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História Como cães e gatos - Confie em mim


Escrita por: jofanfiqueira

Capítulo 1 - Confie em mim


É como se o mundo inteiro estivesse desmoronando, não que as coisas já fossem organizadas e estáveis antes, mas descobrir a existência de uma nova irmã, uma irmã mais velha nascida de um caso extraconjungal fazia o antes parecer um paraíso. Eu não consigo decidir como devo me sentir, eu gosto dela, da Joana, ela não tem sido nada além de cuidadosa comigo desde que apareceu, mas gostar de alguém como pessoa, como amiga, é suficiente quando se descobre que essa pessoa é, na verdade, uma filha que seu pai, supostamente, não sabia que existia? Em parte, eu sinto muito pela Joana, de todos os homens do mundo o pai dela tinha que ser logo seu Ricardo, um pai que consegue ser, ao mesmo tempo, ausente e autoritário; displicente e intransigente. Mas eu também sinto pelas minhas irmãs, principalmente pela Bárbara que parece especialmente abalada com a notícia. Talvez eu também fosse me sentir assim se estivesse no lugar dela. Afinal de contas, ela era apenas uma bebê quando meu pai estava traindo a nossa mãe com a mãe da Joana.

-Você está bem? – Uma voz me desperta dos meus pensamentos. Levanto a cabeça e vejo Fábio sentado ao meu lado na arquibancada da quadra. “Ótimo” penso. “Tinha que ser justamente ele a pessoa a aparecer aqui?” Tento enxugar meu rosto. – Você estava chorando? – Ele pergunta. Encaro seus olhos inquisidores, seu rosto parece manter uma constante expressão de desdém.

-Fábio, me deixa em paz. Só dessa vez, não dá uma de maluco não. Eu tô cansada e...

-Você pretende matar aula o turno inteiro? – ele pergunta parecendo ignorar o que estou falando. Olho no relógio, são nove e meia da manhã.

-Eu não estou com cabeça. Porque você não volta pra lá?

-Não consigo ficar quieto. – Ele responde olhando ao redor. – É horrível já ter visto todo esse assunto e ter que ver novamente.

-Você não deveria ter repetido de ano então. – Tenho noção do desdém em minhas palavras. – E realmente deveria voltar e tentar não reprovar novamente.

-Só se você vier comigo. – Ele diz. Aquela frase me causa uma sensação estranha, mas Fábio não parece intimidado.

-Não vou. Não estou com cabeça.

-É por causa da Joana? – Ele pergunta sério. – Por tudo que rolou agora que essa história de que ela é filha do seu pai...

-Você sabia? – Interrompo-o.

-Não. – Ele responde. Me parece sincero. – Minha mãe e a Joana contaram ontem à noite. Eu sei que deve ser difícil, acredite em mim, eu ficaria bravo, muito bravo. Eu fico bravo quando não encontro um par de meia, então, na verdade, eu estaria possesso.

-Eu não sei se estou brava. – Deixo escapar. Pergunto a mim mesma porque estou conversando com Fábio. Desde que nos conhecemos nunca trocamos mais de duas palavras de forma civilizada. -Eu só quero ir embora daqui.

-Venha! – Fábio diz me puxando pela mão. Travo e ele me encara. - Você quer sair daqui ou não? Pergunta erguendo as sobrancelhas como se me desafiasse a aceitar. Aceno positivamente e ele começa a andar apressado, passamos pelo M.O.F.O, até um pequeno matagal.

-Qual seu grande plano, Fábio? – Pergunto parando. Eu não deveria ter seguido esse maluco.

-Não seja impaciente. – Ele diz e pega novamente no meu braço, me guiando pelo caminho sem soltar. – Esse aqui é o melhor meio de sair e entrar do Dom Fernão sem ser visto. – Fábio afirma com um sorriso.

Passamos por um buraco no muro que dá acesso a um beco, depois disso temos um portão trancado. Fábio tira dos clips de papel do bolso da calça.

-Você tá de brincadeira, né?

-Manuela, olha só... – ele diz me encarando. – Ou você confia ou volta para quadra. Em dez minutos o intervalo toca e um monte de aluno invade sua fortaleza de solidão. Posso? – Ele questiona. Tenho minhas dúvidas sobre a capacidade de Fábio de arrombar uma fechadura, na maior parte do tempo, quando o observo, não sei como ele consegue segurar um lápis de tão sem foco que consegue ser.

 -O mundo já está de cabeça para baixo mesmo. – Respondo topando. – Abre logo essa porcaria, quero ver.

Fábio ajusta a ponta dos clips e usa um como apoio enquanto o outro se move dentro da fechadura, em poucos segundos o cadeado se abre. Ele me encara com um ar de superioridade já conhecido.

-Primeiro as damas. – Ele diz abrindo o portão. Passamos e eu espero enquanto ele tranca de volta. Olho pra rua, estamos na lateral da escola, me pergunto o que fazer com a liberdade recém conquistada. Começo a caminhar em direção à praça.

-Aonde você vai? – Fábio pergunta pegando na alça da minha mochila. – Por aqui. Ou você acha mesmo que vai passar na frente da escola e ninguém vai notar? Estamos usando farda Manuela. - Eu olho pra blusa e retiro a mochila das costas, coloco-a entre as pernas e me dispo  da camisa da escola, estou usando uma regata preta por baixo. Quando termino, flagro Fábio me olhando.

-Vou precisar cobrar ingresso? – Pergunto irritada e constrangida.

-Não se cobra ingresso depois que o show acaba. – Ele responde. Sinto vontade de bater naquela cara convencida dele, mas me controlo. -Vamos, nosso tour não acabou. Eu vou te levar num lugar.

-Eu já te segui o suficiente por hoje.  – Digo. – Eu posso me virar sozinha.

-Manuela, me explica uma coisa, quando você voltou pra casa sozinha ou fez qualquer coisa sem ser levada pelo seu pai ou sua irmã? É claro que eu não vou te deixar andar sozinha por ai, isso aqui ainda é o Rio de Janeiro. Se quiser, eu posso te levar pra casa, mas eu acho que você vai gostar do lugar no qual eu quero te levar.

-Por que você tá sendo legal comigo? – Questiono.

-Porque você está mal e não tem graça chutar cachorro morto. Você melhora e podemos voltar a nos odiar, que tal? – Ele pergunta.

-Parece justo. – Respondo.

Sigo Fábio até a parada de ônibus e pegamos uma condução sentido centro, sento ao lado de um garoto, é o único assento vazio. Fábio fica em pé de frente para mim, meus joelhos tocando suas pernas. No trajeto, Fábio me ignora completamente, ele tira o telefone do bolso e coloca fones de ouvido. Fico tentando olhar o caminho por cima do garoto no assento da janela.

-Você quer trocar de lugar? – O garoto pergunta. – Se seu namorado não se incomodar. – Ele diz olhando pra Fábio. Ergo meus olhos e vejo que Fábio está encarando a tela do telefone, seus dedos se movendo rapidamente.

-Ele não é... ele não se importa. – Digo sorrindo para o garoto. Me levanto pra ele passar e finalmente Fábio parece ser despertado.

-Nós já vamos descer. – Ele diz sério. -Obrigado. Mas não precisa trocar de lugar. – Afirma se dirigindo ao garoto. – Gelo. Imagino se ele ouviu quando não neguei a afirmação do carinha desconhecido.

Descemos da condução e andamos por mais alguns minutos. Fábio pergunta se quero que ele carregue minha mochila, nego, não está pesada. Só então percebo que ele não carrega nada.

-E a sua mochila? – Pergunto.

-Luiza vai levar pra casa.

-E a sua mãe não vai notar?

-Não. Eu pedi pra ela avisar que eu tinha um trabalho pra fazer depois da escola.

-Porque ela mentiria por você?

-Porque somos irmãos. – Fábio diz. – Nós nos odiamos a maior parte do tempo, brigamos, implicamos, mas quando precisamos de apoio um sempre ajuda o outro. Luiza mais do que eu na verdade. Eu não sou muito bom em manter determinadas coisas. – Ele fala um pouco distraído, como se falasse mais como ele mesmo do que comigo. – Você e suas irmãs não são assim?

-Acho que a Ju e a Barbara são assim uma com a outra. Trocam segredos, se ajudam. Mas eu sou muito mais nova que elas, elas me acham uma pirralha.

-Você é uma pirralha. – Ele diz sorrindo.

-Eu tenho quinze anos. Você só é um ano mais velho Fábio. – Retruco irritada.

-Eu só estava brincando Manuela. Mas você tem uma família grande, um tio, um pai, três, quer dizer, quatro irmãs. Deve ser bom. Lá em casa fomos só nos três por muito tempo, e agora a Joana.

-Não é bom quando todo mundo te trata feito criança, como se você não pudesse lidar com as coisas. Ninguém me explicou nada dessa história, foi só “A Joana é sua irmã” e ponto final. Mas como isso aconteceu..

-Você quer que eu te explique como os bebês são feitos? – Ele questiona rindo novamente. – Me desculpe, eu não pude resistir à piada. Olha, Manuela, eu te entendo, de verdade. Talvez você possa exigir não ser tratada como criança. Faça perguntas, demande respostas, não aceite enrolações. Mas agora vamos tentar ser menos responsáveis por algum tempo, ok?  - Ele diz. – Essa aqui é a melhor loja de HQ da cidade, e eu sei que você é louca por Girls of the Wild’s, eles têm todas as edições.

-Como você sabe? – Questiono impressionada.

-Eu não sou bom em prestar atenção nas coisas da forma certa Manuela, mas algumas coisas eu realmente consigo notar. – Fico envergonhada com a afirmação, talvez seja coisa da minha cabeça, mas parecia haver algo mais naquela frase.

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Depois de horas de HQs Manuela parece mais animada e eu confesso que me sinto satisfeito comigo mesmo. Observo enquanto ela paga pelas edições que decidiu levar, ela conversa com o atendente e do nada, me olha e sorri. Manuela sorri pouco, mas tem um sorriso muito bonito, eu já tinha notado. Eu já tinha sonhado com aquele sorriso.

-Prontinho. – Ela diz se aproximando com uma sacola na mão. – Vamos?

-Pra casa? – Questiono um pouco desapontado.

-Infelizmente. – Ela responde. – Mas eu acho que se eu preciso começar a ser mais adulta a coisa responsável a se fazer é essa, certo? Ir pra casa.

-É sim. Vamos lá. – Digo caminhando. Manuela anda ao meu lado. Conversamos sobre a loja de HQ. Depois de um tempo de condução descemos perto da casa dela.

-Você quer subir? – Ela pergunta enquanto estamos parados na frente do prédio. – Não tem ninguém em casa e eu não queria ficar sozinha.

Sei que eu não deveria aceitar, mas quero isso, quero passar mais tempo ao lado dela, embora ela não se sinta assim. As brigas e provocações já não tinham mais o mesmo significado para mim, antes movidas por ódio eram, nas últimas semanas, movidas pelo desejo de vê-la, de ficar ao seu lado, de qualquer forma. Mas eu não queria admitir, nem para mim mesmo.

-Podemos ver um filme. – Ela diz.

-Manuela, eu posso te pedir um favor? – Pergunto ignorando seu convite.

-Eu acho que sim. – Ela responde. Seus olhos me olham com suspeita. - Afinal de contas eu não preciso aceitar fazer esse favor.

-Dá uma chance pra Joana, você vai gostar de conhece-la.

-Ótimo! – Ela diz claramente irritada. – Você tinha que me fazer lembrar desse assunto?

-Sinto muito. – Digo colocando minha mão em seu ombro. Chego mais perto de Manuela, mas ela não se move, parece apenas um pouco assustada.

-Você vai subir ou não? – Questiona.

-É melhor não. – Respondo. – Porque se eu subir eu vou acabar fazendo algo que vai te fazer me odiar de verdade. – Digo me afastando. - Até amanhã, Manuela.

Vou embora sem olhar para atrás, mas sentido que aquilo era mais difícil do que eu achava que seria. 



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