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História Constelação - Um jogo depois da tempestade


Escrita por: PatyNinde

Notas do Autor


O número dez é bem emblemático para mim. Não sei o porquê, mas sempre gostei dele. Escolhi o décimo capítulo de Constelação para explicar muitas coisas (inclusive o prólogo) e adicionei, também, elementos da sinopse. Espero que gostem e continuem se apaixonando pela história.
Veio a calhar que no décimo capítulo a leitora querida e talentosa “Opia” me presenteasse com um Style maravilhoso. Acho que nunca agradecerei o suficiente, pois sempre ficarei encantada com o carinho que recebo e a alegria que todos vocês que acompanham esta história me proporcionam quando participam da fic.
Faço o que faço por amor. Escrevo com amor, para mim e para vocês.

Obrigada por estarem sempre aqui. <3

Capítulo 10 - Um jogo depois da tempestade


 

 

 

A recepção do St.Mungus estava sempre agitada. Em parte Hermione preferia o Banco de Sangue, que estava sempre silencioso. Sentia-se mal por isso, afinal de contas, receber transfusão de sangue no mundo bruxo era um péssimo sinal, quase a assinatura de um atestado de óbito. Então, tecnicamente, sua tranquilidade era garantida à custa do sofrimento dos outros.

 

Duas crianças puxavam a saia de uma mulher que, Hermione deduziu, devia ser mãe delas. A menina estava chorando, e o garoto pedia à mãe para que fizesse a irmã parar de chorar.

 

Crianças. Hermione não tinha planos de ter filhos, não mais. Sua justificativa​ repousava no fato de que jamais encontraria um pai tão exemplar quanto Rony seria se um dia tivesse a oportunidade de ter um filho.

 

Travis, o garoto perturbado que estava preso em Azkaban, não tinha idade para ser seu filho, salvo se ela engravidasse com dez anos, o que era um absurdo. Contudo, ela sentiu algo que chegava muito próximo da preocupação materna quando vira o rosto infeliz e machucado do garoto que perdera sua vida dentro de uma prisão.

 

Distraída com a cena na recepção e a lembrança de Travis, Hermione não notou quando uma criança sentou do seu lado. Não era grande o suficiente para apoiar as costas no encosto da cadeira acolchoada da recepção, então ficava, ajeitando a postura várias vezes, o que Hermione pôde notar com sua visão periférica. O garoto, que não tinha mais do que seis anos, olhava curioso para ela e para as demais crianças no hall. Ela sentiu-se insegura, não sabia como reagir aos olhares do pequeno e curioso menino que havia desistido da correria pelo hospital para fitá-la com curiosidade. Ele era ruivo, poderia ser seu filho se ela tivesse engravidado logo no final da guerra.

 

Uma mulher, deficiente visual, cabelos negros e pele branca, puxou o garoto pelo braço e com um gesto desculpou-se pelo “filho inconveniente”. Hermione não sabia como, mas a mulher não parecia vê-la e ainda assim sabia exatamente o que o filho estava fazendo.

 

— Querido! Pare de importunar a moça.— ela repreendeu, vendo que o gesto de afastá-lo não havia adiantado e puxou, novamente, o menino pelo braço com carinho. Havia um sorriso triste nos lábios dela.

 

—Mas, mama, ela é medibruxa.— o garotinho insistiu, olhando para  varinha  e osso  entrelaçados, símbolo do St.Mungus.

 

— Desculpe, senhorita.— A mulher falou, sem graça, seus olhos eram vagos e fitavam um ponto aleatório— Ele adora medibruxos e curandeiros, acho que está passando tempo demais no hospital.

 

— Hermione! — Neville surgiu na recepção, carregando uma pasta grande e roxa. Chamou Hermione um pouco alto demais, e ficou envergonhado quando todos os olhares se voltaram para ele. — Os papéis estão prontos. Preciso de sua assinatura e da assinatura de Malfoy.

 

— Obrigada, Neville.— Hermione agradeceu, quase beijando os pés do colega por tê-la tirado de uma situação constrangedora. Acenou para a mulher, recriminando a si mesma pela gafe, e saiu apressada em direção à escadaria que levava ao escritório do diretor do Hospital.

 

***

Os papéis ainda estavam sendo redigidos por uma pena encantada. Quando a última palavra foi escrita, um sinete com as iniciais do homem que nunca estava naquela sala, seu antigo chefe, carimbou o pergaminho, e Neville os pegou, entregando para Hermione.

A sala estava vazia. Ao que tudo indicava ninguém pisava ali há meses. Livros fechados e empacotados nas estantes, armário de poções trancafiado e relatórios inacabados.

 

— Há quanto tempo este lugar está vazio? — Hermione questionou.

 

—Três semanas. — Neville respondeu num tom que demonstrava completa indiferença e conformismo.

 

— Como assim “três semanas”, Neville?! Quem está assumindo a direção do hospital enquanto isso?

 

A medibruxa teve que se manter muito bem apoiada quando viu a mulher que jamais esperaria ver novamente aparecendo. Os cabelos negros e o rosto redondo, familiares e reais demais para serem uma miragem, mostravam que o mundo mágico estava descontrolado.

 

— Na verdade eu começo hoje, Granger.

Pansy Parkinson, agora, Zabini, contornou a mesa do diretor com passos vitoriosos. Sua expressão beirava o êxtase que ela não fazia questão de disfarçar. Dispensou Neville como quem espanta um pernilongo e começou a desempacotar suas coisas em cima da grande mesa oval que pertencia ao diretor, agora, diretora do hospital St. Mungus.

 

— Sangue ainda importa, Granger. —  Pansy deu uma piscadela para Hermione que, naquela altura já estava calculando as consequências que alguns tapas e puxões de cabelos causariam em sua indelével carreira.

 

— Dinheiro ainda importa, Parkinson —  Hermione corrigiu. — E é por isso que está aqui. Financiou a própria carreira com o dinheiro do marido, que você se casou por conveniência, porque Malfoy não estava disponível.

 

Pansy riu, não ficara abalada com o comentário ácido. Recostou-se na cadeira de diretor e fechou os olhos, deleitando-se da posição. Suas unhas estavam impecáveis e Hermione tratou de esconder as próprias mãos, pois não cuidava disso há semanas, meses.

 

— Dinheiro, é claro. Bem, isso faz diferença, também! Mas, veja só você, tendo que assinar papéis que dizem respeito a vida e a morte de Draco Malfoy. —  Pansy provocou —  Não imaginava mais para a sua carreira? Ouvi dizer que este posto, sim, este que estou ocupando com tanto deleite, poderia ser seu, se não tivesse aceitado trabalhar em Azkaban. Mas veja como são os sistemas políticos! Meu digníssimo esposo possui prestígio no mundo econômico e político, não vou mentir dizendo que isso não me conferiu certa vantagem.

 

— Deveria estar envergonhada, Parkinson. Prostituindo a carreira dessa forma só me faz pensar que aqueles trabalhos publicados no Dillys Derwent eram todos roubados. Não que eu tivesse alguma dúvida a respeito disso. — Hermione aproximou-se ainda mais da mesa, apertando o tampo com força. — Até porque eram os meus trabalhos.

 

A nova diretora do St. Mungus sorriu num esgar, levantou-se da cadeira e chegou tão perto de Hermione que poderiam ouvir os ruídos das respirações tensas. Mesmo incomodada com a proximidade, a medibruxa não sairia dali, se era o que Parkinson estava esperando.  

 

— Sou inocente, até que prove o contrário, querida. — Pansy sussurrou no ouvido de Hermione, acariciando a pele do rosto da medibruxa numa provocação debochada.

 

Hermione saiu como um furacão, levando os papéis que viera buscar. A pulsação parecia alcançar níveis inimagináveis, tamanho o ódio que estava borbulhando em suas veias. Sua cabeça não parava de martelar num único sentido: Precisava desfazer qualquer vínculo empregatício que ainda possuía no St. Mungus, porque nem mesmo Merlin em pessoa, vestido de lingerie cor-de-rosa, a faria ficar naquele lugar.

 

 

—x—

 

Draco voltaria para Azkaban no dia seguinte, ou naquele dia mesmo, ainda não fora informado adequadamente a respeito do seu retorno. Sabia que estaria num lugar melhor do que sua antiga cela, mas ainda era uma prisão. Uma gaiola de pedra.

 

Estava se sentindo bem, apesar de todos os curativos no braço e das dores no estômago causadas pela falta de comida sólida. A última coisa que havia colocado na boca tinha sido a torta que, para seu espanto, Hermione trouxera.

Estava muito boa, mas tinha o sabor da derrota. A grande e curiosa realidade era que Draco não compreendia como o cérebro de Hermione trabalhava. Ele a insultava, e ela o tratava com cordialidade.

 

Sabia que a medibruxa precisava dele, mas, em contrapartida, também sabia que ela era inteligente o suficiente para perceber que, se ele tivesse alguma informação tão importante, não revelaria à ela, mas aos aurores, a fim de livrar sua pele da tal “sentença desconhecida”. Granger tinha o poder de tirá-lo dali, mas seria mil vezes mais fácil — e menos humilhante — contatar Feggis e pedir ajuda, afinal de contas o homem parecia nutrir uma simpatia por Malfoy.

 

A raiz do problema, no entanto, era Draco, que não lidava bem com boas ações. Sentia-se em débito com a pessoa que lhe prestava o favor. O chapéu seletor poderia colocá-lo na Grifinória por força desse pequeno desvio de personalidade, esse mosquitinho da lealdade que às vezes mordia seu cérebro e sugava toda a sua capacidade sonserina de raciocínio.

Às vezes, como que para livrar-se do peso na consciência, Draco sempre pensava no poder mágico de uma dívida que um bruxo assume quando alguém poupa a sua vida. Hermione o salvara na prisão, quando uma crise violenta de engasgos e sangue quase lhe tirou a vida, então, ele estava apenas obedecendo uma tradição bruxa muito antiga, mais antiga que o próprio conceito de tradição.

 

A imagem de Hermione caminhando para dentro do quarto do hospital freou os devaneios de Draco. Ele parou um segundo para olhar o que ela estava segurando debaixo do braço, e supôs que fossem as burocracias a que um preso deveria se submeter para receber um mísero tratamento de saúde.

 

— Boa tarde, Malfoy. Estamos organizando sua partida. Trouxe roupas limpas e uma refeição decente, pois não te vejo comendo desde ontem, então acho que seria interessante forrar o estômago antes de partir. — ela falou, portando-se profissionalmente diante dele. Parecia indiferente também. — Veja, aqui estão os documentos que precisa assinar antes de voltar para Azkaban. Primeiro você precisa ler, depois um dos guardas te levará até a recepção para que você assine e já tome sua condução até a primeira balsa.

 

Draco olhou para Hermione com descrença, pois o número de pergaminhos era absurdo. Ele terminaria de assinar aquilo e logo voltaria para o St. Mungus para um transplante de dedos. Ela se mostrou irritada com a careta de Malfoy, e ele notou isso pelo alto e exasperado suspiro, bem como pela contração repentina do maxilar de Granger, expressões tensas demais para alguém que estivesse tendo um fim de expediente tranquilo.

— Dia ruim no trabalho dos sonhos? — Ele perguntou com sarcasmo.

— Pessoas indesejadas em lugares inapropriados. — ela respondeu— A senhora Zabbini agora trabalha no hospital. Estranhei o fato de ela não ter vindo te visitar, ela tinha uma queda por você na época de Hogwarts, não tinha?!

 

— Senhora Zabini...C-Como assim? Daphne foi encontrada? — Draco perguntou, sentindo um frio na espinha e uma urgência em sair da sala para verificar se ela estava mesmo no St. Mungus.

 

—Não, Malfoy! Quando me refiro à senhora Zabini estou, é claro, falando de Pansy Zabini, ou Parkinson, como você deve tê-la conhecido. — Hermione corrigiu, interessando-se pelo espanto de Malfoy. Lembrou que o casamento dos Zabini não chegara a ser anunciado pelo Profeta Diário. — Por que achou que Daphne seria a senhora Zabini?

 

— Eu tinha bons motivos para acreditar que assim seria. —  Malfoy ficou pensativo. Se alguém se aproximasse perto o suficiente, veria engrenagens trabalhando em cima da cabeça do loiro.

 

Hermione entregou os papéis nas mãos de Malfoy e, retirando-se silenciosamente, planejou voltar quando estivesse preparada para tocar nquele assunto novamente.

 

 

***

 

Já havia anoitecido e Draco estava cansado de assinar linhas tracejadas. Mentiras em forma de pergaminho e tinta. Seria uma excelente hora para protestar sobre a dor entre o vão dos dedos, mas não queria falar com Granger ou olhar para ela, pois, infelizmente, a medibruxa havia se arrumado para alguma ocasião especial, de modo que  estava estranha e particularmente bem apresentável, demonstrando uma irritante pressa em sair da sala, ele notou pelo modo que ela balançava as pernas lisas e muito expostas para alguém que estava em horário de trabalho.

 

—Como assim eu nunca sofri tratamento degradante? Eu praticamente não tive uma vida normal desde que comecei minha pena.— ele protestou, indignado com o que estava escrito no pergaminho. Chacoalhou as folhas na direção de Hermione, que já havia encontrado um lugar para se sentar, e cruzar as pernas.

 

—Eu sei, mas faz parte do protocolo de retirada de detentos vivos da prisão. Você deveria agradecer por eles terem deixado você sair, poderia ter morrido lá mesmo. — Hermione estava encarando a porta que dava para a saída. O hospital estava quase vazio, com exceção das emergências noturnas e os pacientes fixos.

— O que houve com você? — Draco questionou, parando de assinar os pergaminhos e olhando Hermione de cima a baixo. Hermione virou o pescoço abruptamente e encarou Malfoy, curiosa pela pergunta completamente fora de contexto.

 

— Como? — ela perguntou confusa.

 

— Para começar, você nunca deixaria qualquer pessoa assinar algo assim. Não era você a defensora dos fracos e oprimidos? E  o que falar do seu traje?! Onde estão suas roupas de trabalho? Pensei que você fosse acompanhar meu retorno. — Draco respondeu. Não conseguia imaginar o quão descompromissada com o trabalho ela poderia ser a ponto de largar suas responsabilidades para sair por aí. — Não seja uma incompetente.

 

— Malfoy, hoje é sábado. Eu não deveria estar aqui para começo de conversa. —Hermione respondeu com indignação, sentindo-se desconfortável por estar se justificando para um paciente, ou pior, para Malfoy. — E regras são regras. Você tem que assinar isso.

 

Foi a vez de Draco desviar o olhar para algum ponto irrelevante. Não sabia que era sábado, afinal, ele não tinha um calendário no seu quarto, apenas um relógio. Não era como se fizesse alguma diferença ser ou não fim de semana, porque Draco não costumava sair para dar algumas voltas de balsa pelo mar de Azkaban nas noites de sábado.

 

—Então a doutora vai mostrar que tem uma vida fora dos corredores de prisões e hospitais, pacientes sanguinolentos e a beira da morte? Uau! Estou impressionado.— ele desviou a atenção de si mesmo,  caçoando Granger e voltando a assinar o bolo de pergaminhos no balcão. — Alguém vai finalmente transar essa noite.

 

E lá estava ele, tentando humilhá-la. Quando eram mais novos, as provocações ficavam no campo da diferença entre sangue puro e sangue ruim. Mas, naquele momento, ele sabia que ela se ofenderia mais com piadas obscenas e perguntas invasivas.

 

Um bom jogador precisa mudar suas estratégias ao longo dos anos, e Malfoy era um excelente jogador.

 

—Não seja nojento, Malfoy! Cody me convidou para jantar, mas... Ora, o que eu estou fazendo? Você não tem nada a ver com minha vida. — ela falou, girando os olhos e voltando a encarar a parede vazia e marcada por manchas de infiltração.

 

—Espero que pense em mim enquanto estiver mandando ver. Considere isso como meu voto de boa sorte.

 

— Sobre o que você me disse a tarde. — Hermione começou, mudando bruscamente de assunto, pois Malfoy estava quase vencendo e deixando-a sem reação. — Eu preciso saber o que realmente aconteceu, e porque você pensou que Daphne havia se casado com Zabini... Bem, ela estava desaparecida...

 

— Preciso de três bons motivos para te dizer isso— ele respondeu, deixando os cinco últimos pergaminhos sem assinar.

 

—Primeiro: você disse que cooperaria comigo. Segundo: você é um preso e eu sou responsável por você e posso fazer o que eu quiser com você. — Hermione sorriu, despejando arrogância e vitória em cada fileira de seus dentes. — Não preciso listar um terceiro motivo, porque estes me parecem suficientes.

— Você não faria nada de mal comigo, Granger. Porque no final das contas, pessoas como nós acabam dependendo uma da outra, como um daqueles alcóolatras, que desejam e odeiam o copo de bebida. — Malfoy respondeu tentando, claramente, retornar ao assunto estranho e de teor inapropriado.

Ele caminhou até chegar o mais próximo que conseguiu do conjunto de cadeiras acolchoadas onde Hermione estava sentada, o suficiente para fazê-la  sentir seu hálito de cerveja amanteigada e chocolate, porque, sim, Feggis devia ter passado ali com alguns presentes para seu prisioneiro preferido.

Draco não parecia nem um pouco constrangido por estar numa distância tão perigosa de alguém que ele sequer suportaria compartilhar o mesmo espaço

—Não dependemos um do outro. — Hermione afirmou desconfortável com a proximidade. —Eu estou no comando.

— Bem, continue repetindo isso até acreditar. — Malfoy zombou. Tocou com o indicador na fronte de Hermione, e ela fez questão de levantar, e dar um tapa na mão dele. Enquanto tentava se afastar, Draco a acompanhava. — Digamos que eu saiba de algumas coisas, mas não o principal, porque se o que você me disse estiver certo, Zabini se casou com a mulher errada e, em se tratando dele, tenho certeza de que aquele filho da puta me enganou.

 

— x—

 

25 de Março, 1997

 

Estava escuro e frio. Londres, embora popularmente conhecida pelo clima chuvoso e pelas nuvens que pareciam nunca abandonar o céu, estava ainda mais escura. A ascensão do Lorde das Trevas era o motivo do período sombrio e infeliz; a cada duas quadras um dementador se postava, esvoaçante e tenebroso, pronto para causar à maior parte da população trouxa uma tristeza inexplicável.

O restaurante fino, frequentado pela alta classe Bruxa estava vazio, exceto pela presença de um jovem loiro que, por baixo da mesa, balançava os pés impacientemente. O relógio de bolso feito de ouro maciço, era verificado a cada dois minutos, e em todas as  vezes  o ato precedia um suspiro profundo de irritação.

 

A porta do restaurante abriu e ele soube na hora quem estava entrando. Cuidara de fechar o local para ambos a fim de que conversassem em paz e em segurança, por mais absurdo que isso pudesse soar.

 

O rapaz negro de cabelo muito bem cortado, barba perfeitamente escanhoada, olhos castanhos e porte elegante, dirigiu-se até a mesa, não antes de cumprimentar o Maître, e alinhar o paletó impecável em frente a uma das cinco colunas espelhadas, que davam ao restaurante de Allan Moender, o bruxo mais rico da região de Connacht, a peculiaridade do local era o que justificava os preços do cardápio.

 

— Malfoy, meu amigo, chegou cedo. — Blaise Zabini cumprimentou, sentando-se de frente para Draco.

 

— Cheguei no horário combinado. Você está dez minutos atrasado. Sabe que detesto esperar. — Draco empertigou-se em seu assento, sentindo o desconforto da capa de mangas longas, que roçava o antebraço por sobre a marca negra, naquele momento ardendo mais do que o normal. Ele estava sendo chamado.

 

Teria que ignorar.

 

— Sabe que chegar no horário não é elegante. Deveria conhecer essas regras. "Pessoas que não precisam de favor algum chegam na hora que bem entenderem". — Blaise exibia uma expressão amigável enquanto, discretamente, soltava suas palavras ácidas. — Quero saber por que fui chamado num dia de semana, neste horário. Imagino, Malfoy, que tenha algo muito bom para me oferecer em troca de um pedido tão inoportuno.

 

— Preciso que a leve para sua casa. — Malfoy disparou. Não tinha tempo para enrolação. — Alguém está tentando matá-la. Hoje, no fim da festa, ela sumiu por algumas horas e apareceu muito estranha. Acredito que o Lorde esteja desconfiando de nós. — As mãos de Draco suavam e a taça mal se sustentava em sua palma. Blaise olhou para a cena com um nojo mal disfarçado.

 

— Então é mesmo verdade, vocês querem fugir... Acho arriscado, se quer saber minha opinião, o que duvido muito. O Lorde não tira o nariz (como se ele tivesse um) de sua casa, pelo que fiquei sabendo. — Draco arregalou os olhos em espanto. Blaise estava muito bem informado. — Ele conhece seu pai, Malfoy... Já fugiu uma vez, nada o impediria de fugir outra, e outra...

— Este não é o problema. — Draco interrompeu apressado. — A questão, Zabini, é que estamos empenhados nisso há algum tempo, mas ela está sob a vigilância de alguém. Antes...antes do babaca do Weasley bater as botas ela estava com ele, e agora toda essa merda não para de ser jogada no ventilador, os desaparecimentos de pessoas importantes, mortes desconexas, mas muito próximas...

— Eu avisei para ela não se meter com você e o seu pessoal. Não posso fazer nada agora. — Blaise falou resoluto. — Se ela matou o pobretão, não posso salvá-la, mas me espanta você ter essa informação e não ter contado para ninguém. Você deveria estar no suposto campo dos refugiados, vigiando a sangue ruim...

Draco procurou manter a boa postura. Ficou pálido, mas não era o momento de discutir aquele assunto, tampouco Blaise era a pessoa apropriada.  Ainda tinha duas ou três cartas na manga, só não queria ter que usá-las tão rápido. Contudo, Zabini não parecia estar disposto a ceder assim tão fácil, e mesmo Draco, no alto de sua soberba, sabia enxergar sua desvantagem.

— Cedo aos seus cuidados doze por cento das indústrias de pele de Javali do meu pai. Uma das mais lucrativas.— O loiro propôs.— Estima-se que daqui há três anos elas estarão vendendo mais do que o normal devido a escassez de couro de dragão.

A indústria de peles não era, nem em mil anos, a mais lucrativa, mas precisava mentir, pois não faria um acordo com Blaise sem antes lutar pelo que deveria dar em troca.

— Estimava-se. A guerra vai ser uma verdadeira pangea na economia bruxa, Malfoy, por isso quero a sociedade de garimpo. Soube que seu pai escraviza muitos duendes no País de Gales. Não me olhe assim, querido amigo, eu preciso estar informado sobre tudo agora que a guerra está atingindo certos limites e as propriedades vão ficando vulneráveis com as possíveis prisões de seus donos. — Blaise tomou um gole de seu vinho, mas seus olhos mantinham-se fixos em Malfoy. — Não pense que não te conheço. Sei que pode me oferecer muito mais.

— Leve- a para morar com você. — Draco sugeriu, desta vez olhando com deboche para o colega, mas havia também desespero em seus olhos.

—Não posso... — a expressão de Blaise endureceu repentinamente e ele alisou o rosto. — Tenho um nome a zelar, trazê-la para minha casa, quando tantas pessoas já sabem que ela passa longos feriados em sua Mansão seria, no mínimo, uma ofensa à minha imagem pessoal. Isso,é claro, sem contar o fato de que ela está envolvida até o último pelo pubiano nesta guerra.

Draco ponderou. Afastou a taça de vinho e entrelaçou os longos dedos pálidos. A mão ainda suava, o que indicava uma possível crise de ansiedade; o que vinha depois era sempre a maldita falta de ar, sensação de “bolo” se formando no peito, palpitação, enjoo e tonturas. Precisava se controlar.

—Case-se com ela.

Draco pediu outra garrafa de vinho, que chegou muito rápido. O garçom, um velho Bruxo bem arrumado, sorriu mecanicamente e se retirou, fazendo algum comentário sobre as uvas utilizadas na bebida, que Draco ignorou.

O tempo lá fora estava pior do que quando ele chegara no restaurante. Uma chuva violenta finalmente começou a cair, acompanhada de raios e trovoadas. Hoje ele não dormiria em casa, mas voltaria pela manhã, antes que todos acordassem, e assim começariam a preparar a partida que deveria acontecer no jantar anterior ao dia do seu aniversário.

Draco tomou a bebida, já não tão gelada como quando o garçom a trouxera em sua mesa. O líquido cor de sangue desceu de uma vez, queimando um pouco a garganta e trazendo uma ligeira dormência na língua. Estavam em silêncio desde a proposta que Malfoy fizera.

— Deve estar muito encrencado para vir me pedir isso. O quão encrencado vocês estão? — Blaise perquiriu, com um brilho diabólico nos olhos—  É claro! Suas mãos estão pingando sangue...Quem vocês mataram? Não me diga que... Oh! Por Merlin, vocês estão com o rabo no caldeirão! Não me faça pensar que se meteram com o cara de cobra e com o redator? Você tem ideia de como aquele esses dois são loucos?!

— Você o conhece?

— Sim, mas não espere que eu lhe conte alguma coisa. E não vou afirmar com certeza se é homem ou mulher.  — Blaise cobriu o rosto com as mãos e deu um longo suspiro.— Eu posso me casar com ela, e abafar o caso. Fuja com seus pais e me dê a sociedade de garimpo. Teremos um acordo secreto.

 

— Então estamos combinados. — Draco estendeu a mão e Blaise hesitou antes de apertá-la.

 

— Perfeitamente, meu caro.

 

02 de Abril, 1997 - 23h20min

 

“Lar de Calígula” era o nome do bar onde os comensais podiam ir e vir tranquilamente desde os rumores acerca do retorno de Voldemort. Poucas pessoas decentes frequentavam aquele lugar sujo e cheio de histórias cabeludas por trás de cada mesa coberta de poeira escura e manchas de sangue fresco. Na realidade, nenhuma alma decente colocaria os pés ali, mesmo que estivesse sob ordens expressas de alguém poderoso no mundo da magia. Mas, ele estava ali. Contrariando todas as histórias difundidas por sua própria família de que ele era medroso e covarde, o rapaz de ombros largos e andar desajeitado, coberto por uma capa negra que lhe cobria boa parte do rosto, caminhou até a mesa mais isolada do local. Ele estava incumbido de uma missão e deveria cumpri-la, mesmo que para isso fosse necessário pisar no antro de perdição que era o Lar de Calígula, mesmo que tivesse que encontrá-la, depois de tantos anos.

 

02 de Abril, 1997 - 23h54min

O fedor daquela área do bar era insuportável. Alguém havia vomitado em algum lugar das mesas e Rony estava trancando a garganta e respiração para não repetir o ato na sua mesa. O bar também ficava muito perto da rede de esgotos londrina, de modo que o cheiro também poderia ser oriundo das tubulações lotadas de dejetos humanos. Imaginar isso não melhorava a sensação de estômago embolado que Rony estava experimentando quando respirava apenas o necessário para não morrer asfixiado.

Ainda não tinha certeza se ela apareceria, enviara uma coruja para Daphne havia dois dias e não tinha ideia de como ela reagiria, afinal não mantinham contato desde a última vez que haviam se encontrado, em St. Catchpole, na floresta onde também tinham se conhecido quando crianças, antes de saber que Hogwarts os separaria.

Ele sabia que no Lar de Calígula ninguém desconfiaria de suas intenções, afinal, quantas pessoas decentes frequentavam aquele lugar?

 

Havia marcado o encontro para as 23:20, mas Daphne nunca fora pontual em seus compromissos, então teria que ficar olhando para toda aquela gente estranha e perigosa, enquanto imaginava se Hermione estaria em segurança. Ela não sabia que ele estava por perto, pois, supostamente Rony estaria fora do país. Este era o plano, e somente Harry tinha conhecimento de que era um plano falso.

De repente, uma figura muito bem vestida apareceu no bar. Estava com um sobretudo de veludo vermelho e uma maleta escura. Não fazia questão de esconder a própria identidade ou algo do gênero. Caminhava como uma frequentadora habitual do local, a julgar pelo modo como cumprimentou o velho Elijah, dono do Lar de Calígula.

— O que faz o mocinho no reduto dos vilões? — Ela falou, antes mesmo de tomar seu assento numa das cadeiras. Não parecia incomodada com o cheiro do local, nem com a sujeira.

— Precisava encontrar um dos caras maus, ou melhor, mulheres más. — Rony entrou na onda de provocações, tentando a qualquer custo evitar o reboliço que começava a acontecer em seu corpo, mente, e coração.

Daphne sorriu, mostrando dentes brancos e brilhantes. Tinha uma aparência completamente fora dos padrões estéticos, e por “fora dos padrões” ele queria dizer que ela era muito acima do limite permitido de beleza. Seus olhos ligeiros captavam todo o ambiente, e ele sabia, mais do que qualquer outra pessoa, que ela já havia feito uma varredura no local para saber se ficar ali era de fato seguro.

—Da última vez você me mandou para longe da sua vida, se bem me lembro. Algo como “Para o inferno”  ou para “A puta que me pariu”. O que foi deveras indelicado de sua parte, uma vez que não tenho mãe. — Daphne afastou uma mecha dos olhos e apoiou o cotovelo na mesa, encarando Rony com profundidade. — Não entendi o motivo deste encontro. Sabe que tenho alguém, certo?

— Sim, eu sei o que falei e também sei que você está com alguém. — Rony respondeu com uma careta infantil. — Mas preciso de sua ajuda, em nome dos velhos tempos.

— Não existem velhos tempos, Weasley. Somos dois lados opostos de uma moeda, e como deve imaginar, nunca ficaríamos juntos.

—Um dia essa moeda girou tão rápido — ele começou a falar e havia sinceridade em seus olhos— que nós tivemos essa chance.

Daphne olhou para o balcão, evitando encarar o rosto da única pessoa que a fizera feliz. Velhos tempos era uma expressão tão dolorosa que ela preferia ter ouvido um insulto bem cabeludo.  

Teria sido melhor imaginar que ele já havia esquecido e seguido em frente, mas havia algo ali, resquícios das boas memórias infantis e do início da adolescência.

—O que quer? — Daphne perguntou. Ainda não tinha forças para encará-lo.

—Preciso que me conte o que você sabe sobre o campo de refugiados, e para quem você já espalhou.

 

 

18 de Março, 1997 - 19h45min

A sala do diretor era o que podia se chamar de confusão interessante. Ele estava desconcertado por colocar os pés ali, pois tudo o que conhecia do lugar estava embasado na rara visita que fizera no segundo ano e no quinto ano. Ambas as vezes ele estava envolvido demais com as tragédias familiares que haviam motivado sua ida até a sala de Alvo Dumbledore, mas agora, diante da porta aberta e, em virtude da demora do diretor, ele podia contemplar toda a linha de quadros dos ex-diretores de Hogwarts, que estavam se preparando para dormir, colocando suas toucas, pijamas e camisolas. Notou, também, a gaiola vazia de Fawkes, que ele conhecia muito bem, e uma estante abarrotada de livros colocados em seus lugares como se estivessem sido lidos recentemente. Rony deu um passo cauteloso para dentro da sala, aproximou-se das obras e começou a ler as lombadas.

— Fico feliz que tenha atendido meu convite, Ronald Weasley.— Alvo Dumbledore surgiu no topo da escada, e Rony tropeçou na mesa onde flutuava a penseira. —  Estamos sem tempo e eu ainda não lhe revelei a totalidade de sua missão.

— Sei que conhece a aluna da sonserina, Daphne Greengrass, apesar de seus amigos não saberem. — o diretor falou, olhando por cima dos óculos de meia lua. Ele, melhor do que qualquer um deveria entender o motivo. — Não se preocupe! Não quero que conte a eles, e foi por isso que chamei aqui, a sós, para conversarmos sobre a sua missão. Sente-se, por favor.

Rony sentou na cadeira que apareceu de súbito. Não tinha a menor ideia do que Dumbledore estava falando quando relacionava Daphne Greengrass, pseudo namorada de um comensal e arqui-inimigo, e a sua missão secreta que demorara quase um ano para ser revelada. Conhecia Daphne, mas não gostava de voltar àquelas memórias, uma vez que, elas o faziam voltar para um período de sua vida que mantivera em segredo de seus melhores amigos, algo raro e inimaginável quando em se tratando do trio de ouro.

— Desculpe, professor, mas, qual a relação entre a missão e o fato de eu conhecer Daphne? — Rony questionou, tentando ao máximo não parecer impertinente. — Sei que o senhor está com tudo sob controle, mas gostaria também de estar um pouco informado a respeito do que vou fazer, e o porquê.

— Primeiro, Ronald, eu não tenho tudo sob controle. — Dumbledore falou no seu melhor tom apaziguador e sereno. Não havia qualquer desespero ou ansiedade no fato de que ele não sabia o que fazer. — A situação fugiu demasiadamente de meu controle, e por isso preciso de você, Harry e Hermione.

— Temos alguém na guerra, uma pessoa que parece movimentar as peças com maestria. Eu diria que ele, ou ela, está familiarizado com jogos de estratégia, pois não consigo imaginar que Voldemort teria a capacidade de arquitetar um plano tão bem enlaçado. — Dumbledore levantou-se da poltrona e dentre os livros bagunçados de sua estante puxou um bolo de pergaminhos muito bem tipografados. —  Estamos recebendo informativos, todos no mundo bruxo estão, das infinitas coisas boas que Voldemort pode fazer pela comunidade mágica. Veja!

Rony pegou um dos panfletos e foi tomado pelo completo assombro. Voldemort agora parecia muito ocupado em resolver suas pendências de forma “amigável”. O informativo era chamado de “A porta” e, segundo os dizeres, a guerra não deveria acontecer, pois não era o desejo de Voldemort, que queria, tão somente, a união de todos os bruxos em prol da própria comunidade.

— Isso é um absurdo! “Queremos cuidar de vocês. Nossa vontade mais sincera é que todos tenham o que comer em suas mesas, durmam em segurança e possam ter acesso aos melhores serviços de saúde. O St. Mungus ficará aberto 24 horas a fim de receber aqueles que buscarem nosso auxílio. Não queremos incitar uma guerra, mas protegê-los dos rebeldes.” — Rony leu em voz alta como que para forçar-se a acreditar naquilo que estava diante dele.

— Isso não foi escrito por Voldemort. — Dumbledore falou. — A concepção de pureza continuam implícitas em uma ou outra declaração, de forma sutil, é claro, mas continuam aí. Talvez os mais atentos, numa leitura detida e analítica, encontrariam alguns vestígios, mas ele não quer trazer essas pessoas. Voldemort está criando uma armadilha. Existe alguém fazendo este trabalho, e eu preciso que você descubra.

—Compreendo. — Rony meneou a cabeça, mas ainda estava curioso para saber onde Daphne entraria nessa história.

—Sei que está tentando imaginar onde Daphne Greengrass entra nesta história— Dumbledore falou, como se tivesse lido os pensamentos de Rony. —  Bem, Hermione está cuidando do campo de refugiados que eu criei, e temo que Daphne Greengrass saiba disso.

— Mas, como? — Rony questionou, desesperado por saber que Hermione poderia correr algum risco, e Dumbledore fez um sinal com a mão interrompendo-o.

— A questão não é como, e sim quando. — o diretor começou, levantando-se da poltrona e andando em círculos pela sala. Rony achou incrível o fato de que ele quase não olhava para o chão e mesmo assim não esbarrava em nada. — Daphne foi monitora da Sonserina quando Draco abandonou o posto para se tornar comensal. Ela estava na minha sala quando eu elaborei o plano com Minerva.

— Não, Ronald, eu não confidenciei este plano na frente de Daphne, mas ela compreendeu que se tratava de algo sério, e no dia seguinte conseguiu se esgueirar por aqui quando chamei Hermione para conversarmos. Infelizmente eu descobri isso tarde demais. — Dumbledore lamentou. — Sei, porém, que ela não estava bisbilhotando por mera curiosidade.

— Com certeza foi correndo contar para Malfoy, aquele porco! — Rony esbravejou.

— De fato, ela deve ter contado para ele, mas não é isso que me preocupa.

— Como assim não o preocupa? Ele é um comensal da morte! O senhor precisa fazer alguma coisa. — Rony suplicou.

— Acalme-se, Ronald! O grande problema não é Draco Malfoy saber de algum detalhe da missão de Hermione, pois, a esta altura ele já descobriu, e ainda não fez nada com essa informação. A questão é que Daphne não parece estar a serviço de Voldemort, mas de alguém que tem planos muito específicos. A mesma pessoa que está escrevendo esse informativo, mas que não parece ser totalmente leal ao seu lorde.

— Ora, então não estou entendendo. — o jovem falou confuso. — Quem escreve o informativo está ou não está do nosso lado?

Dumbledore parou e fitou Rony, demonstrando, pela primeira vez desde que ambos haviam começado a conversar, um medo inominável.

— Está do lado dele mesmo, e é isso que me preocupa.

—x—

 

Encontros eram o pior tipo de programa para alguém acostumada a sentar na escrivaninha e trabalhar até a segunda-feira começar novamente. Hermione havia se molhado na metade do caminho, pois estava distraída demais para que fosse seguro aparatar até o local combinado.

 

Olhou para o livro que Anthony lhe entregara. O homem parecia gostar muito de Draco. Ele não estaria na prisão para dar o presente pessoalmente para Malfoy, pois sua filha parecia estar evoluindo em seu quadro clínico. Hermione ficara feliz com a notícia, pois Feggis vivia em função da moça.

 

A chuva estava mais fraca quando Hermione atravessou a rua em direção ao Hotel Dorchester, comandado pelo famoso chef francês Alain Ducasse. Cody era um homem de excelente gosto, e o local parecia refinado demais para a simplicidade de Hermione.

 

Cody a estava esperando na antesala do hotel, com um sorriso amigável e sereno. Ele estendeu o braço para Hermione e ela o acompanhou pela grande e luxuosa porta do restaurante. O lugar era muito mais bonito por dentro, com o silêncio típico de lugares da alta sociedade, apenas o som das taças e de um pianista podia ser ouvido.

 

Porcelanato no chão e cores neutras com pequenos detalhes em dourado ao longo das paredes repletas de desenhos. As formas artísticas em gesso e o cheiro de boa comida, suave e delicada, e a organização da mesa eram os ingredientes para uma noite agradável.

 

— Boa noite, Adrien. Minha amiga e eu viemos de uma semana cheia de trabalho, o que nos recomenda?— Cody perguntou ao homem que chegou a mesa e trajava um smoking azul marinho, camisa de seda com uma gravata impecável em torno do pescoço.

 

—Bonne nuit. Recomendo o ouriço-do-mar da Irlanda.— Adrien respondeu polidamente, deixando o cardápio na mesa e sorrindo.

 

Hermione torceu o nariz para a iguaria. Não conseguia pensar na Irlanda sem lembrar de Kayla O’Boyle, e essa seria a melhor maneira de perder o apetite.

 

—Acho que vamos escolher mais tarde, obrigada, Adrien.— Hermione dirigiu-se ao garçom.

 

—Está vendo? Um bom momento para relaxar, sair um pouco daquela prisão. Você precisa ver algumas pessoas normais de vez em quando, Hermione.— Cody falou em tom divertido quando Adrien se afastou da mesa.

 

— Oh, nem me fale! Aquele lugar pode acabar com qualquer um. Estou tão envolvida com o caso de Daphne que nem sei mais o que é ter uma noite de sono sem me preocupar com as possíveis perguntas que devo fazer para Malfoy. Acredita que ele acabou de me contar uma história que pode mudar todo o rumo dos acontecimentos?— Hermione notou que Cody sorria sem graça, percebendo a gafe, ela ruborizou. — Perdão, perdão! Estou falando de trabalho neste lugar maravilhoso. É quase um sacrilégio.

— Tudo bem! Eu também acho que o caso é abismal, mas você nunca enxergou Malfoy como uma  peça deste grande jogo? — Cody perguntou displicentemente, bebericando o vinho que havia chegado até a mesa. — Muitas pessoas acabaram sendo usadas na guerra. Você me disse uma vez que Malfoy te ofendia, mas que parecia estar reproduzindo o comportamento do pai.

 

— Sim, estava, mas em algum momento isso para. Com a idade, sabe? Como compreender alguém que tirou vidas, Cody? Vidas inocentes, em prol de um ideal ridículo!— ela falou, como se estivesse se esforçando demais para manter sua opinião firme. O vaivém dos garçons e do maître não era barulho suficiente para abafar

 

— Depois que nos enfiamos numa situação que envolve vida e morte, fica um pouco difícil de sair dela. —  Cody tocou as mãos da amiga por cima da mesa. — Sabe, Hermione, você está sempre tão incomodada com o que ele diz a seu respeito, isso não é normal. Tenha um pouco de empatia também.

 

— Empatia? Fica difícil quando ele não se mostra nem um pouco arrependido das merdas que fez. —  ela falou.—  Ele foi uma pessoa muito má comigo e com meus amigos, Cody. E eu tenho fortes razões para acreditar que ele sabe de alguma coisa sobre a morte do meu namorado. Simplesmente não dá para ignorar o que uma pessoa fez, e poderia continuar fazendo se não estivesse preso.

.

.— Então você está acusando ele sem provas. Como executor de leis mágicas eu digo que isso poderia te colocar na prisão. — Cody falou, sorrindo com o canto dos lábios. —Por acaso ele teve motivos para odiá-la?

 

— Ora! Preconceito não pode ser catalogado como motivo, se é que você me entende.

Você deveria se escutar, acho que está defendendo demais alguém que não conhece. — Hermione rebateu, indignada por estar sendo questionada daquela maneira. Era injusto que alguém tentasse justificar Malfoy.

 

—Pois, para alguém de fora, poderia parecer que você está, inconscientemente procurando motivos para ficar perto dele.

 

Hermione endireitou a coluna e alisou a saia. Suas mãos estavam suadas. Conhecia Cody desde a época que iniciara os trabalhos no St. Mungus, descobriu que ele também morava em Hawkshead e esse foi o início de uma sólida amizade. Não mentiria para ele.

 

— Bem, não me julgue, Cody, mas eu gosto de esfregar na cara dele o fato de que eu me saí bem, a despeito da, como posso dizer? Qualidade do meu sangue. — ela falou finalmente.—  O cara faz um bilhão de coisas erradas e eu preciso ter empatia? Eu estou errada em desconfiar de cada palavra que ele diz?

 

— A maioria das coisas erradas que ele fez a você foram na infância e adolescência. O restante foi consequência da guerra. Todos nós matamos pessoas, uns menos e outros mais. Você precisou fazer isso para proteger o campo de refugiados, certo? —  Cody questionou. Ele tinha o perfil de alguém que trabalhasse no setor de execução de leis mágicas e julgamentos ministeriais, espetava seu interrogado com destreza, deixando-o livre de argumentos. —  Você está deixando o lado pessoal te afetar, e isso não é típico de você, minha amiga. Noto claros sinais de vingança pessoal e desfavorecimento do prisioneiro, cumulados com uma troca de benefícios a fim de chantageá-lo.

 

—  Não me venha com seu P.h.D em psiquiatria forense e criminologia,Cody. Eu não sou uma de suas pacientes, ou vítimas  —  Hermione protestou, parcialmente irritada com o amigo que segurava uma gargalhada pública num local tão requintado. Ele também era perito criminal, o que lhe permitia ter um conhecimento vasto dos sinais do corpo humano —  Eu não devia ter te contado das chantagens… Já me arrependi. Você jurou que isso ficaria entre nós.

 

— Mione  —  Cody era uma das únicas cinco pessoas no mundo que tinham permissão para tratá-la pelo apelido. Sempre usava quando queria fazê-la compreender algo que ela estava evitando escutar. — Isso pode sair do controle. E se você conseguir descobrir algo que coloque Malfoy como alguém diretamente envolvido com a morte de Rony? Vai tratá-lo como um prisioneiro qualquer, ou vai tornar a vida dele um inferno. Você também queria ser executora de leis mágicas, não queria? Justiça não é vingança pessoal, são muitos fatores envolvidos.

 

— Eu posso fazer da vida dele um inferno. Ele merece.

 

— Ele salvou Selma! Será que isso não é um bom indício?

 

Hermione ficou estática. Pelo franzir das sobrancelhas Cody assumiu que ela não conhecia aquela história. E ele estava certo, pois a medibruxa demorou alguns segundos para digerir e processar o que o amigo havia lhe contado. Aquilo sim era uma virada no jogo.

 

— Selma? Selma Peller. Você está tentando me dizer que Malfoy salvou a mulher de Carson Peller? —Hermione quase gritou. Muitas perguntas se formaram em sua cabeça, mas a maior delas voltavam ao ponto principal: Malfoy sabia onde era o campo de refugiados.

 

— Draco salvou a vida de Selma Peller, levando ela até o campo de refugiados.— Cody afirmou, estranhando que Hermione não soubesse da história. — Ela depôs em favor dele dois dias antes da audiência, mas não quiseram dar a liberdade. O mundo bruxo também tem suas podridões, Hermione.  Eu costumava acreditar nas instituições mágicas, mas depois de Malfoy, posso garantir-lhe que alguém quer mantê-lo enfiado em Azkaban…

 

— E o que ela disse?— Hermione perguntou deixando a ansiedade se espalhar. Ela se lembrava de Selma, tão bem que podia desenhar o rosto dela no guardanapo estendido em seu colo. Aquele dia fora marcado por muitos acontecimentos, inclusive o retorno de Rony, completamente condenado a morte, e o nascimento do pequeno Dylan, filho de Selma.

 

— Ela disse que ele deu à ela essência de ditamno e indicou o campo de refugiados… Hermione tem certeza de que não sabe mesmo desta história?

 

— E-eu não sabia — ela gaguejou —  Mas acho que nossa jantar terá que ser adiado, Cody. Eu preciso voltar para Azkaban.

 

— Hermione, você não está me dizendo que vai entrar na prisão, está?! Por Merlin, são nove horas da noite.  — Cody protestou, já imaginando, contudo, que não obteria êxito em sua tentativa de dissuadir a amiga do recente plano.  

 

— Desculpe. —ela implorou com sinceridade. —Eu prometo que vou compensá-lo!

 

Cody observou Hermione correndo por entre o hall, sob os olhares curiosos dos clientes do restaurante. Contemplou sua taça, que já estava pela metade, e meneou a cabeça. Hermione Granger não era afeita à encontros, disso ele já sabia, mas nunca imaginou que ela preferisse ficar com o preso estranho que estudara com ela em Hogwarts, a ficar com seu amigo.

 

As coisas estavam realmente ficando estranhas.

 

 

 

12 de maio, 1997 - 23h55min

 

Suas tarefas eram simples, mas exigiam muita coragem e, embora nunca fosse assumir como verdadeira a afirmação de que era um tremendo covarde, ele sabia que estava arriscando muito para salvar a própria pele. 

Três pessoas haviam chegado naquela manhã. Ninguém estava em boas condições, todos fracos, amarelos e mutilados. Um homem de meia idade com uma varinha remendada e dois garotos. O mais velho deles tinha perdido quatro dedos da mão direita, e o mais novo tinha uma ferida tão grande, exposta e infeccionada que Draco poderia jurar, mesmo estando tão longe, que a garota estava prendendo a respiração para não vomitar nos pés daqueles homens.

No mesmo dia, quando o sol já estava se pondo, ele correu pelo subúrbio de East End. Cobriu o rosto com o capuz de comensal e puxou a varinha.

Vinte e cinco centímetros, flexível, feita de Pilriteiro e núcleo de pêlo de unicórnio.

Ele conseguia senti-la queimando entre seus dedos. Havia uma conexão bastante peculiar entre o portador e a varinha. Suas veias dilatavam quando um feitiço era invocado e sentir o sangue escorregando por dentro da pele era algo impagável.  

Nada, porém, se compara às maldições imperdoáveis. Feitiço algum poderia chegar perto de um Avada Kedavra corroendo, efervescendo, deslizando como uma serpente desde a ponta dos dedos até o centro do peito. Não era uma sensação de conforto, mas causava uma dor prazerosa.

Naquele fim de tarde nove pessoas foram mortas pela sua varinha, e ele se sentia vitorioso. Sangues ruins, trouxas. Pessoas comuns que não esperavam encontrá-lo num beco escuro, ou numa viela estreita.  Homens e mulheres que contaminavam a árvore genealógica daqueles que tinham o sangue puro. Ele precisava eliminar aquela sujeira, limpar, limpar e limpar. Ser melhor do que ela naquilo que chamavam de guerra.

Granger nadava contra a sua maré, e por isso ele precisava dar a ela mais trabalho, ou mais decepções. O que viesse primeiro.

Então, às vezes ele torturava alguém, apenas para que ela tivesse serviço dobrado. Draco atraía seus feridos para o campo de refugiados, para ver Hermione se desgastando e consumindo todo seu estoque de poções e ataduras.

Um jogo, dos mais perigosos, pois Draco não tinha exatamente prazer em tirar vidas, mas em vencer aqueles que ele sempre odiara, e disso ninguém poderia culpá-lo, pois competir estava em suas veias, assim como as maldições imperdoáveis que ele lançará em suas vítimas.

Matar.

Ele teve que aprender a ser um homicida. Seu pai fora categórico depois da morte de Dumbledore — um feito creditado à Severo Snape, devido ao fracasso do garoto — que, quando a guerra atingisse o apogeu, saber tirar a vida de alguém o manteria vivo.

 

Portanto, não sendo alguém afeito ao homicídio, a cada jato verde deslizando da ponta da varinha, em todas aquelass pessoas inocentes, Draco sentia a urgência de despejar tudo o que estava em seu estômago no meio fio. Enxergar cada olhar desesperado e temeroso, ouvir gritos, súplicas. Não se espantava que a poção de sono sem sonhos fosse o equivalente a uma refeição. Três vezes ao dia, sete dias na semana.

Às vezes a vitória vinha por um processo doloroso. Ele encarava dessa forma.

Vigiar aquelas pessoas há tanto tempo estava cansando. Ele deveria ter contado para lorde Voldemort sobre o campo de refugiados, que ele existia de fato e Daphne havia passado as informações corretas.

Deveria.

Mas não conseguia fingir que as coisas estavam caminhando para um rumo bem sucedido. Suas certezas estavam fincadas em areia, movediça. E de repente matar pessoas deixara de ser uma competição. Tirar vidas enquanto o trio salvava começou a se tornar um exercício cansativo, um jogo no qual, por mais que ele ganhasse, jamais sairia como vencedor, e Malfoy detestava perder.

Quantas vezes teria que rodear o perímetro até tomar a atitude de chamar algum comensal para acabar com a festa dos sangues ruins presos na cabana?

173 vezes. Ele já tinha contado.

Depois de tantos dias ali, contar havia se tornado novamente um vício, porque a coragem para delatar toda aquela atividade clandestina na floresta proibida parecia não chegar. Fazer contas aliviava a ansiedade. As crises haviam aumentado depois dos 16 anos.

No 27° dia, ele resolveu se aproximar, ouvir o que eles falavam e como ela estava lidando com a escassez de comida que estava consumindo o mundo bruxo. A guerra fazia isso com a economia.

As folhas faziam muito barulho, Draco concluiu ao ouvir o crispar seco sob seus pés. Era uma boa estratégia, ele devia admitir, espalhar discretamente folhas secas pelo solo de uma floresta. Assim, com um feitiço amplificador, seria possível prever todo tipo de invasão.  

Estava ali pela décima noite consecutiva. A sombra dela sempre se projetava na parede oposta à janela na qual ela apoiava o peso do corpo, fazendo com que o plano de espalhar folhas pelo chão se mostrasse inútil, pois, se queria estar imperceptível, deveria ao menos utilizar os feitiços básicos de proteção.

Mas ela não parecia preocupada com invasões.

— Senhorita, estamos com fome. — a voz fraca de uma criança atravessou as finas paredes da cabana. Draco sentiu uma torção no meio da garganta, e a saliva desceu com dificuldade.

Não conseguiu ouvir a resposta da jovem, mas sabia que ela os acalmava e os enchia de falsas esperanças, exatamente como das outras vezes​.  

Draco sentiu aquela sensação esquisita que o estava incomodando desde a noite anterior, quando escutara sobre como a família Malfoy estava se mostrando dispensável, “praticamente inútil”. Voldemort mencionara. Um ódio estranho, um desejo de vingança e de compensação.

Fizera tanto por aquele homem deformado, mestiço, que se pretendia ser o rei do mundo bruxo porque havia descoberto alguns segredos da arte das trevas. Não ousaria enfrentá-lo, mas, desde aquela noite, ficava cada vez mais difícil refrear a vontade de fazer algo para atrasar os planos do Lorde.

E o dia chegou.

 Selma. Esse era o nome, ele jamais esqueceria.

A mulher estava grávida e Draco a conhecia. Selma era a mulher de um funcionário influente no Ministério da Magia. Entregá-la poderia fazer com que sua moral subisse um pouco, mas ele sabia o que fariam com ela. Removeriam o feto através das artes das trevas com um feitiço antigo tão horrível que Draco fazia questão de não presenciar, pois os gritos eram pavorosos, como se seus ouvidos estivessem sendo repuxada por várias correntes.

O marido era obrigado a presenciar a cena, ver a esposa ser torturada e, depois, tinha direito a morte mais lenta possível. Voldemort deixava este serviço para Bellatrix, que no final de um dia cansativo poderia dizer que amava o seu trabalho.

A sombra de um corpo feminino se desenhou entre a copa das árvores. Numa clareira distante, Selma Peller, rastejava por entre as folhas, fazendo um barulho que com certeza Granger perceberia, mas ela não ouviu. A mulher, grávida e sendo auxiliada por seu filho mais velho, um garotinho tão sujo e ferido quanto ela, parecia vir de uma perseguição acirrada.

Ela tentou levantar e o melhor que conseguiu foi cambalear entre as árvores, apoiando-se nos troncos com dificuldade. A oportunidade para capturá-la estava tão próxima que Draco podia sentir o cheiro da glória e do prestígio por ter encontrado o campo de refugiados e levado até o Lorde a mulher de Carson Peller, o único que ainda se opunha a ele, mesmo todos estando em guerra declarada.

Mas não era um bom dia para Draco. Sentia-se irado, exausto e com medo de que a guerra culminasse na morte de seus pais. Cansado demais do jogo de vida e morte, ele só queria fechar os olhos e esquecer que um dia suas convicções o levariam para uma floresta imunda e fria, numa posição desconfortável de vigia dos sangues ruins.

Então ele aparatou onde a mulher estava. E ela fez menção de gritar quando viu a marca negra aparecendo na parte exposta do antebraço esquerdo de Malfoy, mas ele a impediu, cobrindo-lhe a boca com as mãos.

— Fique quieta! — ele sussurrou entre os dentes. — A cabana fica a uns dez passos daqui, protegida por um feitiço desilusório. Pise no tronco em forma de cruz, e assovie três vezes. Tome isso e corra o mais rápido possível, e não ouse dizer a ninguém que te ajudei. Não tem nada a ver com bondade

A mulher olhou para Draco, confusa demais para dizer qualquer coisa. Então ela correu, da melhor forma que conseguiu, puxando o filho e segurando a barriga com ambas as mãos. Malfoy lhe dera essência de ditamno, ou que sobrara desde o último enfrentamento com um comensal enxerido. O garoto mais velho olhou para trás, e Draco o viu balbuciar um agradecimento.

O céu, que estava escuro o suficiente para assustar qualquer pessoa normal, parecia querer descer sobre os habitantes da Terra. Uma tempestade sem precedentes estava a caminho, e outra mulher, bela, porte elegante e andar apressada apareceu na linha de proteção que cercava a cabana. Ela não estava sozinha, e mesmo posicionado há uma distância de aproximadamente 30 metros, conseguia escutá-la soluçar.

— D-Daphne... — Malfoy balbuciou. Moveu-se lentamente, procurando fazer o mínimo possível de barulho, a fim de visualizar quem estava com ela.

Daphne vestia uma capa de chuva pesada e encharcada, caminhando com dificuldade, pois vinha carregando ninguém menos que Ronald ​Weasley nos braços. Suas mãos, estavam cobertas de algo que Dracou assumiu ser sangue.

A surpresa de Malfoy foi ainda maior quando notou que a garota beijou Weasley nos lábios, acariciou-lhe os cabelos e aparatou.

A chuva torrencial dificultava a visão, os relâmpagos pareciam os acordes de uma música que prenunciava o fim do mundo. Draco detestava tempestades, mas estava chocado demais para ficar incomodado com uma torrente de águas.

Daphne e Weasley? Sim, Daphne e Weasley.

Então Hermione Granger quebrou a linha de raciocínio de Draco, não porque havia chegado perto e descoberto que ele estava espionando o campo de refugiados, mas porque caiu na soleira da porta da cabana e deitou-se sobre o corpo de Weasley. Malfoy não sabia dizer se ele estava vivo ou morto, mas quando viu a garota que ele costumava odiar mais do que os dias de tempestade, a praia e o mar, sendo lavada pela chuva e tendo que arrastar um homem condenado a morte para uma cabana cheia de pessoas famintas, ele entendeu que o jogo estava parcialmente equilibrado.

 

— x—

A luz das estrelas não tinha o poder de atravessar os muros de Azkaban. Ali, a constelação de Draco não brilhava e sequer poderia ser localizada pelos olhos do homem que contemplava o pequeno quadrado gradeado que dava acesso ao lado externo da prisão.  A única entrada de ar puro. Escura, mas, ainda assim, por menor que fosse, uma lembrança do que era o mundo lá fora.

Apenas um dementador estava no fim do corredor. A criatura deslizava de um lado para o outro, soltando uma fumaça negra e empesteando o ar, já pouco respirável, que havia naquela ala.

Mas, de qualquer forma, não havia uma estrela no céu e, por mais que aquele fosse um forte indício de que haveria uma chuva torrencial no dia seguinte, Draco ainda estava preocupado demais com o que Granger lhe contara. Se Blaise não havia se casado com Daphne e havia assumido a posse da sociedade de garimpo, então ele podia estar envolvido com o assassinato de Lucius e Narcissa. Draco era acusado pelo desaparecimento de Daphne, e ela poderia muito bem ter sido assassinada por Zabini, que fugira com o corpo para incriminá-lo de alguma forma.

A cela estava limpa, com uma iluminação parca, mas ele conseguiria ler alguma coisa se contraísse os olhos com força. Era mais do que ele poderia esperar.  Feggis lhe prometera um livro interessante para ler, uma boa conversa e algo para comer.

Granger não apareceria naquela noite porque estava num encontro, talvez naquela hora as roupas já estivessem jogadas pelo quarto, ela nua e o tal Cody babando de desejo por tudo o que havia debaixo das roupas da medibruxa reservada. Não que Hermione parecesse o tipo que já entregava o ouro de primeira, mas era interessante imaginá-la suada e cheia de luxúria.

Patético, e excitante, ele admitiria se não houvesse uma barreira em seu cérebro para quaisquer sensações que não fossem nojo, raiva e escárnio em relação à Hermione Granger.

De repente, a luz  azulada e uma lontra prateada apareceu no corredor, iluminado um pouco a cela solitária. Não demorou para o corpo pequeno e delicado de Hermione surgir no corredor, em frente a cela de Draco. Ela estava um pouco despenteada, com as bochechas vermelhas e a alça fina da camiseta caindo pelos ombros.

—Selma, Malfoy... te lembra alguém? Você a salvou! Se sabia nossa localização, porque nunca nos atacou?— Granger disparou as perguntas entaladas desde quando saíra do restaurante. A respiração entrecortada. Ela havia corrido muito, julgando pela expressão cansada.

Draco se aproximou da grade da cela, encarou a mulher confusa em sua frente. Não estava sentindo vontade de cuspir nela, ou insultá-la. Apoiou-se nas barras de ferro e sua mão apertou-as com firmeza deixando os nós dos dedos esbranquiçados. Hermione, que também segurava as barras, tocou os dedos de Malfoy para chamar-lhe a atenção.

— Por que? — ela perguntou, agora mais calma. Seus olhos brilhavam e a curiosidade pairava como uma névoa sob a íris castanha.  

— Vá embora, Granger! Isso não é da sua conta. — Malfoy ordenou, tirando a mão das grades da cela, afastando-se do contato de Hermione como se as mãos dela queimassem. Como se os resquícios da marca negra a repelisse por causa do sangue ruim.

—Isso ainda não está resolvido, Malfoy. E pode ter certeza que amanhã eu vou estar aqui, e você vai me contar exatamente o que está acontecendo. Eu tenho todo tempo do mundo.

— Não, você vai me deixar em paz, porque não sabe merda nenhuma sobre tudo o que aconteceu!— Malfoy chutou a grade. — Eu não fiz isso por caridade, se quer mesmo saber. Agora saia daqui, antes que eu chame alguém para tirá-la daqui.

Hermione arregalou os olhos, assustada, não protestou, saiu de cabeça baixa e olhos fixos no chão. Seu patrono a acompanhou e tudo ficou escuro novamente.

Draco voltou para o fundo de sua cela e com uma espécie de sentimento nunca antes experimentado, derrubou a cama, os livros e o prato onde recebia as refeições. Os objetos quebráveis viraram pó e os demais ficaram jogados pelo chão.

 

Junho, 1997

 

Sentindo o espaço vazio do seu lado da cama, Draco se levantou e foi procurar Daphne. Ela costumava sair para os jardins de vez em quando, nua, sentindo o vento tentando bagunçar os fios loiros e alinhados.

O caminho até os jardins era longo, e ele nunca compreendeu como ela tinha coragem de sair pelada, atravessando a maioria dos cômodos. Mas, aquela era Daphne, e ela gostava da sensação de perigo causada pelos atos de leviandade. Era um espírito livre, por isso não carregaria o nome “Malfoy”. 

Enquanto percorria o caminho que dava acesso aos jardins da mansão, Draco se lembrou do ocorrido no campo dos refugiados. Torcia para que ninguém descobrisse o que fizera, pois estaria em uma situação delicada, para não dizer mortal, com o Lorde das Trevas.

Um bilhete escrito às pressas voava sob uma poça de sangue recente. E a mensagem, escrita com a letra de Daphne, não era clara.

“Fuja! Ele sabe de tudo. Ele tem todas as chaves! Cuidado com a porta.”

Malfoy continuou a seguir os rastros de sangue, pé ante pé ele aprofundou-se entre as flores e cercas vivas. No labirinto que ele nunca gostara de entrar quando criança por medo de se perder ele encontrou a morte, a única morte com a qual ele realmente se importava. A manhã já estava despontando e as cabeças de seus pais, iluminadas pelos primeiros raios de sol, estavam fincadas numa estaca.

Draco ajoelhou-se no gramado, sentindo entre os dedos das mãos apoiadas no chão a textura dos narcisos que rodeavam o corpo de seus pais. Mergulhado em seus gritos desesperados e as lágrimas que não paravam de cair, ele não escutou quando cinco homens com capas roxas e distintivo de aurores entraram na Mansão pelo portão que dava acesso ao vilarejo vizinho.

—Senhor Draco Malfoy. Sob ordens do novo Ministro da Magia, devido ao número de provas contra o senhor, estamos te levando sob custódia, para que aguarde seu julgamento na prisão. O senhor aguardará o julgamento por três anos, pois nossas pautas de julgamentos  estão abarrotadas de suspeitos. —O homem de cabelos castanhos e baixa estatura leu roboticamente o pergaminho que desenrolara em suas mãos. — Sinto muito por seus pais.

 

Era estranho que naquele dia tão devastador um arco íris vívido e colorido contornasse todo o céu, pois, no momento em que Draco percebeu que a tempestade havia passado, ele descobriu que estava acabado . Melancólico ele olhou para as algemas sendo colocadas em seus pulsos, para o sangue no chão e o grande jardim.

O jogo havia terminado.

 

 


Notas Finais




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