História Como flores na primavera - Epílogo

Ela costumava ser assim, sempre protegendo-se de algo ou alguém. Vivendo confortável embaixo de suas grossas cobertas, na calmaria das quatro paredes. Outrora se posicionava ao pé da janela e observava os carros seguindo suas viagens. Em uma mão a caneca de café com chocolate quente e a outra escondida no bolso do casaco.

 Nas manhãs ao acordar logo liga o rádio que costuma deixar em cima da escrivaninha na qual produz rabiscos sem finalidades ao entardecer. O som baixo e delicado ocupa o lugar vazio e cinzento, e como uma história trágica paira sobre o ar desejando a repetição prevista.  O apartamento em que vivia era realmente pequeno, com espaço apenas para o quarto e banheiro. No meio de poucas coisas para ocupar os dias monótonos um de seus passatempos era ficar em pé através dos vidros empoeirados da janela, e com seu pequeno binoculo vermelho olhava atentamente para o prédio vizinho. O prédio ao lado tinha apartamentos mais largos e espaçosos, com um ar mais refinado e limpo, mas o que roubara sua atenção não era o quão caro e fino o estabelecimento parecia ser e sim quem o ocupava.  A vista era diretamente para a sala espaçosa de um rapaz de porte esguio e descontraído. Ele tinha a mania de varrer o chão em todo começo do dia, não importando o quão limpo já estava. No meio tempo esperava a água no fogão ferver, e depois fazia flexões no carpete ao lado do sofá, no final todo o jeito calculista e perfeccionista parecia ser apenas uma maneira de passar o tempo de sobra.

Nos primeiros dois anos de sua chegada ao prédio, ela era presa aos teclados do computador de mesa e aos livros da estante, e mesmo sempre olhando a movimentação pelo quadrado de vidro nunca observara o quanto seu vizinho era interessante aos seus olhos. Ele sempre estivera ali ao seu lado, mas apenas em um dos poucos de dias de sol, numa tarde que ela tentara encarar as ruas e observar as flores nas arvores. Um acontecimento banal e comum aconteceu, seus olhos se cruzaram. Ela sentada num banco olhando para o céu e ao mesmo tempo tampando a luz forte do sol que ia de encontro com seus olhos. Ele seguindo um caminho que provavelmente já estava acostumado a percorrer, e como diversas pessoas ali naquele parque, passou ao seu lado. Mas ela o notou, sua expressão serena, o jeito que movia as mãos ao ajeitar cabelo, o perfume que deixou para trás ao passar por ela, todos os simples detalhes pareciam algo encantador. Nos próximos dias que vieram suas lembranças do rapaz foram se apagando e lentamente sumindo de seus pensamentos. E em uma das noites no meio da semana, quando se preparava para dormir, ao fechar as cortinas da janela reparou o movimento calmo do outro prédio. E como nada ocupava sua mente, a curiosidade invadiu o vazio. Seus olhos se apertavam na tentativa de enxergar mais nitidamente, e quando enfim algo entrou no campo de sua visão, lá estava ele. Não poderia ser possível, era o destino. O rapaz do parque, o mesmo rapaz do qual proporcionou-lhe poucos minutos da primeira percepção diferente em anos. Ela permaneceu estática, sem ao menos saber o que pensar, e tudo se tornou algo que apenas ela saberia, um segredo que ela começou e que logo acabaria.