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História Constelação - Chegada


Escrita por: PatyNinde

Capítulo 4 - Chegada


 

 

Estamos todos vivendo em um sonho.

E todas essas tristezas que tenho visto

Me levam a acreditar que tudo isso está uma bagunça.

 Mas eu quero sonhar, eu quero sonhar.

 Deixe-me sonhar

(Dream – Imagine Dragons)

 

Hermione piscou duas vezes, sentindo a dor pulsante nas têmporas se espalhando por toda a extensão da cabeça e olhos. Tentou se lembrar do que havia acontecido, mas todas as suas tentativas foram falhas, pois a dor voltava com intensidade, como se alguém estive pressionando seu cérebro por repetidas vezes com o dedo indicador.

— Ela está acordando. — Hermione não conseguiu distinguir a voz que preencheu todos os cantos de seus ouvidos, produzindo uma dor esquisita em sua nuca. Concluiu que fora atingida por um feitiço estuporante. A voz era masculina e pertencia a alguém conhecido, mas não o suficiente para se fazer memorável.

— Estupefaça, Ellie? Sério mesmo? Você poderia tê-la machucado. — Ele ralhou.

"Eu sabia" Hermione comemorou em pensamento. Identificar os sintomas de um feitiço estuporante sempre fora o seu "calcanhar de Aquiles", desde a época em que era apenas uma estudante no Instituto Dillys Derwent. Talvez a prática fosse essencial neste caso específico.

— Ei, não me culpe! Estou tentando ajudar. — A voz que respondeu era feminina, suave e aveludada. — Não queria machucá-la, só impedi-la... Você sabe.

Havia uma chaleira apitando, o que fez Hermione imaginar que poderia estar num lugar decente, como uma casa de família. Não sabia por que lhe ocorrera aquele pensamento. 

— Senhorita, acorde... — A voz feminina chamou-a, enquanto o homem que também estava no local caminhava de um lado para o outro, demonstrado uma impaciência tangível.

— O que querem comigo? Não tenho dinheiro. — Hermione sussurrou ameaçadoramente. Não estava em seus planos ser sequestrada, morta ou vítima de qualquer violência. — Estão me esperando no meu local de trabalho, logo notarão minha falta.

— Por favor, não se zangue conosco. Estamos aqui a pedido de Harry Potter, seu amigo.— A garota alisava as vestes numa tentativa de disfarçar o nervosismo. Havia um vinco de preocupação entre as sobrancelhas grossas e bem desenhadas.

Hermione se lembrou de ter visto o amigo quando o feitiço atingiu sua cabeça e, por isso, a situação tornou-se muito mais anormal.

— Expliquem-se! — O tom arrogante não fora proposital, mas o medo tinha esse poder sobre Hermione, transformava- a numa mulher autoritária e, superficialmente, segura de si. 

Os dois jovens, que agora Hermione podia ver, eram Ralph e Elleanor, estagiários do departamento de aurores, e subalternos de Harry, se entreolharam encabulados. Elleanor puxou uma das cadeiras velhas, encostada perto da porta da casa igualmente antiga e negligenciada, espanou uma camada de poeira escura e sentou-se com cuidado.

— Senhorita Granger... — Elleanor hesitou, antes de disparar as informações das quais fora incumbida de transmitir. — Existe uma contaminação no Banco de Sangue. Todos os que receberam transfusões morreram em questão de semanas. Cerca de cinco crianças que haviam recebido transfusões de emergência não resistiram e sinto informá-la que Victorie Delacour Weasley foi uma delas.

O corpo humano possui um funcionamento incrivelmente sincronizado e alinhado. Todos os órgãos conversam entre si, numa sintonia quase musical. Todavia, o cérebro de Hermione não conseguia acompanhar a enxurrada de sensações que a devoravam de dentro para fora. 

A morte desde os primórdios da existência humana sempre significou dor, lamento e perda, ainda que a pessoa não fosse integrante do famoso círculo estrito de conhecidos, o falecimento de alguém é sempre visto com pesar .

E deixar de existir é a grande charada da morte. Não se trata de apenas abandonar o corpo humano, mas de nunca mais existir para quem ficar, pois Hermione sabia, melhor do que muitas pessoas, que as lembranças eram um castigo. As recordações de nada valiam, senão para atormentar e trazer à memória a realidade de solidão e vazio, deixados pela ausência física de um ente querido.

A morte de uma criança deveria ser proibida. Um sacrilégio para com o significado da palavra "vida" que, de acordo com uma das definições do dicionário, poderia caracterizar um grande período de tempo, mas que para Vic não seria mais do que quatro anos.

— Como assim? — Foram as duas únicas palavras, um tanto débeis e sem aprofundamento, que saíram dos lábios da brilhante Hermione Granger. 

— Não era Neville na lareira, senhorita, mas alguém sob o efeito da poção polissuco, pelo que pudemos analisar previamente . Não sabemos como nem por que, mas conseguiram entrar no Banco de Sangue. A senhorita bem sabe como isso sempre foi considerado...

—...Impossível — Hermione continuou a frase que ela mesma havia dito no discurso de abertura do Banco de Sangue.

Um único feitiço ainda selava a casa, muito poderoso e o mais antigo dentre as famílias de sangue puro, o Sanguis familiae. Hermione sabia que a maioria das famílias tradicionais do mundo mágico utilizavam tais encantamentos a fim de nunca perderem seus direitos sobre a propriedade, o que era muito comum no período de caça às bruxas. Sendo assim, algumas proteções colocadas sobre a casa poderiam ser facilmente desativadas se um membro  da família tocasse as paredes da Mansão, ou depositasse uma gota de seu sangue nas imediações.

Contudo, não havia mais um herdeiro Malfoy; o único e último estava jogado e trancafiado em Azkaban; não havia a menor possibilidade de ele ter qualquer relação com a contaminação do Banco de Sangue.

Elleanor apontou a varinha na direção da chaleira e o barulho cessou. Procurou uma xícara no armário de mogno espremido na parede, dividindo espaço com uma geladeira Prestcold azul, dos anos 20. Hermione conhecia bem a mobília, sua mãe havia herdado uma idêntica. A moça de cabelos crespos e longos, revirou duas gavetas, procurando o que Hermione imaginava ser uma caixa de chá, ou pó de café.

— O senhor Potter nos disse que a senhorita gosta de chá. — Elleanor falou, de costas para Hermione, enquanto mergulhava o sachê transparente e cheio de folhas desidratadas na xícara com água quente. — Ele se preocupa muito com a sua segurança.

— Onde ele está? — Hermione ainda não entendia o que havia acontecido desde que saíra de Hawkshead e fora abordada por seu amigo, visivelmente desesperado.

— Saiu há alguns minutos. — Elleanor vasculhou o armário, deixando cair três panelas. — Foi terminar de resolver essa confusão e logo estará de volta.

Uma resposta inconclusiva demais para alguém como Hermione Granger, cuja sede pelo maior número de informações possíveis era insaciável.

— Elleanor, você terá que me contar tudo o que sabe. Por tudo o que há de mais sagrado, o que está acontecendo? 

Elleanor respirou, como se o oxigênio fosse o fornecedor da energia necessária para contar uma longa e complicada história.

— Isso vai levar algum tempo, senhorita.

— Eu não tenho pressa alguma. — Hermione afirmou com ares de quem não sairia dali até saber exatamente o que se passava.

— x—

— Onde estamos? Não consigo enxergar nada. — A voz de Draco ecoou pelo o que ele imaginava ser um túnel — ou uma armadilha — conforme seu cérebro não parava de berrar.

 Kayla O’Boyle o visitara naquela semana, e na semana anterior trouxera alguns presentes. Ainda não fazia ideia sobre quem ela era de verdade, mas depois das muitas horas de conversas e negociações nas semanas passadas concluíra que, aparentemente, ela era uma funcionária dedicada do Ministério Irlandês, que morava sozinha, e que viera para a casa de algum parente, e lá ficaria enquanto o tal programa de inclusão bruxa durasse.

Entretanto, tais informações eram por demais escassas, e Draco não acreditava nas boas intenções que a aparência angelical da jovem e suas palavras doces — em alguns momentos sensuais, ele ousaria dizer — insistiam em afirmar.

Estava há exatos seis anos sem ver uma mulher. A última vez que provara o corpo macio e leve de um ser humano do sexo feminino fora na véspera da morte de seus pais.

Dafne Greengrass estivera no jantar que sua mãe organizara, visando celebrar a interação entre bruxos de sangue puro. Algo para dar ao Lorde Voldemort a falsa sensação de que a família Malfoy estava contente com a sua presença incômoda dentro da Imponente casa, e não enojados com os olhos sanguinários e a face pálida do desgraçado.

Junho, 1997

— Podemos não falar de sua amiga, Greengrass? — Draco estava apoiado na mesa cor de pérola, no local mais afastado possível. Os convidados conversavam baixinho, mas a música era relativamente alta. Ninguém se agradava da presença de Lorde Voldemort, embora fingissem muito bem; a exceção, é claro, era Bellatrix Lestrange, que poderia muito bem lamber a sola dos pés do seu senhor e ainda sentir-se privilegiada por isso.

Daphne Greengrass estava deslumbrante. O vestido roxo de tecido fluido, repleto de pequenas pedras azuladas, dava ao corpo esguio e curvilíneo da moça, um aspecto senhorial e aristocrático. Mas Draco a conhecia bem demais para se deixar enganar. A garota era tão santa quanto uma prostituta. O olhar que dirigia ao jovem Malfoy significava muitas coisas, sobretudo, o desejo de ser despida nos aposentos da Mansão, sob a sinfonia do ranger da cama e chocar dos corpos suados.

— Minha amiga, Draco, tem medo dos acontecimentos futuros. Se o Lorde estiver tão descontente com sua família como dizem, não será uma festinha que evitará o pior. Você sabe disto. — Daphne estava séria, mesmo que a máscara de sensualidade nunca a abandonasse. O exageradamente longo cabelo loiro estava preso numa trança grega que se entremeava numa tiara de flores douradas. Deslumbrante era uma adjetivo pobre, mas o único que Draco havia se lembrado no momento.

Sua preocupação, no entanto, não era a beleza etérea de Daphne Greengrass, mas a carga de responsabilidade sob seus ombros. É claro, as curvas o hipnotizavam e o distraíam vez ou outra, mas saber que Lorde Voldemort estava sentado na maior cadeira do salão, observando tudo e todos, alisando sua maldita cobra e sorrindo friamente enquanto olhava para os anfitriões. Lucius e Narcissa Malfoy.

— Não consigo imaginar o que mais poderíamos fazer. Estamos dançando conforme a música! Destruímos parte do St. Mungus, lembra? — Draco sussurrou, temendo que, mesmo longe, o Lorde facínora os escutasse. — Os adversários tiveram muitas baixas... Aliás, você ficou sabendo que o babaca do Weasley sumiu? Dizem que está numa missão especial a mando do Potter.

Draco não pôde deixar de perceber que Daphne ajeitou discretamente o vestido a fim de evitar encará-lo. As mãos quase transparentes de tão brancas ligadas às unhas carmesins estavam trêmulas também. Pensou em questioná-la sobre o comportamento, mas a garota apressou-se em provocá-lo em níveis um tanto quanto elevados. As mesmas unhas que dantes estavam alisando o próprio vestido começaram a passear pela barba rala que crescia no rosto de Draco.

Daphne aprumou-se estrategicamente num canto ainda mais oculto, de onde não podiam ser vistos. Com as ágeis mãos forçou Draco contra a parede de mármore, e ele gemeu ao contato gelado em suas costas. Com os lábios entreabertos, Daphne sussurou.“Quarto”. Ela era assim, uma ninfomaníaca, e o garoto não ousaria desobedecê-la.

Furtivamente, dirigiram-se ao quarto de hóspedes, no andar superior, que ficava vazio na maior parte do tempo. Draco não perdeu tempo, puxando a garota com força em direção ao seu corpo, que já dava claros sinais da condição em que se encontrava.

Daphne abriu o zíper do vestido, exibindo os seios medianos, mas com o tamanho exato o suficiente para que encaixasse as mãos ávidas de Draco. Os mamilos rosados e eriçados, que ele mordiscou e sugou, demonstrando toda a sua fome e desejo estavam frios. As unhas curtas, tingidas do mais puro vermelho, resvalaram por toda a linha da coluna vertebral, deixando marcas da pressão dos dedos onde passavam. Com uma das mãos ela alcançou o membro já rígido, e ele gemeu quando ela o massageou vigorosamente.

Quando estavam perto de terminar ele segurou o rosto da garota com ambas as mãos para que ela o encarasse quando atingisse o ápice.

Nunca trocavam beijos.

Kayla mantivera o silêncio na maior parte do caminho. Draco estava furioso. Sentia-se vulnerável, exposto, impotente. Gostaria de ser informado acerca do que seria feito e para onde estavam indo.

À medida que percorriam o corredor, a bela mulher atirava jatos minúsculos de uma luz prateada que saía de sua varinha e o único som audível era o dos saltos de seus sapatos. Fino, seco e retumbante.

Chegaram a um ponto em que o túnel se dividia em três caminhos, formando uma encruzilhada. As pedras que ladrilhavam o chão ficaram escorregadias e uma voz arranhada que parecia sair das paredes começou a falar. Draco não compreendeu o que dizia, mas Kayla parecia concentrada em responder o que por certo fora uma pergunta.

— São os dementadores. Tenho que confundi-los para podermos entrar neste segundo túnel, senhor Malfoy. — Ela finalmente falara, muito calma e serena, como se o estivesse convidando para um passeio de balsa. — Aqui os dementadores não sentem nossa presença, então não precisarei do meu patrono. Contudo, se tentar algo estúpido, não hesitarei em simular sua morte. "Causas naturais", devido ao excesso de maus tratos em Azkaban.

Dessa vez Kayla tinha nos olhos um brilho frio e vingativo. Draco não sabia como, mas tinha a impressão de que conhecia aqueles olhos de algum lugar. Sua memória, contudo, não funcionava muito bem há algum tempo, pois estrategicamente reorganizara suas lembranças numa tentativa que se mostrara eficaz para afastar os dementadores.

— Olhe só para mim, senhorita O'Boyle. Não tenho condições físicas de tentar sequer soprar o oxigênio dos meus pulmões em seu rosto. Não imagino onde eu possa encontrar forças para, como você mesma disse, "tentar alguma coisa." — Draco falava sério, mas não totalmente. Seus pensamentos, ali dentro do túnel escuro, vagavam em liberdade, enquanto ele pensava nas muitas coisas que não fazia há séculos.

— Não posso confiar em você, os Malfoy nunca tiveram uma boa reputação quando o assunto é manter promessas. Aliás, boa reputação é algo que fugiu da árvore genealógica de vocês há um tempo considerável.

A mulher apalpava as paredes com força, tentando encontrar alguma coisa que Draco não poderia dizer o que era, afinal, não era como se ele se importasse, estava mais preocupado e incomodado com o insulto presente na fala dela, que o encheu de agressividade e nojo. Poderia matá-la em épocas passadas. Se tivesse uma varinha...

— Diga-me, Kayla O'Boyle, quem são seus familiares? Estou curioso para saber de onde você vem. Talvez isso justifique a ousadia e o tratamento desdenhoso à uma família tradicional bruxa. — o sangue parecia queimar as veias azuladas de seu antebraço. Em sua cabeça imaginou ter sido a marca negra anunciando que estava diante de uma sangue- ruim.

Kayla, que no início do túnel havia trocado de lugar com Draco e o empurrava com sua varinha por um caminho escuro e pedregoso, agarrou o ombro do prisioneiro e o forçou a se virar para ela, jogando-o com força contra a parede. Encarou-o nos olhos, deixando escapar um sorriso sutil e jocoso.

— Ora, Draco Malfoy, não pertenço a uma família de sangue puro como você. Sou o que vocês chamam de “mestiça”. No entanto, se minha memória não me trair ou meus olhos estiverem enfeitiçados, não sou eu quem está suja, fedendo, passando fome e convivendo com ratos. Portanto, guarde sua arrogância e birra para quem realmente se preocupa com suas provocações, não funcionam comigo. Apenas obedeça-me e só terá a ganhar.

—x—

Hermione esperou pacientemente que Elleanor começasse a falar tudo o que sabia. A garota estava arrumando a mesa e depositando o líquido fervente da chaleira em mais uma xícara, além das outras duas postas à mesa. Quando terminou convidou Hermione para se sentar, enquanto abria uma lata de biscoitos e iniciava o relato sobre os acontecimentos recentes.

— Bem, tudo começou quando Victoire foi hospitalizada e apresentou uma piora injustificada. O Senhor Potter resolveu monitorar cada movimentação que ocorria entre o St. Mungus e o Banco de Sangue. A senhorita sabe que ele nunca confiou naquele local. Nas últimas semanas, porém, ficou obcecado, trabalhava até o dia clarear, dormia no escritório e passava tempo demais no Departamento de Mistérios. Há catorze dias o Chefe interdepartamental, Sr. Agosis Pertindum, foi procurá-lo e parecia muito preocupado. Eles ficaram horas conversando e Potter saiu muito satisfeito; tinha outro aspecto, estava decidido e confiante.

— Então, qual é o problema? — Hermione indagou, tentando compreender onde Elleanor queria chegar.

— O problema, senhorita, é que, sem motivo aparente, ele começou a ter problemas no Departamento dos Aurores. De uma hora para outra casos antigos foram questionados por colegas, que não quiseram revelar o porquê de não aprovarem a chefia de Harry Potter, e a competência dele passou a ser posta em discussão. Muitos requisitaram o remanejamento de vários casos para outro chefe do Departamento, Dave Houston. Potter, porém, não se deu por satisfeito e contou com o auxílio de Agosis Pertindum para proteger e investigar por si próprio os casos que ele entendia como “especiais” e foi aí que as coisas começaram a ficar estranhas, pois quando iniciaram a verificação do desaparecimento de Daphne Greengrass, a morte da mãe de Simas Finnegan e a morte de Ronald Weasley, Agosis Pertindum passou a ser perseguido. Sua filha recebeu ameaças de morte e ele encontrou um de seus elfos domésticos decapitados na porta do quarto da garotinha.

— Elleanor... Isso é muito grave! Não posso afirmar com certeza, mas pela análise de seu relato acredito que alguém esteja querendo impedir as investigações de Harry no Banco de Sangue e, o que é pior, essa pessoa está infiltrada no Departamento de Aurores, no Ministério e no St. Mungus. — Hermione assumiu um ar investigativo e não pôde deixar de traçar em sua mente as possíveis ligações entre todos os acontecimentos. Um temor cresceu em seu peito quando um pensamento se formou. — Malfoy...

— Perdão, senhorita?

— Malfoy, Elleanor...Draco Malfoy! Ele pode ter algo a ver com isso. Só preciso descobrir como, já que aquele bastardo está socado em Azkaban.

— Então mais pessoas precisariam estar envolvidas, pois ele não possui influência suficiente para vetar o projeto de inclusão. — Elleanor externou o pensamento em voz alta. — É possível que alguém não a queira por perto, senhorita. Posso afirmar que o chamado do falso Neville não foi um caso isolado. Não acho que seja coincidência essas coisas acontecerem justo quando a senhora Potter também começou a se receber mensagens anônimas sobre a hipótese de seu irmão ter sido assassinado. 

Hermione assustou-se à menção do projeto, afinal, Agosis lhe dissera que só exporia suas ideias ao público futuramente. Alarmou-se também com o número de informações que Elleanor possuía a respeito de quase tudo.

— Como sabe de tantas coisas, Elleanor? — Hermione indagou.

— Eu e meu namorado acompanhamos nosso chefe, Harry Potter, em todos os lugares. Por diversas vezes fiquei responsável pela agenda dele... Ele é um homem muito humilde e parece confiar em mim. Não demorou a me colocar por dentro de todos os assuntos do Departamento dos Aurores e questões do Ministério.

— Então, diante de todas essas informações que você me passou, devo assumir que Harry abomina o fato de eu ir trabalhar em Azkaban e por isso me trouxe até aqui, de forma muito exótica e violenta — Elleanor abaixou a cabeça envergonhada — além, é claro, de evitar um atentado contra minha vida...

— Mas eu sei que você é tão teimosa quanto um centauro e irá para lá de qualquer jeito.

A voz do amigo foi imediatamente reconhecida. Harry saiu de um dos cômodos da casa, mas parecia ter acabado de chegar. Estava suado e arfante.

— HARRY! — Hermione saltou de seu lugar, correndo na direção do amigo, mas parou subitamente no meio do caminho — Não sei se devo abraçá-lo ou azará-lo por ter escondido tantas coisas de mim.

— Não veja isso com maus olhos, Mione! Eu não poderia colocar a vida de ninguém em risco. — Harry alisou os cabelos com os dedos com impaciência ao perceber a postura da amiga, irredutível e nem um pouco compreensiva. — Agosis acredita que você possa ser muito útil em Azkaban, sabe, para podermos descobrir se Malfoy está mesmo envolvido com toda essa merda, ou se estamos lidando com algo maior.

Harry aceitou a xícara de chá oferecida por Elleanor, acomodando-se na cadeira vaga como se já estivesse habiatuado ao local.

— Obrigado, Ellie! Este chá está divino como sempre. — A garota corou e agradeceu o chefe, rumando para a cozinha e deixando Harry e Hermione à vontade para discutirem o que tivesse que ser discutido.

— Então o projeto será apenas simbólico? — Hermione questionou, já desaprovando a atitude de todos os envolvidos, por colocarem-na como uma peça dentro de um plano muito maior e não informá-la. Era, para dizer o mínimo, desrespeitoso. — Isso foi uma das piores atitudes vindas de sua parte, Harry Potter. Tratar-me como uma inútil, um peso morto... Estou indignada.

— Acalme-se, Mione! — Harry falou brandamente, tocando o ombro da amiga, que o encarava magoada. — Creio que o projeto seja algo muito sério... Agosis viu a necessidade real de se trabalhar com os bruxos debilitados que foram afastados de suas funções... Mas você sabe, Mione, que eu colocaria qualquer outra pessoa no seu lugar. Bastaria você me dizer que não quer mais e...

— Harry, será que não entende? Agora, mais do que nunca, é necessário que eu vá para Azkaban. E antes que faça aquela cara de criança contrariada — Hermione completou prevendo a reação do amigo — Já adianto que sei lidar com as situações de perigo que eu possa vir a enfrentar.

— Espero que saiba mesmo, Mione... — Harry tomou a iniciativa e buscou o abraço da amiga que não via há mais de cinco anos. Eram apenas os dois; o trio de ouro não existia mais, e somente a ideia de que Hermione pudesse ajudar a desvendar o mistério que circundava a morte de Rony o confortava no meio de tanta saudade.

— x—

Quando a balsa atracou na ilha escura e tétrica, Hermione sentiu uma espécie de enjoo, falta de ar, infelicidade e o típico frio que somente os dementadores poderiam causar. As águas bravias eram assustadoras, mas eram o menor dos problemas, visto que a prisão, após seis anos, não havia melhorado em nada. A aparência da construção era de um local há muito castigado pela miséria, abandono e desolação. Era como se Hermione pudesse ouvir o grito das almas submergindo das entranhas de cada dementador.

— Não se preocupe Doutora Granger. A senhorita está fora de perigo. Estes camaradas aí somente atacam sob as ordens dos aurores. — O homem de cabelos rareados e largas rugas ao redor dos olhos falou, enquanto iluminava o caminho com a sua varinha.— A propósito, sou Anthony Feggis, e ser guia não é bem a minha função. Trabalho no ambulatório, e devo dizer que a senhorita chegou numa boa hora. Estou acumulando pelo menos cinco funções por aqui com essa falta de funcionários.

O homem sorria com facilidade, apesar da carranca que exibia quando fora buscar Hermione na cidade vizinha. Ela imaginou se aquilo não seria uma característica a ser desenvolvida, ou forma de proteção: “Quanto mais infeliz e ranzinza você parecer, menos os dementadores se interessam pela sua alma”.

Ambos seguiram caminho pela areia fina e úmida, sem trocarem muitas palavras. Conforme andavam e Feggis murmurava uma série de encantamentos, desenhando runas no chão, Hermione notou que o lugar se transformava. Já não estavam mais pisando em areia, mas numa mistura de rochas escuras e opacas, como se uma calçada houvesse se formado, e junto dela, um portão brotou do solo, o mais alto e mais assustador que Hermione já vira em toda a sua vida, especialmente por duas gárgulas que mais pareciam a versão piorada do cruzamento entre um sereiano com algum anjo de catedral.

— Aqui, senhorita, precisa usar este amuleto. Não é de bom tom conjurar patronos corpóreos logo de cara. Os dementadores entendem como um insulto...

— Obrigada, Sr. Feggis — Hermione, intrigada, contemplou por alguns segundos o objeto que o homem lhe oferecia, antes de apanha-lo e coloca-lo em volta do pescoço. Era uma espécie de colar[1] com um pingente arredondado de interior transparente, que parecia um relicário.

— Agora conjure o seu patrono e o convença a entrar no amuleto. — O homem instruiu, vendo que ela parecia confusa a respeito da utilidade do objeto.

Hermione concentrou-se em sua memória mais feliz, mas a proximidade da prisão não permitia que a lembrança se completasse. Uma sensação de angústia e medo se apoderava de seu ser. Buscou então, com mais vontade e determinação, a lembrança do dia em que fora informada de sua admissão imediata no Instituto Dillys Derwent.

Uma lontra prateada escorregou da ponta da varinha e rodopiou pelo ar, correndo em volta de Hermione, iluminando metade do caminho que ficara para trás. Com apenas um sussurro, sem saber se estava fazendo certo, a jovem chamou a lontra, convidando-a para entrar no amuleto, o que o animal prateado fez sem hesitação. Em poucos segundos, assim que o pingente tocou seu peito, uma sensação de alegria e tranquilidade amornou seu coração, como há muito tempo não possuía, mesmo longe dos dementadores, mesmo nas reuniões de família ou amigos. Poderia usá-lo pelo resto de sua vida, se isso significasse boas noites de sono, e um pouco de paz.

— Podemos entrar, Doutora? — A voz de Anthony Feggis despertou Hermione, já perdida em suas divagações. — Daqui a pouco começará a ventar ainda mais, e não há patrono que possa nos proteger das rajadas da Ilha de Azkaban.

Hermione aquiesceu, seguindo novamente o homem que havia guiado seu caminho pelos últimos quarenta minutos. Talvez pudesse se dar bem com Anthony Feggis. Ele parecia um homem correto e decente, seus olhos refletiam a bondade típica de pessoas mais velhas que tratam os mais jovens como filhos. Hermione prometera a si mesma que, tão logo se acomodasse em seu posto de trabalho, trataria de conversar com Feggis, para saber como as coisas funcionavam ali na prisão e, eventualmente, colocá-lo como um dos representantes do projeto de Agosis Pertindum. Quanto mais rápido saísse daquele lugar, melhor, mas antes precisava de alguém confiável para entregar uma função tão prestigiosa; Anthony Feggis parecia ser a pessoa certa.

Os portões se abriram assim que Feggis proferiu palavras numa língua completamente desconhecida, algo entre o grego e o francês. Hermione não conseguiu distinguir. O barulho das bases arranhando o chão era ensurdecedor, mas o homem parecia acostumado. Suas mãos apertaram o próprio colar, onde um brilho prateado se movia delicadamente, e de seus lábios finos e pálidos uma prece foi saindo; Hermione sabia que era uma prece.

— Patronos não podem ser nossa única proteção lá dentro, doutora. O que a senhorita verá neste lugar não sairá jamais da sua memória, ainda que tente esquecer, ainda que passe mil vezes pelo departamento dos Obliviadores. Espero que esteja preparada.

— Sim, senhor Feggis. Quando aceitei a proposta do meu chefe, sabia onde estava entrando. Li tudo sobre a prisão, e por cerca de dois anos estive em contato direto com um fugitivo de Azkaban.

— Não é sobre livros que estou falando... — Anthony pontuou, um tanto quanto incomodado com o forte ar de arrogância mal escondido nas palavras da moça. — Espero que saiba fazer alguma prece. Os patronos apenas aliviam o peso que sentimos em nossa alma. A prece nos permite viver depois de conhecermos Azkaban.

— x—

E Hermione não estava preparada, descobriu ao adentrar no pátio da prisão. No entanto, não diria nada ao seu guia. Não gostava de admitir seus fracassos, erros e inseguranças. Por um breve momento ela realmente acreditara na possibilidade de estar preparada para a visão que encontrou, mas como Anthony Feggis dissera: “Não estavam falando sobre livros”.

Cerca de vinte dementadores estavam postados nas laterais do amplo pátio coberto de poeira; poeira esta que não era, em nenhum aspecto, comparada àquela que se acumula sobre os móveis quando se resolve adiar uma boa faxina, mas uma camada grossa e corpórea de coloração negra e odor pútrido que pairava pelo ar, de modo que quem quisesse atravessar para o lado oposto, deveria entrar em contato com a massa disforme e fétida.

— Estão criando novos companheiros. A senhorita sabe como é, não sabe? Dementadores odeiam estar sozinhos. — Com um risinho contido, Feggis olhou para Hermione, que estava falhando miseravelmente em sua atuação de quem já estava preparada para tudo aquilo.

Sem pedir permissão e sem avisar, Anthony Feggis tomou a mão pequena e trêmula de Hermione, como um pai faria ao ver a expressão de medo de sua filha, e guiou-a até a camada grossa de poeira que subia cada vez mais alto.

— Protego! — O movimento da varinha foi ágil e eficiente. Anthony Feggis em pouco tempo criou uma barreira para ele e Hermione, de modo que puderam caminhar com segurança.

Quando alcançaram a porta que dava acesso à prisão propriamente dita, Hermione pensou ter escutado vozes. O som que ouvira lembrava muito uma mistura de unhas arranhando um quadro negro com ossos se partindo. Hermione conhecia muito bem o som de ossos se partindo, era perturbador e doentio.

— Eu sei... Sabe, sobre a sua repentina paralisação... — Feggis começou, antevendo a fala de Hermione — Acontece com todos que não estão habituados. Esse é o tal “Efeito paralisante” dos dementadores.  Margareth, minha filha, costumava ter medo deles também. Mark nem tanto... Era um grande babaca, se fingindo de adulto, quando tudo o que deveria ter feito era segurar minha mão.

Hermione sentiu-se penalizada. Feggis provavelmente estava se lembrando dos filhos. Talvez ambos tivessem morrido ou, quem sabe fosse uma história triste demais para ser contada, mesmo sem uma morte. Percebeu que o homem espantou as memórias com um chacoalhar de cabeça. Ele sabia o quão perigoso era manter qualquer tipo de lembrança naquele lugar.

— Senhor Feggis... — Com os pensamentos e a lucidez retornando, Hermione se lembrou de algo estranho que havia acontecido enquanto caminhavam entre os dementadores.

— Sim, querida?

— Eles, os dementadores, estavam falando?

Feggis olhou para trás e em seguida fitou Hermione como se pretendesse arquivar em algum compartimento de seu cérebro a imagem da jovem medibruxa, genuinamente assustada e curiosa.

— Sim, minha filha, eles estavam falando. Como eu disse, não se aprende sobre Azkaban nos livros.

—x—

Decididamente o local havia sido reduzido. Draco não sabia em qual momento do dia isso ocorrera, mas era um fato. A não ser é claro, que estivesse louco.

— Mas que merda! Reduziram esse lugar de novo? Não acredito que ainda estão trazendo presos para este inferno! — A voz de Draco ecoou pelos corredores e encontrou apenas o seu eco como resposta. — Feggis? Tem alguém aí fora?

— Filho, acalme-se! Estão recebendo dois presos, pois a criminalidade continua no mundo bruxo. Também tivemos a hora de receber dois novos funcionários. Gostei muito da jovenzinha. — Feggis sempre estava por perto. Nunca tratava Draco de forma desdenhosa ou rude, apesar de ter que lidar com as malcriações do jovem prisioneiro quase todas as vezes. — Como está hoje, Draco? Teve pesadelos?

— O de sempre, meus pais sendo devorados por Voldemort. — Draco respondeu sem demonstrar a forte preocupação e o temor que sentia todas as vezes que o pesadelo visitava seu sono. — Veio aqui velar meu sono? Saiba que não preciso de seus cuidados paternais.

— Vim aqui lhe trazer comida, seu bastardinho ingrato! — O homem sorria, apesar da malcriação de Malfoy. — Trouxe um sanduíche de carne de porco. Espero que sua religião permita o consumo.

— Minha religião é Azkaban agora. Rezo todos os dias aos santos dementadores, pedindo para morrer antes de ser beijado.

Feggis encostou o rosto na cela e conseguiu enxergar Draco encostado na parede da cela, com vários rolinhos de folhas de jornal.

— Coma sua comida, Draco, e beba a água. Não se apresse, precisa dar um tempo para seu estômago receber o alimento, você ficou dias sem comer.—Feggis iluminou a cela e observou Draco atacar o sanduíche com voracidade. — Vou deixar uma chama para você, mas só use de vez em quando. Não vá me encrencar com o pessoal lá de cima. Ao contrário do que qualquer pessoa pensaria, Anthony não estava se referindo aos seus superiores, mas aos dementadores , que abominavam todo tipo de luz.

Draco forçou uma expressão tranquila e despreocupada, como se os dementadores não fossem um problema para ele

— Você não pode fingir que está tranquilo, garoto. Muito menos esperar que eu acredite nessa sua arrogância. Dê o braço a torcer uma vez na vida! Agradeça, permita-se a felicidade... Só assim combatemos esses filhos de uma vaca. — Anthony apontou para o céu, numa clara referência aos dementadores. — Você tem tanto a aprender...

— Feggis... Se veio fazer a bondade do dia, livrar a própria consciência, ou tentar compensar erros do passado com uma boa ação a um preso órfão e falido, muito bem, considere feita. Portanto, apenas saia daqui e me deixe a sós com minha mente perturbada. — Draco, apesar da resposta pouco grata, não elevou o tom de voz. Já não possuía forças para tanto.

— Eu volto aqui amanhã para alimentar esse seu traseiro desnutrido. Amanhã você vai me escutar, tenho certeza.

— Você diz isso todos os dias, sabia? Há seis anos. — Draco grunhiu.

— Bem, eu espero estar por aqui nos próximos seis, para continuar dizendo.

O homem saiu apressado, jogando a luz de sua varinha para frente, iluminando o caminho de volta. As farpas trocadas eram uma rotina, mas Anthony Feggis parecia nunca desistir. Malfoy nunca admitia, mas sentia-se menos pior quando Feggis aparecia.

 As outras celas estavam silenciosas, apenas Draco parecia estar naquele corredor. Ele imaginou se Kayla já estaria movendo alguns palitos em seu favor. Se fosse isso mesmo, na semana seguinte poderia esperar outras melhorias; uma cama nova, iluminação, cobertores... Sua liberdade, sua Mansão e sua fortuna.

—x—

Uma sala só para ela. Segundo Anthony, aquilo sim era privilégio. Em Azkaban ninguém recebia tais regalias, a não ser, é claro, Leon Dixon, o funcionário favorito do Ministro, e a senhorita Kayla O'Boyle, uma pocionista exemplar recém-contratada, que também fora agraciada com uma sala particular.

Hermione abriu a porta de mogno, lisa e sem qualquer desenho para contemplar a sua sala. O lugar era impecável, diferente de tudo o que vira enquanto caminhara pelos corredores e algumas celas da prisão. Era um lugar limpo, fresco e arejado; toda a decoração fora feita de modo a agradar qualquer pessoa que viesse trabalhar ali. O chão era de Mármore e brilhava como se um feitiço polidor fosse renovado a cada duas horas, o que de fato ocorria, Hermione percebeu mais tarde, quando um elfo passou apressado por debaixo de suas pernas, quase a derrubando, e com um estalar de dedos deixou o chão ainda mais brilhante.

Havia apenas uma escrivaninha de madeira maciça, duas cadeiras estofadas muito confortáveis e uma poltrona de couro, um armário abarrotado de pergaminhos em branco e tinteiros, bem como uma prateleira com algumas poções emergenciais, preparadas pela pocionista de Azkaban. Hermione adicionou em sua agenda uma nota para lembrar de agradecer a senhorita O'Boyle pelo capricho e organização.

Sentando-se na poltrona ocre, de textura macia e lisa, Hermione começou a calcular mentalmente o tempo necessário à consecução de seus objetivos. Primeiro deveria conversar com cada profissional afastado, depois, trabalharia arduamente na melhoria das condições da prisão, lutando, inclusive, contra a política que aprovava a presença dos dementadores em Azkaban. Concomitantemente ao trabalho que lhe fora confiado, Hermione buscaria o maior número de informações sobre a morte de Rony. Dentro de um ano estaria tudo resolvido, ou pelo menos em ponto de resolução.

Três batidas na porta despertaram Hermione para o que deveria ser o início de seu trabalho.

— Entre. — Hermione falou, fingindo estar perfeitamente acomodada e tranquila, mesmo com a forte corrente de adrenalina e nervosismo perpassando por todo o seu corpo.  

Uma moça muito bonita e elegante, com um sorriso gentil e muito amistoso se materializou em sua frente. Seus cabelos eram longos e loiros, tão sedosos que mesmo de longe era possível sentir a maciez dos fios cheios e perfumados. Trajava vestes finas e provavelmente muito caras. Seus olhos eram azuis, muito vívidos, tão redondos quanto o rosto da jovem que, pelas características que Feggis lhe dera algumas horas antes, deveria ser Kayla O'Boyle.

— Bom dia, Dra. Granger. Sou Kayla O'Boyle, pocionista credenciada pelo Ministério da Magia Irlandês. Recebi o convite de Agosis Pertindum para auxiliá-lo no projeto e fiquei muito feliz por saber que trabalharia com a senhorita. Os seus feitos, tanto em Hogwarts como no Instituto Dillys Derwent, são conhecidos no mundo todo. — A moça tinha um forte sotaque Irlandês, mas notava-se algo de americano em algumas palavras e trejeitos de pronunciação. Também falava como se houvesse ensaiado cada frase.

— Obrigada, Senhorita O'Boyle. Fico lisonjeada pelos cumprimentos e devo acrescentar que seu trabalho também não me passou despercebido.  Li o seu último artigo sobre a substituição de maldições imperdoáveis por poções raras, e como isso afeta a criminalidade no mundo Bruxo. Fantástico! Digno da premiação anual do Profeta Diário. — Hermione havia lido o artigo e, embora realmente achasse que fora muito bem escrito, em sua opinião faria três ou quatro modificações.

Com um aperto de mão efusivo ambas se cumprimentaram, sorrindo mutuamente.

— Por favor, sente-se, senhorita O'Boyle. Estou um pouco confusa com todos estes papéis — Hermione apontou para uma pequena pilha amontada no centro da mesa. — Peço que não repare a bagunça.

Kayla soltou um risinho pelo nariz e olhou para um grupo de pastas separadas por cor e ordem alfabética.

— Vendo o que a senhorita considera como bagunça, fico até envergonhada em recebê-la na minha sala. Não encontraria uma caneta sem lançar mão de um feitiço convocatório. — A pocionista afastou uma mecha de cabelo dos olhos, e ficou séria por um momento. — Eu não vou me demorar aqui, Dra. Granger, apenas vim dar-lhe as boas vindas e avisá-la que minha sala fica no final deste corredor; se precisar de alguma coisa não hesite em me procurar.

—Muito obrigada. Espero que possamos nos encontrar com mais tempo para podermos conversar e tomar uma xícara de chá. — Hermione comentou educadamente, abrindo a porta de sua sala  quando Kayla fez menção de se retirar.

— Não faltarão oportunidades. Tenho a impressão de que passaremos muito tempo juntas.

—x—

O sistema de ligação entre funcionários da prisão era bastante interessante. Funcionava como uma linha telefônica trouxa, só que, ao invés de um aparelho que se conectava a outro por intermédio de uma rede de fios, tinha-se uma pequena caixa feita de Bronzonita, pedra com o poder de diminuir depressões e amenizar os traumas vividos; muito eficaz na proteção contra influxos negativos. Um verdadeiro escudo protetor da alma. Dentro da caixa lançavam um feitiço. Tantum Ligatio. E tornava-se possível escutar a voz da outra pessoa em sua própria cabeça.

— Feggis? — Hermione chamou, testando o curioso aparato mágico pela primeira vez. — Está conseguindo me ouvir?

— Sim, Dra. Granger. — O homem tinha um tom risonho na voz. — A senhorita pode falar mais baixo, também, se for possível. Acredite, isso vai direto na minha cabeça.

— Oh! Desculpe... — Hermione sussurrou sem graça, falando, em seguida, o mais baixo que conseguiu. — Assim está melhor?

— Quase. Apenas aumente um pouco o volume de sua voz. — Ela continuou os testes vocais, e Feggis a orientou conforme os ajustes ficavam prontos.— Isso, assim está perfeito!

Hermione desligou a Bronzonita e buscou na pasta que Agosis Pertindum havia lhe dado os funcionários que passariam por sua avaliação primária. Estava animada, apesar dos pesares. Ali dentro era como se nenhum dementador pudesse atingi-la, então, trabalhar se tornava quase prazeroso. Quase porque ainda era uma prisão e vez ou outra conseguia sentir arrepios sutis pela orelha e nuca.

Um memorando se espremeu pela fechadura da porta, e Hermione estranhou o fato de implantarem mais esta forma de comunicação em Azkaban.

O pequeno aviãozinho de papel chegou em suas mãos bastante amassado, nele estavam algumas recomendações sobre  o primeiro dia de trabalho.

 

Cara Senhorita Granger,

É um prazer inenarrável poder contar com a sua presença neste projeto. Espero que Feggis, meu grande amigo, tenha recebido a senhorita com a devida atenção e cuidado. O projeto tem início hoje, e torço para que receba este memorando a tempo, pois introduziremos nosso fiel funcionário, Raul Canvilion, ex-executor de leis mágicas e antigo supervisor de Azkaban.

 As fichas com os demais pacientes e procedimentos estão na sua mesa de trabalho, terceira gaveta a direita.

 

Tenha um ótimo dia!

 Que o projeto traga mudanças em sua carreira. 

São meus votos mais sinceros.

 

Agosis Pertindum

(Chefe Interdepartamental)

 

Raul Canvilion seria o primeiro a receber tratamento. Era um homem baixo e magro; tinha a voz áspera e sussurrante, como se estivesse sendo forçado a entregar uma informação que deveria ser mantida em segredo. A postura, como era de se esperar de alguém que sofrera torturas físicas e psicológicas, tinha um quê de medo, pois era encolhida e bastante torta.

Canvilion tinha olhos castanhos e pupilas muito dilatadas, dentes apinhados e queixo curto.

Hermione conseguira mais algumas informações  dando uma rápida verificada na ficha médica do homem. O relatório era impreciso, feito às pressas e manchado pelo o que ela imaginou ser tinta misturada a alguma poção inofensiva, mas muito mal cheirosa. A foto de Raul era bastante realista e se mexia conforme alguns flashes disparavam em sua direção. O corpo nu revelava ferimentos severos e contusões irrecuperáveis.

A jovem procurou sua agenda na bolsa e, dispensado a pena e o pergaminho em sua gaveta, anotou com uma caneta pequenos detalhes prévios sobre o estado físico do homem. Precisava tratá-lo adequadamente, cuidando de sua condição física, antes de curar os demais traumas.

Os funcionários, de acordo com os termos, discutidos anteriormente com Pertindum, seriam examinados por último. Hermione não pôde evitar de sentir um desconforto ao saber que o plano não seria religiosamente seguido.

Ao entrar pela porta de sua sala, arrastando os chinelos e com as mãos nos bolsos de uma calça marrom de sarja, Raul Canvillion saudou alguém invisível próximo ao armário de poções e dirigiu-se à Hermione com um ar desconfiado, deixando escapar um suspiro pelo canto dos lábios.

— Li tudo sobre seu trabalho, senhorita. Tudo. — A mão de Canvilion tremeu e os olhos piscaram cinco ou seis vezes.

—Bom dia, senhor Canvilion. Como tem passado? — Hermione tentou não demonstrar o leve espanto que se sucedeu após a abordagem de seu "paciente".

— Ah, Doutora... Doutora, Doutora. — O homem murmurava desvairado, a boca murcha emitia um ou dois sons ininteligíveis além da palavra "Doutora".

— Sim, sou a Doutora Granger. Ficarei responsável pelo seu tratamento, para que o senhor possa retornar ao seu antigo posto de executor de leis bruxas e supervisor da Prisão.

O ambiente estava tranquilo, embora os dementadores estivessem do lado de fora. De fato os colares ajudavam muito, e ter cerca de dois patronos circulando pela porta, o de Feggis e o de Kenny, guarda auxiliar dos portões, também era de grande valia. Raul Canvilion, entretanto, parecia complemente alheio aos acontecimentos à sua volta. Cuspia no chão vez ou outra e repetia palavras desconexas, das quais Hermione extraiu trechos de uma canção de ninar que os bruxos tradicionais cantavam para seus filhos.

— Merlin tinha um irmão, uma irmã, uma mãe, um pai e um caldeirão. Eles ferviam sangue de dragão. Sangue de dragão. Sangue, sangue... Doutora. — Dessa vez Raul olhou intensamente para Hermione. Ele abriu e fechou as mãos com rapidez.

Hermione sentiu uma vertigem. Seus ossos pareciam ter recebido uma rajada de gelo, tamanha a sensação de resfriamento que consumiu suas juntas.Não estava lidando com um problema comum. Aquele homem precisava de tratamento específico, preferencialmente na ala de danos permanentes no St. Mungus.

— A senhorita está com medo porque acha que sou louco. — Ele estava afirmando com uma raiva venenosa em suas palavras. —  Eu cuidei da comunidade bruxa, mas eles me destruíram. ELES! EU NÃO SOU LOUCO!

— O senhor gostaria de me contar um pouco sobre "eles"? — Hermione tentou apaziguar os ânimos do paciente. — Sente-se, Raul, estamos entre colegas. Eu já trabalhei no Ministério, sei como as coisas podem ser estressantes por lá de vez em quando. Com a guerra tudo ficou pior, logo, acredito que sua aversão aos causadores da guerra é muito justa; Voldemort e seus seguidores causaram muitos males à comunidade bruxa.

— Sim, sim, sim...Estressantes. Eles querem me enlouquecer. Estou definhando neste lugar. Eles querem voltar para me buscar...

— Então vamos protegê-lo, Raul. Voldemort não pode te fazer mal algum, ele está morto.

— Os mortos não são enterrados quando existem sucessores.

Hermione sentiu um mal-estar. Disfarçou e começou a escrever os sintomas de Canvilion em um papel, enquanto era perscrutada pelos olhos alucinados do homem. Quando percebeu que ele não pararia de encará-la, o dispensou, alegando já ter encerrado todas as perguntas.

Como chegara em Azkaban quase no final do dia, não fizera muito progresso, então, dormiria ali naquela noite, pois não eram permitidas aparatações num raio de até 100 km. Segundo orientações de Feggis, deveria fazer uso dos aposentos da prisão, especialmente criados para os funcionários que precisavam passar a noite em Azkaban.

No dia seguinte ficaria frente a frente com o primeiro prisioneiro e, se conseguisse, daria uma checada num velho e detestável conhecido.

Draco Malfoy.

 


Notas Finais


[1] Ideia da escritora genial "Ly Anne Black" para a fanfic "Indigna Rosa Negra", o meu xodó, que está no top 5 de fanfics favoritas da vida. Não deixem de ler essa história maravilhosa!! (Você a encontrará nos meus favoritos).

Genteeem!

Meu facebook é muito amorzinho e eu juro que sou muito legal. Adcionem lá :)
Mandem mensagem falando que você é leitor de "Constelação" e faça uma escritora feliz!


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