A sensação de acordar numa segunda-feira pela manhã com o corpo totalmente dolorido e o braço formigando não é uma das melhores. Isso eu posso garantir. Entretanto, nem tudo é tão ruim quando o motivo para isso é ter um moreno de pele levemente bronzeada, alto, gostoso e olhos cerrados deitado – parcialmente – por cima de mim. E, puta que pariu, porque ele tinha que colocar a perna logo ali? Se existe algo que eu tento controlar como posso, é a vontade de passar minhas mãos por aquelas costas largas e sentir cada músculo que a constitui.
Porque, céus, Jeon Jungkook deve ensaiar para ser tão tentador!
Tê-lo deitado por cima de mim daquela forma, sem que eu pudesse tocá-lo como gostaria, era uma completa tortura. Ele só podia estar me punindo por eu não ter dado a devida atenção a sua fossa amorosa e ter passado o resto do domingo jogado no meu quarto, me distraindo como podia. Mesmo com as mensagens insistentes de Namjoon; “o que você fez?”, “o garoto tá na sua porta há mais de uma hora andando de um lado pro outro”, “Jimin, ele vai cavar um buraco no chão”, “já não basta ter feito ele te carregar até em casa enquanto tu fingia estar dormindo?”.
E por quase três horas, eu vi sua sombra – movimentando-se impacientemente – pela fresta entre o piso e a madeira. Sabia que ele queria entrar e provavelmente se desculpar. Mas era difícil olhar no rosto dele quando eu tinha a certeza que mais uma vez Jungkook tinha razão.
Eu perdi a conta de quantas bocas beijei. Quantos caras dividi fluídos em apenas uma noite. De alguns, eu não lembro nem o nome. Outros, eu nunca soube.
Mas ele sabia.
Ele sempre contava.
— Jimin? — Jungkook se levantou apoiando as mãos na cama e dobrando as pernas. Logo ele estava sentado, com os olhos inchados arregalados e voltados para o meu rosto.
— Bom dia. E aí, dormiu bem? — Levantei os braços me espreguiçando e lhe presenteei com o melhor sorriso que eu poderia dar. Eu não desejava falar sobre a nossa discussão, nem queria que o clima ficasse estranho. Então, fingir demência era uma opção bastante válida. Assim ele não precisaria se desculpar por ter dito a verdade. Nem eu me sentiria ainda mais injusto por ter acreditado que o fim do seu relacionamento era uma grande chance para finalmente provar daqueles lábios, liberando toda a volúpia acumulada há anos.
— Jiminie... Me desculpe por ter entrado no seu quarto sem a sua permissão. Eu... Eu não queria dormir só. Está chateado comigo?
Como eu poderia estar?
Seu olhar estava suplicante e arrependido. A voz grossa arrastava-se suavemente pelos meus ouvidos. E aquele maldito corpo escultural coberto por uma mísera cueca branca – b-r-a-n-c-a – inclinando-se na minha direção me fazia querer gritar que eu o perdoaria até se ele tivesse incendiado o apartamento junto de Namjoon e Seokjin. Que os dois me perdoassem, mas Jungkook pedindo desculpas é de foder com meu psicológico.
E, em silêncio, eu implorava que ele fodesse com meu corpo também. Afinal, não importava mais quem iria ficar por cima, quem ficaria dentro de quem... Eu só o queria. E como queria! Foda-se a única virgindade que eu ainda...
— Jimin?
Pela expressão confusa no seu rosto, eu externalizei meus pensamentos impróprios mais do que deveria.
— Não. Não tenho motivos para isso. Eu tenho motivo? Não, eu não tenho! Então, não se preocupa, vou fazer algo para comermos enquanto você arruma tudo.
Levantei da cama bruscamente sentindo o peso do nervosismo travar meus ombros. Ter o mais novo no meu quarto, na minha cama e quase sem roupas não contribui em nada para minha sanidade. E antes de fazer alguma besteira, que poderia chateá-lo para sempre, decidi que era melhor alimentar nossos estômagos para – quem sabe – acalmar um pouco meus hormônios descontrolados.
— Hyung, obrigado por tudo.
Eu já estava de costas quando ele me abraçou daquele jeito que me fazia sentir como se fosse mil vezes menor que ele, embora nossa diferença de altura não passasse de poucos centímetros. Estes que, com toda a certeza, ele saberia decorado.
— Não tem de quê. E se quer saber, eu estava acordado desde a praça até aqui. Eu precisava me vingar de alguma forma... — ...mais do que tudo, precisava aproveitar a oportunidade de estar colado ao seu peito por mais tempo, assim como estou agora. Entretanto, nem tudo que desejamos é possível ou justo. Dei dois tapinhas nas suas mãos e deslizei pela pele dos seus braços que rodeavam minha cintura.
— Folgado! — Contrariando seu pequeno xingamento, ele me abraçou mais intensamente, apoiando o queixo no meu ombro. — Quantas vezes eu já cuidei de você por ter bebido além da conta, hm? Quantas vezes troquei suas roupas, te dei banho, limpei seu vômito e aguentei todas as suas crises existenciais? — A respiração quente se chocava contra o meu pescoço e eu implorava para que ele se afastasse antes que meu coração saísse pela boca ou simplesmente desistisse de se debater no meu peito.
— Não sei. Eu não sei nem o que comi ontem e antes que me diga... eu realmente não quero saber. — Desfiz do seu abraço ao andar um pouco para frente, separando seus braços do meu corpo e girando sobre os calcanhares para encará-lo. — E sobre ontem, você tem noção do que é tentar cuidar de você quando fica bêbado? É um inferno! Você pesa pra caralho! Além de ter a força de um demônio em pleno apocalipse, me arrastou como se eu fosse feito de pano... Ah, e você vomitou na minha calça favorita! Desculpe, mas, mesmo que eu juntasse todo o trabalho que eu já te dei, não chegaria a um terço do que você me fez passar. Meus braços ainda doem. Tem noção disso?
— Já te disse que aquela calça é estranha, ela fica bem em você, mas é muito... apertada e cheia de buracos. Qual a lógica em comprar uma roupa que já vem rasgada?
Seus olhos quase saltavam do seu rosto em indignação, provocando uma risada minha. Era incrível como ele sempre se exaltava ao falar das minhas roupas. Apertada demais. Grande demais. Muito chamativa. Sem graça. E quando ele parecia não achar defeitos, limitava-se a dizer que “não te valoriza como deveria”. Se eu não conhecesse bem as manias de perfeição de Jungkook, pensaria que ele desejava me ver andando por aí sem roupas.
— E o fato de você não gostar da minha calça te dá o direito de vomitar nela? — Perguntei franzindo o cenho e fingindo uma irritação que estava longe de ser real. Na verdade, eu nem fazia questão de ser convincente, só tentava conversar sobre a noite passada de uma forma que amenizasse a culpa que ele sentia. Tentava brincar com a situação para que aqueles olhos não inchassem tanto no próximo dia.
— Não. — Ele negou com um pequeno sorriso nos lábios assim que eu cruzei os braços e bufei para cima, fazendo minha franja esvoaçar. — Foi sem querer... — Suas mãos alcançaram o lençol que estava sobre a cama e começaram a dobrá-lo com habilidade e rapidez.
— Ótimo, que bom que entendeu. Mas isso não diminui em nada a sua culpa! Então, você me deve uma calça! Não, mais do que isso. Você me deve um jantar, um pedido de desculpas e um buquê de flores! — Enumerei as ações nos dedos, vendo o pequeno sorriso no rosto dele aumentar consideravelmente.
— Deixa de drama, Jimin! No máximo, eu te pago um jantar. — Jungkook colocou o tecido já dobrado abaixo da colcha, tendo o cuidado de centralizá-lo com os travesseiros. Todos aqueles pequenos vícios seriam irritantes, se não pertencessem a ele. E por mais maléficos que fossem para sua mente, de certa forma, eram graciosos.
— Fechado, então. — Estendi a mão na sua direção e senti o aperto leve dos seus dedos contra a minha pele.
— Agora me deixa arrumar esse quarto ou vamos nos atrasar para a aula. — Ele pediu enquanto tentava arrumar os cabelos bagunçados com os dedos.
— Sim, senhor!
•Ꝋ•
A nossa universidade não ficava tão longe de onde morávamos, não sendo necessário mais do que vinte minutos – sem trânsito intenso – para estarmos no campus. Jungkook estacionou numa vaga apertada que dificilmente eu conseguiria estacionar sem levar um pedaço dos outros carros de lembrança. E por mais que ele tenha demorado alguns minutos encarando o espaço mínimo e balbuciando coisas incompreensíveis, quando resolveu agir, o carro foi posto no local num único movimento rápido e preciso. Se eu não estivesse acostumado com aquilo, teria dado alguns tapinhas no seu ombro e dito que tudo não passou de uma tremenda sorte.
Embora ele fosse excelente naquilo, Jungkook era péssimo dirigindo nas ruas movimentadas da cidade. Isso porque ele discutia tanto no trânsito que eu me assustava com a possibilidade de algum dia ele acabar levando um tiro. Sem falar da sua inquietude ao ver o ponteiro do velocímetro marcar “números quebrados” ou da forma que ele quase enfartava ao ver um carro fora da sua faixa e mais um milhão de coisas que o incomodavam gravemente.
Então, para poupá-lo do estresse desnecessário, eu dirigia até a universalidade enquanto ele cochilava no banco totalmente inclinado ao meu lado com uma venda nos olhos – um presente meu para que ele conseguisse relaxar – e fones de ouvido. E assim que entrávamos no Campus, o mais novo assumia a direção para pôr o carro no espaço apertado.
Seguimos pelos corredores movimentados da universidade. Eu olhava minhas redes sociais no celular enquanto Jungkook segurava os meus ombros e me desviava das pessoas que passavam por nós. Não fazia ideia do porquê ele sempre fazia isso. A quantidade de manias que ele tinha era tão grande que era mais fácil aceitá-las do que questioná-las ou ir contra elas. Até porque eu também tinha a minha cota de bizarrice a me lembrar que eu não era um ótimo exemplo de sensatez.
O moreno me guiou – literalmente – até a minha sala e ainda fez o favor de me lembrar quais seriam todas as minhas aulas do dia e onde seriam. E é por situações como essa que afirmo que a memória dele deveria ser estudada. Durante todos os semestres, ele sabia todo o meu horário decorado, enquanto eu mal lembrava do rosto dos professores. O que me levava a crer que, talvez, fosse a minha falta de memória que merecia um estudo aprofundado.
Depois de cerca de duas horas ouvindo sobre estruturas metálicas e pontes estaiadas, eu só queria me ver livre daquela aula. Não que eu não gostasse do assunto dado, nem que achasse meu curso sacal, porém ficar sentado por tanto tempo ouvindo a voz nasalada do professor falando incansavelmente já estava me dando sono. Sem mencionar o fato de que a cada cinco minutos alguém perguntava algo, fazendo o assunto se estender ainda mais e o professor repetir as mesmas coisas em várias maneiras diferentes a fim de sanar todas as dúvidas.
Eu sempre gostei da parte prática da engenharia, visitar obras, ver o projeto tomando forma, sentir o cheiro do concreto ao sair da betoneira. Porém, contrariando minhas vontades, a maioria das aulas eram teóricas e dadas em salas como aquela, onde as carteiras se enfileiraram uniformemente num mar de gente entediada assim como eu também estava.
O sono já fazia meus olhos pesarem e se fecharem aos poucos quando meu celular vibrou no bolso, me despertando. “Preciso falar com você, é urgente”, “estou no banheiro masculino perto da sua sala”, as duas mensagens vinham de Kim Taehyung. Não perdi tempo respondendo-as, não havia necessidade quando ele estava tão próximo. Limitei-me a pedir licença ao professor e deixar a sala agradecendo a Tae por ter me dado um motivo razoável que aliviasse o peso na minha consciência por deixar a aula antes que esta acabasse.
Ao entrar no ambiente rodeado de cerâmica bege, pude ver meu amigo de cabelos brancos encostado na bancada, tamborilando os dedos compridos no granito cinza. Seu rosto estava fechado, sério demais. Seus olhos pareciam prontos para perfurar os meus.
— Finalmente conseguiu o que queria, não é?! — Ele disse sarcasticamente sorrindo e então eu me lembrei de um detalhe bem importante. Tae era irmão de Haejin. O típico irmão mais velho que toma todas as dores do outro para si. Aquele que joga a culpa dos fracassos do seu protegido em cima da figura mais conveniente, no caso, eu.
E, por consideração aos nossos anos de amizade, respirei fundo e tentei não me exaltar. Aquele era um péssimo assunto para uma segunda-feira de manhã. Tanto que até pensei em dar meia volta e assistir o resto da aula que, repentinamente, tinha se tornado bastante atraente.
— Do que está falando? Se é sobre Jungkook e seu irmão, saiba que quem terminou foi seu anjinho. Então, nem vem colocar a culpa em cima de mim. E, caso ele queira saber, Kook está muito bem, obrigado. Bem melhor sem ele.
Abri a torneira e deixei a água escorrer pelo ralo, enquanto eu molhava minhas mãos sem a pretensão de lavá-las. Apenas queria sentir o líquido frio passear pela minha pele e causar aquele leve estremecimento por conta da diferença de temperatura. Queria algo que me distraísse – mesmo que pouco – daquela conversa incômoda.
— Por que faz isso? Por que tenta atrapalhar a vida amorosa alheia? Nós sabemos muito bem que você não consegue manter relacionamentos. Então, é por isso que se sente no direito de estragar o dos outros? — Ele se aproxima e num movimento brusco fecha a torneira, segurando meus ombros e virando meu corpo para si. Seus olhos estão levemente marejados e suas mãos tremem.
Taehyung está nervoso e irritado como se eu tivesse pisado e destruído as flores mais raras do seu jardim.
— Ainda está chateado comigo por eu ter transado com Hoseok? — Seus dedos cravam nos meus ombros e seu rosto se contorce em reação às minhas palavras. — Nossa, Tae, desencana! Vocês já estão juntos e felizes de novo. E eu fiz o favor de te perguntar se você se chatearia, não tenho culpa se sua birra te fez mentir por orgulho. — Tentei desviar o assunto como pude, esperava que aquilo fosse render mais algumas horas de repreensão e que ele acabasse por esquecer de Jungkook e Haejin.
Era óbvio que ele ainda não tinha me perdoado por eu ter dormido com seu namorado após dois dias de eles terem discutido e terminado. Eu não havia sido justo com ele, disso eu tinha certeza. Entretanto, quando a língua de Jung Hoseok se enroscou na minha, eu só tive tempo de mandar uma mensagem desajeitada ao de cabelos brancos, perguntando se ele se importaria se eu avançasse as preliminares e acabasse com o “ex” dele na minha cama.
Ao invés de Taehyung ser sincero e me xingar dos piores palavrões possíveis por apenas cogitar essa possibilidade, ele me respondeu com um “NÃO, SE COMAM!”. E foi o que eu fiz. Não é como se tivesse sido a primeira vez que eu trocava saliva e outras coisas a mais com o atual namorado de Tae. Ele que nem sonhasse, mas Hoseok havia sido meu primeiro namorado, meu primeiro beijo. O primeiro a ser dispensado depois da nossa primeira vez. E por esse motivo, sempre que ele estava solteiro, acabávamos dividindo os mesmos lençóis e relembrando como nossos corpos sempre se encaixavam de uma maneira deliciosa.
Durante o sexo, Hoseok nunca guardou mágoas.
— Não estou falando disso. Isso já passou. — Tae falou convicto e eu me praguejei por ter trazido aquele assunto à toa. Irritá-lo de graça não estava nos meus planos. Eu esperava que ele esquecesse – pelo menos um pouco – dos outros dois e resmungasse que eu não valia “nem uma camisinha usada”, assim como ele sempre frisava ao lembrar daquilo. Mas ele parecia focado demais para mudar seu alvo e isso fez minhas mãos suarem.
O Kim se afastou, soltando meus ombros e suspirando pesado. Apoiei a cabeça e o corpo na parede – logo atrás de mim –, fechando os olhos por alguns segundos.
— Eu quero entender por que você não consegue deixar Jungkook ter um relacionamento feliz?
— Eu não estou impedindo nada... — Desconversei, pois não queria admitir que ver Haejin nos braços do meu moreno me causava ânsia, além de uma raiva desmedida provocada pelo ciúme.
Algo gritava internamente que Jungkook poderia ser meu – se assim eu quisesse –, porém eu não tinha certeza se algum dia conseguiria ser dele. E mesmo que agora fôssemos apenas melhores amigos, eu ainda me sentia no direito de odiar o Kim mais novo pelo fato dele ter conseguido ser de Jungkook. Pode parecer confuso, mas pertencer a alguém está longe de ser algo que possa ser controlado, está longe de ser racional. E, principalmente, está bem distante do desejo sexual. Isso eu aprendi da pior forma, em relacionamentos que acabaram com corações partidos e uma frase em comum, “você me iludiu”. A verdade é que eu também havia me iludido e confundido toda aquela necessidade carnal com paixão, com amor.
Eu quis amar, mas meu corpo só queria foder.
— Ah, vá! Eu não sou burro, Jimin, não ache que vou acreditar facilmente em qualquer coisa que me diga. Nós não somos os melhores amigos, mas eu te conheço o suficiente para desconfiar que você fez algo. — Taehyung revirou os olhos e apertou os punhos, dando sinais de que a sua pouca paciência estava esgotando. — Hae ainda não quer falar comigo, ele só chora desde que voltou para casa no sábado. Eu posso estar errado, mas, quando perguntei o que tinha acontecido, a única coisa que ele disse foi o seu nome. Ele não está mais usando a aliança de compromisso que Jungkook deu e não para de cheirar sua blusa. Sei que eles terminaram e provavelmente tem seu dedo nisso. Ainda não sei como tudo aconteceu exatamente, porém não é muito difícil descobrir. Só preciso ter um pouco de paciência com meu irmão e alguma hora ele vai acabar me contando como sempre.
— Ótimo. Então por que me chamou aqui? — Perguntei com um sorriso forçado, afinal, eu já estava ficando irritado com a insistência dele naquele assunto. Por que ficar chorando pelo leite derramado? Acabou! Era simples.
Acabou e agora Jungkook estava livre daquele encosto que todos faziam questão de chamar de “adorável”. O pior tipo de pessoa é aquela que finge inocência, delicadeza e pureza; gente sonsa sempre me deu nojo. Eu não conseguia nem transar com alguém assim, por mais bonito que fosse. E esse era Haejin, uma imagem perfeita de alguém desesperado pela aceitação alheia.
Ele era lindo, embora eu nunca tenha admitido em voz alta, Haejin era injustamente lindo. Contudo, sua personalidade era detestável, ele sempre dançava conforme a música. Ou seja, ele era volúvel. Se alguém dizia gostar de algo, ele prontamente concordava que aquilo era a melhor coisa do universo. Ele deveria acreditar que dessa forma agradaria a todos e, infelizmente, eram poucas as pessoas que não engoliam seu teatro. Sua voz fofa forçada, suas inúmeras caras e bocas exageradas, a falsa timidez e vergonha quando o assunto era sexo, aquele rosto que dormia e acordava perfeitamente maquiado.
Ele era como um boneco, montado por si próprio para ser perfeito.
— Estou te dando uma chance, mesmo que não mereça. — Taehyung se pronunciou depois de vários longos minutos de silêncio, nos quais ele parecia tão absorto nos seus pensamentos quanto eu estava nos meus. — Se me contar tudo, posso tentar te compreender. Mas, se continuar insistindo que não tem nada a ver com o fim do relacionamento deles dois, e depois eu descobrir que fez algo... pode ter certeza que eu não te perdoarei. — E como se tivesse desistido, ele caminha lentamente até a porta com o olhar voltado ao piso.
— Não há nada que eu possa te contar, eu mal sei o que houve já que ainda não conversei com Kook sobre isso. — Seus passos congelaram, mas ele não se virou. Então, eu continuei a falar, sentindo o frio da cerâmica passar pelo tecido fino da blusa que eu vestia e tocar as minhas costas impiedosamente. Estremeci. — Eu entendo que o caminho mais fácil é achar que a culpa é minha, já que eles pareciam estar relativamente bem. Mas, dessa vez, eu não fiz nada de mais. Nada além de reclamar do seu irmão e soltar algumas piadas bestas. Se te interessa, Jungkook não liga para o que falo sobre Haejin. Como eu disse, foi seu irmão quem terminou tudo. E agora ele deve estar com dor de cotovelo porque percebeu a merda que fez. Terminar no aniversário de namoro deles deve ter enchido a cabeça daquele idiota de remorso.
— Não importa mais, algo me diz que conversaremos novamente. Eu só espero que você não tenha sido tão egoísta como sempre. Haejin gosta de Jungkook e a recíproca é verdadeira, então faça o favor de deixar o namoro dos outros em paz. Se você se importa com seu melhor amigo, deveria querer a felicidade dele. Mas parece que você está preso demais no fato dele ser a única pessoa que ainda te admira. Deve se sentir ameaçado, pois, depois que eles começaram a namorar, você foi deixando de ser o centro das atenções para o seu dongsaeng.
A mão dele envolveu a maçaneta, porém não a abriu. Seu corpo permaneceu estático em frente a porta ao que pareceu ser uma eternidade.
— Não é isso, Tae, você está... — Tentei me justificar, mas Taehyung já não parecia ter interesse no que eu falava e me interrompeu sem receios.
— Dói quando você deixa de ter importância, não é?! — A voz grossa volta a reverberar nas paredes, ecoando pelo ambiente vazio. — Imagine então como é ser abandonado depois de perder a virgindade com alguém que dizia te amar. — Hoseok contou para ele? Não fazia sentido, foi ele quem me fez prometer segredo. — Jimin, você nunca quis se entregar de verdade, e quem não se entrega acaba sozinho. E, já que você escolheu esse caminho, faça um favor a todos e não arraste ninguém consigo. — Sem esperar qualquer resposta, ele saiu do banheiro, fechando a porta abruptamente. O som forte foi como um soco no estômago, assim como suas últimas palavras.
Minha mente estava confusa. Minha consciência pesava. Minha cabeça latejava. Aos poucos, deslizei pela cerâmica, sentando no chão que parecia ainda mais frio. Um vazio se apoderava do meu peito, me impedindo de realmente sentir aquelas palavras como eu deveria. Mas, antes que eu encontrasse um pouco de paz no silêncio, o banheiro foi invadido por várias silhuetas e por suas risadas. Intervalo. E embora ele não estivesse mais ali, a voz do jovem de cabelos brancos se sobressaia a todas as outras, afogando-as, me afogando.
Ela ecoava, repetia, maltratava.
Taehyung nunca teve medo de dizer o que pensava.
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