- Como você veio? – Bulma se deu conta de que Vegeta ainda andava ao seu lado e que o aerocarro dela já se aproximava.
Ele deu de ombros.
- Voando. – respondeu como se fosse óbvio. E era mesmo.
- Você vai voltar comigo? – perguntou meio manhosa. Ainda tava sob a emoção vivida. Mas não tinha se esquecido da cena do quarto, das palavras rudes do sayajin malvado.
- Vou. – ele respondeu como se não fosse nada demais. Mas também fez isso por estar sob as mesmas influências. Ainda tava entorpecido pelo calor do seu solzinho e também se preocupava em não errar de novo, como tinha feito sem nem perceber.
Estava tentando ser mais gentil e mais comedido. Mas ainda era, acima de tudo, aquele Vegeta controlador e dominante. Iria com ela? Claro. Então iria conduzindo. Empurrou Bulma meio de qualquer jeito pro assento do passageiro e ainda deu uma risadinha.
Em todo seu tempo na Terra, algumas coisas ele já tinha notado a partir do comportamento dos terráqueos. Em sua grande maioria, eram coisas que ele considerava absurdamente ridículas e que, em outro momento, em nada acrescentaria no seu interesse por absorver a cultura de um lugar. Até porque, admirar a cultura de outros povos nunca foi algo que Vegeta fizesse. Sempre que conhecia um planeta desenvolvido, ou era pra aniquilar, ou era pra traçar alianças e, nos dois casos, se mantinha superior. Acreditava cegamente, que o seu poder como sayajin era infinitamente maior do que qualquer coisa que pudesse conseguir dos lugares onde estivesse. Até se ver preso na Terra. Preso, primeiro, por uma incapacidade motora, já que não tinha como sair do planeta. Depois, preso nos olhos azuis que sempre o impediram de sair do lugar. Eram a gravidade mais pesada que já tinha experimentado, já que, depois de mergulhar naquelas duas piscinas, nunca mais conseguiu sair de dentro delas.
Então, estando aqui, nesse lugar desprezível, cercado de pessoas desprezíveis, começou a observar seus comportamentos desprezíveis como um passatempo relaxante. No começo, achava tudo de uma mediocridade ímpar. Uma mania desagradável de ficar sorrindo, uma necessidade de abraçar, umas bobagens estranhas relacionadas à tratar os outros bem. Fazia essas análises, principalmente, na casa. A grande quantidade de pessoas que trabalhavam por lá, dava à ele um material suficiente pra ficar brincando de cientista social. Por exemplo, a terráquea bonita do cabelo azul. Sempre que ela chegava rindo, o clima de todos mudava. E Vegeta notou que, quando ela estava por perto, os machos ficavam mais excitados e as outras fêmeas mais agitadas. O velho, por outro lado, inspirava mais respeito. Todos ficavam mais atentos, prestando mais atenção no que faziam, mas não tinha cheiro de medo e isso pra Vegeta era estranho, já que tinha entendido que o velho era algum tipo de chefe por ali. Quando analisava o entorno da velha escandalosa, as coisas eram ainda mais esquisitas. Todos ficavam mais à vontade e riam de um modo louco, como se aquela vulgaridade da mulher passasse à todos. Eram sujeitinhos estranhos, esses com quem tinha se misturado.
Mas, aos poucos, notou certas peculiaridades. Por exemplo, percebeu que os dois velhos tinham algum tipo de ritual. Todo dia se sentavam pra tomar chá quando o sol se punha. Ela o esperava e ele largava o que estava fazendo pra ir encontra-la. Era ridículo, aquilo. Abrir mão de uma obrigação pra ir se sentar com outra pessoa... E Vegeta analisou isso por dias. Notou que eles tomavam esse chá e depois cada um seguia pras suas obrigações. Por vezes, nem conversavam. Apenas ficavam ali, em silêncio. Quando se levantavam, tinham um sorriso no rosto. Sincero, até. Era uma coisa esquisita.
A terráquea também tinha seus rituais. Por exemplo, ela não gostava que ninguém mexesse nas coisas de construir que eram só dela. Por isso, ninguém nem chegava perto. Por mais que ela fosse a dona de tudo aquilo, de alguma forma ficar toda suja parecia lhe satisfazer. Era outra esquisita. E tinha essa mania de cantarolar enquanto trabalhava. Conversava sozinha, de forma melodiosa. No começo, Vegeta nem entendia direito o que era uma canção. Só depois passou a entender que eram os sons ritmados e que aquilo a deixava contente.
E, como bom observador que era, passou a notar comportamentos padronizados em vários outros tipos de coisas. Como esse que fazia agora, ao empurrá-la pro lado no aerocarro. Em algum momento, tinha notado que, na maioria das vezes, quando um casal estava junto em um transporte, era o macho quem conduzia. Achou até interessante, meio que óbvio, levando em conta o seu cerne de macho-alfa. Não fazia isso com Bulma a todo momento, porque se ele era um macho-alfa, ela era uma fêmea-alfa-ômega. Jamais ela se rendeu aos comandos dele. Mas tinham momentos em que ela aceitava ser conduzida e, depois de anos de análise e observação, Vegeta tinha aprendido a adivinhar um ou outro desses momentos. Esse era um deles. Ela ainda estava vulnerável e curtindo essa ideia de “marido” e “pai dos meus filhos”. Seria uma das raras oportunidades de expor seu lado dominante sobre a fêmea mais independente que já conheceu.
- Eu dirijo. – disse rindo, vendo ela resmungar pelo empurrão.
- Credo, Vegeta... era só falar, não precisava me jogar pro lado desse jeito. – Bulma até se rendia, mas que ainda falava um monte, isso falava.
- Depois eu que sou o resmungão. – ainda tirou uma onda.
- Mas você é mesmo! – ela retrucou. Depois deu risada. – Kami, Vegeta... eu tô ficando igual a você, já reparou?
Uma coisa só passou pela cabeça dele, quando ela disse isso: o sexo brutal. Depois daquela noite, com aquela transa intensa, onde ela saiu toda marcada, ele teve a certeza de que os pensamentos dos dois estavam extremamente alinhados.
- É... eu reparei. – respondeu tentando não transparecer o que tinha pensado.
E Bulma continuou rindo de alguma coisa a mais que lembrou, e que achou que a tornava parecida com Vegeta. Em silêncio, apenas riu, olhando pela janela do aerocarro, vendo aquele trânsito desagradável, mas que hoje, por algum motivo, era gostoso estar presa. Talvez porque estava ali com o seu sayajin carrancudo.
- Por que você nunca me contou que ficou doente quando tava grávida do menino? – a pergunta incisiva de Vegeta a trouxe de volta pra realidade e a jogou no mundo como uma bala de canhão. Olhou pra ele, assustada, e começou a lançar palavras desconexas, que mal saíam.
- Ué, não sei. Nunca tive a oportunidade de falar isso. – tentou despistar.
Mas Vegeta a conhecia bem demais. Eram anos de convivência. Só o modo como ela falou, unido aos olhos azuis que desviavam de um lado pro outro, pra não correr o risco de encontrar com os dele, e somado às duas mãos que apertaram a bolsa no colo, significava que não era nada disso.
- Bulma, você me fez ouvir repetidas vezes a história da noite que você se mijou toda ao assistir aquele filme chato, que só você acha graça. – tentou derrubar o argumento.
- Mas é engraçado demais... – e começou a dar risada, ao lembrar de alguma cena do filme em questão.
- Não é. Mas a questão não é essa. O que eu quero dizer, é que você me falou sobre detalhes que eu preferia nem ficar sabendo. – e a encarou, aproveitando o sinal fechado. – Por que você não falou sobre isso?
Ela deu uma bufada, contrariada.
- Sei lá, Vegeta. Esqueci de falar, pronto. – respondeu de modo ríspido e impaciente.
Ele deu um sorrisinho malvado.
- Você tá mentindo pra mim, mulher. – sibilou as palavras.
Bulma respirou fundo e fechou os olhos.
- Porque eu não queria que você soubesse. – respondeu resignada.
- Por quê? – ele sabia a resposta. Só queria ouvir da boca dela.
- Porque você ia falar que eu era uma terráquea fraca! Que não conseguia nem suprir as necessidades do seu filho! – falou gritado, visivelmente irritada por ter que assumir isso.
Era o que Vegeta tinha pensado, realmente. Mas não imaginou essa reação de Bulma. Nunca pensou que ela fosse se abalar desse tanto.
- Tá louca?! Gritando desse jeito? – ele tinha assustado.
- Você não queria saber? Então pronto, já sabe. Eu tive que ser internada duas vezes, uma por desidratação e uma por anemia. Isso, enquanto estava grávida. Depois que o Trunks nasceu, eu precisei de suplementação alimentar, porque ele mamava sem parar, até eu me sentir esgotada. Três vezes, a mamãe tirou ele do meu colo, ainda agarrado no meu peito, porque eu tinha dormido, fraca, depois que ele quase me sugou por completo. Tá satisfeito? Eu sou fraca. Sou uma terráquea fraca. Que não serve pra nada. Não é isso que você pensa dos terráqueos? – o tom era de uma acusação imensa.
- É. Mas não de você! – ele rebateu, em choque.
- Não, Vegeta?! Eu tinha tanto medo de você abandonar eu e o Trunks de novo, que eu não quis nem correr o risco de você saber sobre isso... – disse, cansada.
- Você achou que eu ia embora, se eu soubesse que você ficou doente, sua escandalosa?! – perguntou, desesperado.
- Você foi embora porque cismou que eu não te achava forte, Vegeta! Tinha muita chance de você ir embora porque eu não era boa o bastante pra ser a mãe do seu herdeiro! – gritou de volta, descontrolada.
Ele entrou em choque. Ouviu aquelas palavras, sem saber o que dizer. Não devia ter tocado nesse assunto, porque estava se deparando com acusações que não estava preparado pra admitir. Tinha mesmo ido embora por isso. Porque ela disse que Kakaroto era mais forte. Sozinho, no espaço, entendeu que o que Bulma tinha dito era que ele era mais forte porque lutava por um propósito. Quando voltou, encontrou seu propósito pronto, o esperando. Mas nunca soube, nem quis saber, de que forma isso tinha acontecido. Soube o básico e apenas conforme o tempo foi passando. Nunca abriu essa oportunidade de conversarem e, por isso, se chocou ao descobrir o óbvio: que a constituição de Bulma era frágil pra gerar um sayajin. E mesmo assim, o amou e foi forte o bastante, pra sustenta-lo sozinha, sem saber nem o que estava acontecendo com o próprio corpo. Era mais uma culpa que tinha que carregar. Entendeu o porque ela não falou nada. Escondeu isso dele, pra poupar a si mesma de seu julgamento preconceituoso.
Até quando ia pagar pelos erros que cometeu? Até quando ia continuar cometendo erros tão absurdos? Pior: o que tinha que fazer, agora, pra tentar remediar o estrago que tinha causado?
Quando pediu um filho, só pensou em si mesmo, em tudo que perdeu. Mas pensou que tinha perdido só uma barriga crescendo e nada além disso. Agora, chegava à cruel conclusão que quase, quase, tinha perdido sua Bulma. Seu respeito. Seu carinho. Seu amor.
Remoeu suas palavras... “Tinha muita chance de você ir embora porque eu não era boa o bastante pra ser a mãe do seu herdeiro!” Quis acreditar que ela estava errada. Mas tinha medo de pensar demais nisso e chegar à conclusão, mais uma vez, de como Bulma era inteligente. Naquela época, sua cabeça ainda era voltada pra coisas tão menos valiosas. Hoje, isso é inconcebível. Não ser boa o bastante pra ser a mãe de seu herdeiro...
- Eu escolheria você. – disse pra ela, o que ele só pensou.
Bulma ainda estava irritada. De braços cruzados e cara feia, o olhou sem entender o que significava aquilo.
- Me escolheria pra quê? – perguntou ríspida.
- Pra ser mãe do meu herdeiro. Se tudo fosse diferente, se a gente não tivesse se envolvido do jeito que foi, se... sei lá, Bulma! – se enrolou com as palavras. – Eu ainda ia querer que fosse você. – disse firme, olhando pra frente, focado no trânsito.
Ela saboreou o teor daquelas palavras. Um esboço de sorriso surgiu.
- Mesmo eu sendo uma terráquea fraca? – perguntou fazendo uma manha.
Ele deu uma risadinha sincera.
- Você é a minha terráquea fraca. – e a olhou mansinho. – Por isso eu sou forte. Pra poder proteger você. Vocês. – corrigiu, sorrindo.
Talvez fossem os hormônios. Talvez fosse a beleza de ouvir aquilo sair da boca de alguém como Vegeta. Talvez fosse o medo sendo dissipado no ar, tirando um peso de anos das costas. Talvez fosse simplesmente o conceito de família se expandindo em seu coração. Mas a verdade é que Bulma se sentiu tão amada, como nunca tinha acontecido antes. Se sentiu acolhida, protegida, do jeito que sempre sonhou quando esperava por ele sozinha com Trunks na barriga.
Ficou aquele resto de caminho com um sorriso bobo no rosto. Tinha sido um dia recheado de emoções. Nada mais podia melhorar. Nada mais podia ser mais bonito do que o que já tinha acontecido.
Quando chegaram em casa, um mini-sayajin agitado veio correndo na direção dos dois.
- Oi! – e ele tinha um sorriso largo, aberto, bonito como o de Bulma. – Você ouviu o coração, mãe?
- Ouvi! – ela se agitou toda, conversando com ele na mesma empolgação.
Naquele segundo, Bulma, que achou que nada pudesse ser mais emocionante nesse dia tão intenso, descobriu que ainda cabia uma última coisinha linda pra ver. Trunks se abraçou em seu corpo, encostando o ouvido direto na barriga.
- Pai, você tá ouvindo? – ele perguntou baixinho. Bulma olhou Vegeta, curiosa pra saber o que era. Ele deu um sorriso sincero.
- Tô. – respondeu sorrindo.
- Eu não. – Bulma ficou nervosa. – O que tá acontecendo? Me fala!
- Shiii... – Trunks deu a ordem. Ela obedeceu. Começou a prestar atenção, como se aquilo fosse fazer alguma diferença. – Dormiu. – e a olhou com os olhos azuis mais lindos do mundo.
Bulma achou a coisa mais fofa do universo, ele fazer aquilo. Mas ainda estava confusa. Olhou pra Vegeta.
- O que ele tava ouvindo? Por que ele perguntou se você tava ouvindo também?
O sorriso de Vegeta ainda não tinha diminuído.
- Sempre que o Trunks chega perto do bebê, ele se acalma. – explicou, como se fosse óbvio. – Igual eu te mostrei lá, só que comigo é ao contrário. Quando sou eu, ele se agita. Se é o menino, as batidas ficam mais devagar.
Ela o olhou chocada. Olhou pra Trunks, que confirmou com a cabeça, ainda com aquele sorriso maluco no rosto. Teve uma escolha naquele momento: podia chorar de emoção, ou sorrir de felicidade. Olhou pra Vegeta, que sorria. Olhou pra Trunks, que também sorria.
A decisão foi fácil. Abriu um sorriso bonito, de olhos estreitos, digno de Bulma Briefs.
Sua família.
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