1. Spirit Fanfics >
  2. Cadillac >
  3. Azul

História Cadillac - Azul


Escrita por: burgarelly

Notas do Autor


Apesar das baixíssimas exibições, nenhum favorito novo e nenhum comentário, cá estou eu tentando ficar firme e forte. Boa leitura!

Capítulo 3 - Azul


Fanfic / Fanfiction Cadillac - Azul

 

JUSTIN 

 

Minha consciência volta à tona. 

            Sinto-me molhado, inteiramente molhado. 

A leve brisa que chicoteia o meu rosto, e corpo, me acalma e a sincronia com o leve movimento da água me encanta. Tanto que não me permito abrir os olhos.         

           Aproveitar aquele pequeno paraíso nunca transpareceu ser tão tentador. 

Mas, mas, mas tem essa energia que flui em mim que... me faz querer enxergar esse paraíso, uma força maior que brota sem precedentes intenções. 

           Assim que o realizo, entendo o porquê.  

Sinto-me imerso numa profunda imensidão azul, um azul cristalino, tão cristalino quanto as serenas águas de Malta, um azul, azul; suas íris detêm o azul mais lindo que já vi em toda a minha vida. 

           Não enxergo nada além dos seus olhos, a água, por vezes, os fazem piscar, eu não consigo, estou obcecado neles. 

As nuvens subitamente atordoam o sol e o esconde detrás delas, porém o sol é intenso e mesmo com todas as forças reunidas, as nuvens são incapazes de deixá-lo opaco, deixa-o translúcido, mas não opaco, elas não seriam tão fáceis assim... Com isso, suas pupilas passam a dilatar um pouco e suas íris perdem espaço. Eu não sei se a imagem que é projetada dentro desta pessoa é julgada como boa, mas as suas pupilas estão dilatando cada vez mais. 

           E agora, estou imergido numa profunda imensidão negra.

Como eles conseguem ser ainda mais avassaladores?

 

Meus olhos se abrem e encaram o teto branco de meu quarto. 

"Tudo um sonho", penso, "Um sonho". 

Reviro os olhos bufando alto. 

 

O sonho se reproduz na minha mente e para afastá-lo começo as minhas atividades matinais: primeiro, levanto-me da cama esticando todos os meus músculos sentindo a falta de Akemi;

Segundo, realizo todas as atividades higiênicas; 

Terceiro, visto-me com uma junção qualquer de tecidos, sociedade o denomina como roupa; 

E bom, não haveria quarta se não fosse pelo ronco estrondoso que meu estômago expõe. "Não o deixarei insatisfeito, buddy", penso. 

 

Meus pés dão conta do ritmo que imponho, desço as escadas de dois em dois degraus e assim que ponho meus pés sobre o gélido chão da imensa sala de estar, escuto: 

— Bom dia Sr. Bieber! – Hernani diz e resolvo zoá-lo. 

— Capeletti mi filho, capeletti! — digo num tom macarrônico, gesticulando com as mãos naquele modo que lembra um chef, especificamente, um italiano. Ele revira os olhos e bato meu ombro contra o dele, ele ri e fazemos o nosso toque. No final, como de costume, trocamos beijos na bochecha. 

 

Dirijo-me até a cozinha e dou de cara com as costas brancas, cheias de pintinhas, de Chris. Ele está comendo algum cereal trajando vestes que podem ser classificadas como pijama — costas nuas, um samba-canção e pés descalços. Se eu não conhecesse Justine e seu histórico com ele, até acharia que passaram a noite, juntos, em claro. 

 

— Bom dia lindinhos — anuncio a minha entrada, nenhum dos dois se preocupam em me olhar. Bufo irritado e Justine ri enquanto coloca algo dentro da geladeira, "safada", penso. 

— Então... — sento-me no balcão de mármore e roubo o prato de cereais com leite de Chris, ele não protesta até porque já está quase no fim. 

— Então... – ele responde descascando uma banana, tanta fruta para que comer e escolhe justo essa, reviro os olhos. 

— Você não irá a escola? — direciono a minha pergunta a ele, já que ela está devidamente uniformizada com esses trajes escolares tipicamente ingleses. Escola particular de merda. 

— Sim. Só irei chegar mais tarde — fecho o cenho quando ele diz "mais tarde" — Eu não sei se você percebeu mas ainda são sete da manhã, Justin. — diz apontando para o relógio. 

Confirmo sua afirmação ao analisar o relógio. 

— Passa logo pra cá — Justine pede algo para Chris sem ao menos olhar para mim. Alguma coisa aconteceu? 

Christian passa a reparar a sua volta e pega o skate que está quase ao seu lado, joga o mesmo para ela que, logo, sai sem mais nem menos. 

— Ela descobriu Justin — ouço, após alguns minutos, o que Chris diz mas não compreendo, matuto, matuto mas nada. Franzo o cenho insistente e ele revira os olhos deitando-se sobre o balcão. 

— Sobre o seu pai — explica, porém ainda não compreendo, ele enxerga isso e exclama: 

— Como você é burro! — lança a casca de sua banana em mim — Ela descobriu os negócios do seu pai, o seu sustento, como que ele ganha dinheiro. – assim que assimilo o que diz, fecho os olhos negando com a cabeça. Merda. 

— É. Tu tá fodido, cara — acrescenta "otimista". 

— Como? — encaro-o e só o que faz é dar os ombros. 

— Não importa como, Justin. Ela sabe e pronto. Só para constar, não fui eu. – ele levanta as mãos em rendição, assinto indicando que está tudo bem.

 

Tudo bem. 

 

Não, não está nada bem. 

Nada bem. 

 

— Como ela está? — pergunto sentando-me na pia. Ele vira o seu rosto para mim rindo falso. 

— Pé da vida! Faz um tempo já, alguns dias. Ela me disse que vem te perguntando diversas se você tinha algo para contá-la. — suspiro fundo ao lembrar de algumas das vezes que ela estranhamente perguntou: "Tem algo para compartilhar, Justin?". 

— Admito que isso passou pela minha cabeça, mas, ao final, conclui que seria sobre a minha volta com a Akemi — desço da pia e pego um pacote de bolacha Tostines, o de morango, Justine o adora. 

— Pelo o amor de Deus, Justin. E desde quando Justine se importa com quem você está transando? — admito para mim mesmo que ele está certo, mas não confirmo, não o darei esse prazer. 

Simplesmente, dou os ombros. 

— Ela foi para a escola? — assinto com a cabeça não entendendo o porquê da pergunta, ele mesmo deu o meio de transporte de Justine. 

— Estou falando de Akemi, estúpido — irrito-me levemente com o linguajar dele, deixo passar comendo mais uma bolacha. 

— Sim, deve ter saído daqui umas 6h30. — chuto qualquer horário mais próximo ao nosso — Não queria que Justine ou você a visse. — o silêncio se instala na cozinha — O que não deu certo, provavelmente. — digo ao vê-lo rir. 

— Pois é. Dessa vez, é sério? — assinto não querendo explicar que, na verdade, não é bem assim. Coloco mais uma bolacha na minha boca e desencosto da pia. Vou em direção à geladeira e lá encontro bolo de limão, leite, mais bolacha Tostines de morango, pão com frios e mais algumas coisas que não são do meu interesse. 

 

Sento-me na banqueta e coloco as coisas que vou ingerir no espaço que Chris não ocupa, pego um copo no armário e começo a me alimentar, logo depois. 

Escuto Chris bufar e coçar os olhos, espero que ele não esteja chorando. Levanto-me para verificar e não está. Volto a comer tranquilamente. 

 

— Que foi? — pergunto em meio das mastigações. 

— Sua irmã — reviro os olhos ao escutá-lo. "Amor não correspondido deve ser uma merda", penso. 

— Você se tortura demais, irmão. Se eu fosse você, ficaria longe dela. Não é tão difícil assim. — ele coloca todo o seu peso sobre seus cotovelos e me encara incrédulo. Rio ainda mastigando, pela feição de Chris imagino que tenha visto coisas demais. Tomo cuidado para não dizer nada demais, não sei se Justine já contou a ele a quem seu coração pertence. 

— Primeiro, você é nojento. Segundo, você não tem direito nenhum de opinar, não entende nada disso. Você e Akemi sempre compartilharam o sentimento. — diz sentando. 

Rio mais ainda. 

— Só posso confirmar a última oração — mordo mais um pedaço do pão com frios. Ele ri falso descendo do balcão. Quando está prestes a me dar as costas, digo: 

— Além do mais, pica contagiosa não entra na minha irmã — mexo na mais recente ferida dele. 

— Você foi no laboratório comigo ver a porra do resultado do exame, e sabe muito bem que estava tudo OK. — ele me dá as costas e adentra as escadas acima. Rio sozinho ao me recordar do nervosismo dele naquele episódio. Engraçadíssimo. 

O telefone começa a tocar, deixo-o de lado mas o toque insistente, facilmente, me irrita, então, levanto-me e vou atendê-lo, digo o que qualquer um diria, o comum "alô". 

— Por favor, a Sra. Laurence está? — uma voz masculina é captada pelos meus ouvidos. 

— Quem é? — nunca ligam perguntando dela, nem no Brasil essa mulher está. 

— Meu nome é Marcelo e sou secretário da diretora da Escola Internacional Tesla Turing. Gostaria de contatar com o responsável da Srta. Heloísa Justine. — sua formalidade me dá nos nervos, "escola particular de merda", penso. 

— Sou responsável por ela. Algum problema? — sento-me no sofá esticando o cabo do telefone. 

— Na verdade, sim. A diretora Dóris gostaria de ter algumas palavras com o Sr... 

— Bieber, Justin Bieber — respondo ao perceber a intenção de sua interrupção. — E esse encontro seria quando? — ao me ouvir falando "encontro", quase vomito ao me imaginar paquerando aquela idosa rústica. 

— O mais rápido possível, hoje seria perfeito. — penso em procrastinar, mas deixar Jeremiah cuidar disso seria pior ainda. 

— Tudo bem. Até logo! — digo interrompendo de propósito a esperada fala do secretário ao colocar o telefone no gancho; provável que queria marcar um horário. Eu tenho cara de quem marca horário para encontrar uma senhora inglesa arrogante? Não, não tenho. 

— CHRIS! — grito subindo as escadas, repito a dose algumas vezes até que adentro o quarto de minha irmã.

— Que é caralho? — responde assim que me vê pelo canto de seus olhos, ajeita a gravata do seu uniforme e seu cabelo, alisa suas vestimentas e se direciona a mim. 

— Gostou de falar o meu nome hoje, é? — diz sarcástico resgatando sua mochila do chão, coloca-a nas suas costas e pulveriza seu perfume pela sua pele. A quantidade de coisas pertencentes a ele neste recinto é incrível. 

— O responsável de Justine foi intimado a comparecer a excelentíssima instituição escolar que ela atende — engrosso a voz estufando o peito e ajeitando a minha gravata imaginária. Chris me olha rindo de minha graça e volta a sua atenção ao espelho. 

— Iniciamos uma discussão em sala, a professora de francês tomou as minhas dores e tapeou a cara dela. Tentei acalmá-la o mais rápido possível, mas... 

— Não deu muito certo — cruzo os braços prestando atenção no que ele fala. 

— Não deixei que ela chegasse perto da professora, mas ela segurava uns livros pesados e Justine deu um chute neles. 

— Caíram no pé dela? — dito a consequência que vem a minha mente. 

— Estée urrava de dor, os pés dela ficaram enormes, tanto que foi afastada das suas atividades naquele dia e no outro — caminha em minha direção. 

— E isso foi...? 

— Quinta. — responde calmamente. 

— Justine adora animar as minhas segundas-feiras, puta que pariu — caminhamos para fora do quarto e ele fecha a porta não ligando para o que eu disse. 

— Vou me arrumar e já vou para lá. Quer carona? — caminho em direção ao meu quarto dando-lhe as costas. Quando estou girando a maçaneta, olho para ele e assente. Assinto de volta adentrando o quarto. 

 

[...] 

 

— E aí, Seu Raimundo?! — Christian o provoca batendo nas suas costas. O senhor olha para mim assentindo e respirando fundo irritado. Ouço-o sussurrar "desgraçado", não só eu como Chris também, que, por sua vez, ri de toda a cena. Eles têm um histórico não tão bonito, digamos assim. 

— Não quis passar maquiagem nisso aí? — pergunto a Chris ao perceber que seus machucados, devidamente tratados, não estão sendo encobertos como de costume.  

— Eu e ela não estávamos com saco para isso. — responde tirando um livro de sua mochila e inicia a lê-lo. Não me interesso em saber qual é. Seu Raimundo gira a chave na ignição e inicia o trajeto. 

— Então, ela não passou? — essa dúvida vem à tona ao não me recordar da face dela direito. 

— Claro que sim, Justin. — olha-me por alguns segundos sendo o mais seco possível. Desisto de conversar com ele. Talvez Justine tenha sido rude com ele hoje, talvez, ainda, por minha conta e agora está descontando em mim o que ela descontou nele. 

E mais uma vez, Justine entra em ação sem, ao menos, estar presente. Ela é a representação do terror. 

 

Um adorável terror. 

 

Rio da minha própria afirmação, Seu Raimundo me olha pelo retrovisor estranhando. 

As mãos de Seu Raimundo deslizam sobre o volante e damos de cara com a majestosa entrada da escola salpicada de alunos. Peço para que Seu Raimundo pare o carro alguns vários metros antes para que Chris desça sozinho e ele o faz, agradeço e o garoto desce silencioso do carro. 

O motorista avança e estaciona na frente da instituição. 

 

— O Sr. vai levar ou buscar alguém agora? — ele nega com a cabeça — Bom, então, por favor, espere aqui pois irei voltar com o senhor — ele assente e relaxa o seu corpo no banco. Saio do veículo sem mais delongas e instantaneamente, ganho atenção dos alunos que estão por ali, não apenas das garotas, dos garotos também. 

Coloco os meus óculos escuros e caminho em direção à entrada, no meio do trajeto, avisto Akemi. Ela finge não me enxergar, diferentemente de mim, ela se importa pra caramba com a atenção que ganha, ela é muito simples. Eu sigo o seu roteiro mesmo que contra a minha vontade. 

Adentro o enorme corredor coberto por armários nas duas laterais, salpicado de alunos gritantes e exagerados, gritantes porque falam alto demais e exagerados pois todos, ou 99,8% deles, são filhinhos de mamãe e papai, ou seja, ostentam o que mais há de bom e melhor, quer dizer, o que há de mais caro; já que o valor na etiqueta não indica, necessariamente, maior qualidade conforme o preço. Caminho em direção a sala conhecida por mim e nesse meio tempo, o sinal toca. Em questão de um minuto, todos estão dentro de suas salas. Exceto pelo garoto que passa por mim correndo, é o mesmo garoto que dei carona. Rio disso. 

Após alguns momentos de caminhada, sento-me na cadeira de espera da mini recepção que tem para a sala da diretora Dóris. Encosto minha cabeça na parede e por conta do peso que, de repente, sinto nos meus olhos, os fecho. 

— Sr Bieber, Justin Bieber — um japonês mediano, de nariz largo e magro diz. Assinto em direção da fonte sonora, ainda com os olhos fechados, mostrando que se trata de mim. 

— Marcelo — diz e abro os olhos, sua mão está estendida, me levanto e o cumprimento rápido. Espio o interior da sala e Dóris já se encontra lá, adentro-a e sento-me na cadeira a sua frente retirando os óculos escuros, sem comprimentos.

— Bom dia — ela diz suspirando fundo e sei que não deseja o que fala, seu cargo a obriga em fazer isso; retribuo a formalidade desnecessária e relaxo na cadeira. 

— Convoquei o Sr... — ela inicia. 

— Sra. Dóris, seja objetiva. Não há motivo pra essa preliminar. A Sra. se refere ao ocorrido de quinta? — olho-a nos olhos e sei que ela é grata pela minha pressa. 

— Sim — ajeita sua buzanfa na majestosa cadeira. 

— A Sra. quer que ela faça o que? Peça desculpas? — seu rosto pálido torna-se levemente vermelho, com isso, confirmo a minha tese que ela quer muito mais que isso. 

— Eu posso, muito bem, falar com a minha irmã que, por sinal, é uma excelentíssima aluna. Mas, a Sra. há de concordar que terá que fazer o mesmo com a Sra. Estée, ela não tinha o direito de tapear minha irmã, isso é abuso de poder — minha boca emite uma voz serena, porém o que reajo na idosa, a minha frente, é um mix de raiva e frustração. Ela sabe que estou certa.

— Ora, mas o Sr esquece... 

— Ahn? — ao interrompê-la faço com que pense melhor no que vai dizer, ela entende a mensagem. Eu realmente sei lidar com ela. 

Inspira e expira fundo aceitando o "acordo" ao assentir. Levanto-me ajeitando o horrível paletó que vesti para essa ocasião. 

— Desculpe-me Sr. Justin, mas eu ainda não terminei. — ela indica a cadeira com os seus olhos, não a darei esse gosto. 

— Estou bem em pé — sua vontade é de revirar os olhos, eu sei porque eu também sentiria. 

— A FCTT — Feira Cultural Tesla Turing — está se aproximando e Justine está sendo escalada para fazer uma apresentação musical. — ela diz e o que passa pela minha mente é: "Tá e daí?" 

— Se vocês não fizerem algo que ela goste, pode apostar que ela inventará um modo de inserir algo na apresentação, então, ao invés de me fazer ouvir bobagens, tratem de deixar tudo bem resolvido até a FCTT. Na minha época era assim, alguma coisa mudou além da diretora? — digo alisando o meu paletó cínico, ela se contorce na sua cadeira mas não diz nada. Ao pensar na data da FCTT, percebo que falta ainda um bom tempinho.

— Ótimo! E da próxima vez que ocorrer algo desta dimensão, me ligue, não me convoque até aqui. Não estou mais no Ginásio para perder tempo com coisas tão simples de serem resolvidas, Sra. Dóris. Eu sou um homem adulto, não mais o moleque que a Sra. coordenou há anos. — digo e me encaminho em direção a saída num absoluto silêncio. Ouço-a dizer "malditos Bieber" e uma leve risada escapa pelos meus lábios, sou irritante mesmo. Cumprimento Marcelo e volto a andar pelos corredores de minha antiga escola.

Ao passar por esses armários, lembro-me de algumas das tantas besteiras que já fiz aqui com os meus amigos, os que mais estão presentes nas minhas memórias são: Charles, Ryan, Caitlin, Alfredo e Noah. Exceto pelo último, todos continuam excessivamente presentes na minha vida, todos trabalham para o meu pai. Por mais que eu saiba que somos amigos de verdade, ao me dar conta que o motivo pelo qual nos encontramos tantas vezes pelos dias, me entristeço. Coloco as minhas mãos dentro do bolso da calça cabisbaixo, suspiro fundo envergonhado de ter posto meus próprios amigos num ramo tão sujo.

Olho entre as frestas das cortinas das portas das salas de aula os alunos desinteressados que as preenchem, suas feições cansadas de sono ou de uma noitada cheia de emoções ou até da fala dos professores, são vistas por mim, o que reparo em todas é a mansidão que todos se encontram e a quantidade reduzida de alunos por sala, na minha época, colocávamos essa escola de cabeça para baixo, bons tempos. Numa das minhas passadas de olhar, enxergo Justine, só, ocupando uma sala. Resolvo voltar o passo e ir falar com ela, eu preciso fazer isso.

— Licença — digo, após entrar sem bater na porta, e ganho a sua atenção. Ela me encara sem qualquer expressão sendo estampada, odeio isso. Adentro a sala que estaria totalmente vazia se não fosse pela mulher negra que encaro. Ela espera por essa conversa, então fala nada, sento-me na carteira a sua frente sendo acompanhado pelo seu olhar.

 — O que resolveu com Dóris? — sento-me na carteira a sua frente de tal forma que eu pudesse encará-la, ela batuca seus dedos na madeira da sua carteira nervosa; sei que, no fundo, ela está doida para se acertar comigo; sou seu irmão, mas também seu melhor amigo. Adriana é ótima, mas o que sou para ela, talvez Adriana jamais seja.

— Ao sair da sala da megera, relembrei dos tempos que estudei aqui. — inicio o meu discurso e ignoro a sua pergunta — Relembrei de algumas das várias besteiras que fiz e junto com essas memórias, veio a lembrança das pessoas que passaram tudo aquilo comigo, os principais comparsas sempre foram: Charles Sant’Ann, Ryan Bragas, Caitlin Beadles e Alfredo Flores. Conhece? — olho-a vendo um sorrisinho minúsculo brotar no canto de seus lábios, sorrio abertamente. — Éramos os mais animados, os mais divertidos, os mais atrapalhados, os mais espertos, os mais populares... — digo relembrando da festa beneficente fadada ao fracasso de 72 que resolvemos ajudar naquele ano e quebramos recordes — que permanecem até hoje — de arrecadação.

— Éramos os melhores, Justine. — digo olhando no fundo dos seus olhos.

— E depois de uma cerimônia idiota chamada colação de grau, nos vimos livres daquele monte de professores irritantes, da, até então, coordenadora Dóris, de acordar cedo, do uniforme, dos trabalhos, lições de casa... Enfim, livres da escola. E conhecendo quem somos sabe que aproveitamos tudo...

— Farreando — ela completa passando o cabelo para o lado direito, abro, junto a ela, um sorriso de satisfação.

— Exato, farreando. Não havia como ser melhor, se fosse, estragaria e sabíamos disso. Foi a nossa época mais louca juntos, Justine, a mais inesquecível, a mais exaltante, a mais... — não consigo transformar todos os sentimentos  que sinto em palavras, não dá, ela entende.  — Nunca me senti morto e aposto que todos também não, porém naquela época, naquele momento, realmente sentíamos o pulso do coração no nosso peito, estávamos vivos, vivos, vivos e... — consigo sentir uma lágrima escorrer pela minha bochecha.

— Juntos — ela completa com os olhos brilhando, pego nas suas mãos livres encarando-a mais profundamente ainda.

— É, juntos. — o sorriso rasga meus lábios — Mas nada é perfeito e sabíamos que aquilo ia acabar, não pensávamos naquilo mas tínhamos plena consciência. Um dia a realidade bateu na nossa porta e por mais que pedíssemos para que esperasse um pouco e então, mais um pouco afim de procrastinar, a hora chegou e o nosso apogeu encontrou o fim. Tínhamos que decidir o que fazer dali para frente e sabíamos que isso implicava na nossa separação, cedo ou tarde. — aperto as suas mãos criando coragem para continuar.

— Precisávamos dar um feedback aos nossos pais que nada mais era em qual faculdade iríamos nos aplicar para ter um diploma, arranjar um emprego, encontrar o amor de nossas vidas, casar, ter filhos e blá, blá, blá. E então, gênio que sou, tive uma excelente solução, esta sendo capaz de não só resolver a minha situação como também a de todos eles. — suspiro fundo criando, mais uma vez, coragem de prosseguir — Meu pai tinha uma firma e estava contratando, tinha exatamente quatro vagas. — mais uma lágrima escorre — Exceto pelos Beadles, todos os outros pertenciam a famílias que possuíam empresas que assegurariam não só seu estilo de vida como de umas três, quatro gerações a frente; mas ficar debaixo das asas dos pais não era a nossa praia, sempre fomos melhores que eles, certo? — digo cabisbaixo mordendo a língua.

— Eu só percebi a grande merda que os inseri, Helô, quando Caitlin foi baleada, acidentalmente, por Chaz numa troca de tiros rotineira. — seus olhos enchem d’água — Ela morreu, Justine. Morreu. Conseguiu atestado de óbito e tudo mais. — o espanto é visível na sua feição, não esperaria menos — Foram 15 minutos que não senti o chão debaixo dos meus pés, eu estava fisiologicamente vivo, porém emocionalmente morto. Eu não desmaiei, não vomitei, não chorei. Fiquei inerte perante a tudo e todos, não escutei, não vi e não falei durante todo o período. — as nossas mãos se unem mais ainda enquanto escuto seus soluços compulsivos, meu coração contrai ao vê-la assim, mas é necessário.

— Eu a namorava naquela época, mas o nosso namoro estava morto a muito tempo, sabíamos, mas persistíamos fervorosos naquela relação. Nós nos amávamos como namorados, mas nos amávamos em escalões muito maiores como amigos. A ficha, finalmente, caiu. Entretanto, era tarde. Muito tarde. — faz-se um breve silêncio — Segundos depois da minha confissão, veio a notícia, a impossível notícia. — desfaço a união de nossas mãos para limpar as várias lágrimas que escorrem, minha irmã faz o mesmo. Há momentos que relembrar não é viver, é morrer.

— Diversas vezes me pego pensando em como tudo seria se eu não os tivesse alistado, nunca soube e nunca vou saber a resposta, mas não tem um dia que eu não me preocupe com as suas vidas. Eu sou uma pessoa horrível por tê-los posto nisso, admito. A merda está feita. Eu sei que o que fiz contigo não foi legal, mas eu não faria de outro jeito, eu prefiro me preocupar em mantê-la segura a te fazer se preocupar numa época tão divina, simplesmente, não é justo. — ela volta a unir suas mãos as minhas enquanto normalizamos as nossas respirações, é difícil, mas estamos conseguindo e quando sinto-me potente de novo para continuar, exclamo:

— Hoje faz exatamente duas semanas que Jasmim e Jaxon foram atacados na ida para a escola. Eu não sei o que seria de mim se algo tivesse acontecido com eles, com sorte, eles estavam com o papai. — assim que digo a última palavra, Justine puxa suas mãos de volta, entendo a sua raiva e por isso, não protesto. — Ele, rapidamente, entendeu a mensagem e por isso, os levou para viajar para distraí-los e limpar a própria mente também. Se colocássemos no Tesla, estariam seguros, mas você os conhece e sabe que lá não é lugar para esses dois. — ela permanece quieta com a mão sobre a testa respirando bem fundo, sei que está se preocupando com as vidas dos pequenos, sei porque também estou.

— E como faremos agora? — olha-me aflita.

— Hoje sai o resultado da escolha dx professorx particular; por conta da nossa situação, não basta ser apenas alguém que saiba lidar com criança e saiba ensinar, há de ser muito, muito mais que isso. — ela pega na minha mão compreendendo tudinho o que digo, respiro fundo, nervoso. Eu não sei explicitar o que sinto.

 

Seria angústia?

Não sei.

 

Assemelha-se ao sentimento que vivenciei quando o apogeu da minha vida entrou em decadência, constato. Esse sentimento de mudança instala-se em mim, um sentimento angustiante, sim, certifico-me, em seguida.  

 

Concluo que algo grandioso está por vir.

 

E rápido.

 

Galopando, galopando.

 

Selando um magnificente cavalo negro.

 

 

[...]

 

 

— Obrigado Seu Raimundo — digo e desço, só, do carro.

 

Por algum motivo não encaminho meus pés à entrada de minha casa, permaneço estático observando a casa, ou melhor, a mansão de cor branca. Permaneço em silêncio, o único ruído fluente é o som d’águas do chafariz detrás de mim nem mesmo a usual ventania demonstra presença. Fito todas as janelas aparentes e nenhuma está reluzindo alguma luz provinda das lâmpadas, exceto pela principal que está sempre acesa; inspiro o gélido ar de Pelotas ganhando um peso extra nos meus ombros, estranho assim que o sinto e aquele sentimento premonitório instalado em mim, mais cedo, volta à tona 4x pior. Engulo o seco pensando o porquê desta maldita sensação.

 

Espano esses pensamentos ao adentrar minha própria casa. Nada está diferente.

 

O som do telefone rompe o silêncio do ambiente e o meu eu interior, atendo dizendo o comum “alô”.

— A escolhida já está na sua casa, o nome dela é Adele. — identifico o emissor da informação como Caitlin. Suspiro fundo.

— Ajeitaram todas as coisas dela aqui em casa?

— Sim, a mudança foi concluída. — assinto mesmo sabendo que ela não me vê. — E Justin, — faz-se um breve silêncio até que retornasse — agora tudo voltará ao normal, acredite em mim, é a certa. — diz e desliga. Coloco-o no gancho e vou em direção na cozinha exasperado por uma distração, essa coisa está me consumindo e não faço a mínima ideia do porquê.

 

Assim que chego, abro a geladeira e como o resto do bolo de limão em cima do balcão, em meio das mastigações, levanto o rosto reprimindo um sorriso ao me recordar do nervosismo de Chris de manhã por conta do amor não recíproco de minha irmã e encontro o corpo estático de alguém analisando o quadro que Justine encomendou a algum tempo. Por mais que a pintura seja realmente digna de minha atenção, a curiosidade que brota, por não saber identificar o admirador, vence.

— Você é a Adele? — como mais um pedaço do bolo.

— Sim — uma voz rouca responde sem, ao menos, olhar para mim, continua admirando o quadro; como este já é de meu conhecimento, reparo em suas vestes inteiramente pretas sincronizam com a tonalidade retinta de sua mão solta, seu cabelo, pouco à mostra por conta da touca, demonstra também acompanhar a cor de suas vestimentas, sua estatura é boa, chutaria 1,77 m; em razão dos trajes de clima frio, não defino a forma de seu corpo.

O som do ponteiro do relógio domina o recinto e a pressão neste nunca foi tão alta.

— Oi — a voz rouca novamente prospera e de tão avoado, em meio aos meus pensamentos, não percebo a sua aproximação.

Um pequeno sorriso inocente se abre enquanto meu olhos encontram os dela e como no sonho de hoje, eu não pude para de fitá-los assim que os encontro; eles são exatamente iguais, é um azul cristalino, tão cristalino quanto as serenas águas de Malta, um azul, azul; suas íris detêm o azul mais lindo que já vi em toda a minha vida. E de repente, toda a pressão, o sentimento de angústia, o peso extra nos ombros se extinguem e mais uma vez, como no sonho, me acalmo, mesmo que não haja uma leve brisa aqui. Faz-se um breve silêncio até que eu me lembre de respondê-la:

— Oi — um formigamento junto a uma realização me sucumbe após a minha fala, a mulher negríssima que me encara por alguma razão inexplicável trouxe essa sensação, confirmo após muitas e muitas matutações. Seus grandes olhos azuis sugam toda e inteira energia que os meus castanhos-mel produzem para se manter abertos naquela imensidão azul, são infindáveis! Eu estou entendendo porra nenhuma e por alguma razão, estou satisfeito com isso... entendendo porra nenhuma e satisfeito com isso.

Tudo está diferente.

 


Notas Finais




Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...