A última vez que Jin viu sua irmã Sandra, foi aos pés da torre na ascensão para Santa Teresa. O dia era frio, e o saudoso sorriso de adeus fraterno era a única memória que restou dela. Viver aos pés da torre não era, de fato, o pior cenário possível. As escolas ainda existiam, mesmo que opcionais, e o Distrito Central orgulhosamente ocupava o primeiro lugar de fornecedor de material genético.
Pela previsível seleção da mais velha, era alimentado em Jin o ânimo de estudar vinte e cinco horas por dia e oito dias por semana: horários livres não eram possíveis e dormir era terceira ou quarta prioridade, depois das aulas de judô. A fina expectação de rever a noona era combustível para essa rotina, que mesmo com crianças de meia década, era demasiada exaustiva: quem subia para Órion jamais desceria, assim como os da Cidade Meteoro jamais poderiam subir (salvo dos Capitais Encarnados, nome dado aos policiais que mantinham a ordem na parte onde o ar frio predomina, com a promessa de galgar a torre após a aposentadoria).
Com seis anos o dia deveria ter vinte e seis horas e a semana nove dias: a nevasca de 35 queimou os restos de mato e lavou suas esperanças com o nascimento de Minhyun. Desde que o mundo é mundo (ou desde que a Cidade Meteoro é mundo), a comparação entre as duas crianças era inevitável. Apenas um casal de filhos por família poderia ser elevado para Orion, e o enxoval rosado mostrava que quem os pais esperavam, era a segunda filha mulher que faria companhia para a mãe. Minhyun escolheu o dia da nevasca para nascer, e como a nevasca terminou de matar alguns mendigos, ele viera chacinar as fés do irmão. Sabia o filho do meio que o mais novo realmente possuía mais chances de ser escolhido, e imaginar passar o resto da vida num barco de pesca era um futuro bem distante da sua utopia, de atuar e poder aparecer nas televisões de hologramas, durante o horário do jantar.
Minhyun possuía mais aegyo;
Minhyun era mais alto e a escola previa um metro e oitenta e três em tamanho adulto;
Minhyun tinha a natureza doce e passiva, o que o tornava mais agradável aos olhos alheios.
Mas, tinha algo que somente os pais sabiam: o pulmão esquerdo do caçula era menor e apenas um dia sem medicamento poderia ser problemático, remédios esses misturados às vitaminas.
A corrida contra o mais novo era injusta pois suas pernas eram mais compridas, e se Jin levasse um dia para aprender a quarta sinfonia de Bach, Minhyun levaria meio. A deusa era cruel, pois em um braço segurava o escudo mas no outro tinha a espada empunhada; noites foram longas e Jin chorou todas suas lágrimas até que a poeira as secassem. Ele só queria ser bom o suficiente, poder atuar e estar no horário nobre, onde ele seria o personagem principal e todos prestariam atenção só nele... Mas a deusa era cruel: as comparações se estreitavam a cada dia como raízes apertadas num vaso pequeno, se sufocando e se estrangulando conforme o processo. Minhyun podia fazer tudo que fazia sem muito esforço, enquanto Jin precisava se desdobrar em três para obter um resultado igual ou um pouco melhor. Enquanto o mais velho suava sangue para ser o número dois, o caçula apenas sorria docilmente enquanto idolatrava o irmão.
Ah, se tinha alguém que Minhyun amava, esse alguém era Jin: mais que a mãe, mais que o pai, mais que as mocinhas formosas que sorriam timidamente. Perder de 98 à 100 de pontuação no teste de geometria espacial foi a gota d-água: em seus longos trajes pretos o mais velho saiu sem sequer pegar a máscara pisando duro, rumando ao Distrito Médio-Industrial donde inocentemente planejava pular e por fim acabar com essa maldição de comparações. O mais jovem saiu ás pressas sem entender o surto do irmão, e foi numa briga com um Capital Encarnado que encontrou o mais velho, que habilmente desviou das armas e nocauteou o guarda. Seguia em passos firmes rumo ao abissal e de lá se jogaria.
O mais alto dos irmãos já respirava com dificuldade e clamava para que Jin parasse. Em seu estado de fúria com seu semblante seco, pouco enxergava além das fumaças tóxicas daquele distrito... E o ar faltava no peito de Minhyun.
Ao perceber que o mais jovem não deixaria de seguí-lo SeokJin apelou para violência física, não muito eficaz devido ao nível de maestria do segundo. Após se baterem debilmente e a água pressurizada voltasse a minar, os olhos embaçados do menos criança soltava vômitos em forma de palavras, e tão agressivas quanto ácido estomacal, as palavras corroíam e eram de muita abrasão.
“Você nunca deveria ter nascido”
Um tapa fraco partiu do mais moço que respirava com dificuldade:
-Se nasci foi por vontade dos deuses, e, o mais fiz eu em minha vida se não te seguir?
Diferente de água e óleo, ódio e culpa são miscíveis e se bastante agitados são homogêneos. Primeiro Jin respirou fundo, pois suas baforadas venenosas eram bem mais destrutivas que o ar daquele lugar. Ao fitar o mais novo, dizia ocularmente que brevemente mais Capitais Encarnados apareceriam, e assim seria dizimada qualquer chance de um dos dois subir. Antes mesmo que o mais velho pudesse se pronunciar, Minhyun, que já vistava silhuetas dos guardas, apelou para que o irmão fugisse:
- Fuja Jin Hyung! Eu assumirei a culpa!
Ao ouvir as palavras do irmão, seu interior se comportou semelhante de água e óleo, já que ganância e solidariedade são bastante diferentes, e tão diferente a densidade deles que se comparariam com água e chumbo. Como uma corrente elétrica SeokJin podia imaginar o irmão sendo punido, talvez preso, e nada além disso aconteceria. Ele, per si, subiria para Órion e todos ficariam felizes. Mas..
- Não seja ridículo! Você não quer subir para Santa Teresa também?
- A felicidade encontrarei, apenas enquanto puder estar ao seu lado.
- Então que ficaremos os dois aqui. Não subiremos nenhum e viveremos a miséria do começo de fim de mundo!
- A felicidade encontrarei, apenas enquanto você puder ser feliz. Seja feliz hyung. Isso vale mais pra mim do que qualquer coisa.
Foram rápidos segundos e seria necessário um dia inteiro de reflexão:
“Por favor, não pule. Se mesmo assim minhas palavras não puderem te segurar, eu pularei por você.”
Minhyun caminhava em direção á beira do abismo e embora o hyung berrasse, com o rosto rubro e as veias saltadas, o mais jovem sorria manso, como o cordeiro imaculado que aceita sua morte para um bem maior. Nesse meio tempo os Capitais Encarnados já estavam lá, e antes de qualquer negociação, antes mesmo de chegar no precipício, o mais moço caiu no chão, e de lá jamais levantou.
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Como uma maldição de Deus, se é que ele mesmo existe, o sorriso jamais cessaria de seu rosto, estando ele triste ou em desespero. Incontáveis noites se passariam sem que pudesse dormir, apontando sua ganância que o fez tirar a vida do próprio irmão com seus atos egoístas.
Os lençóis de seda fina, a grama verde e os apetrechos de ouro não eram caros suficientes para comprar paz na consciência, nem tampouco, comprar a vida do mais jovem. Sua voz doce seria lembrada nos pratos finos e nos peixes caros, e quando a carne mais suculenta tocasse sua língua, se lembraria que aquele lugar de reprodutor não era ele quem deveria ocupar. Antes morasse junto aos pais nos pés de Órion, que ascender à torre ao preço do sangue do irmão. Seu comportamento egoísta era disfarçado durante o dia, onde os raios de sol refletiam seus incisivos e encantariam moças donzelas, que continuariam a fazer estripulias para chamar sua atenção.
Sorriria, mesmo que a culpa o consumisse, afinal essa era sua sina. O sorriso não se extinguiria não importa o que acontecesse.
Cantaria suave, definhando cada vez mais porque sua voz não engrossaria e continuaria muito semelhante ao irmão.
Teria o cabelo loiro, afinal essa eram as cores das madeixas de Minhyun.
Dormiria em silêncio, sem sequer respirar mais pesado, dessa forma seu segredo não poderia escapar, debaixo de sete chaves... e uma máscara de ar.
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