Abril, 1997
– Epinskey!
O movimento ensaiado e muito conhecido pelas mãos extremamente bem treinadas.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Seis pessoas muito feridas. Seis novas bocas para alimentar, manter seguras. O medo finalmente estava preenchendo as lacunas que ela estivera tentando manter protegidas com o pouco de coragem e fé que ainda lhe restavam.
– Senhorita…Temos fome. – Anabel, uma garotinha de pele amarelada e olhos fundos, colocou as mãos na barriga, enquanto olhava, suplicante, para a jovem cansada e tão perdida quanto a menina faminta. Junto dela mais 5 crianças, igualmente pálidas, sofrendo de inanição.
Estavam ali há 45 dias. Simas havia saído há 10, a fim de buscar comida, ou algo que pudesse se transformar em comida. Qualquer coisa que pusesse fim ao sofrimento das 120 pessoas que estavam refugiadas na cabana isolada em meio à floresta proibida.
Voldemort determinara, através de seu informativo semanal, que promoveria o recrutamento de todas as crianças trouxas e nascidas trouxas, para instruí-las a respeito da Magia, em seu Instituto de Doutrinação Bruxa.
As intenções eram muito boas, de acordo com o prospecto. Mas o inferno estava cheio delas, na concepção dela que era nascida trouxa, e provavelmente, entre seus amigos, a única que conhecia este ditado. Talvez Harry também estivesse familiarizado, mas ele não estava por perto.
Estava na missão mais importante de sua vida. Ela também, de certa forma.
– x –
Sete.
Oito.
Nove.
Nove movimentações cruéis da varinha de pilriteiro e pelo de unicórnio. Tão cruéis quanto seu portador, que dentro de uma viela no centro de Londres, torturava alguns trouxas, apenas por diversão. Unicamente para sentir o poder correndo em suas artérias. O sangue quente bombeado pelo coração desumano e frio.
Perdera as contas. Quebrara algumas costelas, alguns ossos inúteis e fizera outros se arrependerem de lhe dirigir a palavra. Rira dos olhos suplicantes. E depois vomitara numa calçada, longe de seus companheiros de trabalho.
A posição de dominador era o que mais lhe agradava. Estava em maus lençóis com o Lorde, mas não podia deixar de aproveitar o prestígio que ainda possuía. Entretanto, quando tentava dormir, lembrava-se de cada rosto; das mães abraçando os filhos com força, colocando-se na frente deles, dos pais tentando, em vão, bloquear a porta com cadeiras apoiadas na maçaneta. Ursos de pelúcia no chão, giz de cera e pedaços e papel tingido pelo sangue espesso.
O cheiro de morte sempre voltava com ele para sua casa. A poção do sono não era suficiente para fazê-lo dormir.
– x –
Maio, 1998
O sexto paciente era Harry Potter, o eleito, o herói de guerra. Tinha duas costelas quebradas, estava desidratado e os hematomas cobriam toda a extensão de pele visível.
Enquanto tocava a espádua e os ombros, sentia o cheiro da guerra. Ditamno, sangue, bandagens novas, algodão cru. O amigo tinha o cheiro da morte impregnado em todo o seu corpo, e ela teve que segurar a incontrolável vontade de vomitar.
A vitória chegara, mas não tinha gosto de vitória. Tinha a face da morte.
– x–
Novembro, 1998
– A senhorita deveria trabalhar conosco. Seria uma honra tê-la compondo o nosso rol de estudantes. – O chefe do Instituto Dillys Derwent, pessoalmente, bateu em sua porta.
A pessoa que mais amara na vida havia morrido há um ano e seis meses e a jovem não tomara um rumo em sua vida. Na verdade, seu único desejo era rumar para o mundo dos sonhos onde seu namorado estava vivo e feliz, gargalhando com as mãos no abdômen, comendo como se Voldemort fosse exterminar o mundo inteiro em menos de um minuto.
– Eu aceito. – Foi robótica.
– x–
Dois mil cento e noventa dias.
Ela.
Descalça na grama, quebrando as regras de conduta de sua própria vida. A textura da grama úmida pelo orvalho matinal fez cócegas nos pés. A brisa suave acentuava o frio.
Ele.
Descalço no chão de concreto, provavelmente contaminado por todos os germes existentes na biosfera. O cimento arranhando a planta dos pés era uma afronta às suas origens.
Mas quem ele era mesmo?
106.789?
106.789??
106.789.
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