou sua postura corretamente como quem se preparasse para soltar o melhor dos discursos já existente nesse planeta. Pigarreou chamando ainda mais a atenção do rapaz na cama para si.

 - Sou Seokjin, seu mais novo amigo. – sorriu ao ver a confusão que pairava sobre a face tão bela do loiro a sua frente.

 Namjoon o encarou e em seguida gargalhou alto, fazendo com que o sorriso brilhante e convicto de Seokjin desse lugar a um amarelo e cheio de questionamentos.

 - Amigo? – arqueou as sobrancelhas – Cara, você só pode estar de brincadeira, não é? – disse debochado, enquanto o olhava.

 - Sim seu amigo, afinal, quem mais apareceria aqui para lhe ajudar na situação em que você se encontrava feito uma criancinha perdida, cara?

 Namjoon logo cessou seu riso procurando entender aonde aquele rapaz sorridente queria chegar com aquelas palavras e dúvidas no ar.

 - O que você quer dizer com isso? – questionou hesitante.

 - Bom, se você não acredita em anjos da guarda ou entidades protetoras, por favor, comece a acreditar agora.

 Anjos da guarda ou entidades protetoras?

 O loiro pendeu a cabeça para o lado, prendendo a respiração por alguns segundos tentando digerir o que aquele estranho estava lhe falando.

 Ele só podia estar blefando. Blefando muito feio.

 - Anjo da guarda? Qual é garoto, você acha que eu sou trouxa?

 - Trouxa? Claro que não. Por que você acha então, que estou aqui após escutar seu choro e lamúrias sobre sua vida medíocre? Seres destinados a proteger seus humanos fazem isso, não acha?

 Lançou lhe a pergunta deixando o loiro confuso em seus próprios pensamentos e crenças naquele momento.

 Parando para pensar, até que fazia um pingo de sentido, afinal, toda a baboseira que já escutou da boca de alheios sobre anjos da guarda ou seja lá o que fosse semelhantes a eles, sempre protegiam aqueles os quais eram responsáveis a esse papel.

 Será que pelo menos alguma vez na vida teria alguém que lhe protegesse e cuidasse de si quando seu mundo estivesse desabando?

 Namjoon encarou o sorriso do anjo a sua frente, percebendo o quanto ele era presente em seu rosto doce, o que fazia com que acreditasse mais ainda naquilo.

 - Tudo bem... – disse por fim após analisar a situação – Mas e sobre a história de colecionar minhas lágrimas?

 - Ah, sobre isso... – percorreu os olhos pelo local descontraído – As lágrimas são coisas puras e repletas de poder, acredite, elas possuem um grande impacto para nós, elas são fortes e eu como seu gentil anjo e bom amigo, tenho a obrigação de guarda-las comigo para que possamos ser fortes juntos.

 Viu os olhinhos a sua frente brilharem em expectativa e até poderia dizer que esperança por ter um ser sagrado bem ali, diante de si, pronto para lhe ajudar.

 Ah, como Seokjin amava os deixar completamente encharcados de esperanças para que depois eles lhe encharcasse com suas lágrimas.

 Na verdade, Seokjin era uma criatura ‘mágica’ que vivia e se mantinha a partir do líquido salgado que escorriam pelas esferas brilhantes dos humanos.

 Sim, isso mesmo.

 Aquelas gotinhas transparentes que transbordavam, não importasse se fosse de alegria ou principalmente da tristeza e angustia que se instalava em seus coraçãozinhos, lhe era de uma tremenda importância, lhe mantinha vivo, lhe mantinha como um humano.

 Seokjin precisava delas, precisava como nunca, precisava se manter aceso, precisava se sentir brilhante como sempre fora, nem que para isso, muitas vezes, provocasse a queda dessas pequenas lágrimas cintilantes, da maneira que bem quisesse.

 Ele sabia muito bem como jogar e não pensaria duas vezes em usar suas estratégias para tal. Sabia fingir uma doçura tão grande quanto à de uma maçã vermelhinha e brilhante, porém podre por dentro.

 Era tudo questão de momento. 

 E era por conta delas que Seokjin fora atraído ali naquela pequena casa velha, recebendo um sorriso sincero e lindo do dono da residência a sua frente.

 - Sério mesmo? – o moreno saiu de seu transe mental após escutar a voz grave do loiro – Essa ideia de você ser um espirito sagrado e tudo mais é um pouco estranha...

 - Não veja por esse lado. – torceu o nariz pela falsa comparação que o outro acreditava – Me veja como seu amigo próximo. O que acha?

 - É bem melhor assim. – riu baixo.

 Ficaram se encarando, um sentado sob a cama e o outro, ainda, no assoalho na borda do colchão, até que Seokjin tomou impulso para se sentar na beirada do móvel, deixando Namjoon um pouco desconfortável com sua aproximação repentina. 

 Sustentaram mais uma troca de olhares e Seokjin pôde constatar que aquele garoto possuía uma beleza invejável - não mais do que a sua - e um tom de pele nunca antes visto por si.

 - Então Namjoon – fazia desenhos circulares sob o lençol branco abaixo de si com um de seus dedos – Quer me contar melhor o porquê de estar chorando antes?

 O loiro rapidamente desviou o olhar daquele que se mantinha alguns segundos atrás, estava com vergonha demais por saber que um estranho havia o visto chorar daquele jeito feito um bebê chorão, como o moreno disse mais cedo para si.

 Ponderou por um tempo se deveria contar ou não a ele, se abrisse seu coração e despejasse ou não todas as frustrações e decepções sob os ombros daquele que o olhava um tanto ansioso. Nunca tinha feito isso antes, nunca tivera ninguém que sentasse e lhe perguntasse sobre seus sentimentos.

 Talvez já estivesse na hora de mudar.

 Encolheu os joelhos rentes ao corpo como se os abraçassem e respirou fundo antes de soltar tudo o que estava sentindo para que Seokjin o ouvisse.

 Contou desde a morte de sua progenitora que consequentemente desencadeou o seu antigo vício por cigarros; a sua adoração por escrever e produzir até os acontecimentos atuais da perda de seu emprego e a dúvida de como seria o dia de amanhã sem a certeza de nada.

 Seokjin por outro lado, escutou cada palavra com toda a atenção que poderia dar para aquele garoto de pele bronzeada. Guardou em seu mente cada ponto forte e cada ponto fraco que ele tinha para que pudesse se lembrar mais tarde quando fosse preciso. 

 Alguns minutos após a confissão, o quarto foi preenchido novamente pelo choro mais desesperado ainda de Namjoon, fazendo com que Seokjin prontamente o acolhesse em seus braços largos e o apertasse contra seu peito em um abraço confortante que possuía um cheiro refrescante de lírios.

 Acarinhou os cabelos claros e sedosos aspirando ao odor de etanol misturado com mel que exalava por entre os fios. Sua camiseta clara era molhada pelo choro do menor a cada vez que passava as mãos por suas costas em um afago delicado.

 Deitou Namjoon sob a cama, passando a mão por suas bochechas deixando um carinho ali. Podia sentir aquelas lágrimas geladinhas tocarem sua pele e naquele momento, sentiu-se vivo.

 Mais afagos na cabeleira loira e finalmente Namjoon adormeceu sem perceber. Seokjin sorriu ao ver a figura respirar calmo conforme certamente se perdia no mundo dos sonhos.

 Pobre Namjoon, estava passando por dificuldades tão grandes em sua vidinha miserável naquele exato momento, que Seokjin nunca, nunquinha mesmo, em sua existência, se recusaria a lhe oferecer uma lamentável desculpa esfarrapada sobre o proteger, um ombro amigo para se apoiar e um sorriso vitorioso para acolher suas tão sagradas lágrimas.

 Não mediria esforço algum com aquele homem de cabelos claros.

The truth is you were a coincidence that looked like destiny